ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE

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ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE TANGARÁ DA SERRA
VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Autos nº 02/2010 – Cód. 127650
Ação Civil Pública c/c Obrigação de Fazer
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Requerido: MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, no uso de
suas atribuições legais, ingressou com a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR EM DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS DAS
CRIANÇAS E ADOLESCENTES, COM PRECEITO COMINATÓRIO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER em face do MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA
SERRA, pessoa jurídica de direito público, visando a condenação da
municipalidade a prestar o serviço público de educação infantil em
creches para crianças até 5 anos de idade, em condição de igualdade, e
em pré-escolas a todas as crianças a partir dos 4 anos de idade, cujos
pais desejem matriculá-las, quer por meio de rede pré-escolar própria,
conveniada ou indireta, de forma progressiva, até o fim do ano de 2016.
Aduz, o ilustre Promotor de Justiça, que o ente
público requerido tem ofertado, de maneira insuficiente, o número de
vagas do ensino infantil, tendo sido constatada a existência de lista de
espera contendo a identificação de 300 pessoas que aguardam a
disponibilização de vagas e atendimento nas creches e pré-escolas locais,
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havendo um déficit atual de 4.361 vagas, quantitativo este extraído a
partir de estáticas acerca do número de crianças residentes no município
em idade pré-escolar em contrapartida ao número de vagas existente em
toda rede de ensino local (pública e particular).
Instruiu a exordial com o Inquérito Civil de fls.
34/285 e deu à causa o valor de R$ 10.000,00 para efeitos fiscais.
Após notificação e oitiva da municipalidade requerida,
este Juízo concedeu parcialmente as liminares pleiteadas (decisão de fls.
394/398), decisão esta que veio a ser objeto de recurso de agravo de
instrumento interposto pelo requerido, ainda pendente de julgamento.
Em sede de contestação (fls. 431/450), acompanhada
dos documentos de fls. 451/603, o Município de Tangará da Serra, em
sede de preliminar, denunciou a lide a União, sob o pretexto de que esta,
por força da EC n. 59, está obrigada técnica e financeiramente a dar
apoio à municipalidade no fomento e assistência educacional, bem assim
alegou inépcia da inicial por ausência de pedido certo e determinado. No
mérito, sustenta que a pretensão de criação de 4.361 vagas na educação
infantil é precipitada, pois o Município vem sistematicamente utilizandose de políticas públicas na área de educação visando atender à demanda,
já que nos últimos anos foram criadas diversas vagas nas unidades
elencadas na defesa, e que num período de 06 meses, o déficit assumido
pela municipalidade estará extinto. Teceu considerações, ainda, sobre a
impossibilidade de concessão de liminar que exaure o objeto da demanda
contra a Fazenda Pública, bem como acerca do não cabimento de
astreinte para compelir o município à obrigação contida na decisão
liminar, por prejuízo desnecessário ao erário, requerendo, ao final, a
improcedência da demanda.
Às fls. 604/662, documentação encaminhada a este
Juízo pelo Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Tangará da Serra/MT, noticiando o déficit de vagas escolares e dando
conta de inúmeras requisições, sem êxito, expedidas pelo referido órgão
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à Secretaria Municipal de Educação visando a obtenção de vagas para
crianças em creches e em pré-escolas.
Instadas a se manifestarem sobre outras provas
ainda a serem produzidas, o Ministério Público pleiteou o julgamento
antecipado da lide (fl. 758), ao passo que o demandado pugnou pela
juntada de novos documentos, a fim de demonstrar por fotos e
procedimentos abertos de licitação a inauguração de creches e que a
demanda por vagas na educação infantil foi reduzida drasticamente.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Trata-se de Ação Civil Pública promovida pelo
Ministério Público, visando compelir o requerido a disponibilizar,
progressivamente e até 2016, vagas na rede pública da educação infantil
e pré-escola no município de Tangará da Serra, com a inclusão dos
valores necessários nas futuras leis orçamentárias anuais.
Analisando tese e antítese, constato que as questões
postas a julgamento se resumem a questões de direito e de fato, estas
demonstráveis pela via documental, sendo desnecessária a produção de
prova em audiência, mesmo porque, instadas a manifestarem-se a
respeito, as partes não pugnaram pela produção de prova oral ou pericial.
Logo, na forma do artigo 330, inciso I, segunda parte, do CPC, passo ao
julgamento antecipado da lide.
Passo ao exame das questões preliminares argüidas
pelo requerido em sua contestação.
O requerido denunciou a lide a União, sob o pretexto
de que esta, por força da EC n. 59, está obrigada técnica e
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financeiramente a dar apoio à municipalidade no fomento e assistência
educacional. Contudo, tenho por incabível a pretensão da municipalidade.
Isso porque, inobstante a obrigação de cumprimento
do Direito Fundamental à Educação ser efetuada em regime de
colaboração (CF, art. 211 e LDB, art. 11, V), tal circunstância não
desonera o Município de cumprir o disposto no § 2º do mesmo dispositivo
repetido pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Os Municípios
atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil).
Por esse preceito, assim, o réu está obrigado a
cumprir pelo menos sua parcela educacional, incluída no sistema global, na
linha do que dispõe, aliás, o art. 11, inciso V da LDB:
"Art. 11. Os Municípios incumbier-se-ão de: V oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade,
o ensino fundamental...".
E, a presente ação pretende justamente discutir essa
sua (ir)responsabilidade. Ademais, a denunciação à lide (CPC, art. 70) se
vincula à obrigação de natureza contratual e/ou decorrente da lei de
caráter solidário, inexistente na espécie. A obrigação é do Município,
sem prejuízo de que este demande, em nome próprio, contra os indicados
buscando a colaboração. Todavia, negar a possibilidade de discussão
sobre suas responsabilidades com o singelo argumento de repasse de
responsabilidades (a União) não se compadece com o regime democrático
(CF/88).
Desse modo, rejeito a preliminar.
Suscitou, ainda, o requerido, a inépcia da inicial por
ausência de pedido certo e determinado. Todavia, tenho que tal
preliminar igualmente não merece acolhimento.
Primeiramente, como se pode observar pelos
documentos carreados na inicial, a presente ação não possui apenas
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embasamento em ‘denúncias anônimas’, mas sim em diversos documentos,
inclusive alguns emitidos pelo próprio Município de Tangará da Serra, os
quais comprovam a efetiva necessidade de criação de vagas em creches
no município, conforme se consta do inquérito civil que instruiu a inicial
(fls. 34/285. Assim, não é possível afirmar que a petição inicial é inepta,
pois o próprio requerido informou que há um déficit em vagas, inclusive
indicando números precisos das crianças destinatárias da ação.
Assim, deixo de acolher a presente preliminar.
Afastas as questões preliminares argüidas pela
municipalidade requerida, passo ao exame da questão meritória.
De proêmio, destaca-se que o art. 6º, da Constituição
Federal trata dos direitos sociais, dentre os quais se inclui o direito à
educação.
Passando-se aos demais dispositivos constitucionais,
denota-se que o art. 23, ao tratar da competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios, em seu inciso V,
determinou que os tais entes públicos devem proporcionar os meios de
acesso à educação.
Ainda no âmbito constitucional, o art. 205 põe a
educação como "direito de todos e dever do Estado e da família", sendo
que o art. 208, em seu inciso IV, com redação dada pela Emenda
Constitucional n. 53/06, assim determina:
"Art. 208. O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de:
[...]
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às
crianças até 5 (cinco) anos de idade;"
Insta salientar que, anteriormente à Emenda
Constitucional n. 53/06, o supracitado dispositivo constitucional já
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garantia o atendimento em creche às crianças de "zero a seis anos",
sendo que a idade máxima somente foi reduzida para 5 (cinco) anos.
Compreende-se que tal alteração apenas levou em conta a redução da
idade da criança para o ingresso no ensino fundamental, que passou a
acontecer aos 6 (seis) anos.
Outrossim, a creche e a pré-escola visam o
desenvolvimento integral da criança, e servem para iniciação das crianças
no ensino fundamental. Por isso, tem-se que a educação infantil é um
direito indisponível que deve ser assegurado às crianças com até 5
(cinco) anos de idade.
Nessa senda, nunca é demais frisar que a educação é
um dos alicerces para a consubstanciação de um Estado democrático de
direito, que se mostra preocupado, acima de tudo, com a formação
condigna dos seus cidadãos.
Não destoa dessa linha o art. 4º, do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), quando impõe que "É dever
da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes
[...] à educação".
Em complementação, o art. 53, IV, do Estatuto da
Criança e do Adolescente determina que o Estado deve assegurar
"atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade".
Igualmente, o art. 4º, IV, da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), assegura às crianças de zero a seis
anos de idade o atendimento gratuito em creches e pré-escolas.
Em interpretação conjunta desses dispositivos legais
infraconstitucionais, com a Constituição Federal, em especial seu art.
208, IV, tem-se que o direito das crianças de zero a cinco anos de idade
à vaga em creche e/ou pré-escola encontra embasamento legal. Por
conseguinte, cabe aos entes públicos, como o Município, e seus
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organismos, executar programas que garantam a integridade e o gozo
desse direito indisponível.
É o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ
SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM
CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO
INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO
PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART.
208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO
CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER
JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER
PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF,
ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. A
educação
infantil
representa
prerrogativa
constitucional indisponível, que, deferida às crianças,
a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento
integral, e como primeira etapa do processo de
educação básica, o atendimento em creche e o acesso
à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa
jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por
efeito da alta significação social de que se reveste a
educação infantil, a obrigação constitucional de criar
condições objetivas que possibilitem, de maneira
concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos
de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e
atendimento em creches e unidades de pré-escola,
sob pena de configurar-se inaceitável omissão
governamental, apta a frustrar, injustamente, por
inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público,
de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da
Constituição Federal. A educação infantil, por
qualificar-se como direito fundamental de toda
criança, não se expõe, em seu processo de
concretização,
a
avaliações
meramente
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discricionárias da Administração Pública, nem se
subordina
a
razões
de
puro
pragmatismo
governamental. Os Municípios - que atuarão,
prioritariamente, no ensino fundamental e na
educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão
demitir-se do mandato constitucional, juridicamente
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV,
da Lei Fundamental da República, e que representa
fator de limitação da discricionariedade políticoadministrativa dos entes municipais, cujas opções,
tratando-se do atendimento das crianças em creche
(CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo
a comprometer, com apoio em juízo de simples
conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder
Judiciário, determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de
políticas públicas definidas pela própria Constituição,
sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em
descumprimento dos encargos político-jurídicos que
sobre eles incidem em caráter mandatório - mostrase apta a comprometer a eficácia e a integridade de
direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. A questão pertinente à 'reserva do
possível'. Doutrina." (STF. RE-AgR 410715/SP.
Segunda Turma. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em
22.11.2005)
verbis:
O STJ igualmente já perfilhou este pensamento,
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“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC
NÃO
CONFIGURADA.
ALÍNEA
"C"
DO
PERMISSIVO
CONSTITUCIONAL.
NÃODEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. DIREITO A
CRECHE E A PRÉ-ESCOLA DE CRIANÇAS ATÉ SEIS
ANOS DE IDADE. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE – ECA. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO.
PRINCÍPIO
DA
INAFASTABILIDADE
DO
CONTROLE
JURISDICIONAL . LESÃO CONSUBSTANCIADA
NA OFERTA INSUFICIENTE DE VAGAS. 1. A
solução integral da controvérsia, com fundamento
suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do
CPC. 2. Na ordem jurídica brasileira, a educação não é
uma garantia qualquer que esteja em pé de igualdade
com outros direitos individuais ou sociais. Ao
contrário, trata-se de absoluta prioridade , nos
termos do art. 227 da Constituição de 1988. A
violação do direito à educação de crianças e
adolescentes mostra-se, em nosso sistema, tão grave
e inadmissível como negar-lhes a vida e a saúde . 3. O
Ministério Público é órgão responsável pela tutela dos
interesses individuais homogêneos, coletivos e
difusos relativos à infância e à adolescência, na
forma do art. 201 do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA. 4. Cabe ao Parquet ajuizar Ação
Civil Pública com a finalidade de garantir o direito a
creche e a pré-escola de crianças até seis anos de
idade, conforme dispõe o art. 208 do ECA. 5. A
Administração Pública deve propiciar o acesso e a
freqüência em creche e pré-escola, assegurando que
esse serviço seja prestado, com qualidade, por rede
própria. 6. De acordo com o princípio constitucional
da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º,
XXXV, da CF), garantia básica do Estado
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Democrático de Direito, a oferta insuficiente de
vagas em creches para crianças de zero a seis anos
faz surgir o direito de ação para todos aqueles que se
encontrem nessas condições, diretamente ou por
meio de sujeitos intermediários, como o Ministério
Público e entidades da sociedade civil organizada. 7.
No campo dos direitos individuais e sociais de
absoluta prioridade , o juiz não deve se impressionar
nem se sensibilizar com alegações de conveniência e
oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A
ser diferente, estaria o Judiciário a fazer juízo de
valor ou político em esfera na qual o legislador não
lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja
a de exigir o imediato e cabal cumprimento dos
deveres,
completamente
vinculados,
da
Administração Pública. 8. Se um direito é qualificado
pelo legislador como absoluta prioridade , deixa de
integrar o universo de incidência da reserva do
possível , já que a sua possibilidade é, preambular e
obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela
lei. 9. Se é certo que ao Judiciário recusa-se a
possibilidade de substituir-se à Administração
Pública, o que contaminaria ou derrubaria a separação
mínima das funções do Estado moderno, também não
é menos correto que, na nossa ordem jurídica,
compete ao juiz interpretar e aplicar a delimitação
constitucional e legal dos poderes e deveres do
Administrador, exigindo, de um lado, cumprimento
integral e tempestivo dos deveres vinculados e,
quanto à esfera da chamada competência
discricionária, respeito ao due process e às garantias
formais dos atos e procedimentos que pratica. 10.
Recurso Especial não provido.” (RECURSO ESPECIAL
Nº 440.502 - SP (2002/0069996-6) - RELATOR :
MINISTRO HERMAN BENJAMIN)
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No mesmo sentido, também existem precedentes do
Superior Tribunal de Justiça: REsp 753565/MS, Rel. Min. Luiz Fux,
julgado em 27.03.2007; REsp 796490/SP, Rel. Min. João Otávio
Noronha, julgado em 15.12.2005.
Desse modo, resta evidenciado que o Poder
Executivo, no exercício de suas atribuições, está vinculado às normas
constitucionais e infraconstitucionais, dentre elas aquelas que
estabelecem os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e a
prioridade absoluta no seu atendimento. Inobservados esses preceitos, o
Poder Judiciário deve garantir o respeito à vontade constitucional e à
legalidade, não se podendo excluir de sua apreciação lesão ou ameaça a
direito, ex vi do inciso XXXV do art. 5º da Magna Carta, inclusive em
face do devido processo legal substancial.
É de se consignar que, tratando-se de garantia
constitucional, longe de aventar-se que seja instituída por norma
meramente programática, a intervenção do Poder Judiciário não
caracteriza ofensa aos princípios da independência entre os poderes
(art. 2º, da Constituição Federal de 1988) e da legalidade (art. 5º, inciso
I, e 37, caput, da Magna Carta), que em cumprimento de sua função
constitucional deve, quando provocado, apreciar a suscitada ocorrência
de lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5o, XXXV, da CF). O Poder
Judiciário não está se imiscuindo indevidamente na esfera de atuação
discricionária de outro Poder e sim determinando que ele cumpra aquilo
que a Constituição e as leis lhe mandam cumprir.
Por conseguinte, tem-se que a intervenção do Poder
Judiciário em atos do Poder Executivo, no presente caso, é legítima, e
não caracteriza ofensa à separação dos poderes, uma vez que visa
garantir direito fundamental das crianças. Até porque, conforme alhures
mencionado, o inadimplemento do Poder Público pode ser considerado
como uma inconstitucionalidade por omissão, por deixar de implementar o
direito à educação por meio de políticas públicas concretas.
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Ao lado de tudo que foi exposto, constata-se, da
leitura dos autos que o Município de Tangará da Serra, embora afirme
que vem sistematicamente utilizando-se de políticas públicas na área de
educação infantil, inclusive com obras em andamento para construção de
duas creches com capacidade aproximada de 225 vagas e reforma de
ampliação de 100 vagas no ano de 2009, que não serão suficientes para o
atendimento da demanda, não vem dando a devida atenção ao ensino
fundamental, tanto que, nos autos, há diversas listas de espera e
solicitações dirigidas ao Município de Tangará da Serra, ora requerido,
seja pelo próprio Ministério Público seja pelo Conselho Tutelar local, ou
ainda, pela Defensoria Pública Estadual, de que sejam abertas vagas em
creches e de educação infantil para que crianças, que são
individualizadas nestes requerimentos, possam ser atendidas nessa
importante fase da vida. Se estivesse dando atendimento às demandas
relacionadas ao ensino fundamental não haveria um grande número de
pedidos de abertura de vagas.
Ainda demonstrando a desatenção da municipalidade
requerida com o oferecimento de creches e pré-escolas às crianças aos
que nela residem, há nos autos cópia das leis orçamentárias municipais de
2009 e 2010 sem previsão de despesas para construção de creches e
reserva de contingência. Há, igualmente, estimativa de residir na cidade
cerca de 7.136 crianças com até cinco anos de idade, e de que o número
de vagas disponíveis é de cerca de 2.495 na rede municipal, o que gera
um défcit de 4.641 vagas, fatos esses, embora afirmados pelo Ministério
Público, que não foram refutados pelo requerido, à exceção de que no
período 2009/2010/2011 teriam sido criadas 100 vagas na Creche Irmã
Maristela, estão em construção 225 vagas nas creches dos bairros
Jardim Atlântida e Jardim Paulista e, que estão programadas mais 100
vagas pela reforma da Creche Futuro Brilhante e mais 190 vagas
mediante construção de outra creche no bairro Jardim Califórnia.
Ora, inobstante as vagas recém construídas, contudo
restando demonstrado que no Município de Tangará da Serra há, como
indicado na petição inicial da ação civil pública proposta pelo Ministério
Público, um elevado déficit no número de vagas existentes nas creches e
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pré-escolas municipais - o número referente ao déficit indicado pela Dr.
Promotor de Justiça foi refutado integralmente pelo requerido,
presumindo-se, portanto, verdadeiro – mostra-se necessário a
determinação de providências concretas para que esse problema venha a
ser solucionado, ainda mais que o direito das crianças terem acesso a
creches e pré-escolas constitui direito constitucionalmente assegurado
(art. 208, inc. IV, da Constituição Federal).
Outrossim, é de se registrar que o próprio requerido
afirma ter sido aumentado para 225 o número de vagas em creche e
programado outras 290 ainda para este ano de 2011, que equivale em
torno de pouco mais de 500 vagas para crianças de zero a cinco anos de
idade, ou seja, suprirá pouco mais de 10% (dez por cento) das
necessidades atuais.
Assim, constata-se que é possível ao requerido dar
cumprimento integral à determinação contida na presente sentença, já
que a pedido do próprio Ministério Público o prazo para tanto é
progressivo e consideravelmente dilatado, cabe ao Município incluir nos
próximos orçamentos a previsão para construção de outros vagas em
creche e na pré-escola, e com isso abrir aproximadamente mais 4.000
vagas até o ano de 2016.
Desta forma o Município estará cumprindo o seu
dever constitucional e priorizando a infância e a maternidade, e
simultaneamente cumprindo a lei orçamentária e a lei de responsabilidade
fiscal.
Frise-se, outrossim, que a despeito de a legislação
ser contrária à concessão de liminar contra a Fazenda Pública, tratandose de direitos relativos à criança e ao adolescente – a quem deve ter
assegurado o acesso à educação, não há qualquer impropriedade na
antecipação dos efeitos da tutela, mormente porque a presente ação
busca garantir que as crianças residentes neste Município tenham acesso
à creche e pré-escola da rede pública – o que constitui prioridade
absoluta, porquanto se destina ao desenvolvimento, a inserção social e a
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futura qualificação para o trabalho, não se sustentando a alegação do
requerido em sentido contrário.
Com base em todos esses
procedência da pretensão inicial é medida de rigor.
fundamentos,
a
DIANTE DO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE o
pedido contido na inicial para o fim de condenar o Município de Tangará
da Serra, sem prejuízo dos necessários procedimentos licitatórios, a
promover políticas públicas efetivas para disponibilizar vagas nas
creches e unidades de educação infantil na forma e nos prazos que
seguem: 1) para o início do ano letivo de 2011 ofereça mais 300 vagas na
educação infantil, sanando o contingente urgente/emergencial de
Tangará da Serra; 2) até o fim de 2011 ofereça mais 500 vagas; 3) até o
fim de 2012 ofereça mais 500 vagas; 4) até o fim de 2013 ofereça mais
500 vagas; 5) até o fim de 2014 ofereça mais 561 vagas; 6) até o fim de
2015 ofereça mais 1000 vagas; 7) até o fim de 2016 ofereça mais 1000
vagas.
Deverá o requerido, ainda, adotar as providências
necessárias para que sejam incluídos os respectivos valores nas próximas
leis orçamentárias anuais, valendo-se para tanto, acaso necessário, da
reserva de contingência, encaminhando-a ao Poder Legislativo nos prazos
estabelecidos em lei
Outrossim, ratifico em todos os seus termos a
liminar outrora deferida nos autos.
Em substituição às multas fixadas quando do
deferimento do provimento liminar, comino, nos termos do art. 213, § 1º
do ECA, multa mensal de meio salário mínimo por vaga não preenchida,
dentro do cronograma e até o limite das vagas acima estabelecidas,
revertendo os valores ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, ressaltando que não há óbice no ordenamento jurídico
brasileiro à concessão de ‘astreintes’ para compelir a Fazenda Pública ao
cumprimento de obrigação de fazer.
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De outro lado, contudo, a despeito da imperiosa
necessidade de conferir efetividade à prestação jurisdicional e de
prestigiar a segurança jurídica, tenho que não se mostra apropriada
manutenção da multa diária fixada à pessoa do Sr. Prefeito Municipal, já
que, a par de não ter observado o contraditório e a ampla defesa, não
tem razão de ser pelo fato de que ele não é parte no processo, além do
que, a fim de reprimir os atos do mau administrador, o sistema oferece
alguns mecanismos que podem se provocados na via própria, seja no
âmbito criminal ou civil, além da possibilidade de intervenção federal, nos
moldes do art. 34, inciso VI, da Carta da Republica.
Isento de custas e honorários advocatícios.
SENTENÇA SUJEITA AO DUPLO GRAU DE
JURISDIÇÃO, por imposição do disposto no artigo 475, inciso I, do
Código de Processo Civil. Assim, decorrido o prazo recursal, haja ou não
apelação voluntária, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de Mato Grosso.
P. I. e Cumpra-se.
Tangará da Serra, 29 de setembro de 2011.
ANDRÉ MAURICIO LOPES PRIOLI
Juiz de Direito
André Mauricio Lopes Prioli – Juiz de Direito
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