Bosch e Dalí: A Tentação de Santo António na Idade Média e na Contemporaneidade Manuel Fernandes O tema da tentação é, nos temas de índole religiosa, um dos mais recorrentes ao longo da história da arte, nomeadamente na pintura. Associada ao desejo ilícito, aos apetites vedados, à imagem proibida ou à luxúria, não é possível fazer-se uma materialização concreta do que é a tentação. Daí que a sua representação tenha variado em diversos signos e símbolos, o que lhe conferiu diferentes formas icónicas e concepções conforme os sistemas simbólicos escolhidos pelo pintor. Hieronymus Bosch (1450?-1516) e Salvador Dalí (1904-1989) são dois dos pintores que representaram o tema da tentação através dos quadros As Tentações de Santo António (sem data) e A Tentação de Santo António (1946), respectivamente. Apesar da distância temporal entre os dois pintores, a obra de Bosch, é considerada pela história da arte como uma matriz remota do Surrealismo, movimento do qual Dalí é um dos principais representantes. Ainda que se reconheçam distintas intenções artísticas entre o pintor do Séc. XV e o movimento artístico contemporâneo, é com facilidade que se reconhecem possíveis similitudes entre as obras dos dois pintores. No entanto, neste trabalho partiremos das suas afinidades artísticas para descortinar as diferenças entre os dois quadros, o que, então, nos permitirá distinguir a representação do tema da tentação nas duas épocas correspondentes, objectivo do trabalho. Para isto, consideramos o pressuposto de que na representação artística não só a interpretação estética do pintor contribui para a produção da sua obra, mas também a cultura, a época e a sociedade em que o artista vive. Assim, uma manifestação de Arte, neste caso pintura, é também susceptível de ser uma manifestação dos valores e crenças do contexto e época em que é produzida. Aproximamo-nos aqui da tese, de Nelson Goodman, de que a arte, mais do que uma mimesis onde se descreve e se figura o Mundo, é uma construção do Mundo e um modo de obtenção de conhecimento numa perspectiva epistemológica. Desta forma, além de uma apreciação estética e simbólica implicada neste trabalho, estão também em observação as propriedades comunicacionais da pintura e o poder destas na transmissão de mensagens.