Projeto de Comunicação da Política Nacional de Humanização do SUS TENDA DO CONTO: experiência bem sucedida no SUS reúne usuários e profissionais de saúde para contar histórias Criada como dispositivo terapêutico para atender idosos hipertensos há seis anos, a Tenda do Conto superou as expectativas ao focar a vida e não as doenças. Hoje, é armada todo mês na Unidade de Saúde do Panatis e Unidade de Soledade I, em Natal (RN), reunindo usuários de todas as idades. A experiência passou a ser replicada em praças, seminários e hospitais de outros pontos do país e virou tema de estudo em universidades de Natal (RN), Manaus (AM) e Cariri (CE) Tudo começou em 2007, quando a enfermeira Jacqueline Abrantes realizava sua pesquisa de mestrado na pós-graduação da enfermagem da UFRN, sob orientação da professora Raimunda Germano. A meta era descobrir como donas de casa enfrentavam as adversidades do cotidiano e para isso elas visitavam as mulheres em seus domicílios: “Ao colher fragmentos de histórias dessas pessoas, percebemos que escutá-las modificava nosso olhar sobre elas”, diz Jacqueline. “A diversidade criativa no enfrentamento de problemas era tanta que passei a questionar porque nosso modo de cuidar da saúde era focado no adoecimento, num cenário cheio de protocolos, onde prevalece a medicalização.” A pesquisa resultou numa dissertação de mestrado (Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem viver” ) e gerou a primeira roda de histórias na Unidade de Saúde do Panatis SMS/Natal, no Rio Grande do Norte. “Durante uma reunião com pacientes hipertensos e diabéticos pedimos que cada um falasse Projeto de Comunicação da Política Nacional de Humanização do SUS um pouco sobre si mesmo para que pudéssemos melhor interagir”, lembra. Todos estranharam a proposta, mas uma das participantes topou. E disse que sua vida daria um filme. Jacqueline e sua equipe resolveram então fazer uma filmagem artesanal, com quem quisesse participar. “No vídeo, dona Maria, então com 92 anos (hoje falecida) aparece entoando uma canção de amor; seu Olívio, um poeta de 83 anos, contou sua história em versos”, lembra. A partir daí, os idosos foram convidados a trazer para as reuniões alguns objetos que lembrassem fatos marcantes vividos. E assim se configurou o cenário: uma mesa cheia de objetos afetivos, uma colcha para delimitar o espaço da Tenda e uma cadeira de balanço, onde o narrador se acomoda. De início, como tudo acontecia dentro do posto de saúde, alguns falavam de doenças e seus sintomas – mas logo isso se diluiu, e o que vinha eram histórias de vida, com perdas, superações, emoções e causos. O efeito contagiou também os profissionais de saúde da unidade. Toda vez que se reuniam, a Tenda era lembrada. “Uma dentista disse que, ao atender alguém, não via apenas uma boca, passou a ver uma pessoa e lembrava de sua história.” Mais uma vez, a escuta modificava os olhares. “Na Tenda, a única regra é escutar; é ficar em silêncio e respeitar a voz do outro. E o objetivo principal é o encontro: afetar e ser afetado pelo outro. A partir daí tudo se desdobra”, diz Jacqueline. Ela não tem dúvidas que a tenda é uma usina de produção de saúde. Ali, os usuários do SUS mudam a tônica: em vez de focar os sintomas, focam a própria força, ancorados na memória, reavivada pela narrativa, os objetos íntimos e a atenção dos ouvintes. Projeto de Comunicação da Política Nacional de Humanização do SUS Atualmente, a Tenda é armada mensalmente nas Unidades de Saúde do Panatis e na Unidade de Soledade I, em Natal, mas tornou-se também itinerante, pois a equipe que cuida da Tenda recebe muitos convites para se instalar em fóruns, congressos e seminários regionais e nacionais, ou em outras unidades de saúde do Estado do Rio Grande do Norte, como um Hospital psiquiátrico, Hospital de doenças infectocontagiosas, Centros de Atenção Psicossocial, penitenciárias, Liga contra o câncer, associações, universidades e praças públicas. Alguns encontros têm registros no Youtube, como quando a Tenda recebeu médicos cubanos do programa Mais Médicos – na ocasião, uma médica cubana levou como objeto significativo uma pulseira – único bem de valor de uma antiga paciente, mãe solteira de três filhos, que fez questão de presenteá-la. Histórias não faltam e o vigor da Tenda se revela também na área de saúde mental. Jacqueline lembra, por exemplo, quando um usuário do CAPS contou suas internações no hospital psiquiátrico e afirmou que a cadeira de balanço da Tenda era o seu melhor antidepressivo. Outro olhar para a dor humana Para os profissionais de saúde, a Tenda tem função inspiradora ou, como diz Jacqueline, “nós ganhamos um olhar para as miudezas, olhar de chuva fininha, atento aos detalhes dos pequenos gestos e palavras dos narradores”. E isso faz enorme diferença no atendimento humanizado. Tanto que algumas histórias engraçadas ou comoventes entre profissionais e usuários acabaram se incorporando ao repertório da Tenda e foram Projeto de Comunicação da Política Nacional de Humanização do SUS compartilhadas na RHS – Rede Humaniza SUS (rede social da saúde, com mais de 28 mil participantes). Para a criadora da Tenda, esse tipo de experiência com narrativas, em geral não existe no cotidiano do trabalho em saúde: “São histórias de pessoas anônimas muitas vezes depreciadas pelos saberes científicos. As narrativas nos permitem exercitar um modo de ver a vida pelos olhos do outro; ver a dor humana, conceber este humano e sonhar com outro mundo possível”, acredita. Além do trabalho com a Tenda ( realizada com uma equipe formada por duas agentes comunitárias, dois dentistas e mais uma enfermeira), Jacqueline mantém suas atividades habituais com os programas de atenção básica e salienta que a Tenda se mantém viva e atuante graças à equipe e também aos acordos feitos com os gestores da Unidade Panatis e Soledade I Segundo a enfermeira, a Tenda, além do roteiro itinerante, hoje já é replicada em outros Estados: “Em Manaus, criaram a ‘maloca do conto’ num congresso de educação popular, em vez da cadeira de balanço, usam uma canoa”; a tenda também já foi replicada em Aracaju. Tanto em Natal como em Manaus, e em Cariri, no Ceará, o dispositivo tem sido montado e estudado em universidades, graças ao encantamento e interesse que produziu em estudantes e professores das áreas de Psicologia e médicos residentes da área de Saúde da Família. Sinal de que essa história vai longe. Contatos: Projeto de Comunicação da Política Nacional de Humanização do SUS Jacqueline Abrantes Enfermeira da Unidade de Saúde do Panatis – SMS/Natal-RN, trabalhadora e militante do SUS há 24 anos, doutoranda em Ciências Sociais. Criadora e integrante da equipe da Tenda do Conto. [email protected] Fones: 84 99862540 (celular) 84 32089889 (residencial) Ministério da Saúde Sheila Souza [email protected] Tel. 61 3315 9130 Jornalista da PNH - Secretaria de Atenção à Saúde www.saude.gov/humanizasus www.redehumanizasus.net O que é PNH – A Política Nacional de Humanização é uma política pública transversal e atua como eixo norteador em todas as esferas do SUS. Além do respeito ao direito do usuário, apóia processos de mudanças nos serviços para torná-los mais acolhedores, com atenção para as necessidades objetivas e subjetivas dos usuários. Promove a gestão participativa, ampliando o diálogo entre os gestores dos serviços, os profissionais de saúde e a população. A PNH completou 10 anos em 2013.