1 PROBLEMAS GERAIS DE LÍNGUA CULTA 1. POR QUE/ PORQUE/ PORQUÊ/ POR QUÊ porque = pois, visto que: Não fui à festa porque estava doente. por que tem duas funções: a) significa “por que razão”: Por que você fez isso? (= Por que razão você fez isso?) Não sei por que ele não veio. (= Não sei por que razão ele não veio.) b) por que = pelo qual, pela qual, pelos quais, pelas quais: As dificuldades por que passei foram grandes. (= pelas quais) o porquê (é um substantivo) = o motivo, a razão: Gostaria de saber o porquê dessa confusão. por quê = no final de frase ou antes de pausa (com o mesmo sentido de por que): Você não veio por quê? Ninguém sabe por quê. 2. MAL/ MAU Mau é sempre adjetivo (seu antônimo é bom); refere-se, portanto, a um substantivo: Escolheu um mau momento para sair. (Escolheu um bom momento para sair.) Mal pode ser: a) Advérbio de modo (seu antônimo é bem): Comportou-se mal na sala de aula. (Comportou-se bem na sala de aula.) b) Conjunção temporal (equivale a logo que): Mal chegamos em casa, começou a chover. (Logo que chegamos...) c) Substantivo (quando precedido de artigo ou outro determinante): O mal não tem remédio. A ciência ainda não descobriu a cura daquele mal. Regra prática: mau é o contrário de bom; mal é o contrário de bem; não havendo oposição, use mal. 2 3. MAS/ MAIS/ MÁS mas = porém, contudo, todavia...: Esforçou-se, mas não foi aprovado. mais = o contrário de “menos”: Você precisa estudar mais. más = plural de “má”; contrário de “boas”: Não ande em más companhias. 4. ONDE/ AONDE aonde = para onde. Emprega-se com verbos dinâmicos (que dão idéia de movimento): Aonde você vai com tanta pressa? onde = emprega-se com verbos que não dão idéia de movimento: Onde você mora? 5. ESTE/ ESSE/ AQUELE 1) Em relação ao espaço: a) Para designar o que está perto de si, quem fala deve usar “este”...: Este livro (que trago nas mãos) é um romance. b) Para designar o que está perto do interlocutor, quem fala deve usar “esse”...: Esse livro (que está com você) é um romance. c) Para designar o que está distante dos dois (emissor e receptor), quem fala deve usar “aquele”...: Aquele livro (que está com o professor) é um romance. 2) Em relação ao tempo: a) “Este” indica o tempo presente em relação ao momento em que se fala: Esta semana está passando tão rápido! (= a semana presente) b) “Esse” indica o tempo passado ou futuro em relação ao momento em que se fala: Nessa noite irei ao baile. (refere-se a uma noite futura) Nessa noite não dormi nada. (refere-se a uma noite passada) c) “Aquele” indica um tempo distante do momento em que se fala: Naquele dia, não sei como tive forças para continuar. (refere-se a um dia distante) 3) Em relação ao próprio texto: a) Em relação ao que já foi dito, emprega-se “esse”: Não temos nenhum centavo, esse é o problema. b) Em relação ao que vai ser dito, emprega-se “este”: O problema é este: não temos nenhum centavo. c) Em referência a dois elementos anteriormente expressos, emprega-se “este” para indicar o elemento mais próximo e “aquele” para indicar o mais distante: 3 Júlia já contraiu febre amarela e dengue: esta [a dengue] quando fez uma viagem à floresta Amazônica, e aquela [a febre amarela], quando enfrentou uma enchente em 1990. 6. O/ LHE Só empregue lhe/lhes quando for possível substituir por a(para) ele(s), você(s). Em outras palavras, use lhe/lhes com verbos que pedem a preposição a/para. Portanto não diga: Não “lhe” conheço. (A forma correta é não o(a) conheço, não conheço você.) 7. ALTO/ AUTO Alto se relaciona com altura (é o contrário de baixo): Fale mais alto. O candidato usou um alto-falante durante o discurso. Auto tem sentido de “por si mesmo”: Veste-se muito mal: não tem autocrítica. Praticamente todo o discurso consistiu em auto-elogios. (Usa-se hífen quando a palavra seguinte começa por vogal/h/r/s). Auto, como substantivo, pode significar também: a) ato, instrumento: O delegado lavrou um auto de flagrante. b) Peça teatral: Assistimos a um auto de Gil Vicente. Usa-se no plural no sentido de “processo”, “peças” de uma demanda: Conforme consta dos autos. 8. AO ENCONTRO DE/ DE ENCONTRO A Ao encontro de significa “união” (= a favor de), enquanto de encontro a significa “oposição” (= contra): As idéias de meu candidato vão ao encontro das minhas. O carro foi de encontro ao poste. 9. DEMAIS/ DE MAIS Demais modifica verbo ou adjetivo (é um advérbio de intensidade equivalente a “muito”): Não há necessidade de nos estendermos demais. Estava nervoso demais. Obs.: Os demais = os outros, os restantes: O técnico chamou dois jogadores. Os demais permaneceram no banco. 4 De mais (= a mais, em excesso) vem após substantivo ou pronome substantivo (que ocupa o lugar de um substantivo): Ganhei balas de mais; você aceita algumas? Beijei-a, sim. O que tem isso de mais? Não há nada de mais em beijar alguém na rua. 10. EM VEZ DE/ AO INVÉS DE Em vez de corresponde a “no lugar de” (troca, substituição). Ao invés de corresponde a termos opostos (oposição, situação contrária): Comeu churrasco em vez de peixe. Denise, em vez de ir à escola, foi namorar. Chorava ao invés de rir. (chorar x rir) Teresinha desceu, ao invés de subir. (descer x subir) Atenção: Se estiver em dúvida, use em vez de, que serve para os dois casos. 11. SE NÃO/ SENÃO Se não equivale a “se por acaso não”, “caso não”: Se não chover amanhã, poderemos ir à praia. (Caso não chova...) Observe que “se” e “caso” são conjunções que iniciam orações condicionais. Senão é usado nos demais casos: Não fiz isso com a intenção de magoá-lo, senão de adverti-lo. (= mas sim) Você nada faz senão reclamar. (= a não ser) Marisa jamais amou outra pessoa, senão a mim. (= exceto) Tomara que chova, senão estamos arruinados. (= do contrário) Observações: a) No caso desse último exemplo pode-se, para efeito de realce, de pausa enfática, usar se não, em vez de senão: Tomara que chova; se não, estamos arruinados. Nesse caso altera-se a pontuação, e fica subentendida a idéia de condição, de hipótese: Tomara que chova; se não [chover], estamos arruinados. Outro exemplo: Lute, senão você sucumbirá. Lute; se não, você sucumbirá. b) Existe também “senão” substantivo, que significa “defeito”. Nesse caso virá precedido de artigo ou outro determinante: Não encontrei nenhum senão em seu trabalho. (= defeito, falha) 12. TAMPOUCO/ TÃO POUCO Tampouco é advérbio e significa “também não”: 5 Não realizou a tarefa, tampouco apresentou qualquer justificativa. Tão pouco contém o advérbio de intensidade “tão” modificando “pouco”, que pode ser advérbio ou pronome indefinido: Estudamos tão pouco nesta semana. (tão modifica o advérbio pouco) Tenho tão pouco entusiasmo pelo trabalho! (tão modifica o pronome indefinido pouco) 13. VERBOS COM O PRONOME “SE” Observe: Vendem-se casas (= casas são vendidas = voz passiva). E não “Vende-se casas”. Alugam-se apartamentos (= apartamentos são alugados = voz passiva). E não “Aluga-se apartamentos”. O se, nesse caso, chama-se pronome apassivador e acompanha verbos que exigem complemento sem preposição (transitivos diretos) na formação da voz passiva sintética ou pronominal. Observe, porém, que o verbo não se altera (não vai para o plural) quando é seguido de preposição. O se, nesse caso, é o índice de indeterminação do sujeito: Precisa-se de empregadas. (Aqui o se não indica voz passiva, isto é, “empregadas são precisadas”, mas informa que o sujeito é indeterminado.) Acredita-se em discos voadores. (idem) Sintetizando: VERBO + SE: concorda com o termo que vem depois e pode ser SINGULAR ou PLURAL: Vende-se uma casa. Vendem-se casas. VERBO + SE + PREPOSIÇÃO (de, a...): SOMENTE SINGULAR: Precisa-se de cinco serventes. 14. FAZER/ HAVER/ EXISTIR O verbo fazer fica invariável quando designa tempo ou fenômenos da natureza. Nesse caso o verbo é impessoal e, como não tem sujeito, permanece sempre no singular: Faz cinco dias que ele chegou. (E não “Fazem cinco dias...”) Faz dias muito bonitos em setembro. (E não “Fazem dias muito bonitos...) A regra também cabe quando o verbo fazer vem acompanhado de um verbo auxiliar: Vai fazer cinco anos que ele chegou. (E não “Vão fazer cinco anos...”) 6 O verbo haver, quando significa “existir”, também não se flexiona no plural. Trata-se igualmente de um verbo impessoal, sem sujeito, e é por isso que não varia: Havia muitos alunos na classe. (E não “Haviam muitos alunos...”) Houve muitos acidentes nas estradas. (E não “Houveram muitos acidentes...) Se o verbo haver for usado com outro verbo, este também fica invariável: Deve haver muitas pessoas ali. (E não “Devem haver...) No entanto, quando o verbo haver significa “ter”, ele admite singular ou plural, dependendo do seu sujeito: O aluno ainda não havia (tinha) terminado o exercício. Os alunos ainda não haviam (tinham) terminado o exercício. O verbo existir é um verbo regular e deve ser usado normalmente no singular e no plural (ao contrário do verbo haver com o sentido de existir!): Existia uma árvore na praça. Existiam muitas árvores na praça. 15. DE O/ DO Não faça a contração da preposição de com os artigos o, a, os, as nem com os pronomes ele, este, esse, aquele, etc. sempre que houver depois um INFINITIVO: Está na hora de a testemunha falar. (E não “... da testemunha falar”) Apesar de ele ter chegado tarde... (E não “Apesar dele ter chegado tarde...) Observe que nesse caso a preposição de se relaciona com o verbo (está na hora de... falar), e não com a palavra que segue a preposição (está na hora “da testemunha”...) 16. A PRINCÍPIO/ EM PRINCÍPIO/ POR PRINCÍPIO a princípio = no início: A princípio pensou em sair, mas arrependeu-se e depois ficou em casa. em princípio = em tese: Em princípio (em tese), todos são iguais perante a lei. por princípio = por convicção: Por princípio, não tolero pessoas racistas. 17. A/ HÁ a (e não há) – em frases que fazem referência a futuro ou a distância: Vai se formar daqui a um ano. (futuro) Moro a dois quilômetros da igreja. (distância) 7 há tem duas funções: a) existe, existem: Em Curitiba há belos parques. b) faz (tempo passado): Formou-se há dois anos. Observações: a) Não diga “há dois anos atrás”, já que isso é uma redundância. b) Usa-se há quando o outro verbo está no pretérito perfeito: Ele chegou há muito tempo. Usa-se havia quando o outro verbo está no pretérito imperfeito ou no pretérito mais-que-perfeito: Meu amigo estava lá havia muito tempo. Meu amigo estivera lá havia muito tempo. 18. PARA EU/ PARA MIM Os pronomes eu e tu, do ponto de vista da gramática normativa do Português culto, não devem ser acompanhados de preposição. Assim, deve-se escrever: Entre mim e ti não há segredos. (E não “entre eu e tu”) Contudo, não podemos confundir frases desse tipo com a construção: Isto é para eu fazer (ou “tu fazeres”). Nesses casos, a preposição para não está regendo os pronomes, e sim o verbo. A construção é, pois, correta. Incorreto seria escrever: “Isto é para mim fazer”. Mas atenção: como complemento de adjetivo (fácil, difícil, possível, impossível), usa-se para mim, porque o pronome já não funcionará como sujeito: Fica difícil para mim entender todo o processo. É impossível para mim chegar lá antes das duas. Observe que na ordem direta diríamos: Entender todo o processo fica difícil para mim. Chegar lá antes das duas é impossível para mim. 19. O MESMO O mesmo só se usa corretamente quando equivalente de a mesma coisa: Ele acha que o momento não é oportuno, e eu penso o mesmo. Não faça o mesmo que muitos advogados, que usam “o mesmo” sem nenhum critério. O mesmo não deve ser usado em substituição a um pronome (ele, seu, que) ou outro substantivo qualquer. Às vezes nem mesmo há necessidade de empregar essa palavra. Veja: 8 E: O motorista somente conseguiu estancar o coletivo muitos metros após, tendo atingido a bicicleta quando a mesma já avançara e quase atingira a margem esquerda da rua. C: ... quando esta já avançara... E: Os limites de velocidade impostos aos veículos no tráfego não decorrem de regras técnicas, sabido que os mesmos dispõem de condições de segurança para desenvolverem velocidades muito superiores. C: ... sabido que eles dispõem... E: O acidente ocorreu ontem, e o mesmo foi presenciado por inúmeras pessoas. C: O acidente ocorreu ontem e foi presenciado por inúmeras pessoas. (O uso de o mesmo nessa frase é inteiramente desnecessário.) 20. EIS QUE A expressão eis que não deve ser usada como equivalente de: pois, porque, porquanto, etc., como neste caso: O réu deve ser condenado, eis que ficou comprovado seu envolvimento no crime. A locução eis que só tem boa aplicação quando há idéia de imprevisto: Quando já ninguém nutria esperanças, eis que a vítima recobra os sentidos.