O estranho pais em que vivemos

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Jornal A Tarde, sexta-feira, 18/02/1983
Assunto:
NOVAMENTE OS “EXCEDENTES”?
O estranho país em que vivemos tem algumas singulares instituições administrativas que a
“desburocratização” não tem forças para abolir. Por exemplo, para cumprirem seus fins e suas
obrigações, os órgãos de um nível, federal ou estadual, fazem convênios com os do nível
abaixo, os municipais, ou entre eles próprios, complicando as coisas, dificultando a execução
daqueles objetivos, desviando funcionários para executar aqueles acordos, e, pior de tudo,
diluindo as responsabilidades de todos. Outra coisa curiosa são as verbas suplementares:
quanto mais complexos se tornam os orçamentos, inclusive obrigados a regimes anuais e
outros embaraços, inventados pelos especialistas em planejamento, mais problemática se
torna a possibilidade de cumprir as tarefas dos diversos serviços, mas há o recurso, já
esperado e contado como parte do comum das previsões, das verbas suplementares... que são
arrancadas a custo dos ministérios e secretarias, porém que, de um modo ou de outro, vêm.
Pois agora diz-se que as universidades não contarão mais com essas benditas verbas, que por
isto deverão reduzir à metade várias de suas atividades. Entre estas, as vagas para os alunos
e o número de professores. Que é que resultará? Nada menos que a volta do regime de
“excedentes”, que havia desaparecido: até uns 20 anos entravam nas “escolas superiores” e
nas universidades os que se mostrassem capazes de seguir seus cursos por terem sido
aprovados no vestibular com uma nota mínima que, por sinal, já era baixa. Como o Brasil tinha
um número ridículo de estudantes universitários, ao contrário de outros países, e para atender
à aspiração de estudos avançados e de qualificação profissional, abriram-se as nossas
universidades com os vestibulares classificatórios: estes peneiram os candidatos capazes e
deixam entrar os que se lhes seguem, mesmo que não mostrem habilitação. Preenchem-se
tantas vagas em cada faculdade ou escola, o que exige tantos ou quantos mais professores. E
é o que se vê... Mas agora, pelo visto, diminuindo o número de vagas, teremos de novo os
incômodos “excedentes”, queixosos, barulhentos, reivindicativos, perturbadores, como nos
velhos tempos. A verdade é que a abertura dos cursos superiores ao maior número tinha em
vista também, ao que parece, dar aos moços algo a distraí-los, mesmo que não quisessem
realmente ou não tivessem condições para estudar, porque a precaríssima economia nacional
não tinha empregos para lhes proporcionar. Na escola, a meninada se distrairia uns anos, se
comprometeria com a vida, se acomodaria com um “bico” qualquer e com as obrigações, para
muitos, de mulher, e filhos, amolecendo seus ímpetos e sua combatividade. Tudo isto, porém,
falhou: emprego continua a não haver, dado que a economia cuida de outras coisas, enquanto
os estudos caem alarmantemente de qualidade por essas e outras razões. É o caso de
perguntar, agora, o que é que se vai fazer, em plena crise econômica, para tranqüilizar os que
batem às portas das universidades. E que não conseguem ocupação e emprego no comércio,
nas fábricas, nas repartições, no exercício autônomo das profissões.
Mostra esse problema mais uma das crises de que padece a educação no país. A questão
precisaria ser abordada em conjunto, mas o Ministério da Educação e os conselhos respectivos
a todos os níveis, parece que se aperceberem de que o ensino chamado superior não pode ser
tratado em separado do secundário e, muito menos, do elementar, e de que solução está,
primeiro, na recuperação da escola primária que já não ensina o mínimo indispensável. Não
digo que devamos dar aos reitores poderes sobre o conjunto do ensino, como na França, o que
traria graves perigos de competência e de poder, inclusive político. Mas que devessem
relacionar-se com a globalidade do problema e trabalhassem junto com os conselhos e demais
órgãos da educação para tentar soluções ou, pelo menos, a melhoria. E que, entre outras
coisas, os orçamentos fossem suficientes e cumpridos sem os artifícios das verbas
suplementares, dos créditos extraordinários, das concessões alcançadas pelo prestígio, pela
insistência, pela habilidade de cada dirigente junto aos poderosos órgãos financeiros. Tudo
para que todo o ensino voltasse a ser sério e satisfatório. E não dependesse de favores, de
clientelismo ministerial, dessa outra multiplicidade de planos de aplicação, de projetosfantasmas, da boa ou má vontade e disposição e conveniência dos que regulam os gastos. E
que afinal nas aulas se estudasse de verdade e se formassem os profissionais e os
pesquisadores com perspectivas de emprego e não mais as vagas especulações, a que
ninguém dá resposta, sobre os cabulosos mercados de trabalho.
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