livre improvisação:introdução

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LIVRE IMPROVISAÇÃO:INTRODUÇÃO
Neste trabalho estão resumidas as reflexões acumuladas
em muitos anos de vivência com as questões que envolvem o
relacionamento
entre
a
figura
do
intérprete
e
a
do
compositor, entre aquele que executa ou realiza e aquele que
supostamente concebe o "texto" musical. Sempre nos intrigou
esta cisão que nos parecia violenta. Enquanto intérprete,
sentíamos a necessidade de ser o formulador de nosso próprio
discurso (e não estar sempre a serviço das formulações de
alguém) e enquanto compositor queríamos ter a possibilidade
de realizar aquilo que havíamos concebido. Estas questões
pareciam
ligadas
pensamento
prática
ao
musical.
musical
em
próprio
sentido
Partimos
então
que
duas
as
à
da
gênese
procura
atividades
de
do
uma
estivessem
integradas. Encontramos na improvisação (inicialmente em
contexto
idiomático:
no
jazz
e
na
música
instrumental
brasileira através do grupo Aquilo del Nisso 1) um espaço para
experimentação que forneceu subsídios mais consistentes para
as
nossas investigações (não só isto, é claro…).
Somaram -se
então neste quadro as nossas reflexões sobre os caminhos da
música contemporânea: a sua vocação experimental e a
busca
de
momento
uma
prática
presente
vital,
significativa
(produção…).
No
e
voltada
contexto
de
ao
nosso
trabalho de mestrado aprofundamos uma série de aspec tos
ligados
a
estas
desdobramentos
preocupações.
destas
outros pontos de vista.
questões,
Esta
tese
agora,
apresenta
examinadas
os
sob
Pretendemos neste trabalho abordar a questão da livre
improvisação em música, suas formas e possibilida des de
configuração. Para isto, importa situar este tipo de prática no
contexto da improvisação pensada do modo mais amplo e
abrangente
possível
e,
mais
significado no contexto
do
que
isso,
investigar
seu
da música contemporânea. Estas
investigações vão de sencadear reflexões sobre as relações
entre a improvisação e as seguintes atividades: composição,
interpretação e audição. Para isto, faremos uso de alguns
conceitos formulados pelo filósofo francês Gilles Deleuze que
nos fornecerão referências, tanto em n ossa investigação sobre
a
natureza
das
diversas
manifestações
da
improvisação,
quanto para o delineamento de uma propos ta de prática de
improvisação livre que seja conseqüência de um pensamento
sobre a linguagem e o fazer musical. Estes conceitos de
Deleuze - tais como máquina, ritornelo, território, meios, ros to
e ritm o - serão aos poucos introduzidos e explicados no
decorrer do trabalho. Vale dizer, no entanto, que os conceitos
são dinâmicos e multifacetados e que é o manuseio dos
mesmos no contexto do trabalho que vai aos poucos revelar e
ampliar suas conexões com o objeto de investigação
Além disso, a nossa proposta de abordagem de livre
improvisação se fará também, através do relato de algumas
experiências dentre as quais, a prática desenvolvida pelo
grupo Akronon, que durante quatro anos (2001/2005), tem
servido como referência para o desenvolvimento de grande
parte das reflexões contidas neste trabalho. Na verdade, a
1
Grupo de "jazz brasileiro" que fundamos e integramos durante 15 anos.
própria
constituição
do
grupo 2,
sua
his tória,
percursos,
problemas e realizações são parte deste trabalho e a proposta
de
sua
exis tência
surge como
conseqüência
dele. Nes te
sentido, é importante salientar que a livre improvisação é
pensada aqui, como resul tado de uma ação coletiva e
intencional originada em uma vontade de prática musical por
parte de um grupo específico de músicos que se configuram
assim, enquanto intérpretes criadores. Neste sentido se coloca
como uma proposta estética, de ação musical e por isto,
política. I sto, ao nosso ver, é substancialmente diferente de
uma
situação
em
que
um
compositor
abre
espaços
de
improvisação para um grupo de intérpretes no contexto de
uma obra pré -concebida (podemos lembrar de obras de
Cage, S tockhausen, Boulez, Koellreuter e muitos outros ).
Na
análise
desta
experiência
prática
pretendemos
aplicar uma espécie de solfejo tom ando por base a tipo morfologia do objeto sonoro desenvolvida por Pierre Schaeffer
no
seu
Tratado
dos
Objetos
Sonoros
e
demons trar
a
adequação de alguns conceitos ali delineados com relação à
uma forma de escuta que se faz necessá ria para o tipo de
fazer musical implicado na livre improvisação. Acreditam os
que
a
livre
improvisação
é
um
tipo
de
prática
musical
empírica e de experimentação concreta num sentido próximo
ao
estabelecido
por
Schaeffer.
Nela,
qualquer
eventual
estruturação emerge desta manipulação experimental 3 em
Edson Ezequiel ao violino, o autor deste trabalho ao saxofone e flautas e Sílvio Ferraz no processamento
eletrônico via Max/Msp.
3 É importante aqui fazermos uma distinção radical entre a experimentação empírica e concreta com os
objetos sonoros típica do pensamento de Schaeffer e da composição de Varèse, do experimentalismo de
compositores ligados a uma corrente mais conceitual e abstrata como é o caso de John Cage, La Monte
Young que, em princípio, não partem do sonoro e sim de abstração, conceitos e idéias - que podem ou não
2
que as interações imprevisíveis entre os músicos definem um
percurso por etapas, próximo ao delineado por Schaeffer:
primeiro ela é uma atividade sintética e empírica que supõe
uma invenção contínua de objetos nu m procedimento que
não exclui nenhum tipo de sonoridade. No contexto mesmo de
uma performance, ou durante o percurso de atividades de um
grupo es tável de improvisação, acontece uma espécie de
tipologia
e
uma
morfologia
concretas:
os
sons
são
comparados e combinados empiricamente. Eventualmente,
neste
processo
surge
uma
forma/estrutura
(resultado
da
articulação linear dos objetos) em movimento dinâmico. A
etapa de análise pode se dar posteriormente num nível de
audição dos registros. Assim é, que a prática d e improvisação
foi e continua sendo usada, muito mais do que se imagina,
como um recurso intermediário para a composição, tanto
para compositores solitários (Beethoven, por exemplo) como
para grupos dirigidos ou não por compositores como é o caso
dos grupos de Varèse e de Gerard Grisey. No entanto, é
importante ressal tar que a nossa prática de livre improvisação
se coloca como uma propos ta de ação musical autônoma,
como um fim em si mesmo e não enquanto um meio para se
atingir um fim composicional. Neste se ntido, é importante
notar o quanto esta prática de livre improvisação, conforme a
concebemos aqui, só será possível historicamente, a partir da
configuração de uma escuta contemporânea - múltipla e
intensiva.
Além disso, pretendemos demonstrar que a impr ovisação livre
tem
carac terísticas próprias que a distinguem
das ou tras
gerar um fato musical. A livre improvisação, conforme nós a propomos aqui, se liga fortemente com a
formas
desta
prática como
ela se dá,
por
exemplo,
no
contexto de uma cultura tradicional. É necessário, portanto,
estabelecer as diferenças entre a improvisação livre e a
improvisação que se dá nestes contextos idiomáticos.
primeira.
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