Editora: Planeta do Brasil ISBN: 8576652285 Ano: 2006 Edição: 1

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Editora: Planeta do Brasil
ISBN: 8576652285
Ano: 2006
Edição: 1
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
SUMÁRIO
Introdução
1 Comunicação
2 Religião
2.1 A música no culto
2.2 Música popular brasileira na Igreja na década de 1960
3 Roberto Carlos
3.1 A carreira fonográfica de Roberto Carlos
3.2 Roberto Carlos e a religião
4 “Eu Vou Seguir uma Luz lá no Alto”
4.1 “À procura do caminho certo”: metodologia
4.2 “A luz que vem do alto aponta o meu caminho”: análise e discussão
Conclusão
Bibliografia
INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho monográfico é analisar a mudança de orientação na
carreira do cantor Roberto Carlos (RC), verificada ao longo dos últimos anos. Consagrado
como cantor romântico, Roberto vem direcionando seu trabalho para a música religiosa. A
mudança coincidiu com uma redução do número proporcional de católicos na população
brasileira e com a proximidade do terceiro milênio.
Inicialmente, avaliar-se-á a emissão da mensagem de Roberto Carlos - a mudança
teria efetivamente ocorrido? Em caso afirmativo, quando, como, em que e por que a
mensagem se modificou?
O tema foi escolhido pelo autor pelo fato de, acompanhando desde a infância a
carreira do cantor, ter percebido na possível mudança um caso de modificação do caráter da
mensagem emitida. Além disso, a escolha de RC justifica-se por ser ele o único cantor
brasileiro cujo disco constitui um periódico. Desde 1965, seu disco é lançado sempre em
dezembro. Trata-se, portanto, de um produto de comunicação aguardado pelo público,
fabricado industrialmente e com amplo canal de distribuição. O produto recebe ainda o
reforço promocional dos especiais de fim de ano na TV Globo, sucessores dos filmes que
Roberto estrelou nos anos 60-70. Mais ainda, seus discos preservam, ao longo do tempo,
características comuns que guardariam algumas semelhanças com as seções de um jornal
(por exemplo: músicas ecológicas, pacifistas, homenagens às minorias, canções em
espanhol). As canções religiosas, sob esse prisma, poderiam constituir então o “editorial”
do disco. Deste modo, o direcionamento religioso como ponto principal de sua obra recente
configurar-se-ia como uma mudança de linha editorial do seu disco-periódico.
O presente trabalho inicia com uma abordagem da comunicação, em especial do
seu ramo aqui focalizado, a música popular, e de como os recentes avanços tecnológicos
nela influíram, com as possíveis conseqüências na forma de se comunicar da Igreja
Católica. A seguir, insere-se o catolicismo na linha evolutiva da idéia religiosa da
humanidade, apresentando-se depois como se deu a utilização da música pela Igreja para
reforçar a mensagem eclesiástica. Este uso teve, por sinal, um episódio singular no Brasil na
década de 1960, aproximando polemicamente a Igreja dos roqueiros da Jovem Guarda. O
líder deste movimento, Roberto Carlos, tem estudada na seqüência sua vida e obra, em
especial suas relações com as diferentes religiões. O último capítulo apresenta as músicas
com termos religiosos na obra de RC, especificadas uma a uma e submetidas a análise de
conteúdo categorial com inferência (na forma definida por Laurence Bardin em sua obra
Análisis de Contenido).
Foram considerados neste trabalho os discos (LP ou CD) individuais gravados
pelo cantor Roberto Carlos e lançados no Brasil de 1961 até o final do ano 2000. O suporte
disco apresenta para o público a vantagem sobre a emissão de televisão ou de rádio (ou
mesmo de um show) de ser recuperável, exatamente como foi concebido, em qualquer
tempo (assinale-se que a gravadora de RC, a Sony Music, mantém em catálogo todos os
discos do cantor de 1963 em diante, na apresentação original, fato raro em se tratando do
mercado brasileiro). Os compactos não foram incluídos na discografia apresentada pelos
seguintes motivos: as únicas músicas com termos religiosos que saíram em compactos
entraram no disco San Remo 1968, coletânea lançada em 1976; os compactos não
relançados em LP ou CD não tinham músicas com termos religiosos; é impossível ao
público hoje adquirir compactos (o produto, portanto, deixou de ser recuperável); desde o
início da carreira de Roberto, o LP já era considerado o produto nobre da indústria
fonográfica, sendo o alvo da atenção preferencial das gravadoras e do público (sendo
sucedido pelo CD recentemente).
1 - COMUNICAÇÃO
Comunicação é um processo de troca de mensagens entre dois sistemas diferentes
(emissor ou fonte e receptor ou destinatário ou público), através de um canal e sujeito à
interferência de ruídos. Os sistemas podem ser duas pessoas emitindo e recebendo
mensagens simultaneamente (ex.: conversa telefônica), ou uma pessoa (ou mais de uma)
veiculando uma mensagem para milhares de outras que a recebem no mesmo instante (ex.:
emissão de rádio ou televisão) ou que a podem recuperar em outro momento (ex.: jornal,
revista, filme de cinema, fita de vídeo, disco de música popular). O canal é o meio utilizado
para a transmissão da mensagem (nos exemplos anteriores, o telefone, o rádio, a televisão, o
papel impresso, a película cinematográfica, a fita VHS, o CD). Já o ruído, neste processo,
constitui uma perturbação “que transforma a interação entre a fonte e o receptor de um
processo determinístico num processo aleatório” (Doria: 1975, 91). Para Doria, o ruído tira
a garantia da certeza na transmissão e deixa a recepção sujeita a erros.
Só a transmissão realizada pelo emissor e sua certeza de captação pelo receptor
não asseguram que a comunicação realmente se efetuou. Se o receptor não dominar o
código em que a mensagem foi elaborada pelo emissor ou o ruído for a ponto de
comprometer a decodificação da mensagem, não ocorrerá comunicação efetivamente.
A música popular constitui-se numa das modalidades de comunicação, e como tal
é tratada no Dicionário Básico de Comunicação (Katz, Doria e Lima: 1975), que tem um
verbete sobre música erudita e música popular. No verbete, aborda-se a evolução da música
erudita desde J. S. Bach, passando por Mozart e Beethoven, até chegar aos grandes
espetáculos ao ar livre e ao dodecafonismo, no começo do século XX, e a posterior
influência desses aspectos na música popular, com a incorporação ao rock, pelo grupo
inglês The Beatles, de procedimentos formais comuns à esfera clássica,além do reflexo que
tal fato teve no Brasil durante a Tropicália.
Contribuiu decisivamente para o sucesso mundial sem precedentes de The Beatles,
além de muitos outros grupos e cantores de rock, o avanço tecnológico experimentado pelas
comunicações ao longo do século XX, notadamente após a Segunda Guerra Mundial. Já na
década de 1950, a popularização da televisão, o surgimento do rádio portátil, possibilitado
pelo transistor, e o lançamento dos primeiros satélites de telecomunicações foram fatores
importantes para possibilitar um maior intercâmbio de mensagens entre os mais diferentes
povos. Nas décadas seguintes, a lista só aumentaria: televisão em cores, videocassete,
discagem direta telefônica internacional, fax, telefone celular, internet e DVD, entre outros.
Um dos mentores do movimento tropicalista, com livre trânsito nas áreas de
música erudita, música popular e comunicação, o maestro Julio Medaglia alerta para duas
conseqüências funestas advindas do avanço tecnológico das comunicações. A primeira, o
caráter tendencioso “de mão única” nas informações transmitidas via satélite.
“Quem é dono do satélite faz passar por ele a informação que quer e,
evidentemente, a dele, a de seus interesses. Depois que começou a funcionar o satélite que
transformou a humanidade numa aldeia global, como afirmam alguns, a mesma
humanidade não passou a conviver com a música de Bali, da Índia ou de Caruaru. Em
compensação, nessas localidades ouve-se diariamente tudo o que é produzido e gravado
nos estúdios de som de Nova Iorque ou Los Angeles.” (Medaglia, 1988: 248).
O outro problema apontado por Medaglia é o desgaste da imagem do artista
provocado pela superexposição na mídia, principalmente na televisão. Os grandes nomes do
cenário musical brasileiro surgidos na década de 1960 foram logo absorvidos pela televisão
e após três ou quatro anos eram considerados “superados” por não conseguirem, aos olhos
da crítica especializada e do público, “modernizarem” sua produção. A TV Record, que
investira em musicais como o carro-chefe de sua programação, sofreu perda de audiência e
abriu caminho para a liderança da TV Globo, que preferiu apostar na teledramaturgia como
atração principal. Falando sobre as queixas constantes de músicos brasileiros a respeito da
invasão da música estrangeira, notadamente norte-americana, Medaglia adverte:
“Em vez de ficar culpando os outros, o músico urbano brasileiro tem que
aprender a ser profissional e a enfrentar as gigantescas máquinas de comunicação
montadas - aliás, para o artista - caso contrário ele vai permanecer eternamente fora de
pauta...” (Medaglia, 1988: 272).
É também a partir da década de 1950 que os avanços tecnológicos da
comunicação passaram a ser vistos pela Igreja Católica como aliados na conquista de novos
fiéis. Pio XII (1939-1958), no entender de Paul Johnson, “fue el primer papa que aprovechó
los recursos de las modernas comunicaciones masivas” (Johnson, 1989: 565). Além de
reconhecer a importância do tema, Pio XII pretendeu normatizar catolicamente a utilização
das novas tecnologias.
“Una de sus últimas encíclicas, Miranda prorsus (1957), tocó el tema de las
películas, la radio y la televisión, y definió, por ejemplo, los deberes morales de un
presentador de noticias; el modo en que debían organizarse y administrarse las oficinas de
la censura regional; las responsabilidades morales de los administradores de cines, los
distribuidores y los actores; el deber de los obispos de reprender a los directores y
productores cinematográficos que se desviaban del camino, y si era necesario, imponerles
sanciones adecuadas; la obligación de los miembros católicos de los jurados de los
festivales de votar por las películas „moralmente elogiables., e incluso los criterios
morales
mediante los cuales los carteles que anunciaban las películas debían ser juzgados. De este
modo, Pío estableció un contacto dogmático, por así decirlo, com un caudal innumerable
de católicos del mundo entero. (Johnson, 1989: 565-566).
2 - RELIGIÃO
Ao final do capítulo precedente, foi visto como o papa Pio XII, nos anos 50,
procurou orientar os católicos a respeito dos produtos de comunicação que estes recebiam.
Em pouco tempo, porém, a Santa Sé adotou uma posição diferente a respeito. No Concílio
Vaticano II (1962-1965), uma das novas metas que a Igreja Católica Apostólica Romana se
propunha era comunicar-se melhor - ou seja, em vez de apenas preparar seus fiéis para
receberem mensagens alheias, Roma entendeu a importância de tornar-se emissora de
mensagens próprias, afinadas com sua doutrina. O fenômeno não era totalmente novo: no
século XVII, o papa Gregório XV criara o Departamento Vaticano de Propaganda, para
orientar os missionários que levavam a fé cristã para a América e a Ásia (cf. Johnson, 1989:
467). Além disso, já no século IV diferentes correntes cristãs compunham hinos de
propaganda a favor e contra o arianismo (como será visto no item A música no culto).
Utilizar-se bem da comunicação sempre foi, pois, um fator primordial para o
cristianismo e também para outras religiões. Por religião, entenda-se a “Crença na
existência de uma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do
Universo, e que como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s).” (Ferreira, 1975: 1222).
Etimologicamente, a palavra religião vem do latim
“religio, cognato de religare, „atar., „ligar para tras., interpretando-se assim a
religião como laços que unem o homem à divindade. Comumente, pode-se defini-la como o
conjunto de relações teóricas e práticas entre o homem e uma potência superior, de quem
aquele sente depender e a quem tributa ato de culto, quer seja individual, quer seja
coletivo.” (Teles, 1995: 255).
O sentimento religioso acompanha a humanidade desde seus primórdios. Intrigado
com as diversas manifestações da natureza, o homem foi criando “entidades que, para ele,
dirigiam cada fenômeno do universo” (Teles, 1995: 256). Em conseqüência, estabeleceramse
“dois planos: o da natureza e o do sobrenatural, ou sagrado. O sagrado é, pois, o objeto
da religião.” (Teles, 1995: 256). Inicialmente, receberam caráter divino os próprios
fenômenos naturais, os animais e os mortos, principalmente os heróis e os reis. Com a
evolução da sociedade, a religião deixa de ter um caráter explicativo da natureza física e
volta-se para um papel ético-social.
O filósofo Antônio Xavier Teles identifica no politeísmo, adotado
progressivamente com o abandono do animismo, “de certa maneira, a visão fragmentária
que o homem tinha do mundo”. (Teles, 1995: 256). Cada povo possuía, então os seus
deuses, com características humanas. Aos poucos, porém, o politeísmo foi se modificando,
preparando o terreno para o monoteísmo, através de vários estágios preparatórios. O
primeiro foi o monoarquianismo: “no meio da sociedade divina, um deus passava a ser
supremo. É o caso de Zeus, entre os gregos; de Marduque, entre os babilônios, e do egípcio
Rá.” (Teles, 1995: 256). A seguir, estabeleceu-se a monolatria: admitia-se a existência de
muitos deuses, mas só um deles era adorado. A primeira experiência monoteísta foi
promovida pelo faraó egípcio Amenotepe IV, no século XIV a. C., durando pouco tempo,
porém. Coube aos judeus, no século XIII a. C., através de Moisés, fixar as bases do culto
monoteísta do qual se originou o cristianismo, no século I d.C.
Xavier Teles afirma que no monoteísmo “o sentimento religioso encontra sua
melhor expressão. O politeísmo dispersa (...) a intimidade da adoração. A força da
esperança só é possível quando se trata de um único ser transcendente.” (Teles, 1995: 256).
O cristianismo, ao longo de seus vinte séculos, passou por várias transformações,
dividindo-se em diferentes linhas. A que conta com maior número de adeptos no Brasil é a
Igreja Católica. Fundada pelos apóstolos sucessores de Jesus Cristo, ela foi introduzida no
Brasil no século XVI pelos colonizadores portugueses. Nas últimas décadas, o catolicismo
vem decrescendo em número proporcional de fiéis, embora se mantenha como credo
dominante no país.
A base do catolicismo é a crença em Deus, em Jesus Cristo e no Espírito Santo,
que juntos formam a Santíssima Trindade. Também tem um papel importante o culto à
Virgem Maria, ou Nossa Senhora, mãe de Jesus Cristo. Os católicos tementes a Deus
acreditam que irão para o paraíso após a morte, enquanto aos pecadores é destinado o
inferno. O Vaticano, além dos anjos (comuns a outras religiões), incorporou ao culto a
devoção aos santos, diferenciando-se assim de outras igrejas cristãs. Tendo como base
principal a Bíblia Sagrada, o catolicismo adota também interpretações do texto sagrado
elaboradas por membros do próprio clero ou por autores afinados com sua linha de
pensamento, que podem partir do texto bíblico e de outras obras de escritores autorizados.
Também marca o catolicismo a veneração de relíquias sagradas ou de objetos relacionados
de alguma forma à religião.
2.1 - A música no culto
A utilização da música pela Igreja Católica remonta às suas origens. Em suas
Epístolas, São Paulo menciona duas vezes o canto nas cerimônias cristãs do século I d. C.,
uma herança da tradição essênia nas sinagogas judaicas, o que explicaria o uso da palavra
Aleluya, em hebreu (Johnson, 1989: 122-123). Não há referências de como era a música
religiosa de então, por não existir ainda notação musical. É certo, porém, que ao final do
século IV o canto antifonal, originário do Oriente Médio, já era empregado no Ocidente.
No canto antifonal (também chamado de responsorial), a música é interpretada
num esquema de chamada-e-resposta, geralmente entre dois coros. Se houver um cantor
solista alternando-se com um corpo coral, o estilo pode ser chamado “solo e coro” (cf.
Muggiatti, O que é Jazz,1985: 20).
As antífonas foram um dos recursos utilizados por Santo Ambrósio, bispo de
Milão, para combater o arianismo naquela cidade, por volta de 386. O fundador da heresia
arianista (que afirmava que Deus Filho não poderia ser da mesma substância, ou seja,
semelhante a Deus Pai), Ário, aproximadamente em 318, no Egito, compusera hinos de
propaganda (canções populares monoteístas para corporações de diversos ofícios, marchas
para soldados, dos quais muitos se converteram ao arianismo, e cantos de trabalho para
marinheiros mercantes). Santo Ambrósio utilizou salmos e hinos métricos, chegando a
compor alguns (dos quais quatro sobreviveram). Seus versos eram de fácil memorização e
adequados à música, constituindo-se em estrofes de quatro linhas com versos de oito
sílabas. Para um melhor resultado junto aos fiéis, Santo Ambrósio contratou cantores
profissionais, além de formar novos dentro de sua congregação. Por essa época, o bispo de
Hipona, Santo Agostinho, manifestou-se contrário ao uso de músicas que pudessem distrair
os fiéis do que era dito pelo sacerdote, embora concordasse que a música na igreja era
fundamental.
No final do século VI, o papa Gregório Magno estabeleceu como padrão na
liturgia católica o cantochão, a partir daí conhecido também como canto gregoriano. Um
antigo estilo de canto a uma voz, caracterizava-se por apresentar pouco ritmo, para que a
música fluísse sem muito esforço do intérprete. De acordo com Keith Spence,
“O cantochão não é organizado em padrões rítmicos regulares, de forma a
poderem ser inseridos em compassos de duração constante. A música baseada no
cantochão adquire gradualmente a sua pulsação rítmica.” (Spence: 68).
Este estilo não era originalmente uma criação religiosa. No século anterior, um
cantochão saudara o imperador do Oriente, Teodósio II, no Senado:
“Cuando en 438 se promulgó en Roma el Código Teodosiano, los senadores
entonaron: „A través de ti tenemos nuestros honores, a través de ti nuestra propriedad,
a
través de ti todo. en un total de veintiocho veces; hubo quince aclamaciones
repetidas más
o menos análogas, com un total general de 352 elogios cantados rítmicamente, que fue el
modelo de las posteriores letanías cristianas dirigidas a Dios, Jesús y la Virgen María.”
(Johnson, 1989: 199).
Do cantochão, originou-se em meados do século IX o organum, “música cantada a
duas vozes paralelas, com o intervalo de uma quarta ou de uma quinta, correspondendo à
diferença entre as vozes do baixo e do tenor” (Spence: 68). Mais tarde, o organum
possibilita a criação do moteto, executado sempre a três vozes: a primeira, como base, era
um cantochão; a segunda, um hino com versos; a terceira podia ser uma canção popular. Na
Idade Média, isso era comum: “Por vezes, toda a missa era baseada em canções populares.”
(Spence: 68)
Os hinos, salmos e os livros de canto (antifoniários) faziam parte dos textos
permanentemente reproduzidos à mão pelos monges copistas da Idade Média. Também foi
um monge, o beneditino Guido d.Arezzo, o criador da moderna notação musical, no século
XI, retirando o nome atual das notas musicais das primeiras sílabas de um hino a São João
Batista.
Em conformidade com seu procedimento relativo à liturgia, na questão musical
Roma também não admitia inovações locais. No século IX, os búlgaros recém-convertidos
ao catolicismo foram instados pelo papa Nicolau I a abandonar seus cantos cerimoniais,
entoados antes de batalhas. O mais recomendável, certamente, era fazer como o nobre
inglês Benedito Biscop, que levou para Nortúmbria o arquicantor de São Pedro para que
ensinasse os monges ingleses a cantar pelo sistema romano, no final do século VII.
Embora na prática apenas o canto em latim fosse permitido, oficialmente a posição
da Igreja era em princípio de concordância com a utilização de idiomas locais. Numa carta
aos moravos, no século IX, o papa João VIII escreveu:
“Ciertamente no se opone a la fe y la doctrina que se cante la misa en lengua
eslava, o se lea el Santo Evangelio o las Lecciones Divinas del Nuevo y el Antiguo
Testamento bien traducidas e interpretadas, o que se canten los restantes oficios de las
horas, pues quien creó las tres lenguas principales, el hebreo, el griego y el latín, también
creó todas las restantes para su propio loor y gloria”. (Johnson, 1989: 213).
Entretanto, até o século XX a língua vernácula não seria admitida no serviço
religioso pela Igreja Católica. Mesmo os índios da América, catequizados a partir do final
do século XV, deviam cantar em latim. Mas, segundo relatava o bispo do México, Juan de
Zumárraga, ao rei espanhol Carlos V, isto para eles não constituía problema: “Los indios
son grandes amantes de la música, y los sacerdotes que oyen sus confesiones me dicen que
se convierten más por la música que por otra razón cualquiera.” (Johnson, 1989: 458) Os
indígenas também tinham facilidade para aprender a tocar instrumentos para auxiliar nas
missas. Em 1561, o sucessor de Carlos V, Filipe II, ordenou que se reduzisse o número de
índios cantores e instrumentistas, mas não foi atendido.
A posição da Igreja Luterana em relação a quem podia cantar e em que língua já
foi completamente diferente. Esta Igreja foi criada no século XVI na Alemanha durante o
processo conhecido como Reforma Protestante. Seu fundador, Martinho Lutero, compôs
diversos hinos em alemão, pois julgava fundamental que o homem comum pudesse cantar
no culto. Seus hinos foram publicados no Livro de Canções de Wittenberg. Para Lutero, o
objetivo do livro era “que o jovem tenha algo que o livre das suas cantigas de amor e
canções licenciosas e possa então aprender algo de saudável”. (Spence: 69).
Os hinos de Lutero inspiraram de certa forma os corais de Johann Sebastian Bach,
músico alemão do século XVII considerado o fixador da música ocidental moderna e autor
de cantatas, oratórios e muitas outras obras de inspiração religiosa, não fosse ele
responsável pela música na capela de Leipzig durante vinte e sete anos.
A Reforma de Lutero abriu o caminho para a criação de dezenas de outras igrejas
protestantes. Poucas delas, como a evangélica, condenavam o uso da música. No início do
século XIX, o jornal evangélico Record considerava os oratórios do alemão naturalizado
inglês Georg Friedrich Haendel “suspeitos” e definia um oratório como “una horrible e
impía profanación de las cosas santas por un mundo frívolo y perecedero” (Johnson, 1989:
422).
Os hinos protestantes, levados para a América do Norte pelos ingleses a partir do
século XVII, foram aos poucos combinados com os cantos de trabalho e com os fortes
ritmos trazidos pelos escravos africanos, originando as gospels songs. Outro tipo de música
religiosa afro-americana é o spiritual (ou negro spiritual), que difere do gospel por
apresentar um andamento lento e um caráter solene. Permitindo o uso da língua nacional e
ainda um ritmo alegre, o canto nas igrejas protestantes americanas constituiu-se na grande
escola formadora de muitos cantores daquele país, entre eles o roqueiro Little Richard,
sobrinho de dois pregadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia. No Brasil, várias cantoras
descobriram sua vocação musical nos coros religiosos: Ângela Maria, Aracy de Almeida,
Carmen Costa, Marlene. Todas em igrejas protestantes - evangélicas ou batistas.
A associação entre religião e música promovida pelas diversas igrejas cristãs teve
conseqüências curiosas em algumas sociedades que pretenderam abolir a prática religiosa,
como a França logo após a Revolução de 1789 (quando tentou-se substituir o culto a Deus
por venerações da Razão e da Filosofia) e na Alemanha nazista. Tão logo conseguisse
eliminar os judeus e vencer a Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler pretendia dedicar-se a
expulsar o cristianismo do Reich. No entender de Paul Johnson, algumas comemorações
promovidas por Hitler mostravam que “el nazismo (...) era una parodia blasfema del
cristianismo, en la que el racismo remplazaba a Dios, y la „sangre. alemana a Cristo.”
(Johnson, 1989: 546). Os oficiais da SS, ao se casarem, seguiam uma cerimônia
matrimonial específica:
“comenzaba com el coro de Lohengrin (...). Se tocaba música de Peter Gynt (la
„Manana.) de Grieg, y se leían fragmentos de Mein Kampf, los novios formulaban
promesas e había otros elementos de la ceremonia cristiana; pero el celebrante era un
oficial SS y el servicio concluía con el himno de fidelidad a la SS.” (Johnson, 1989:
547).
Também foram criadas versões nazistas de músicas famosas do cristianismo,
como de “Noite Feliz”(Franz Gruber):
“Noche tranquila, noche de paz/ todo está en calma, todo refulge,/ sólo el
Canciller [Hitler], firme en la lucha,/ vigila noche y día por Alemania,/ cuidándonos
siempre.” (Johnson, 1989: 547).
A Igreja Católica só abriu mão oficialmente da obrigatoriedade da missa em latim
e do canto gregoriano após o Concílio Vaticano II, encerrado em 1965. Mais recentemente,
movimentos como a Renovação Carismática Católica, surgida nos Estados Unidos na
década de 1960, criaram uma nova missa, com padres-cantores (um exemplo brasileiro dos
anos 90 é o padre Marcelo Rossi) colocando a música como atividade central do culto,
incentivando os fiéis presentes a cantarem juntos, baterem palmas e pular dentro das igrejas
ou mesmo em cerimônias ao ar livre. O padre Marcelo tem lançado discos com as músicas
de suas missas, obtendo expressivas vendagens (5,2 milhões de CDs, cf. Nilson Mariano,
Missa dos 500 anos sem padre Marcelo, Zero Hora, Porto Alegre, 26/02/2000).
Portanto, na mesma época, observa-se o seguinte fenômeno: Roberto Carlos, ao
longo da décaca de 1990, dedicou uma parte nobre de seus espetáculos, geralmente o
encerramento, a seu repertório religioso, ao passo que os padres-cantores deram à missa um
caráter de show. Assim, percorrendo caminhos inversos, tanto o cantor quanto a Igreja
atingiram resultados formais semelhantes.
2.2 - Música popular brasileira na
Igreja na década de 1960
Sem haver um novo estilo de música oficial e obrigatório para execução nas
missas, alguns religiosos brasileiros, logo após o Concílio Vaticano II, abriram as portas de
suas igrejas para a música popular. A tendência não era geral: o padre baiano que, no início
de 1967, celebrou o casamento do letrista Torquato Neto com Ana Maria Santos e Silva
impediu que os parceiros do noivo - entre eles Caetano Veloso e Gilberto Gil - tocassem
sambas durante a cerimônia (cf. reportagem da revista Intervalo, Torquato e Ana: Vida a
Dois, de 05/02/1967, reproduzida em Torquato Neto: 1982, sem indicação de página). Mas,
no final do mesmo ano, o sacerdote que oficiou o matrimônio de Caetano e Dedé Veloso
não pôde obstar a invasão da igreja por dezenas de fãs do compositor, cantando “Alegria,
Alegria” (Calado, 1997: 152-157).
Já no ano anterior, porém, houve convites de padres para roqueiros da Jovem
Guarda tomarem parte em missas. Os casos mais comentados foram do frei Leovigildo
Balestieri, pároco da Igreja Nossa Senhora da Paz, do bairro de Ipanema, Rio de Janeiro,
que promoveu a “missa do iê-iê-iê” com The Brazilian Bitles, e de dois padres de Curitiba,
Euvaldo de Andrade, capelão da base aérea, e Emir Calluf.
Pouco antes da “missa do iê-iê-iê” em Ipanema, os Brazilian Bitles haviam tocado
a “Ave Maria” de Schubert em ritmo de balada, numa festa em Teresópolis. O fato foi
muito comentado, mas a missa subseqüente assumiu proporções de escândalo. Moças
dançaram sobre os altares, ao que parece incitadas por fotógrafos (Fróes, 2000: 120). A
revista Intervalo assim se manifestou sobre o caso:
“Não há como censurar os Brazilian Bitles: não têm a responsabilidade da Igreja
e estavam ali como convidados, na melhor das intenções. Mas dizem que de boa vontade
está calçado o inferno. Se não houve dolo, houve falta de previsão e, certamente, é confiar
muito pouco na juventude o fato de achar-se que somente através do iê iê iê retornará à fé.
É como conferir a Roberto Carlos um valor catequético igual ao de João, o Evangelista, ou
de Pedro, o fundador da Santa Madre Igreja. Os sacerdotes católicos estão, a nosso ver,
carecendo de melhores pesquisas, para tratar com a onda do iê iê iê - e isto pode
transportá-la a um plano místico perigosíssimo. Vamos deixar os cabeludos em paz, sem
lhes conferir funções litúrgicas, ou paralitúrgicas”. (Fróes, 2000: 120-121).
O padre Calluf utilizava músicas do repertório de Elis Regina, Wanderley Cardoso
e Luis Vieira, além de fazer adaptações de alguns sucessos da época, como “Quero que Vá
Tudo pro Inferno”, que eram interpretadas por João Luis e Os Águias. O caso chegou ao
conhecimento do Vaticano.
O episódio mais notório foi mesmo do padre Euvaldo. Na qualidade de padrecapelão
de uma unidade da Aeronáutica (a base aérea da capital paranaense) em plena
época da ditadura militar (junho de 1966), foi repreendido tanto pelas autoridades da Igreja
quanto pelas do Exército. Proibido pelo comandante da base, brigadeiro Peralva, de realizar
novos cultos semelhantes, o padre foi punido com a transferência para Brasília, ordenada
pelo arcebispo de Curitiba, dom Manuel da Silveira d.Elboux, que considerou a missa com
rock “uma atividade profana”. Padre Euvaldo, que dizia aos jovens: “Aceito tuas músicas se
aceitares o ritmo das minhas idéias”, defendeu-se perante seus superiores dizendo que só
pretendia atrair os jovens para a Igreja (Fróes, 2000: 121). Afinal, em que consistia a missa
que provocou tanto celeuma?
“(...) uma missa com música dos Beatles no Evangelho, bolero de Vanderlei
Cardoso na Comunhão, e uma versão de Quero que tudo mais vá pro inferno ao final do
ato religioso. A falta de respeito era tanta que no fim da missa, quando o padre abriu os
braços, os fiéis pensaram que ele ia dar uma de Vanderlei Cardoso e berrar: „Abraça-me
fo-or-teee!!!.. Mas o Padre Euvaldo saiu com uma de Roberto Carlos e berrou: „Meu
Deus, eu te amo, mora.. (Ponte Preta: 24)
De acordo com Fróes, 2000: 121 e Pugialli, 1999: 78, a frase dita pelo padre teria
sido: “Hóstia, eu te adoro, mora!”, durante a Consagração. A versão de padre Euvaldo para
“Quero que Vá Tudo pro Inferno” era “Quero que Deus me Aqueça o Coração”, também
cantada por João Luis e Os Águias:
“De que vale o céu azul / e o sol sempre a brilhar/ E se Deus não vem e eu estou
a Lhe esperar/ Eu só tenho Deus no meu pensamento/ e a Sua ausência é todo o meu
tormento/ Quero que só Deus me aqueça o coração / pois tudo será bela canção/ Não
suporto mais Deus longe de mim/ Quero até morrer, do que viver assim/ Quero que só
Deus me aqueça o coração / Pois tudo será bela canção.” (Fróes, 2000: 121).
Com uma outra atitude perante a questão, um pároco carioca, Antônio Curti,
patrocinou um “grupo jovem”, Os Átomos, que foi integrado inicialmente por congregados
marianos, em maio de 1967. Mais tarde, o grupo desligou-se da paróquia, passando a
aceitar músicos leigos e a animar festinhas no subúrbio (Pugialli,1999: 276).
Mesmo sem se envolver diretamente com as missas do iê-iê-iê, Roberto Carlos foi
citado por Stanislaw Ponte Preta e pela revista Intervalo nas críticas que estes dirigiram ao
evento. O cantor, na época, já era nacionalmente famoso como líder da Jovem Guarda e
começava a ter sua imagem associada com a religião. Para um entendimento de como esse
fenômeno se processou, o capítulo seguinte é dedicado ao estudo da vida e da obra de RC,
além de suas relações com o catolicismo e outras religiões.
3- ROBERTO CARLOS
Roberto Carlos Braga nasceu em Cachoeiro do Itapemirim (ES) em 19 de abril de
1941. Filho de um relojoeiro, Robertino, e de uma costureira, Laura, começou a estudar
canto aos quatro anos e piano aos oito, no conservatório de Cachoeiro. Também aos oito,
foi matriculado no Colégio Jesus Cristo Rei.
Antes disso, porém, um acontecimento marcaria profundamente o menino
Zunguinha (seu apelido de infância): “No dia 29 de junho de 1947, às nove e meia da
manhã, Roberto sofre um sério acidente.” (Pugialli, 1999: 14). O compositor e jornalista
Ronaldo Bôscoli, que produziu os shows de RC por mais de vinte anos, relata que a música
“Traumas” “conta a dor que sentiu ao sofrer o acidente que o mutilou. Quando criança,
Roberto teve o pé massacrado por um trem. Um lance terrível, teve que amputar a perna.”
(Maciel e Chaves, 1994: 131-2) Em outra música, “O Divã”, Roberto comenta o acidente:
“Relembro bem a festa, o apito/ E na multidão um grito,/ O sangue no linho
branco,/ A paz de quem carregava/ Em seus braços quem chorava/ E no céu ainda olhava/
E encontrava esperança/ De um dia tão distante/ Pelo menos por instantes/ Encontrar a
paz sonhada.” (O Divã, Roberto Carlos - Erasmo Carlos, 1972).
Para Pugialli (1999: 14) e Halfoun (2001: 31), a música foi uma espécie de refúgio
para Roberto recuperar-se do acidente. Aos nove anos, Roberto Carlos cantou pela primeira
vez num programa de auditório da Rádio Cachoeiro. Não demorou muito para o menino
ganhar um programa próprio. Em pouco tempo, o sonho da mãe em vê-lo médico foi
deixado de lado. Roberto mudou-se com a mãe e dois irmãos para Niterói, em 1955. Nova
mudança, para o Rio de Janeiro, aconteceu depois com a vinda do pai e da irmã, como ele
mesmo contou à revista Bizz:
“Fiquei um ano estudando em Niterói e cantando no Rio, em programa de
calouro. Minha mãe então se mudou para o Rio e saí da casa de minha tia, onde ficava.
Era mais fácil, eu não precisava mais tomar a balsa.” (Entrevista - Roberto Carlos/
Jovem
Guarda: As raízes do rock brasileiro. Bizz. São Paulo, 1988).
O jovem cantor então troca o ginásio por um supletivo, onde conhece Arlênio
Lívio, que trabalhava em rádio e o apresentou a Tim Maia e Erasmo Carlos, que, como ele,
dividiam o entusiasmo pelo rock, que começava a fazer sucesso no Brasil. Em 1957, os
quatro, com outros amigos, fundam o grupo The Sputniks, depois The Snakes. Roberto
apresentava-se na televisão, com o grupo ou sozinho, cantando músicas do repertório de
Elvis Presley. O produtor do programa Clube do Rock, Carlos Imperial, convidou-o para ser
guitarrista do grupo que empresariava, Os Terríveis. Em maio de 1958, Roberto participou
do show do Clube do Rock que abriu a apresentação de Bill Haley no Maracanãzinho.
O lançamento, em outubro de 1958, da música “Chega de Saudade” (Tom Jobim Vinicius de Moraes), gravada por João Gilberto, deixa Roberto apaixonado pela bossa
nova. Procurando imitar João Gilberto, ele consegue um contrato como “crooner” do
conjunto da boate Plaza. A vida noturna fez com que ele fosse desistisse de estudar. Como
foi repreendido pelo pai, defendeu-se dizendo: “Ora pai, não tenha preocupação com o meu
futuro. Vou ganhar muito dinheiro como cantor de rádio. Um dia serei mais rico do que
qualquer doutor em ciências e letras.” (Pugialli, 1999: 34). Pouco tempo depois, Robertino
emancipou o filho.
Carlos Imperial, preocupado com a baixa popularidade do rock na ocasião,
procurou incluir seus protegidos Roberto e Erasmo nos primeiros shows de bossa nova.
Roberto chegou a participar de um deles, num colégio, em outubro de 1959, dois meses
após lançar seu primeiro disco, um compacto pela Polydor, onde novamente imitava João
Gilberto. Mas as incursões de Roberto pela bossa nova não tiveram êxito e a Polydor
dispensou-o.
Desanimado, ele pensou em voltar a estudar e arrumou um emprego no Ministério
da Fazenda. A insistência de Imperial levou-o em 1960 a um contrato com a gravadora
Columbia (depois CBS e atualmente Sony Music). O disco, outro compacto, também não
foi sucesso, mas dessa vez a gravadora resolveu lhe dar outra chance. No ano seguinte,
gravou um LP, Louco por Você, cuja faixa-título chegou a ser bem tocada nas rádios do Rio
(em setembro, um mês após o lançamento, estava em 10º lugar na parada de sucessos,
chegando ao 2º em outubro) (Pugialli, 1999: 80-81), mas outra vez o disco não vendeu. O
funcionário público Roberto Carlos conseguiu uma transferência para o Ministério da
Educação e Cultura e tentou divulgar o disco na rádio MEC.
Em 1962, Sérgio Murilo, o maior astro jovem da Columbia, deixou a gravadora
brigado, o que abriu o caminho para RC, que a pedidos da empresa voltou a cantar rock.
Com um rock-balada, “Malena”, Roberto atinge pela primeira vez o topo da parada de
sucessos, em julho de 1962.
A denominação do cantor como “Rei” acontece nessa época. Tendo sido fundado
um fã-clube de Roberto no bairro de Santo Cristo, no Rio de Janeiro, as sócias atribuem um
caráter monárquico ao ídolo: “as meninas fazem faixas, vão a todos os programas de
auditórios das rádios e TVs, sobem ao palco para colocar as faixas de „Nosso Rei., „Rei da
Juventude.¡± (Pugialli, 1999: 103). Novas “coroações” se seguiriam: em dezembro de 1965,
a Revista do Rádio e o programa Ritmos da Juventude, da TV Globo, o elegem “Rei do
Twist no Brasil” - exclusivo da TV Record, na época, Roberto deixou o título para o
segundo colocado, Jerry Adriani. Finalmente, em maio de 1966, Roberto foi coroado “Rei
da Juventude” após um show beneficente em Assis (SP), com a coroa da fantasia de Rei
Luís que fora premiada no carnaval carioca daquele ano. Houve ainda uma verdadeira
cerimônia de sagração no programa de TV do animador Chacrinha, com direito a coroa e
trono.
Em 1963, Roberto inaugura com Erasmo Carlos a mais duradoura parceira da
música popular brasileira. Vendo semelhanças em seus estilos, os dois escrevem “Parei na
Contramão”, lançada no mesmo disco - Roberto Carlos (1963) - que contém “Splish
Splash” (Bobby Darin - Jean Murray. Versão Erasmo Carlos). As duas músicas fazem
bastante sucesso, conseguindo que Roberto atingisse pela primeira vez o mercado paulista,
já então fundamental para o êxito nacional de qualquer artista.
Uma nota da imprensa reproduzida por Ricardo Pugialli dá conta de como as
figuras de Roberto e Erasmo já estavam associadas no início de 1964:
“A coluna O Mundo É Dos Brotos deu a seguinte notícia na edição 750 da
Revista do Rádio: „O Erasmo (Splish Splash) vai naturalmente fazer uma versão
dizendo
Drip Drop... o meu carro enguiçou. O Roberto Carlos vai gravar e vender aos quilos, como
a história do beijo e do tapa no cinema.. Isso demonstra como a parceria já é vista
como
fonte de sucessos, segundo a imprensa.” (Pugialli, 1999: 141)
A “história do beijo e do tapa no cinema” refere-se a “Splish Splash”, enquanto a
anunciada “Drip Drop...” parece antecipar “O Calhambeque”.
A maior fonte de renda para um cantor jovem na ocasião se constituía nas
apresentações em circos de subúrbio (como não viajavam, esses circos necessitavam
constantemente renovar as atrações, para atrair público) e no interior. Numa dessas viagens,
em julho de 1964, Roberto envolveu-se num acidente, entre as cidades de Três Rios e
Paraíba do Sul. Seu carro estava em alta velocidade quando precisou desviar-se de uma
vaca numa curva. O automóvel, desviado bruscamente, virou e bateu num barranco. O
cantor foi jogado a dez metros do carro, sofrendo um corte profundo na orelha direita que ia
até o pescoço, precisando levar doze pontos. Outro ocupante do veículo, Roberto Oliveira,
fraturou o crânio, morrendo poucos dias depois.
“O que pouca gente sabe é que, naquela noite trágica, mesmo desesperado com o
estado do companheiro, Roberto Carlos deixou rapidamente o hospital e seguiu (...) até o
circo onde deveria cumprir o seu compromisso profissional. Com um lenço tentando
estancar o sangue do ferimento no pescoço e os braços muito machucados, foi para o
picadeiro do circo lotado, pegou o microfone, cantou. Cantou como pôde. Não se demorou
muito tempo no picadeiro.
Mesmo assim, nas toscas arquibancadas de madeira, todos aplaudiram de pé.”
(Halfoun, 2001: 37).
Uma tentativa de programa jovem com RC na TV Rio foi logo arquivada. Porém,
em agosto de 1965, ele e Erasmo, junto com a cantora Wanderléa, são contratados pela TV
Record, de São Paulo. Com os musicais da TV carioca dominados pela bossa nova, ir para
São Paulo parecia uma escolha lógica numa época em que não havia redes nacionais. Mas
os próprios artistas pareciam não acreditar muito no sucesso do programa Jovem Guarda,
que passaram a apresentar nas tardes de domingo, como prova esta passagem narrada por
Nelson Motta. Inicialmente instalados num hotel, Roberto e Erasmo resolveram procurar
um apartamento:
“os quartos eram ótimos, mas o aluguel assustou. Como o contrato do „Jovem
Guarda. era de seis meses e ninguém sabia o dia de amanhã, assinar um compromisso
de
um ano por aquela quantia seria uma responsabilidade que eles não poderiam assumir.”
(Motta, 2000: 97)
As gírias lançadas pelos cantores da Jovem Guarda, suas músicas, as roupas que
usavam e produtos a eles associados viraram mania nacional (o programa era exibido nas
outras capitais em videoteipe, com alguns dias de atraso). Foi a época das expressões “É
uma brasa, mora!” e “barra limpa” e das marcas Calhambeque, Tremendão, Ternurinha e
Jovem Guarda em objetos tão diversos como “calças, botas, chapéus, cintos, chaveiros,
coletes, lapiseiras, porta-cadernos, amplificadores para baixo, fotografias etc.” (Pugialli,
1999: 342).
O iê-iê-iê logo tomou conta das paradas de sucesso, principalmente após o
lançamento do disco Jovem Guarda, contendo o megassucesso “Quero que Vá Tudo pro
Inferno”, uma das músicas mais tocadas no Brasil nos dois anos seguintes, inclusive nos
bailes de carnaval. Apesar de ter gerado alguns incômodos para seu autor, a faixa tornou-se
o hino do movimento. Era de praxe, ao final de cada programa Jovem Guarda, todos os
participantes daquele dia cantarem juntos “Quero que Vá Tudo pro Inferno”. É de se
observar o fenômeno, já então raro, de uma canção permanecer dois anos fazendo sucesso.
Atualmente, não se registra nenhum caso semelhante.
Roberto Carlos já não cabia nos circos de subúrbio. Seu palco agora era cada vez
mais o mundo. A partir de 1965, quando esteve na Argentina e em Portugal, sair do Brasil
passou a ser rotina para o cantor, que se viu obrigado a compor nos aviões. Já em 1966,
seus discos, em português mesmo, passam a ser lançados nos Estados Unidos. Em fevereiro
de 1967, Roberto faz o show de encerramento do MIDEM, a feira mundial do mercado do
disco, na França. Retornou à Europa em agosto, para participar do Festival de Veneza,
ficando entre os seis primeiros colocados.
Roberto voltaria à Itália no início de 1968, quando venceu o Festival de San Remo
(foi o primeiro não-italiano a obter a façanha, interpretando “Canzone per Te”), sendo
recebido na volta ao Brasil por 10 mil pessoas no aeroporto do Galeão (Pugialli, 1999:
317).
Festivais da canção foram uma mania também no Brasil da década de 60. Roberto
igualmente marcou presença nos certames daqui. Sua melhor colocação foi um quinto lugar
no 3º Festival da Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record em 1967.
“De smoking, Roberto Carlos enfrenta as vaias com altivez e simpatia e canta
com grande competência e discreta emoção o samba lento „Maria, Carnaval e
Cinzas., do
paulista Luiz Carlos Paraná. Sai do palco muito aplaudido e para muitos é o melhor
intérprete da noite.” (Motta, 2000: 151)
As vaias se deviam à parcela do público que considerava uma invasão a presença
do “rei do iê-iê-iê” num evento que originalmente se propunha a veicular a nova música
nacional, herdeira da tradição da bossa nova (Roberto voltaria a ser vaiado no ano seguinte,
quando defendeu “Madrasta”, de Beto Ruschel e Renato Teixeira. Mas não deve ter se
importado muito: em 1968, o público vaiou também Tom Jobim). O tempo mostraria que,
mais do que a sua própria colocação, a vitória de Roberto em 1967 estava de certa forma no
segundo lugar obtido por Gilberto Gil com “Domingo no Parque” e no quarto lugar de
Caetano Veloso com “Alegria, Alegria”. Era o surgimento da Tropicália, que avalizava o
iê-iê-iê como uma de suas mais importantes influências, ao lado da bossa nova e do poprock
internacional da linha consagrada por The Beatles.
Assim como o quarteto inglês, RC atuou em vários filmes nessa época. Após uma
tentativa frustrada em 1966 (SSS contra a Jovem Guarda), o Rei da Juventude chegou às
telas em três filmes do diretor Roberto Farias: Em Ritmo de Aventura (1968), O Diamante
Cor-de-Rosa (1969) e A 300 Quilômetros por Hora (1971). A idéia da CBS era lançar o
disco Em Ritmo de Aventura junto com o filme, mas como este só ficou finalizado para
lançamento em fevereiro de 1968, a gravadora decidiu não esperar e lançou a trilha do filme
em dezembro de 1967, para o público não perder o hábito. Já o terceiro filme foi lançado na
mesma época que o disco daquele ano (1971).
Nessa ocasião, Roberto estava consolidando sua imagem de cantor romântico,
abandonando de vez a postura de artista jovem. Um grande show em 1970 no Canecão, no
Rio de Janeiro, produzido pela dupla Luís Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli, com orquestra
dirigida pelo maestro Chiquinho de Morais, marca o novo estilo. Miéle e Bôscoli
escreveram e dirigiram todos os shows de Roberto desde então (Miéle, após o falecimento
de Bôscoli, em 1994, deu continuidade à tradição). Chiquinho foi indicado pelos produtores
como um bom maestro, mas acabou se revelando “um tanto irresponsável” (Maciel e
Chaves, 1994: 228) e deixando Roberto muito tenso na véspera de cada estréia, sendo
substituído por seu discípulo Eduardo Lages no final da década de 70. Lages é até hoje o
responsável pela parte musical dos shows e pelo arranjo dos discos de Roberto. O Canecão
também se constituiu, por muitos anos, no local preferido por ele para lançar seus discos.
Em 1983, Roberto inovou fretando um avião para realizar o “Projeto Emoções”, levando
seu show para quatorze estados brasileiros, totalizando vinte e uma apresentações.
Em 1971, ele passou a gravar seus discos nos Estados Unidos (só voltaria aos
estúdios brasileiros brevemente em meados dos anos 80 e, ao que parece em definitivo, em
seu estúdio próprio, Amigo, no final da década de 90). O lançamento dos discos, desde
1965 sempre em dezembro, recebe como apoio o programa especial na TV Globo, na
semana do Natal, a partir de 1974. De 1996 em diante, o especial passou a ser precedido
pelo lançamento do disco no programa Domingão do Faustão.
Para um artista que mantém uma ativa carreira internacional, gravar em outros
idiomas é indispensável. Seu primeiro disco em espanhol foi “Canta a la Juventud”,
“versionando todo o repertório do disco „É Proibido Fumar.. Fabricado e
lançado no Brasil em abril de 1965, visando a exportação para países latinos como
Argentina e Chile, acabou sendo retirado rapidamente de catálogo quando um dos atos da
ditadura militar considerou que qualquer coisa na língua hispânica soaria como algo
subversivo. Com isso, o disco tornou-se uma raridade e gravar em espanhol por muitos
anos ficou fora de cogitação.” (Fróes, 1998, encarte CD Canta a la Juventud).
Roberto só voltaria a lançar discos em espanhol a partir de 1972. Outras línguas
nas quais ele gravou: italiano (1967 a 1979), inglês (1981) e francês (1982). A CBS
outorgou-lhe em 1982 o Globo de Cristal, oferecido aos artistas que vendem mais de 5
milhões de cópias fora de seu país de origem. No final dos anos 80, sua carreira em
espanhol acumulava seguidos êxitos: ganhou em 1988 o Grammy de melhor cantor pop
latino-americano por sua gravação de “Si el Amor se Va” (Roberto Livi - Bebu Silvetti). No
ano seguinte, seu disco para o mercado latino Sonrie atingiu o topo da parada latina da
revista americana Billboard. Novo recorde foi anunciado em 1994: Roberto Carlos havia se
tornado o primeiro artista latino-americano a vender mais discos que The Beatles. Desde
1977, vender mais de um milhão de cópias de seu disco anual já virara rotina (antes dele,
nenhum cantor brasileiro atingira tal cifra). “CD [novo] de Roberto é garantia de 1 milhão
de cópias vendidas”, afirma Marcelo Ferla (Roberto, só pela tradição. Zero Hora,
11/12/1999).
Outra rotina: as homenagens. No carnaval de 1987, a Escola de Samba Unidos de
Cabuçu, do Rio de Janeiro, levou sua vida para a Marquês de Sapucaí com o enredo “Na
Corte de Momo, que Rei Sou Eu?”. Em 1993, Maria Bethânia gravou um disco (As
Canções que Você Fez pra Mim) só com músicas de Roberto e Erasmo; no ano seguinte, os
roqueiros surgidos nos anos 80 e 90 fizeram releituras do repertório da Jovem Guarda, no
disco Tributo ao Rei.
Em maio de 1968, o ídolo casara-se na Bolívia com Cleonice Rossi, a Nice,
desquitada e mãe de uma filha, Ana Paula, que Roberto passou a considerar como sua. O
primeiro filho do casal, Roberto Carlos Braga Segundo, também conhecido como
Segundinho ou Dudu, nasceu em 1969, com glaucoma. Roberto e Nice teriam ainda outra
filha, Luciana. O cantor reconheceu em 1991 a paternidade de outro filho, Rafael Torres
Braga, então com 25 anos.
Roberto e Nice viveram juntos até 1979. Algum tempo após, o cantor uniu-se à
atriz Míriam Rios, com quem permaneceria até 1989. Dois anos depois, ele começou a
namorar Maria Rita Simões. Maria Rita, a partir de 1992, passou a integrar um grupo de
orações denominado O Terço.
“No dia 15 de abril de 1996, Roberto realizou seu primeiro casamento oficial no
religioso, na Igreja da Urca, em sigilo. Em vez de um buquê, Maria Rita, vestida de
branco, carregava um rosário. Igualmente católica fervorosa, ela foi uma das responsáveis
pela guinada religiosa que a música do Rei vem sofrendo nos últimos anos.”
(Roberto, as
tragédias e a fé. Zero Hora, 21/12/1999)
Em 1998, descobriu-se que Maria Rita tinha um tipo raro de câncer. Sua cura
chegou a ser anunciada pelos médicos no início de 1999, mas a doença voltou e acabou por
vitimá-la no final daquele ano, fazendo Roberto cancelar toda sua agenda, inclusive o
especial da Globo. Muito abatido após a morte da esposa, o cantor só voltou a se apresentar
em público no Recife, em novembro de 2000.
3.1 - A Carreira Fonográfica de Roberto
Carlos
Ao longo da carreira de RC em disco, é possível identificar seis fases distintas,
considerando o estilo lítero-musical e os tipos de assunto tratados.
„h Indefinida (1959-1963)
O nome desta fase é sugerido por Pugialli (1999: 102 e 115). Iniciando a carreira
artística, o cantor gravava estilos muito diversos como sambas, tangos, rocks, boleros, chácháchás e outros ritmos em voga. As letras também apontavam para várias direções: amor,
desejo de ascensão social, corrida espacial, religiosidade, além de já apresentar uma
temática adolescente. No acompanhamento, geralmente orquestras, com apenas algumas
faixas de rock com “grupo jovem”. Integram esta fase os discos Louco por Você (1961) e
Roberto Carlos (1963).
„h Jovem Guarda (1964-1967)
As datas apresentadas acima correspondem aos discos de Roberto em que o iê-iêiê
predomina, e não à duração do movimento em si (geralmente fixada entre 1965 e 1968,
cf. Medeiros, Pugialli e Fróes). Já em 1962, ao conhecerem os primeiros trabalhos do grupo
The Jet Blacks, Roberto e Wanderléa “perceberam que seus discos soavam mal porque não
eram tocados por roqueiros” (Pugialli, 1999: 96). Apercebendo-se do fato, dois anos depois,
a CBS passou a escalar apenas grupos jovens para acompanhar Roberto. Compõem
basicamente o repertório desta fase rocks, baladas, surf music e twist, com no máximo três
ou quatro acordes, abordando uma temática adolescente - namoros, carrões, brigas, praia,
personagens de histórias em quadrinhos. A Jovem Guarda apresenta uma nova forma de
canção, não mais baseada na estrutura tradicional da música popular brasileira, “a forma
rondó (A-B-A-C-A), herdada da polca” (Severiano e Mello, 1999: 153). Em boa parte das
músicas, o iê-iê-iê não tinha refrão. O cantor interpretava a letra do início ao fim e, após
uma pausa instrumental, repetia alguns dos últimos versos. Por vezes, o público era levado
a atribuir a essas passagens o caráter de refrão. Apresentam essas características músicas
como “Esperando Você”, “Parei, Olhei” e “Quero que Vá Tudo pro Inferno”. Nesta, ainda,
Albert Pavão identifica a definição do iê-iê-iê: “uma guitarra marcando o ritmo, ao lado de
um órgão fazendo harmonia” (Pavão, 1989: 40). Cabe ainda ressaltar que nem todas as
músicas da Jovem Guarda, mesmo as gravadas por Roberto, obedecem à estrutura descrita
aqui.
Integram esta fase os discos É Proibido Fumar (1964), Canta para a Juventude
(1965), Jovem Guarda (1965), Roberto Carlos (1966) e Em Ritmo de Aventura (1967). No
mesmo período, a CBS lançou no Brasil o disco destinado ao mercado latino-americano
Canta a la Juventud (1965).
„h Transição (1968-1969)
Como já foi dito, mesmo antes do final da Jovem Guarda RC começou a adotar
uma postura mais amadurecida. Ao longo do ano de 1968, muitos cantores e grupos da
Jovem Guarda mostravam-se desorientados com o novo quadro da música popular
brasileira, principalmente em função do surgimento da Tropicália. Seja por esse fator, ou
pelo próprio desgaste do movimento após três anos na televisão, o fato é que os próprios
músicos reconheciam que não era possível avançar mais pelo mesmo caminho seguido até
então:
“Conscientes de que muita gente esperava que tomassem uma atitude naquele
momento de incerteza para a música jovem, Erasmo e Roberto pensavam em ir para os
Estados Unidos para pesquisar novos rumos.” (Fróes, 2000: 203).
Essa transição está plenamente exposta nos discos que Roberto lançou nessa fase.
Mesmo as faixas de rock já não são Jovem Guarda. Embora tenham uma unidade garantida
devido à manutenção das linhas gerais do estilo pessoal do artista (diferente da fase
indefinida, por exemplo), alternam-se nos discos músicas pop com acompanhamento do
RC-7, que, na visão de Caetano Veloso, “mais se aproximava de um som Motown ou James
Brown do que de uma banda de neo-rock.n.roll inglês” (Veloso, 1997: 168) e canções
românticas com orquestra.
Integram esta fase os discos O Inimitável (1968) e Roberto Carlos (1969).
„h Romântica (1970-1984)
É nesta fase que se definem as características de RC como intérprete com as quais
o público ainda hoje o associa. O tema principal dos discos é sempre o amor, em canções
românticas gravadas com orquestra, utilizando, ao lado dos habituais boleros e baladas e
alguns rocks ocasionais, alguns gêneros que não estavam mais na parada de sucesso, como
o fox, o fox-trot, a valsa, o tango.
As composições passam a ser mais elaboradas, bastando citar o exemplo de
“Amiga”(Roberto Carlos - Erasmo Carlos), gravada por Roberto com Maria Bethânia em
1982, que possui 39 acordes (na Jovem Guarda dificilmente se chegava a cinco).
No disco Roberto Carlos (1970), registrado no Brasil com orquestra regida por
Chiquinho de Morais, é nítida a influência do samba-canção, atenuada, como não poderia
deixar de ser, quando o artista passou a gravar seu trabalho nos Estados Unidos. Mesmo
assim, é possível identificar o espírito do samba-canção presente em trabalhos posteriores,
como no disco Roberto Carlos (1977). Além do amor (que passa a apresentar acentos
eróticos), incorporam-se à lista de temas freqüentes a religiosidade, a ecologia, a amizade e
o culto à Jovem Guarda. Algumas regravações de clássicos da música popular brasileira (no
início da fase) e latino-americana (durante quase toda a década de 70) completam o quadro.
Muitas das letras abordam sua visão de um mundo melhor, com alta qualidade literária.
Algumas vezes remetendo a sonhos que ele teria tido, outras não, o artista consegue trazer
ao público a uma visão mais poética da vida.
Integram esta fase os discos anuais (todos denominados Roberto Carlos) lançados
entre 1970 e 1984, além do LP San Remo 1968 (uma coletânea de compactos editados de
1967 a 1973) e do disco em inglês Roberto Carlos (1981, com cinco versões de sucessos de
Roberto e cinco canções originais em inglês). Cronologicamente, abre esta fase um disco
atípico na carreira do artista: Roberto Carlos Narra Pedro e o Lobo (1970), em que ele
participa lendo (acompanhado pela New York Philarmonic Orchestra, regida por Leonard
Bernstein) o texto narrativo da história infantil escrita e musicada pelo compositor russo
Sergei Prokofiev.
„h Pop-brega (1985-1992)
Mantendo como ingrediente básico o romantismo, nesta fase, entretanto, Roberto
incorpora ao seu trabalho gêneros em moda na época (numa atitude pop, próxima do
tropicalismo), deixando um pouco de lado os foxes e as valsas e voltando-se para ritmos
como rock, rock-balada, funk, samba, sertanejo, bossa nova, forró, adaptados, claro, ao seu
estilo. Na parte das letras, as imagens ficam menos poéticas e imaginativas que na fase
anterior, aproximando-o do estilo brega.
No decorrer desta fase, o cantor deu uma certa ênfase para sua temática ecológica,
com músicas como “Águia Dourada” e “Amazônia”, chegando a implantar uma pena no
couro cabeludo (aparece com ela nas capas dos discos de 1989 e 1990).
Cabe ressaltar que, nos discos que inauguram esta fase, Roberto voltara a gravar
no Brasil, após quinze anos. É válido supor que a presença maciça de arranjadores e
músicos brasileiros ajudou a direcionar a parte musical do trabalho para ritmos
contemporâneos, aos quais o público nacional já se encontrava plenamente acostumado.
Integram esta fase os discos anuais (todos eles, novamente, intitulados Roberto
Carlos) lançados no período, além dos discos Ao Vivo (1988), Roberto Carlos (1992,
coletânea de músicas registradas entre 1971 e 1984) e Inolvidables (1993, reunindo versões
em espanhol de seus sucessos, gravadas entre 1972 e 1980).
„h Religiosa (1993-2000)
Continuando romântico e de certa forma ainda na área pop-brega, a partir de 1993
é possível identificar o início do direcionamento da carreira discográfica de RC para a
religiosidade. As músicas religiosas ganham um destaque maior do que antes (quando
apareciam com freqüência, mas nunca em todos os discos de uma fase). Além de haver no
mínimo uma canção explicitamente religiosa por disco (no de 1996 foram duas), isto
ocorreu mesmo quando, em princípio, o disco era um projeto no qual ela não caberia. Foi
assim no disco Canciones que Amo, com repertório em espanhol, no qual a única música
em português é “Coração de Jesus”. Das quatro inéditas do disco de 1998, que tem seis
sucessos gravados ao vivo, uma é a única canção de Natal de Roberto: “Meu Menino
Jesus”. Em 1999, a coletânea 30 Grandes Sucessos (apresentada em dois CDs) trouxe só
uma música inédita: “Todas as Nossas Senhoras”, que abre os dois CDs. Também nesse
ano, Roberto apresentou Mensagens, uma antologia de suas canções sobre religião.
Na vida pessoal de RC, a fase religiosa coincide (não por acaso) com a união com
Maria Rita, que era, como já foi dito, católica fervorosa. Alguns outros fatores, embora não
se possa atribuir-lhes caráter decisivo, podem estar associados à mudança. A proximidade
do ano 2000 justificou, em muitos países, o surgimento de várias seitas apocalípticas,
pregando o fim do mundo e apelando às pessoas para que procurassem salvar suas almas. Já
o Brasil vivera, no ano de 1992, o processo de impeachment do presidente Fernando Collor
de Mello, acusado de corrupção, trazendo o debate sobre ética (que sempre implica numa
revisão de valores morais) para o cotidiano da população.
Também nessa época a Igreja Católica preparava-se para voltar a conquistar os
fiéis que vinham abandonando a orientação do Vaticano para seguir as religiões
protestantes ou mesmo passar a declarar-se sem religião. O censo demográfico de 1991
apontou na população brasileira 83,34% de católicos, 8,98% de protestantes, 2,54%
pertencentes a outras religiões, 4,73% sem religião, além de 0,41% que não declararam sua
opção. Comparando-se os dois principais credos nacionais em relação ao censo anterior
(1980), o número de católicos caíra 6,52%, enquanto o de protestantes crescera 36,06%.
Recuando a comparação até o censo de 1960, verifica-se que o percentual de católicos em
relação ao total da população vem diminuindo em todos os recenseamentos, acumulando
uma perda total de 10,83%, enquanto os protestantes no mesmo período aumentaram em
123,38% seu rebanho. Nas contagens demográficas consideradas (1960, 1970, 1980 e
1991), o crescimento total acumulado da população brasileira foi da ordem de 128,43%. É
pouco provável que Roberto Carlos tenha adotado uma postura de cantor religioso visando
compensar esta retração católica, mas é bastante significativo seu relato de que, nessa
época, alguns padres “falaram” (nas palavras do próprio artista) para ele fazer uma música
para Nossa Senhora (a respeito, ver o item Roberto Carlos e a Religião).
Regravações de sucessos da Jovem Guarda aparecem em todos os discos do início
da fase religiosa. As canções eróticas somem do repertório, numa guinada sem escalas.
Basta comparar algumas músicas das duas fases. Em “Você é Minha” (Roberto Carlos –
Erasmo Carlos, 1992), no último disco pop-brega, ele cantava, marotamente: “Gosto tanto
do seu jeito/ De tirar as meias sem correr o fio/ Gosto de puxar seu zíper/ Te beijar os
ombros, ver seu arrepio/ (...)/ Eu não resisto, amo você”. No disco inaugural da fase
religiosa, as passagens mais ousadas estão em “Coisa Bonita” (Roberto Carlos – Erasmo
Carlos, 1993) (“Pode me lamber, que eu sou dietético./(...)/ Gosto de me encostar nesse seu
decote quando te abraço/ De ter onde pegar nessa maciez enquanto te amasso”) e em “Hoje
é Domingo” (Nenéo- Dalmo Belote, 1993) (“Quero beijos e abraços demorados/ Esperei
por isso de segunda a sábado”). Pode-se supor que o artista passara a julgar incompatível
veicular lado a lado canções religiosas com músicas eróticas, como já fizera nas fases
romântica e pop-brega.
Voltando a gravar preferencialmente no Brasil, Roberto em alguns momentos
substituiu a orquestra que geralmente o acompanha por teclados eletrônicos programados
por computador.
Integram esta fase os discos anuais de 1993 a 1996 (novamente, todos com o
nome de Roberto Carlos), Canciones que Amo (1997, em espanhol), Roberto Carlos (1998)
e Amor sem Limite (2000). Este disco já sugere uma nova mudança, uma volta à fase
romântica, mas ainda é prematura qualquer definição neste sentido. Algumas coletâneas
foram lançadas neste período: Mensagens (1999, reunindo músicas religiosas de 1970 a
1997), 30 Grandes Sucessos (1999, com gravações de 1965 a 1998) e 30 Grandes
Canciones (2000, com versões em espanhol registradas de 1972 a 1997).
3.2 - Roberto Carlos e a
Religião
Muito antes de direcionar sua carreira para a música religiosa, RC, como foi dito
no item Música popular brasileira na Igreja na década de 1960, já era visto como alguém
ligado à religião ou, ao menos, um artista que se identificava, no imaginário coletivo, com a
religiosidade. Foi o que ocorreu, por exemplo, em dois momentos em que pediu a outros
compositores músicas para gravar. Tom Jobim, em setembro de 1974, mandou-lhe uma
canção romântica, “Ângela” (que ele não gravou), assim definindo Roberto Carlos numa
entrevista ao Jornal da Tarde: “Ele é simpático, é um amor, não é? Eu o conheço muito
pouco, mas ele é doce, é um sujeito assim... uma criatura que eu chamaria de... sei lá...
religiosa.” (Cabral, 1997: 316).
Já Gilberto Gil, em 1980, ao receber o pedido, questionou-se: “do que eu vou
falar? Ele é tão religioso - e se eu quiser falar de Deus? E se eu quiser falar de falar com
Deus?” (Gil, 1996: 240). O resultado foi a música “Se Eu Quiser Falar com Deus”.
Mesmo durante a Jovem Guarda, um movimento de juventude que se pretendia
contestador, Roberto já era associado à religião. Ricardo Pugialli fala da obra Altar de
Roberto Carlos, de 1966:
“O pintor Nelson Leirner, líder do Movimento de Arte de Vanguarda, pintou um
quadro onde retratou Roberto Carlos como um santo, cercado por mais 12 santos. Há uma
auréola em torno de sua cabeça, em gás néon, que acende e apaga, lembrando assim uma
santidade.” (Pugialli, 1999: 233) .
Também em 1966, o poeta Guilherme de Almeida assim se referiu ao “rei da
juventude” em uma crônica publicada no dia 17 de maio na imprensa paulista:
“Guardarei, presente sempre em minha retina, a impressão pessoal que me
causou Roberto Carlos quando o vi na TV pela primeira vez. A sua figura física e a sua
figura moral, enternecedoras ambas, levaram-me - incorrigível literalismo! - àquele conto
antológico de Anatole France, que trata de um pelotiqueiro, o qual , com suas bolas de
cobre brunido e suas facas afiadas, executava, ante o altar da Virgem, um brilhante jogo
malabar. Sortilégio? - Não. Era sua maneira de rezar, concluíra o prior. E houve a
inteligente compreensão da comunidade. Ora, tal compreensão é prêmio que não pode ser
negado ao tão moço artista e à sua tão moça platéia”. (Guilherme de Almeida. In: Nota
dos Editores, de Léo Paraguassu. Apud: Roberto Carlos. Em Prosa e Versos - Vol. 1. 1967:
13)
Quando, após sair do programa Jovem Guarda, ele apresentou um programa de
música erudita na TV Record, Opus 7, em março de 1968, com participação do maestro
Julio Medaglia, circulou um boato de que Roberto havia composto quatro hinos sacros e
que faria mais dez, para serem apresentados em concertos nos teatros Municipal do Rio de
Janeiro e de São Paulo (cf. Fróes, 2000: 203; Pugialli, 1999: 327).
RC foi o primeiro nome em quem o cineasta Paulo César Saraceni pensou para
viver o padre José de Anchieta no filme Anchieta José do Brasil, lançado em 1978. Mas,
segundo ele,
“Roberto Farias foi contra. Por isso, quando fui falar com o Roberto Carlos, ele
já estava envenenado contra a idéia. Melhor assim: ele não agüentaria o filme que fizemos.
Na aventura da filmagem de Anchieta, o buraco era mais embaixo. (...) Nei Latorraca foi o
escolhido” (Saraceni, 1993: 300).
Nelson Motta participou da comitiva do cantor durante a etapa capixaba do
Projeto Emoções (a esse respeito, ver o item Vida e obra), descrevendo como o povo
acorria ao hotel onde RC estava hospedado, em busca de ajuda, como se vissem nele
alguém capaz de operar milagres:
“Domingo radioso em Vitória do Espírito Santo, dia dos namorados, parece que
todas as rádios só tocam Roberto Carlos. No hall do hotel, sentado numa mesa com o
baterista-secretário-amigo Dedé, o Rei concede uma espécie de audiência pública. Uma
longa fila aguarda pacientemente, cada um espera de olhos brilhando o momento de ser
atendido. Alguns precisam de uma dentadura, outros de aparelho de surdez, outros uma
ajuda para o filho doente, uma cadeira de rodas, a reforma de uma igreja, esperam um
milagre mas todos se contentariam apenas em ver de perto, olhar nos seus olhos, talvez
tocar Roberto Carlos. Dedé faz uma curta entrevista com o suplicante, avalia o pedido e
encaminha a Roberto que, de talão de cheques em punho, vai atendendo no ato. É assim em
todas as cidades por que passam.” (Motta, 2000: 360)
Projeções à parte, RC é um caso curioso de católico do século XX que só foi
batizado adulto. Isto era comum no início da era cristã, quando, inicialmente, batizava-se os
recém-convertidos, naturalmente todos adultos, persistindo por algum tempo o costume de a
pessoa receber este sacramento próximo da morte, para que, segundo se acreditava, pudesse
entrar no paraíso em estado de graça. Mas a tradição do batismo dos recém-nascidos é
milenar.
Existem três datas diferentes para o batismo de Roberto Carlos. Em entrevista ao
Pasquim em 1970 (quando declarou não ser católico praticante), indagado sobre sua
primeira comunhão, respondeu: “Fiz aos dezenove anos quando eu fui batizado.” (O Som
do Pasquim, 1976: 139). Teria sido, portanto, entre 1960 e 1961. Ricardo Pugialli apresenta
como sendo de maio de 1965 esta declaração de Roberto: “Só me confessei uma vez,
embora pareça incrível. Foi por ocasião do meu batizado, no ano passado.” (Pugialli, 1999:
181). O batismo, então, teria se dado em 1964. Por sua vez, Eli Halfoun afirma: “Já rico e
famoso, Roberto Carlos, então com 25 anos, e que não tinha ainda sido batizado, convidou
Renato para ser padrinho” (Halfoun, 2001: 31). Tratava-se de Renato Spíndola e Castro,
que o salvou no acidente de trem sofrido na infância. A terceira data ficaria entre 1966 e
1967. Mesmo que não seja possível estabelecer um consenso, é no mínimo inusitado que
um artista ídolo de massa se batize - numa época em que a vida dos artistas já garantia a
venda de milhares de exemplares de revistas popularmente denominadas como sendo “de
fofocas” - e não exista nenhum registro direto e fidedigno disso. Nelson Motta, Paulo de
Tarso C. Medeiros e Marcelo Fróes, cujos trabalhos abordam com profundidade a vida de
RC na década de 1960, nem tocam no assunto. A exceção fica por conta de Ricardo
Pugialli, que apenas reproduziu uma declaração.
Antes mesmo do batizado, porém, existem vários registros de contatos entre
Roberto Carlos e a Igreja Católica. Como já foi mencionado, ele estudou no Colégio Jesus
Cristo Rei, mantido por uma ordem católica. Uma de suas professoras do primário, mais
tarde, o presenteou com o medalhão de Jesus Cristo que ele usa até hoje (já apareceu com o
adereço em diversas capas de disco). Num depoimento, RC conta que o medalhão
“Pertenceu durante 25 anos a uma freira muito querida por mim. Seu nome é
Irmã Fausta, e ela está ligada à Ordem do Sagrado Coração de Jesus. Pelos regulamentos
dessa Congregação, as freiras, quando completam jubileu de prata em relação ao hábito,
são obrigadas a trocar suas vestes por outras diferentes. Tornou-se então costume oferecer
o medalhão a alguma pessoa que lhes seja importante.
Irmã Fausta, por ter sido minha professora no primário, teve essa delicadeza de
guardar o seu medalhão para mim. Foi realmente tocante, receber de suas mãos, depois do
meu último show em Cachoeiro de Itapemirim, este objeto que, sei, representa muito para
ela.” (Pugialli: 1999, 343).
Ricardo Pugialli descreve o medalhão: “é banhado em ouro, e tem de um lado a
imagem do Sagrado Coração de Jesus, e do outro, as letras IHS, que são escritas em todas
as hóstias eucarísticas.” (Pugialli: 1999, 343). O citado show na terra natal do cantor
ocorreu em julho de 1967.
Ainda sobre sua relação com o catolicismo antes do batizado, Roberto Carlos, em
seu livro Em Prosa e Versos, na crônica Rumo a Niterói, assim descreve a sensação de sair
de Cachoeiro: “Abandonar aquela cidade da minha infância, deixar de ver o Colégio
Estadual Muniz Freire. Deixaria de assistir à missa na Igreja da Matriz.” (Roberto Carlos,
1967: 47) vol. 1
Aqui outra escola é mencionada, embora o artista não declare ter estudado nela.
Mas, quanto à sua presença na missa, ele não deixa margem para dúvidas. Já nas primeiras
entrevistas, Roberto aborda aspectos da religião. Em maio de 1965, dizia que “Só Cristo foi
perfeito”, declarava-se “devoto de N.S. da Penha, N. S. Aparecida, S. Judas Tadeu e muitos
santinhos” e afirmava: “Costumo dar esmolas. mas com discrição.” (Pugialli, 1999: 181).
Sobre objetos com significado religioso, declarou, em dezembro de 1963: “Todos os anos, o
Papa benze uma vela; os pingos desta vela são acondicionados de várias maneiras. Tenho
um „Agnus Dei. com alguns destes pingos.” (Pugialli, 1999: 137).
As relações de RC com o clero sempre foram boas. O cantor manteve vários
contatos com dom Agnelo Rossi, cardeal de São Paulo na época da Jovem Guarda. O
primeiro foi durante a campanha do agasalho promovida em julho de 1966, pelos cantores
de iê-iê-iê por iniciativa do próprio Roberto:
“Roberto Carlos sentiu frio um dia em São Paulo e imaginou o que não
passariam, pela madrugada, os desabrigados. Começou a solicitar no Jovem Guarda a
doação de agasalhos para os pobres. A campanha ganhou corpo e foi encenada uma
vigília, com a participação de todo o „cast. da Record. Foram recolhidos mais de 10
mil
agasalhos. O Cardeal-Arcebispo Dom Agnelo Rossi prestigiou a campanha. Roberto e
Erasmo cantaram até na rua. Erasmo fez bonito, muito bonito, ao permanecer acordado a
noite inteira, para conseguir o máximo de doações. Uma belíssima atitude dos jovens
cantores de Iê-Iê-Iê, que ainda há pouco eram chamados de debilóides cabeludos. Foi um
evento único no mundo, com jovens ídolos liderando uma campanha desta
envergadura.”
(Pugialli, 1999: 237)
O lema da campanha foi “Quero que você me aqueça neste inverno”, tirado de um
verso da música “Quero que Vá Tudo pro Inferno”. Já no mês seguinte, Roberto e Erasmo
lançaram uma campanha para arrecadar brinquedos para o Natal das crianças pobres, “pois
ele [Roberto], como ninguém, soube o que é passar um Natal sem brinquedos.” (Pugialli,
1999: 250).
Ainda em agosto de 1966, Roberto foi recebido em audiência por dom Agnelo,
comprometendo-se a auxiliar na Campanha da Fraternidade de 1967, para arrecadar fundos
visando a construção de um abrigo. Em seu livro, o cantor assim se refere ao cardeal e à
campanha:
“D. AGNELO E EU
Nós nos demos bem. Dom Agnelo Rossi é um homem de poucas palavras e muito
sentimento. Acredito que nos encontramos em nossas almas. D. Agnelo desenvolve a
Campanha da Fraternidade. Estou com ele. Todo mundo pode chegar em qualquer banco e
fazer o seu depósito.
Estou de acordo com uma coisa - quem dá, ninguém precisa ficar sabendo que o
cara cooperou na campanha. Só Deus, lá no céu.(...)Todo mundo tem que comparecer e
nada de papo furado.” (Roberto Carlos, Em Prosa e Versos, vol. 1, 1967: 126-127)
Também durante a Jovem Guarda, Roberto habituou-se a fazer shows
beneficentes. O espetáculo em Assis no qual foi “coroado” tinha a renda revertida para a
Liga das Senhoras Católicas, por exemplo (Fróes, 2000: 107). Torquato Neto, na Última
Hora de 30 de agosto de 1971, informava: “ainda hoje ele estará se apresentando num
concerto beneficente no Teatro João Caetano. O Rei mais o RC-7.” (Torquato Neto, 1982 :
39).
Quando, durante o governo Sarney, o filme Je Vous Salue, Marie, do diretor
francês Jean-Luc Godard, foi proibido no Brasil, RC mandou um telegrama de
congratulações ao presidente. Atacado por Caetano Veloso em artigo publicado na Folha de
São Paulo em 2 de março de 1986 (no qual RC foi chamado de hipócrita e pusilânime, além
de Caetano ter insinuado que ele não teria espírito cívico), respondeu, em entrevista ao
jornalista Heber Fonseca, do Jornal do Commercio de Recife, no dia 22 de abril:
“Eu acho que o filme Je Vous Salue, Marie desrespeita a história sagrada, o
sentimento cristão, o catolicismo. Enfim, as religiões de um modo geral. (...) é natural que
ele [Caetano] pense diferente de mim. Mas achei que o artigo dele (...) foi deselegante. Mas
o povo é contra o filme. Então, graças a Deus, a minha opinião é a opinião do povo.”
(Fonseca, 1993: 90).
A música que inaugura a fase religiosa de Roberto, “Nossa Senhora”, foi
composta a pedido do clero, como ele revelou numa entrevista:
GLÓRIA MARIA - Daonde você tira força, inspiração na hora que você tem que
fazer uma música ligada à fé, ligada à religião?
ROBERTO CARLOS - Normalmente eu, durante o ano, às vezes, em algum
momento de meditação, de reflexão, sempre penso em alguma coisa com respeito a Deus, a
Jesus, a Nossa Senhora, enfim, as coisas santas, né? „Nossa Senhora., por exemplo, foi uma
música que eu fiquei uns...ora, eu acho que uns dez anos pra fazer. (...)Eu sempre pensava
em fazer uma música pra Nossa Senhora, falando de Nossa Senhora, né? Mas sempre
fiquei: „Mas como é que eu vou fazer uma música falando de Nossa Senhora? Como é que
eu vou fazer? Como é que vai ser?. Comentávamos, Erasmo e eu, entende? E a gente
pensava, e tudo, mas sempre ficava pro ano que vem, a gente fazia outra mensagem,
fizemos depois „Luz Divina., né? E até que, de repente... Uma vez o padre Morais falou:
„Você precisa fazer uma canção pra Nossa Senhora do Brasil., porque a paróquia da Igreja
ali pertinho de casa é Nossa Senhora do Brasil. E aí uma vez eu fui a São Paulo também, na
igreja Nossa Senhora do Brasil de São Paulo, e aí o padre lá falou assim: „Você precisa
fazer uma música pra Nossa Senhora. Você tem feito muitas canções pra Jesus e pra Deus,
precisa fazer pra Nossa Senhora.. Falei: „Uma hora dessas eu vou fazer.. (...)E aí, de
repente, naquele ano mesmo [1993], eu comecei a pensar nisso, e como seria, e comecei
pelo refrão. (Entrevista no programa Roberto Carlos Especial, TV Globo, 1995).
O ápice da relação de RC com o clero foi sua presença na missa que o papa João
Paulo II celebrou em outubro de 1997 no aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Diante de
um público estimado em cerca de 2 milhões de pessoas (Lobato e Gaio, 1997: 5) e
acompanhado pela Orquestra Sinfônica Brasileira, o cantor interpretou “Nossa Senhora” e
“Jesus Cristo”. Pouco depois, foi, junto com a esposa, Maria Rita, cumprimentar o
pontífice, ajoelhando-se e beijando sua mão. “João Paulo II sorriu, pôs a mão em seu ombro
e deu-lhe um terço de pérolas negras” (Lobato e Gaio, 1997: 5). (No enterro de Maria Rita,
Roberto pediu para o caixão ser aberto e colocou este terço sobre o corpo da esposa). No
início de seu pontificado, em 1980, João Paulo II fora recebido no México por um coro de
crianças cantando “Amigo” (Roberto Carlos - Erasmo Carlos).
Na visita do papa ao Brasil em 1997, Roberto não pôde realizar um sonho que
acalentara no ano anterior, como foi comentado na imprensa nacional na ocasião. Tendo
casado em sigilo com Maria Rita em abril de 1996, pretendera revelar o matrimônio apenas
quando do anunciado retorno do Sumo Pontífice ao nosso país (na ocasião a data provável
era ainda no ano de 1996), como se revelar o sacramento fosse um presente seu para o papa.
Poucas semanas depois, porém, a imprensa descobriu e frustou seu plano.
O disco Mensagens, lançado em abril de 1999, teve “um desempenho
surpreendente, inclusive para sua gravadora, a Sony Music. Mais de meio milhão de cópias
do CD que contém clássicos como Jesus Cristo e A Montanha foram vendidos.”
(Mensagens reais - Roberto Carlos apresenta-se hoje no Gigantinho. Zero Hora,
20/11/1999).
Recentemente, Roberto vem se notabilizando por sua presença em eventos
relacionados com a fé. Ele esteve na festa de Nossa Senhora Aparecida na basílica de
Aparecida do Norte (SP), em 12 de outubro de 1999, cantando na missa seis músicas do seu
repertório religioso. “Logo após a missa, Roberto acompanhou a pé toda a procissão. O
trajeto feito em torno da basílica demorou cerca de 50 minutos e foi acompanhado por
milhares de fiéis”. (O Rei em Aparecida. Zero Hora, 13/10/1999). Participou da missa do
dia de Finados em São Paulo, em 1999, ao lado do padre Marcelo Rossi, Agnaldo Rayol,
Chitãozinho e Xororó e outros artistas, um grande culto em local aberto reunindo 400 mil
pessoas (Multidão assiste a missa ao ar livre. Zero Hora, 03/11/1999). Na missa de
Finados do ano seguinte, como Roberto estivesse evitando se apresentar em público,
recolhido como se encontrava após a morte de Maria Rita, foi homenageado na capital
paulista pelo padre Marcelo e 2, 4 milhões de pessoas, que cantaram em coro com Sandy e
Júnior “Jesus Cristo” (Paiva, 2000: 106). Participou do disco do padre Antônio Maria, da
paróquia de Nossa Senhora do Brasil, próxima da casa do cantor, no bairro da Urca, Rio de
Janeiro - onde, aliás, Roberto vai à missa todos os domingos em que está na cidade.
Existem poucas declarações de Roberto sobre outras religiões. Nas primeiras
entrevistas, ele assim se manifestou sobre os cultos afro-brasileiros: “Me perguntaram se
freqüento algum terreiro: não freqüento, mas respeito a crença alheia.” (dezembro de
1963)(Pugialli, 1999: 137); “Respeito a macumba, sabem como é...” (maio de
1965)(Pugialli, 1999: 181).
Mas esse “não freqüento”, a considerar o depoimento de Ronaldo Bôscoli, não
corresponde exatamente à verdade. A convivência de mais de vinte anos de Bôscoli com
Roberto não permite dúvidas. Além disso, após a publicação do livro Eles e Eu, que contém
o trecho a seguir transcrito, não houve desmentido por parte do cantor.
“Ele não é puramente católico ou espírita, ou seja lá o que for. Roberto é
brasileiro. Bate com as onze. Acredita em tudo um pouco. Usa um medalhão com o
Sagrado Coração, mas tem seus guias que lhe protegem e consulta videntes. É uma figura
tão encantadora e encantada que não teme assaltos ou seqüestros; tem o corpo
fechado.”
(Maciel e Chaves, 1994: 135).
Quando do nascimento do filho Segundinho, com graves problemas de visão,
Roberto recorreu ao espiritismo, conforme relata Bôscoli:
“Roberto sofreu muito.(...) Cidinha Campos levou o garoto para uma consulta
com José Arigó. Roberto não teve coragem de operar o garoto ali, mas Arigó teve uma
premonição: indicou - sem saber falar um tostão de holandês - um médico especialista na
Holanda. Deu endereço, nome, tudo. Roberto, Nice e Segundinho se mandaram pra lá
imediatamente. E efetivamente foi lá que o menino foi operado pela primeira vez com
relativo êxito.” (Maciel e Chaves, 1994: 137).
4 - “EU VOU SEGUIR UMA LUZ LÁ NO
ALTO”
Até aqui, este trabalho apresentou uma revisão de conceitos de comunicação e os
reflexos do avanço tecnológico sobre o ramo da comunicação constituído pela música
popular, além da influência destes fatores nas mensagens emitidas pela Igreja Católica a
partir da década de 1960, principalmente. Situando o catolicismo na escala evolutiva da
idéia religiosa da humanidade, mostrou-se depois como a música sempre esteve a serviço da
fé, particularizando-se o caso específico da relação entre música popular brasileira e Igreja
nos anos 60, ocasião em que parte do clero pretendeu valorizar o iê-iê-iê para atrair fiéis.
Embora não tenha se envolvido pessoalmente nas chamadas “missas do iê-iê-iê”, o então
líder do movimento musical jovem brasileiro, Roberto Carlos, já tinha, para uma parcela do
público e da crítica, sua imagem associada com religião. Para procurar entender como esse
fenômeno se deu, passou-se então ao estudo da vida e da obra do artista, com especial
atenção à sua carreira em disco, pela possibilidade de acesso permanente que este suporte
proporciona ao público, contra a efemeridade das emissões de rádio e televisão. Também
houve um aprofundamento na questão das relações de RC com a Igreja Católica e outras
religiões.
A partir disso, tem-se o cenário adequado para estudar como o cantor trabalha a
idéia religiosa em suas músicas.
4.1 - “À procura do caminho certo”:
metodologia
Sendo a intenção do trabalho analisar mensagens emitidas na forma de música
popular, a opção de método a ser empregado recaiu sobre a análise de conteúdo, pela
adequação deste instrumento ao objeto. No dizer de Laurence Bardin, “cuando se tiene
como tarea comunicaciones que se quiere comprender más allá de sus primeras
significaciones, parece útil el recurso al análisis de contenido.” (Bardin, 1996: 21).
O método permite a superação das incertezas do pesquisador (que deve sempre se
perguntar: “mi lectura es válida y generalizable?” - Bardin, 1996: 21) e o enriquecimento da
leitura (reforçando ou invalidando a idéia inicial sobre o objeto). A técnica escolhida, por
mais compatível, foi a da análise categorial, que “Funciona por operaciones de
descomposición del texto en unidades, seguidas de clasificación de estas unidades en
categorías, según agrupaciones analógicas”. (Bardin, 1996: 119).
Bardin define a divisão do objeto em categorias como “una operación de
clasificación de elementos constitutivos de un conjunto por diferenciación, tras la
agrupación por género (analogía), a partir de criterios previamente definidos” (1996: 90),
compreendendo duas etapas: o inventário (“aislar los elementos”, 1996: 91) e a
classificação (“distribuir los elementos, y conseguientemente buscar o imponer a los
mensajes una cierta organización”, 1996: 91).
A categorização condensa uma representação simplificada dos dados brutos a
pesquisar, não devendo introduzir desvios no material. O objeto pode ser dividido em várias
categorias, num sistema que permite a reorganização ao longo do processo, caso necessário.
Numa análise que considere também o aspecto quantitativo (além do qualitativo), “las
inferencias finales son efectuadas sobre el material reconstruido” (Bardin, 1996: 91).
Bardin define a inferência como um “tipo de interpretación controlada” (1996:
103). A análise de conteúdo com inferência pode apoiar-se no emissor, no receptor, na
mensagem (com ênfase no código ou na significação) ou ainda no canal. No presente
trabalho, a ênfase será dada à significação advinda da mensagem (além do significado
denotativo dos termos encontrados, considerar-se-á ainda o contexto onde eles ocorrem),
apoiando-se também no emissor (no caso, o cantor Roberto Carlos) (“se puede plantear la
hipótesis de que el mensaje expresa y representa al emisor”, Bardin, 1996: 103).
Para a instrumentalização do presente trabalho, procedeu-se à audição de todos os
discos de Roberto Carlos, para apurar-se quais as músicas em que se encontravam palavras
relacionadas com a religião (“Deus”, “Jesus Cristo”, “Nossa Senhora”, “fé”, “crer”,
“inferno”, “paraíso”, “anjo”, “santo”, “igreja”) considerando ainda as variações possíveis
(ex: “crença”, “Maria”). Localizadas as músicas, foram procedidas nova audição e uma
primeira leitura da respectiva letra, para a determinação da categoria em que cada canção se
encaixaria. Nesta etapa, foi constatado o aparecimento em número bastante significativo nas
músicas selecionadas dos termos “luz”e “olho o céu” (este, com muitas variações). Estes
termos, então, foram incorporados à análise, porque havia um indicativo que, para o
emissor, eles possuíam uma conotação religiosa, talvez até mais importante que seus
próprios significados denotativos comuns.
Estabeleceram-se, então, as três categorias que dariam conta das diferentes formas
de veiculação de termos ligados à religião na obra do cantor. As categorias eram, a saber:
„h explicitamente religiosa (A)- música que trata da religião ou de algum aspecto
diretamente ligado a ela como tema principal;
„h implicitamente religiosa (B)- a utilização de palavras relacionadas com religião no texto
poético da música introduz realmente um significado religioso secundário na canção,
subjacente ao tema principal;
„h não-religiosa (C)- mesmo com a presença de vocábulos associados a religião, a música
não tem caráter religioso.
A Tabela 1 apresenta a discografia de RC em ordem cronológica, assinalando a
ocorrência de músicas das três categorias em cada disco, permitindo estabelecer um
percentual de músicas com termos religiosos em relação ao total de canções de cada disco.
Foram contabilizadas todas as músicas dos discos lançados por Roberto Carlos no
Brasil, incluindo-se aí as regravações, os relançamentos e as versões em espanhol e em
inglês.
Na Tabela 2, são apresentadas, uma a uma, todas as canções onde foram
encontrados os termos religiosos, determinando-se aí a categoria a que cada música
pertence.
Cabe assinalar que, nas regravações, nos relançamentos e nas versões em espanhol
e em inglês, não houve alteração significativa da mensagem religiosa (mormente em relação
aos relançamentos, que nada mais são que a mesma gravação de um disco editada num
outro, não havendo alteração de mensagem possível). Das versões em espanhol,
“Camionero” (“Caminhoneiro”) perdeu a referência a Deus contida na letra em português,
ao contrário de “Jesucristo” (“Jesus Cristo”), “Luz Divina”, “Emociones” (“Emoções”) e
“La Montaña” (“A Montanha”), em que a informação religiosa se mantém no mesmo nível
que no original brasileiro. Entre as regravações, a exceção fica por conta de “Custe o que
Custar”, devido à modificação que Roberto fez na letra quando a regravou, alterando o teor
da mensagem, o que não aconteceu com “Quero que Vá Tudo pro Inferno” (no disco anual
de 1975), “Ele Está pra Chegar” e “Emoções” (no disco Ao Vivo, 1988).
4.2 - “A luz que vem do alto aponta o meu
caminho”: análise e discussão
Contabilizando-se os resultados da tabela 2, constata-se que o termo com maior
número de ocorrências foi “Deus” (presente em 27 músicas), seguido por “Jesus Cristo” e
“luz” (22 cada), “fé” (19), “olho o céu” (12), “anjo” (7), “paraíso” (5), “Nossa Senhora”,
“crer” e ”inferno” (4 cada), “santos” (3) e “igreja” (1), levando-se em conta as variações
possíveis. Não se considerou a referência velada a estes termos, salvo em “Quero Paz”,
onde “Ele” refere-se a Jesus Cristo, e em “Maria, Carnaval e Cinzas”, onde “Marias de
santas” remete a Nossa Senhora. Nestes casos, a não se considerar estas referências, as
músicas ficariam excluídas da análise, distorcendo o resultado.
Um dado relevante a considerar é que a utilização de termos religiosos é constante
na obra do artista (afora um período de quatro anos no final dos anos 60).
Roberto Carlos costuma se apresentar, em diversas entrevistas, como “um homem
de fé” (“Supero sempre qualquer problema com confiança: sou um homem de fé!”, in:
Leme, 1979: 11; “Tudo o que eu faço está ligado a religião”, in: Cavalcanti, 1983: 74; “Eu
sou um homem de muita fé, sim. De muita fé, de muitas orações”, declarou à Rádio Gaúcha
em 1993). É assim também na canção “Emoções”, onde, para sublinhar o quanto é
importante para ele reencontrar-se com a amada, ele vê a necessidade de definir seu estado
de espírito: “Em paz com a vida/ E o que ela me traz/ Na fé que me faz/ Otimista demais”.
Nem sempre essa definição foi tão clara assim, porém. A faixa que abre o primeiro
LP de Roberto Carlos, Louco por Você, “Não É por Mim”, apresenta uma forma inusitada
de raciocínio. Descrente de que sua amada possa gostar dele (ou, pelo menos, chorar por
ele), o cantor atribui tal relevância ao fato que afirma: se alguém convencê-lo disso, ele
passará a acreditar em Deus. Simbolicamente, a carreira de RC se inicia entrelaçando dois
dos principais temas das músicas que gravaria ao longo dos quarenta anos seguintes embora, como se sabe, o tratamento dado ao assunto religioso tenha se modificado
completamente.
Um cantor que se define como “muito religioso” não poderia, aparentemente,
condicionar desta forma sua crença em Deus. Basta observar como, na fase religiosa,
Roberto alterou parte da letra na regravação de “Custe o que Custar”: o que, em 1967, era
“Será, meu Deus, enfim/ Que eu não tenho paz?” transformou-se em “Somente em Deus,
enfim/ É que eu encontro a paz”. Uma dúvida dirigida a Deus foi modificada para uma
afirmação, agora voltada ao público. Marcelo Ferla considera o fato “uma mudança que
respeita os firmes dogmas religiosos seguidos pelo cantor” (Ferla, Roberto Carlos
administra a majestade, Zero Hora, Porto Alegre, 07/12/1994). Já a revista Qualis, em nota
não assinada, criticou: “Roberto (...) continua a fugir das principais perguntas feitas sobre
sua vida particular e artística.” A troca dos versos foi assim justificada por ele: “Eu não ia
me sentir bem cantando „será meu Deus enfim, que eu não tenho paz.¡±. (“O Rei” continua
na mesma toada e sem responder perguntas. Qualis, São Paulo, janeiro de 1995).
Parece claro que o que Edson Ribeiro e Hélio Justo (os autores de “Custe o que
Custar”) pretendiam era dividir uma angústia com Deus e não duvidar d.Ele. De qualquer
modo, Roberto, na primeira música explicitamente religiosa que gravou, “Oração de um
Triste”, chegara ao questionamento direto: “Que Deus me perdoe/ Se, às vezes, duvido de
Sua existência”. Mesmo assim, antecede o possível confronto um pedido antecipado de
perdão. Ou, por outro lado: quando o cantor chega a externar sua dúvida (Deus existe ou
não?), ele já tem a resposta (sim). De outra forma, como abrir a canção pedindo-Lhe
perdão?
Os outros registros de dúvidas dirigidas a Deus também O apresentam como um
interlocutor onisciente. Tratam-se das músicas “Onde Anda o Meu Amor” (em que o cantor
se lamenta por ter perdido a amada) e “Quero me Casar Contigo” (na qual ele, após pedir à
amada que não o abandone, pergunta: “Meu Deus do céu,/ O que será de mim?”). Também
é como interlocutor que Deus aparece no clássico “Ai que Saudade da Amélia”, mas apenas
ouvindo.
O problema não consistiria, talvez, em se dirigir perguntas a Deus, e sim no
caráter da dúvida. É o que parece acontecer em “Pensamentos”, onde Roberto transmite a
convicção de sempre receber a orientação correta: “As perguntas que me faço/ São levadas
ao espaço/ E de lá eu tenho todas as respostas que eu pedi”.
Entre as músicas do início da carreira de Roberto, aparecem os únicos pedidos de
auxílio em questões amorosas. A primeira é em “Esperando Você”: “Já fiz promessa e
oração/ Pedi aos anjos que guardassem nosso amor”. Promessas também são feitas em
“Parei, Olhei”: “Fiz juras, fiz promessa para encontrar/(...)// Porém/ Se Deus/ Me der a
graça de encontrar/ Aquela bonequinha não vai mais fugir/Pois com ela eu vou me casar.”
Aqui, o apaixonado conta com a graça divina, mas, diversamente do que ocorre em
“Esperando Você”, em “Parei, Olhei” ele colabora com o objetivo proposto (encontrar a
amada), voltando ao local onde a viu e anunciando no jornal.
Além de duas comparações em músicas não-religiosas envolvendo anjos (a amada
ausente é um “Anjo bom, amor perfeito/ No meu peito”, em “Amor Perfeito”; já em
“Amazônia”, as árvores abatidas são “anjos feridos”), eles comparecem ainda em
“Acalanto” - uma canção de ninar que apresenta uma visão popular-tradicional do céu: “Lá
no céu/ Deixam de cantar/ Os anjinhos/ Foram se deitar” - e em “Traumas”, a primeira das
duas músicas que fez comentando seu acidente na infância. Aqui ele menciona “os anjos
que eu conheci/ No delírio da febre que ardia/ No meu pequeno corpo que sofria/ Sem nada
entender”, lamentando-se que “aqueles anjos / Agora já se foram/ Depois que eu cresci./
(...)/Aqueles anjos no tempo eu perdi”. Pode-se atribuir a visão dos anjos, num delírio de
febre, à iminência da morte que se apresenta numa ocasião como o acidente, mas a letra
parece pender mais para, mesmo numa moldura “adulta”, a tradicional visão dos anjos
como seres que teriam como missão guardar os seres humanos (esta tarefa, por vezes, pode
ser confiada diretamente a Deus, como em “Aquela Casa Simples”). Ronaldo Bôscoli assim
comentou a inclusão de “Traumas” em um show:
“Com muita dignidade, [Roberto] assumiu publicamente no show o „defeito.
físico. Eu e Miéle colocamos um telão (telão pra época), com uma catedral ao fundo, cheia
de vitrais belíssimos. Sobre ele, aos poucos iam batendo „manchas de sangue., que
escorriam. Cortava para a imagem de um teto de hospital, cheio de luzes passando rápido
- do ponto de vista de um cara sendo levado numa maca. E aí, no palco, Roberto aparecia
e cantava „Traumas.. Um momento emocionante.” (Maciel e Chaves, 1994: 132)
Mais uma vez, temos aqui a associação do cantor com símbolos ligados à religião:
agora é uma catedral. Aliás, só há uma referência nas músicas de RC a “igreja”, em “Las
Muchachas de la Plaza España”: “Hasta las campanas de la iglesia/ Cantan alegrías/ Para el
corazón” - mas ele está na praça, ouvindo ao longe os sinos da igreja, enquanto admira as
moças, e não no interior do templo.
É bastante significativa a ausência de citações sobre a igreja, entendida como um
local específico onde o ser humano estaria em contato com Deus. Roberto Carlos transmite
a idéia de Deus está em toda a parte (“A luz que vem do alto/ Aponta o meu caminho/ É
forte no meu peito/ Eu não ando sozinho/ Te vejo pelos campos/ Te sinto até nos ares/ Te
encontro nas montanhas/ E te ouço nos mares”, “Fé”). A onipresença de Deus também
aparece em “Toda Vã Filosofia”: “Esteja onde eu estiver/ Creio em você/ Eu estou em
segurança”. Se Deus se faz presente em toda a Sua criação, não há lugar inseguro para
quem crê.
Mesmo estando em todos os lugares, Deus tem Sua morada no céu, de acordo com
a tradição bíblica e popular. Assim sendo, olhar o céu faz com que RC se lembre da
presença física de Deus ali, o que o alegra e reconforta. Esta imagem, como já foi dito, é
peculiar no conjunto da obra religiosa de Roberto Carlos, aparecendo de forma recorrente,
com algumas variações: “olho pro céu” (“Jesus Cristo”), “olho pro espaço” (“Fé”), “olho o
céu” (“Aleluia”), “olho o horizonte”(“Caminhoneiro”), “olhando o céu”/”olho no alto”
(Águia Dourada), “olha o céu” (“Herói Calado”, “O Velho Caminhoneiro”), “olhei o
céu”(“Jesus Salvador”), “veremos no céu” (“Meu Menino Jesus”).
Outra imagem recorrente e peculiar à obra do artista é a “luz”. Para RC, a luz pode
ser o caminho que o fiel deve seguir (“Todos Estão Surdos”, “A Montanha”, “Fé”, “Estou
Aqui”, “Herói Calado”), o amor e a paz (“Pensamentos”) ou a promessa de um novo mundo
(“Apocalipse”). Freqüentemente, a luz está associada diretamente com Jesus Cristo (“O
Homem”, “Ele Está pra Chegar”, “Luz Divina”, “Jesus Salvador”) ou com Deus (“A
Guerra dos Meninos”, “Aleluia” e “Quando Eu Quero Falar com Deus”). Em “Aleluia”, o
cantor chega a estabelecer uma definição: “Deus, a luz maior, a explicação”. Sendo a luz
tão fortemente associada a Deus, a Jesus ou mesmo à mensagem religiosa, nada mais
natural que, em “O Homem Bom”, este, entre outras virtudes cristãs exaltadas, tenha “luz
na alma e na sua voz”.
A palavra “fé” ocorre em duas músicas não-religiosas. Em “Amigo” (“Você, meu
amigo de fé”) é aproveitada uma expressão popular significando “leal, de confiança”; em
“Verde e Amarelo” (“Boto fé, não me iludo”), o artista dá vazão a seu entusiasmo com o
Brasil, num momento de redemocratização com o fim da ditadura militar.
Em “Águia Dourada”, uma música da temática ecológica, apenas é constatado que
ela voa próxima de Deus, que, no entanto, não é invocado para que os homens aprendam a
cuidar da natureza, como acontece em “O Ano Passado”, ou para que cessem as guerras
(“Paz na Terra”, “Quero Paz”), ou reconheçam a importância do trabalho dos humildes
(“Todo Mundo é Alguém”, “Herói Calado”).
Da mesma forma que a águia, voando, se aproxima d.Ele (“Meus pensamentos/
Sempre te encontram/ Voando perto de Deus”, “Águia Dourada”), o homem também pode
fazer o mesmo, subindo numa montanha, por exemplo. “A Montanha” é um amostra
exemplar das características básicas das músicas religiosas de Roberto Carlos. Além da já
citada proximidade de Deus, aqui o cantor não formula nenhum pedido pessoal (pede pelas
estrelas e pelas crianças, agradecendo mais adiante, e pela gratidão dos homens, da qual ele,
por assim dizer, dá um exemplo). Mais ainda, a melodia e a letra da canção comentam-se
mutuamente, enriquecendo a mensagem. O gênero da música é marcha, que sugere a idéia
de movimento, caminhada (“eu vou subir”, “toda minha escalada”). O coro seria, então, o
mundo (“o mundo me ouvir e acompanhar”). O tom da música, inicialmente dó maior, sobe
continuamente, concluindo em mi maior, o que representa que, durante toda a canção, ele
continua subindo a montanha, ficando ainda mais perto de Deus, e quanto mais grato (após
as duas primeiras estrofes, a letra só traz agradecimentos), mais sobe.
Essa característica de subir o tom da melodia (embora em nenhuma outra música
analisada aqui ela suba tanto), de todo modo um procedimento comum em música
romântica, é costumeiramente utilizado por Roberto para anunciar a presença de Deus na
canção. É assim em “A Guerra dos Meninos”, “Fim de Semana” e “Caminhoneiro”. Em
“Aleluia”, o processo se altera um pouco: o tom sobe logo depois que Deus é mencionado.
Mesmo que a melodia não suba, é comum (talvez por hábito composicional) Roberto falar
em Deus no final da letra, quando não se trata da categoria explicitamente religiosa: “O
Ano Passado”, “Só Você” e “O Taxista”. Já em “O Velho Caminhoneiro”, ele menciona
São Cristóvão, Jesus e Nossa Senhora.
Outro recurso musical para ressaltar a menção a Deus é a alteração, por alguns
momentos, do ritmo predominante na composição (um recurso chamado por Julio Medaglia
de “silêncio expressivo”: “O corte abrupto [...] chama imediatamente a atenção do
espectador que, assim, assimila a frase com muito mais gana. O silêncio e não o som deu
uma carga expressiva maior àquele fragmento do texto”, Medaglia, 1988: 310). O ritmo fica
mais lento, por vezes apenas um órgão ou um violino sustentam a voz do cantor, e em
seguida, volta-se ao andamento anterior. Isto ocorre em “O Ano Passado”, “Fim de
Semana” e “Aleluia”.
O céu não aparece relacionado nas músicas de RC com o paraíso. Existem quatro
menções não-bíblicas do paraíso em sua obra (A única aparição de “paraíso” com o sentido
bíblico é em “Imagine”, que será analisada ao final deste capítulo). A primeira é na canção
que homenageia Caetano Veloso, “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”. Lançada em
1971, quando o compositor baiano encontrava-se exilado em Londres, a música compara a
areia branca da praia ao paraíso. Depois, em “Além do Horizonte”, Roberto apresenta uma
versão do paraíso onde, diferentemente da pregação católica, existe o amor carnal. As
outras menções, de forma mais suave, seguem esta linha. Em “Na Paz do Seu Sorriso”, ele
diz à amada: “Perco o juízo/ Pois o paraíso é o que você me dá”. “Sabores” parte da mesma
idéia: “E sinto tanta paz nesse sorriso/ Que às vezes penso estar no paraíso”. O paraíso,
aqui, seria apenas um lugar, ou antes, uma situação muito agradável, não havendo caráter
religioso.
Da mesma forma, configura-se a questão envolvendo a música “Quero que Vá
Tudo pro Inferno”. Analogamente a “paraíso” nas músicas comentadas acima, com
“inferno” Roberto pretendia designar algum lugar ou situação muito ruins (em “Mexerico
da Candinha”, ele reclama: “A Candinha quer fazer da minha vida um inferno”), nos quais
ele não queria estar (naturalmente preferindo o calor proporcionado pela amada), e não o
inferno cristão para onde iriam os pecadores arder em chamas eternas. Mas esta
interpretação não prevaleceu, na época. O poeta Augusto de Campos, em artigo publicado
em 14 de outubro de 1966 no Correio da Manhã, comentava:
“Cúmulo do paradoxo, já há notícia de que surgiram no Recife romances de
cordel narrando o confronto do rei do iê-iê-iê nacional com Satanás, glosando o tema da
música „Quero que Vá Tudo pro Inferno..¡± (Campos, 1993: 62)
Caetano Veloso, em dois momentos, menciona pressões que Roberto teria sofrido
da Igreja Católica por causa da música. A primeira menção é no artigo de 1986 para a
Folha de São Paulo já citado no item Roberto Carlos e a Religião:
“Roberto Carlos teve problemas com os bispos, no início da carreira, por causa da
inesquecível canção „Quero que Vá Tudo para o Inferno.. Parece que recebeu pressões para
escrever „Eu te Darei o Ceu.. Tais pressões o impressionaram demais. Todo mundo
esqueceu?” (Fonseca: 1993, 90)
O outro momento foi em seu livro Verdade Tropical:
“Roberto Carlos, um grande talento e um espanto de carisma (...) poderia, com
boas razões, ser chamado de o Elvis do Brasil: em plena maturidade da bossa nova,
tornou-se um fenômeno de vendas cantando o quase-rock „Quero que Vá Tudo pro
Inferno., recebeu reprimendas das autoridades eclesiásticas (e então compôs „Eu te
darei o
ceu.) e foi chamado de rei, título que ostenta até hoje, sem que ninguém lho negue,
quando
canta baladas sentimentais para um público de meia-idade.” (Veloso, 1997: 46)
Como já foi visto, na época da Jovem Guarda as relações do artista com o clero já
eram boas e freqüentes, mesmo após o lançamento de “Quero que Vá Tudo pro Inferno” aliás, música-tema da campanha do agasalho que a Igreja apoiou. Não parece plausível que
Roberto, na época, se sugestionasse com “reprimendas”. A celeuma que uma versão da
música causou nas “missas do iê-iê-iê” foi mais pelo fato de ser um rock do que pelo termo
“inferno” em si, que não foi pronunciado dentro da igreja. De todo modo, o argumento de
Caetano Veloso cai por terra a um simples exame do disco que se seguiu ao de “Quero que
Vá Tudo pro Inferno”: ao lado de “Eu te Darei o Céu”, o disco Roberto Carlos (1966)
contém a faixa “É Papo Firme”, falando de uma garota que “Manda tudo pro inferno/ E diz
que hoje isso é moderno”. O livro de Roberto, Em Prosa e Versos, também não apóia
Caetano. No texto da crônica Eu te Darei o Céu, ele fala de saudade da amada e de
promessas de felicidade romântica, associado a flores, passarinhos e o azul do céu (cf.
Roberto Carlos, Em Prosa e Versos, vol. 1, 1967: 100) .
Atualmente, Roberto não inclui “Quero que Vá Tudo pro Inferno” em seus shows.
A julgar pelas aparências, seu maior sucesso da Jovem Guarda (ausente da coletânea 30
Grandes Sucessos, por exemplo) não seria considerado por ele compatível com sua fase
religiosa.
Esta fase, aberta por “Nossa Senhora” em 1993, evidencia uma sensível mudança
na forma de expressão da religiosidade por RC. De “Jesus Cristo” (1970) a “Luz Divina”
(1991), a forma como ele se dirigia a Deus e a Jesus era sempre respeitosa, mas havia uma
idéia de intimidade: “você, meu Pai” (“Jesus Cristo”), “você é meu escudo” (“Fé”), “Jesus,
meu amigo” (“Luz Divina”), “Cristo, meu amigo” (“Estou Aqui”). Era possível ao fiel dizer
a Jesus: “Quero caminhar do seu lado e segurar sua mão” (“Luz Divina”).
A partir de 1993, no entanto, o artista adota um tom reverencial. Quem antes
chamava Deus de “você” passou a recorrer aos pedidos de intercessão comuns à tradição
católica: “Interceda por mim, minha Mãe,/ Junto a Jesus” (“Nossa Senhora”). Na mesma
música, a mão a ser estendida pela Virgem Maria era pedida pelo fiel “de joelhos” . Roberto
também se ajoelha em “O Terço” e “Todas as Nossas Senhoras”, ambas igualmente
dirigidas à Virgem Maria (antes da fase religiosa, reitere-se, a Virgem só havia aparecido
numa referência velada em “Maria, Carnaval e Cinzas”).
A forma musical de expressão da religiosidade de Roberto também registrou
mudanças a partir da fase religiosa. Inicialmente suas músicas religiosas (como “Jesus
Cristo” e “Todos Estão Surdos”) eram as faixas mais pop dos discos da fase romântica. “A
Montanha”, como foi visto, era uma marcha, um ritmo tradicional brasileiro. Em “O
Homem”, “A Guerra dos Meninos” e “Ele Está pra Chegar”, o arranjo de orquestra é solene
e triunfante, ao passo que as guitarras de “Apocalipse”, mais o coro entoando um vocalise
constante, chegam a soar ameaçadoras para as “mentes em eclipse”. Em “Ele Está pra
Chegar”, ainda, observa-se um coro gospel, também presente em “Aleluia”, “Luz Divina” e
“Todo Mundo é Alguém” - e em todas elas, especialmente na última, ocorre o esquema
chamada-e-resposta característico do canto antifonal. Durante a fase religiosa, predominam
as melodias tranqüilas, com pouco ritmo, a voz de Roberto dobrada sublinhando os
principais trechos, acompanhamento à base de órgão ou teclados, geralmente sem coro.
Quando há coro, como em “Coração de Jesus”, pode ocorrer o entretecimento de vozes. Ou
seja: ao menos conceitualmente, Roberto Carlos traz ao público contemporâneo o canto
gregoriano (que aparece formalmente em algumas sustentações de nota em “O Terço”,
tendo como único antecedente “Oração de um Triste”).
“Tu És a Verdade, Jesus” (2000), a mais recente música englobada na análise, já
parece apontar para um novo tipo de relação de Roberto com a religião. Continuam a
melodia lenta e a voz dobrada. Mas volta-se ao tratamento íntimo para com Jesus („tu” e
“você”) e a imagem de caminhar juntos (“E estou seguindo/ Segurando a sua mão”).
O caráter mais reverencial não vem a constituir num impedimento do acesso
direto, entretanto. Em “Quando Eu Quero Falar com Deus”, Roberto afirma que isso pode
se realizar a qualquer hora, bastando elevar o pensamento, voltando a lembrar a presença de
Deus em toda a natureza. Esta composição parece ser uma resposta a “Se Eu Quiser Falar
com Deus”, que Gilberto Gil fez para Roberto, este não a tendo gravado. Numa entrevista
concedida em 1996, quando já havia lançado “Quando Eu Quero Falar com Deus” (sem que
os jornalistas presentes à coletiva tivessem feito uma relação entre as duas obras), ele
justificou: “Não gravei, justamente pelo tipo de letra. Gil não está exatamente falando de
Deus. Ali está simbolizando, de certa forma. Não é a forma como gosto de falar”. (In
Sanches,1996: 5). A respeito, Gil comentou:
“O que chegou a mim como tendo sido a reação dele, Roberto Carlos, foi que ele
disse que aquela não era a idéia de Deus que ele tem. „O Deus desconhecido.. Ali, a
configuração não é a de um Deus nítido, com um perfil claro, definido.” (Gil, 1996:
240).
Um tanto deslocada da idéia geral que está presente na maioria das composições
aqui analisada é “Imagine”. Tratando predominantemente da paz, o clássico do ex-beatle
John Lennon pede às pessoas que imaginem não haver paraíso, inferno ou religiões, todas
as pessoas constituindo uma irmandade. O céu seria apenas o céu e não o paraíso (neste
ponto, ao menos, há uma concordância: Roberto não associa paraíso e céu, como já foi
visto). Mas não se pode deixar de perceber uma discrepância em relação ao pensamento de
RC. A paz, em suas músicas aparece associada a Deus, tanto na temática pacifista quanto na
religiosa (“O bem maior:/ A paz, o amor e Deus!” - “A Guerra dos Meninos”).
“Imagine” faz parte do disco Ao Vivo (1988), onde foi gravada em inglês por
Roberto em dupla com a cantora Gabriela. Enquanto ela canta o início da composição,
Roberto lê um texto sobre a paz, falando de Pablo Picasso e John Lennon, passando a
acompanhar a menina a partir do refrão. Desta forma, intencionalmente ou não, ele não
pronuncia os versos em que Lennon propõe não haver religião, inferno ou paraíso. Mesmo
considerando que a gravação é em inglês, um código não completamente dominado pelo
receptor (o público brasileiro), fica patente esta ambigüidade: a preocupação de Roberto em
não figurar como emissor de uma parte da mensagem que contraria sua fé, embora, por
outro lado, esteja-a veiculando no seu disco-periódico.
CONCLUSÃO
“Eu sou o que canto.”
(Roberto Carlos, em entrevista ao Fantástico. TV Globo, 1994).
“Agora, é importante ressaltar uma coisa: Roberto não faz tipo. Ele efetivamente
leva as crenças e manias a sério. Não é curtição mesmo. Todas as vezes, antes de entrar
num palco, ele faz uma oração. Concentra-se e ora com sinceridade. Às vezes com a mãe,
Lady Laura.” (Maciel e Chaves, 1994: 134)
A proposta deste trabalho foi avaliar o conteúdo de uma mudança de caráter na
emissão de mensagem, partindo do exemplo concreto da transformação do repertório de
Roberto Carlos de romântico para religioso. Efetivamente, como foi visto, a mudança
aconteceu, podendo ser localizada a partir de 1993. A mudança consistiu num maior
destaque dado às músicas religiosas e ao virtual desaparecimento de canções com acentos
eróticos, tônica de sua obra por um largo período. As músicas eróticas mostraram-se
incompatíveis, na visão do cantor, com a intensificação de sua postura religiosa, sendo
então descartadas.
Dentro da própria linha religiosa, ainda, verificou-se a alteração da forma de
expressar o sentimento cristão. De uma relação quase íntima com Deus e Jesus Cristo,
expressa em músicas ritmadas com influência gospel, RC passou a cantar sua fé de forma
reverencial, em canções que musicalmente traziam de volta, de forma conceitual, aspectos
do canto gregoriano.
Estabelecido o que, quando, como e em que se processou a mudança, temos os
elementos para inferir o por quê. A alteração ocorreu devido a três fatores: o
relacionamento do cantor com Maria Rita, católica fervorosa que o aproximou do
movimento Renovação Carismática; o amadurecimento do artista, tanto o que o passar do
tempo proporciona quanto o gerado pelas dificuldades pessoais que enfrentou recentemente
(doença e morte da esposa, reclusão); além disso, era um caminho apontado desde o início
em sua obra. Desde cedo Roberto tratava de assuntos ligados direta ou indiretamente à
religião, principalmente em seu aspecto popular (do qual ele nunca se afastou), e sempre
teve sua imagem associada à fé. Desta forma, a tendência natural do artista foi renovada por
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Uma história bonita... e triste
Era uma manhã de sol, início de agosto de 1973. Recordo que seria o primeiro
dia
de aula depois das férias de julho. Eu estava a caminho da Escola Municipal
Anísio
Teixeira, onde cursava o quarto ano primário, quando um cartaz me chamou a
atenção. Em um dos muros da avenida Régis Pacheco, no centro de minha
cidade,
o mural estampava em letras garrafais: “Roberto Carlos vem aí... Dia 31 de
agosto,
às 21 horas, Estádio Lomanto Júnior. Ingressos à venda”. Meu coração disparou.
Finalmente eu poderia ver Roberto Carlos ao vivo. Finalmente Roberto viria a
Vitória da Conquista, cidade da Bahia que deu ao Brasil nomes como o cineasta
Glauber Rocha e os cantadores Elomar e Xangai, mas que adotou Roberto Carlos
como se também fosse seu filho.
Desde pelo menos 1966, auge da jovem guarda, havia uma grande expectativa
por um show de Roberto Carlos em minha cidade. Entretanto, o cantor se
apresentava
em Salvador e outras cidades baianas como Feira de Santana e Itabuna, e
nada de vir a Vitória da Conquista. Assim como acontecia na época em relação à
possível visita de Frank Sinatra ao Brasil, a presença de Roberto Carlos na
cidade
era várias vezes anunciada, mas, depois, nunca confirmada. Em setembro de
1969,
por exemplo, um show chegou a ser programado, o local reservado, mas a
agenda
de Roberto não comportou Vitória da Conquista, que foi outra vez excluída do
seu roteiro. Mas agora, em agosto de 1973, parecia que ele viria mesmo e
imensos
cartazes com a foto de Roberto Carlos estavam ali nos muros da cidade para
quem
quisesse ver. Seria um único show, em um único dia, única oportunidade de ver
Roberto Carlos ao vivo em Vitória da Conquista.
Naquele início dos anos 70, Roberto Carlos ainda era chamado de o rei da
juventude, mas ele já atingia todas as faixas etárias, principalmente as crianças,
que
desde a jovem guarda se divertiam ao ouvir temas como O calhambeque, O
brucutu
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e História de um homem mau. Espalhados por todo o Brasil havia milhares e
milhares
de pimpolhos que cantavam o seu repertório, imitavam seus gestos e repetiam
suas
frases e gírias, mora? E eu era uma dessas crianças com os olhos e ouvidos
postos
em Roberto Carlos, e atento a tudo o que ele fizesse.
Mas, no meu caso, não apenas nele, porque costumava assistir a quase todos os
shows que aconteciam em minha cidade. Com nove, dez, onze anos, ia sempre
para
a porta do Cine Glória, local da maioria dos shows, tentando filar uma entrada. E
foi assim que assisti, em abril de 1972, por exemplo, ao primeiro show que
Gilberto
Gil fez no Brasil após sua volta do exílio em Londres. Seus pais, doutor Gil e
dona
Florinda, moravam em Vitória da Conquista e, nessa visita à família, Gil fez uma
apresentação de voz e violão no Cine Glória. E lá estava eu, aos dez anos de
idade,
ouvindo Gilberto Gil discursar e cantar Expresso 2222, O sonho acabou, Back in
Bahia
e outras canções do exílio. Recordo também de um concorrido show do cantor
Paulo Sérgio, outro de Nelson Ned e até um do veterano Nelson Gonçalves. Mas
agora estaria na cidade o ídolo maior, Roberto Carlos, e, diferentemente dos
outros, o show dele não seria no cinema e sim no estádio de futebol Lomanto
Junior, o Lomantão.
Na véspera do dia do show eu estava tão ansioso que nem dormi direito. Não
tinha ingresso nem dinheiro para comprá-lo. O pior é que, ao contrário do Cine
Glória, que fica no centro da cidade e dava para eu ir até lá a pé, o estádio
Lomantão
fica bem mais distante. Era preciso pegar ônibus e, caso conseguisse entrar no
show,
chegaria muito tarde em casa. O preço do ingresso, me lembro muito bem, era 10
cruzeiros. Era uma nota vermelha que trazia a efígie de Tiradentes. Como eu
desejei
ter uma nota daquelas para comprar logo meu ingresso! Minha mãe percebeu a
minha vontade e então tomou uma decisão. Deu-me o dinheiro de ida e volta do
ônibus e pediu que eu fosse para a porta do Lomantão. Quem sabe encontraria
alguém conhecido que pudesse me colocar dentro do estádio. Mas recomendou:
se
não conseguisse entrar, que eu viesse para casa imediatamente. Ela não iria
dormir
enquanto eu não voltasse.
O ônibus que me conduziu ao estádio estava superlotado. Fiquei na parte de
trás junto a um grupo de moças e rapazes que cantavam canções de Roberto
Carlos. Era um clima festivo e de muita alegria. O grupo de trás puxava uma
canção
e a galera do ônibus seguia acompanhando. E assim fomos até o estádio cantando
sucessos como Quero que vá tudo pro inferno, Se você pensa, Jesus Cristo e
outras.
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Ao chegar ao estádio, notei que a fila estava imensa, mas andava com rapidez.
A maioria das pessoas já estava com ingresso na mão. Acho que nem tinha mais
ingressos para vender, talvez só nas mãos de cambistas. Eu procurava
desesperadamente
algum conhecido que pudesse me dar uma entrada. Corria de uma ponta a
outra da fila. A pessoa mais conhecida que encontrei foi o gerente de um
supermercado
que havia perto da rua em que eu morava. Ele estava lá na fila com toda
a família: a mulher, os filhos, a cunhada e acho que até a empregada dele ganhou
um ingresso para o show. Depois de alguns minutos de hesitação, tomei coragem
e me aproximei dele. Perguntei se ele podia pagar a minha entrada. Ele me
reconheceu,
estranhou que eu estivesse ali sozinho, mas disse que nada podia fazer
porque os ingressos estavam contados. Fui para a porta de entrada principal do
estádio e apelei ao porteiro para que me deixasse entrar. “Só com ingresso, e, por
favor, saia da frente para não atrapalhar o público.”
Na época, Roberto Carlos utilizava para shows em estádios de futebol um
equipamento de voz de 800 volts e dois canhões de luz de 2 000 volts de
potência.
Havia também um gerador próprio para suprir as dificuldades de energia nas
cidades
do interior. Tudo era transportado num caminhão Ford F-350, que eu vi parado
em frente ao estádio. O caminhão trazia a inscrição RC-7 bem grande na sua
carroceria de alumínio.
Roberto Carlos era o cantor de todas as classes sociais, mas só o público de
classe média para cima tinha o privilégio de ver o seu ídolo ao vivo. Na época,
pouco antes de um show em Florianópolis, o próprio Roberto admitia ao repórter
que o entrevistava: “Quer apostar como tem mais gente lá fora do que aqui
dentro?
Meu público é pobre, não pode pagar ingresso muito caro”. De fato, a grande
maioria do povo brasileiro ficava do lado de fora dos shows de Roberto Carlos. E
eu estava ali para provar isso.
Não era somente no Brasil que acontecia essa exclusão. No México acabou
explodindo em forma de violência coletiva. O público do cantor provocou uma
quase rebelião na cidade de Coatzacoalcos, no estado de Vera Cruz, no norte do
país. Foi numa sexta-feira de abril de 1974, quando Roberto Carlos se
apresentaria no
ginásio de esportes Miguel Alena Gonzalez. Era um show há muito tempo
aguardado
na cidade e que atraiu uma multidão para a porta do ginásio. Entretanto,
grande parte do público foi surpreendida com o preço dos ingressos, considerado
muito alto. Os mais endinheirados compraram seus ingressos rapidamente,
UMA HISTÓRIA BONITA... E TRISTE
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enquanto a parte mais pobre do público resolveu protestar, de paus e pedras na
mão, acusando Roberto Carlos de cantar apenas para ricos.
“Levamos um susto danado porque eles começaram a quebrar vidraças e
jogar pedras quando já estávamos lá dentro”, lembra o baixista Bruno Pascoal,
que
tinha chegado mais cedo com os companheiros do RC-7 para testar o som do
ginásio.
Foi como uma reação em cadeia. Pessoas que passavam pelo local, e que
estavam
descontentes com o preço do pão ou da tequila, se juntaram aos fãs de
Roberto Carlos no quebra-quebra. Segundo relato da imprensa, grande parte das
dependências do ginásio foi destruída pela multidão enfurecida. Só faltaram
mesmo pegar em armas e iniciar uma nova revolução no México, evocando
Zapata e Pancho Villa.
Em Vitória da Conquista isto não aconteceu, até porque o estádio era longe
do centro e os excluídos ficaram em casa. Lembro que o tempo estava passando e
já não tinha quase ninguém fora do estádio. Corri para o portão lateral onde
estava
estacionado o imenso caminhão com o nome RC-7. Era por ali que entravam
os músicos. Era por ali que entraria Roberto Carlos. De repente um corre-corre,
alvoroço no portão lateral, seguranças se aproximando. Um Galaxie LTD
metálico
chegou lentamente e no banco de trás, com os vidros todos fechados, dava para
ver que lá estava ele, com os imensos cabelos encaracolados que usava naquele
início
dos anos 70. Era ele mesmo, Roberto Carlos! Eu e um grupo de meninos
começamos a gritar “Roberto, Roberto...”. Ele nos acenou com aquele seu sorriso
cândido e triste, e o carro desapareceu no imenso portão lateral que se fechou
rapidamente. Parecia o fim da esperança de entrar. Eu, que assistira a tantos
shows
em Vitória da Conquista, perderia justamente aquele?
Muitos dos que estavam ali no portão foram embora. Ficamos eu e alguns
meninos de rua, sem camisa e todos negros - que costumavam estar sempre na
porta do estádio, fosse em jogos de futebol, shows de música ou eventos
religiosos.
Mas, antes de dar a última tranca no portão, um senhor de terno azul,
provavelmente
da equipe de Roberto Carlos, nos chamou: “Ei, vocês, entrem aqui,
rápido”. Corremos todos para o portão. Que sorte, pensei, no último instante a
chance de ver o show de Roberto Carlos. Mas, no momento em que me abaixei
para atravessar o portão, aquele mesmo senhor de terno azul fechou a minha
passagem
com o braço, dizendo: “Você não, você pode pagar” - e fechou o portão
rapidamente.
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É verdade, eu parecia mesmo que tinha dinheiro. Branquinho, de banho tomado
e de roupinha arrumada. Naquela quinta-feira, minha mãe me colocou a calça
e a camisa que eu só usava aos domingos para ir à igreja ou a alguma festa de
aniversário.
Eu estava todo limpinho e arrumadinho para ver Roberto Carlos. Por
isso fui barrado, enquanto aqueles meninos negros, descamisados e de pés
descalços,
que historicamente sempre ficavam do lado de fora, naquele dia entraram.
Fiquei ali alguns minutos paralisado na porta do estádio e só então me dei
conta de que a noite estava muito fria. Do lado de fora, ouço os primeiros sons
de
bateria e guitarras. De repente, sinto o estádio estremecer numa explosão de
gritos
e aplausos. Era Roberto Carlos entrando em cena. E deu para ouvir a voz dele
que chegava de longe, meio distorcida pelo vento que soprava forte. “Eu sou
terrível/
e é bom parar/ porque agora vou decolar...” O show estava começando.
Mas me lembrei da recomendação de minha mãe: voltar imediatamente se não
conseguisse entrar. E, francamente, não dava mais para eu ficar ali.
Voltei para o ônibus que agora retornava vazio para o centro da cidade.
Ninguém cantava canções do Roberto. Toda aquela galera de jovens felizes na
viagem
de ida estava agora lá dentro do estádio. Ali, naquele ônibus, apenas o motorista,
o cobrador e eu. Os únicos que não puderam ver o show. Perdi o show que
mais desejei assistir na vida. Para mim, até hoje, Roberto Carlos nunca foi a
Vitória
da Conquista.
***
Rio de Janeiro, abril de 1996. A entrevista com Roberto Carlos estava marcada
para
as três da tarde em sua casa, na avenida Portugal, na Urca. Era uma entrevista
muito aguardada. Entrevistar Roberto Carlos tem sido tarefa muito difícil como,
aliás, é difícil entrevistar qualquer grande mito da cultura. E obter uma entrevista
exclusiva em sua casa, mais difícil ainda. Foram poucos os jornalistas,
principalmente
a partir dos anos 80, que conseguiram entrevistar Roberto em sua casa. Mas lá ia
eu, acompanhando o meu amigo jornalista Lula Branco Martins, que na época
escrevia uma matéria para o Jornal do Brasil. Lula sabia da pesquisa que eu
realizava
há alguns anos sobre a obra de Roberto Carlos. E sabia da minha história com
Roberto Carlos. Do show em Vitória da Conquista... Quando recebi o convite,
meu
UMA HISTÓRIA BONITA... E TRISTE
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coração disparou como daquela vez que vi o cartaz anunciando o show de
Roberto
Carlos em minha cidade. Eu e Lula montamos juntos a pauta da entrevista. Eu
preparei
questões mais históricas e ele questões mais atuais sobre o novo show de
Roberto Carlos no Rio.
No meio do caminho um imprevisto. Uma passeata de estudantes e funcionários
da UFRJ, um punhado de bandeiras vermelhas do PT e, principalmente,
do PC do B, com seu tradicional símbolo comunista quase roçando o vidro do
automóvel. Trânsito parado, o tempo passando. “Não é possível que vamos
perder
a entrevista do Roberto por causa de uma foice e um martelo”, ironizou Lula
ao volante do carro.
A minha preocupação era outra e tinha um nome: Ivone Kassu, assessora de
imprensa de Roberto Carlos. Em 1990, iniciei a pesquisa que resultou neste livro.
Naquele ano, tentei pela primeira vez uma entrevista com Roberto Carlos. Liguei
para o escritório de Ivone, a Kassu Produções, e consegui participar da coletiva
daquele ano, no Copacabana Palace. Uma entrevista exclusiva, ela disse que não
poderia ser. No ano seguinte, a coletiva foi no mesmo local, mas não consegui
convite. Entrei no meio de jornalistas e fiquei ali escondido pelos cantos,
evitando
me encontrar com a assessora de imprensa. Em 1992, tentei novamente, e já me
contentava em participar apenas da coletiva. Afinal, numa coletiva, em meio a
uma série de perguntas absolutamente invariáveis através dos tempos, sempre
podia surgir alguma informação nova, que eu poderia juntar às outras que estava
acumulando. Não consegui falar com Ivone, nem convite. Fui assim mesmo para
a coletiva do Imperator, no Méier, onde Roberto faria uma temporada. Dessa
vez,
não fiquei escondido pelos cantos, arrisquei falar com Ivone Kassu. Mas, assim
que ela me viu, chamou um garçom e ordenou: “Por favor, não sirva nada a este
rapaz. Ele não foi convidado para a coletiva”. E me virou as costas. Fiquei ali
alguns minutos paralisado. Mais uma vez estava barrado de um evento com
Roberto Carlos. Por tudo isso, o possível encontro com Ivone Kassu na portaria
do prédio de Roberto me deixava ansioso. Como ela iria reagir?
Mas, justamente por causa da passeata, chegamos 25 minutos atrasados, e o
porteiro informou que a assessora havia acabado de subir. Ele ligou para o
apartamento
e veio a ordem para o Lula subir. Eu subi junto. No elevador, já fui pensando:
“Benditas foice e martelo...”. Não tinha dúvida de que, se encontrasse Ivone
Kassu na portaria, iria ser barrado mais uma vez.
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Mas agora o elevador subia e eu já estava a um passo da porta da sala de
Roberto Carlos. A um passo de um encontro e de uma conversa frente a frente
com o rei.
Roberto mora na cobertura de um prédio de cinco andares, todos com apenas
um apartamento, situado de frente para a baía de Guanabara com o Cristo
Redentor ao fundo. Quando saímos do elevador, a porta já estava aberta. Em pé,
lá estava ele, Roberto Carlos vestido de Roberto Carlos, com seu tradicional traje
de calça jeans azul, camisa branca e tênis brancos. Ivone estava sentada em um
sofá
de frente para a porta. Lula foi o primeiro a entrar, sendo apresentado a Roberto
por ela. Foi logo pedindo desculpas pelo atraso e em seguida me apresentou.
“Roberto, este é meu amigo Paulo César...” Roberto estendeu-me a mão
efusivamente,
fitando meus olhos, e disse: “Já nos conhecemos não é, bicho?”. Sem pestanejar,
e também olhando no fundo dos seus olhos, respondi: “Com certeza,
Roberto. Eu sou o Brasil”.
A conversa iniciou de forma descontraída na ampla sala de visitas de seu
apartamento
decorado em tons azuis e brancos. Bom anfitrião, ele perguntou se queríamos
beber alguma coisa, sugerindo água, café ou suco. Pedimos apenas água, que
nos foi servida por uma empregada devidamente uniformizada de azul e branco.
Durante todo o tempo que ali permaneci não pude evitar a lembrança daquele
dia do show de Roberto em Vitória da Conquista. Agora, ali estava eu, na sala de
sua casa, conversando com ele. É verdade que tinha entrado sem ter sido
convidado.
Mas só poderia mesmo ter sido daquela maneira: sem convite, sem ingresso,
quase pela porta lateral. Como seria naquele show em Vitória da Conquista.
Depois de uma outra amenidade, Lula Branco Martins deu início à entrevista,
antes colocando o pequeno gravador na ponta da mesa de centro, para não
intimidar
muito Roberto, que não se sente à vontade na presença do gravador. Roberto
permaneceu a maior parte do tempo encostado no braço direito do sofá. Diante
da
primeira pergunta, ele sorri e hesita. Mas depois percebi que sempre sorri e
hesita
quando alguém lhe faz uma pergunta. E responde lentamente, em seguida,
procurando
as palavras como se estivesse pensando no assunto pela primeira vez. Já diante
de perguntas mais embaraçosas, Roberto pára, abaixa a cabeça, esfrega as mãos,
olha para o alto, fica algum tempo em silêncio, e só então responde. Outras
vezes,
ele pára e olha fixamente algum ponto no espaço perdido antes de responder sempre tomando um cuidado extremo para evitar mal-entendidos.
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Uma das últimas perguntas foi sobre a relação de Roberto com o palco, Lula
então aproveitou o tema e disse: “Aliás, Roberto, o Paulo tem uma história antiga
com você em um show em Vitória da Conquista”. Eu relatei tudo, passo a passo
até o desfecho final. Roberto riu em algumas passagens, mas depois contraiu seu
semblante e com aqueles seus olhos fundos cravados em mim, comentou: “Pôxa,
bicho, que história bonita... bonita e triste”.
Ao final, ele e Ivone Kassu nos acompanharam até a porta do elevador. Então
a assessora abriu a sua agenda, nos entregou dois convites e falou pra mim
sorrindo:
“Agora você não vai mais ficar do lado de fora de um show de Roberto Carlos”.
Este livro é resultado de uma história de vida com Roberto Carlos, mais quinze
anos de pesquisa em jornais, revistas, arquivos, além de quase duas centenas de
entrevistas exclusivas.
Para melhor entender a obra musical de Roberto Carlos é necessário conhecer
a trajetória de Roberto Carlos. Ele canta o que vive e o que sente. Nas suas
canções, fala de sua infância, de sua mãe, de seu pai, de sua tia, de seus amores.
Mesmo numa canção como Caminhoneiro, que trata de um personagem distante
de sua realidade de astro pop, o fermento que o inspirou a compô-la está nos
caminhões que via passar na frente de sua casa em Cachoeiro e no desejo que o
menino Roberto acalentou de um dia dirigir um veículo daqueles. Enfim, se
outros cantores-compositores têm uma produção musical desvinculada de sua
trajetória
de vida, este não é o caso de Roberto Carlos. Sua obra é marcadamente
pessoal e autobiográfica.
“O maior mérito de meu pai é cantar a sua verdade. A verdade é o que importa.
Se alguém quer conhecê-lo ou saber o que pensa ou já pensou, é só ouvir suas
músicas”,
diz seu filho Dudu Braga. Mas o caminho inverso também se faz necessário. Se
alguém quer conhecer melhor suas canções e o que elas dizem, é necessário
conhecer
a trajetória de Roberto Carlos, sua história, seus embates, seus dramas, porque
todos estão de certa forma retratados em sua obra. Este livro persegue este
desafio,
contar a trajetória artística de Roberto Carlos desde o início, canção por canção,
detalhe por detalhe.
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