LENDO AS ENTRELINHAS: A IMAGEM DA MULHER NA PEÇA CALENDÁRIO DA PEDRA Carime Klock Ernzen (PAIC/UNICENTRO – F.A.) e-mail: [email protected] Orientadora: Margarida Gandara Rauen Palavras-chave: dramaturgia, arquétipos, feminismo. Resumo: O objeto de estudo da pesquisa é a representação da mulher na peça Calendário da Pedra (2001), de Denise Stoklos. A revisão bibliográfica abrangeu arquétipos e várias correntes de feminismo, que serviram de referencial para a análise dramatúrgica. A análise arquetípica revela uma mudança dos valores patriarcais para atitudes alternativas. Calendário da Pedra não é uma peça feminista, mas o discurso aponta para o feminismo devido ao seu engajamento político. Introdução Os estudos teóricos de Mariana Coelho, Heloisa Buarque de Hollanda, Rose Marie Muraro e Mary Russo argumentam que a história tem sido centrada no homem. Devido a isso, a mulher foi deixada de lado e este fato se explica culturalmente. Na sociedade patriarcal onde vivemos, o ser masculino afirma-se por meio dos valores que regem o sistema social. Buscando a libertação desse sistema dominante, constituído de hierarquias e valores masculinos, as mulheres lutam para alcançar a natureza primária e autodefinida das experiências culturais femininas, resgatando suas tradições, que foram suprimidas e transformadas pelos homens. Nesta pesquisa, contextualizo a dramaturgia de Denise Stoklos na peça Calendário da Pedra (2001) na história do feminismo e na psicologia arquetípica. O objetivo foi problematizar a construção da personagem/persona (termo ambíguo nas obras da autora) na peça. Calendário da Pedra não é uma peça feminista, mas a discussão sobre o feminismo está incutida de forma intrínseca no texto, ao colocar em discussão o conceito de tempo: “Um tempo, no qual vivemos, que tem duração fixa, dura. E que tem durado tempos afora como uma pedra, e assim persistirá durando, independentemente da vida de nossa personagem” (STOKLOS, 2001 p.21). A peça, portanto, abre a possibilidade de questionamento de outras construções culturais firmemente estabelecidas, dentre elas, as que dizem respeito à mulher. Materiais e Métodos A pesquisa bibliográfica foi iniciada em outubro de 2007, na linha de Processos Criativos, no grupo de Pesquisa em Artes. A primeira parte do trabalho considera questões do feminismo e da psicologia arquetípica. Relaciono o discurso de Denise Stoklos na peça Calendário da Pedra com questões do feminismo, pois ambos contestam o sistema social e as bases que dão origem aos valores culturais. Na segunda parte, analiso a trajetória arquetípica da personagem. Verifico quais arquétipos aparecem com mais freqüência na peça, utilizando a estrutura de calendário presente na mesma. Dividi o ano ficcional da peça em quatro trimestres, a fim de perceber quais são os arquétipos predominantes em cada período, e também no todo. Resultados e Discussão O surgimento das correntes de feminismo ao longo da história está atrelado ao do sistema capitalista desde seus primórdios. Até então, a dicotomia privado/público era satisfatória, visto que somente os homens davam conta do setor industrial. No entanto, tendo em vista maior obtenção de lucro, o aumento da produção passa a depender da entrada das mulheres no mercado de trabalho. Segundo Muraro “[...] os papéis de homens e mulheres são fabricados pelo patriarcado” (MURARO, p.67), podendo ser moldados de acordo com os interesses do poder dominante. É importante salientar que as características do feminismo também diferem de acordo com a classe social. Segundo Muraro, as primeiras feministas do século XIX, chamadas de sufragistas, reivindicaram o direito ao voto, pois acreditavam que, conseguida a cidadania, as demais reivindicações seriam atendidas, mas não questionaram o culto a domesticidade. Somente no início dos anos 20, ocorreu uma revolução sexual. Porém, a vivência plena da sexualidade não alterou em nada a dicotomia público/privado, pois o local onde a mulher poderia exercer sua maternidade e sexualidade ainda era o doméstico. Percebe-se que é necessário abalar concomitantemente as estruturas da estratificação sexual e da divisão do trabalho, para então quebrar essa dicotomia. Essa transformação está se processando nas classes médias modernas, pois os papéis sexuais variam conforme os interesses do sistema. As mulheres buscam liberdade e respeito, o que acarreta na sua inserção nas esferas de poder, sem a necessidade de se enquadrarem no modelo masculino, mas sim, criando uma atmosfera pertinente a ambos. Consequentemente ocorre a modificação dos padrões arquetípicos predominantes no sistema patriarcal, pois a cultura é um fator determinante na construção dos mesmos. Os arquétipos (padrões de comportamento) postulados por Carl Jung, verificados em nossas vidas, nas das outras pessoas, e também nas artes, na literatura, nos mitos, são universais. Segundo Pearson “[...] são padrões permanentes e profundos da psique humana que se mantêm poderosos e atuantes ao longo do tempo” (PEARSON,1994 p.21). No patriarcado, o padrão típico masculino consiste em passar direto do estágio de Órfão para o de Guerreiro, aí permanecendo. Já a mulher tradicional, passa do estágio de Órfã para o de Mártir, no qual permanecerá pelo resto da vida, a não ser que algo lhe estimule a crescer. Diferente dessa mulher cuja emancipação só ocorreu devido a situações e fatores externos, as transformações propostas pelo feminismo, principalmente a partir da década de 60, estimularam a mulher a ser guerreira e maga, buscando emanciparse por meio de seus ideais e realizações. Nesse contexto, o discurso de Denise Stoklos na peça Calendário da pedra conecta-se com o feminismo. A personagem/persona revela-se crítica em relação a sua rotina. É uma cidadã politizada que vemos em Calendário da Pedra. Uma mulher capaz de inserir-se nas esferas de poder, sem deixar de ser mulher, isto é, desenvolvendo-se dentro de padrões arquetípicos que segundo Pearson “[...] nos ajudam a definir um ego forte e expandir os seus limites, permitindo o desabrochar pleno da personalidade e sua abertura para a experiência da unidade com outras pessoas e com os mundos espiritual e natural” (PEARSON,1994 p.22). A forma de percorrer essa jornada é antes circular ou espiral do que linear, mas apresenta possibilidades de emancipação, é algo particular que dependerá da influência da história pessoal e da cultura em que vive: “[...] Minha resposta, o nome que me dou, já sei, é: ser vagante flutuante querendo desvairadamente a liberdade e embora participante de um tempo sólido, grito que existo porque contabilizo a vida pela minha cadência emocional, desafiando assim o próprio sagrado tempo convencionado em seu imponente, mas questionável, calendário da pedra” (STOKLOS, 2001 p.48). Verificou-se que a trajetória arquetípica da personagem/persona não corresponde ao padrão do patriarcado porque, ao invés do modelo feminino tradicional, a personagem/persona vivencia diversos arquétipos concomitantemente. Ela explora, principalmente, o nômade, o guerreiro e o mago, a fim de crescer e atingir seus objetivos. No entanto, o arquétipo do nômade é preponderante nos quatro trimestres. Esse fato dialoga com o processo de independência e busca da autonomia da mulher. Percebe-se que cabe à mulher refletir sobre as imagens que lhe são atribuídas e de forma crítica contestá-las, quebrando os padrões que o sistema patriarcal considera apropriados para elas. Conclusões A pesquisa confirmou a hipótese de que há uma relação entre temas do feminismo e da psicologia arquetípica na peça Calendário da Pedra de Denise Stoklos, a qual reflete a luta da mulher pela quebra dos padrões culturais que restringem o seu desenvolvimento. A dramaturgia sugere que a mulher pode ser guerreira, maga, e atuar tão bem quanto o homem em qualquer esfera da sociedade, pois as restrições não são naturais e sim criadas e mantidas de acordo com os interesses do sistema dominante. Agradecimentos A Profa. Dra. Margarida Gandara Rauen pela orientação que levou ao bom desenvolvimento desse trabalho, e ao PAIC/UNICENTRO – FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA pela concessão da bolsa de Iniciação Científica. Referências Burke, P. Hibridismo cultural. Trad. Leila Souza Mendes. Rio Grande do Sul: Unisinos, 2003. Hillman, J. Psicologia Arquetípica. Trad. Lúcia Rosenberg & Gustavo Barcellos. São Paulo: Cultrix, 1983. Hollanda, H.B. Tendências e impasses – O feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Muraro, R.M. A mulher no Terceiro Milênio. 3ª edição. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. Pavis, P. Dicionário de teatro. Trad. J. Guinsburg e M. Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999 (Dictionnaire du théâtre. Paris: Éditions Sociales, 1980). Pearson, C. O herói Interior - Seis Arquétipos que norteiam a nossa vida. Trad.Terezinha B.Santos. São Paulo: Cultrix, 1994. Russo, M.J. O grotesco feminino: risco, excesso e modernidade. Trad. Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. Stoklos, D. Teatro Essencial. São Paulo: Denise Stoklos Produções, 1993. ____________Calendário da Pedra. São Paulo: Denise Stoklos Produções Artísticas Ltda, 2001.