Explorando o ciberespaço nas trilhas da inclusão Maria Teresa Eglér Mantoan Universidade Estadual de Campinas – Unicamp Faculdade de Educação Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/FE/ Unicamp [email protected] Junho, 2003 Palavras-chaves: inclusão escolar; tecnologias da educação; acessibilidade ao conhecimento Novos cenários educacionais O impacto do uso de novas tecnologias de comunicação e de informação potencializado pelos desafios da inclusão escolar provoca mudanças verdadeiramente revolucionárias no contexto educacional e precipita o rompimento com modelos tradicionais de ensinar e aprender. A democratização e descentralização do controle do conhecimento rompem com paradigmas nos quais se assentam as bases da educação formal e a abertura das escolas às diferenças é conseqüência desse rompimento, implicando a adoção de novos pressupostos frente aos quais a escola está ainda muito defasada. Consoante novas tendências educacionais, em que a multi/interdisciplinaridade, a interatividade, a acessibilidade são motores desses avanços, este texto foi organizado de modo a apresentar ao leitor contribuições das tecnologias educacionais ao processo de inclusão escolar de pessoas com e sem deficiências temporárias ou permanentes de adaptação, nessa nova perspectiva. A consciência cada vez mais aberta às diferenças entre as pessoas, aos contextos em que se inserem, seus valores e especificidades têm mudado o modo de conviver e de compartilhar o mundo com o outro. O acesso de todos aos bens que a humanidade produz e à Natureza que nos cerca depende da transformação de nossos espaços e de nossas concepções e de se ultrapassar as fronteiras que nos impedem realizar um intercâmbio mais intenso de sentimentos, idéias, costumes, vivências com nossos semelhantes. Uma busca constante de uma melhor qualidade de vida estimula a nossa inventividade e o nosso desejo de encontrar meios que promovam o bem-estar, a saúde, a 2 educação, o lazer, o trabalho indistintamente a todos, mas sem discriminações e preconceitos. Entendemos que não estamos mais vivendo um tempo de comunicação em que o emissor e o receptor estão separados, distanciados. Por outro lado, a mobilidade não é mais um deslocamento necessariamente físico, mecânico, prisioneiro dos limites do tempo e do espaço, apenas. Movimentos, palavras promovem envolvimento entre pessoas, intercâmbios intrinsecamente imbricados, que formam redes, conexões entre seus pólos e se expandem indefinidamente. Todas essas mudanças que começam a despontar no mundo contemporâneo são conquistas que temos de estender às escolas e às salas de aulas. Como, então, buscar uma maneira de tornar o acesso à educação de qualidade uma conquista de todos e para todos? Seria uma pretensão de nossa parte solucionar esta questão – a inclusão escolar - porém nos dispusemos a enfrentá-la. A tarefa é desafiante, pois os conceitos e práticas envolvidos e a extensão do significado dessa inovação educacional necessitam de diferentes sistemas interpretativos e de novas explicações e artefatos que dêem conta da sua complexidade. Por tudo isto é que nos aventuramos a explorar o ciberespaço, nas trilhas da inclusão! O problema Muitas indagações estão surgindo a respeito das formas de comunicação e de ensino e dos estilos de aprendizagem decorrentes do uso de novas mídias eletrônicas na escola, especialmente no ensino infantil e fundamental. O problema se amplia e se complica ainda mais, quando é proposta a utilização de ferramentas de comunicação a distância em ambientes educacionais inclusivos. Habituada à sua lógica transmissiva e distributiva do conhecimento, a escola tem negligenciado o que acontece a seu redor. De fato, a multiplicação infinita das informações e a quebra das fronteiras geográficas da comunicação tornam impossível o domínio do conhecimento. O homem moderno precisa aprender a buscar, selecionar, tratar e construir conhecimentos autonoma e 3 cooperativamente, no coletivo das representações, das idéias e sentimentos que se complementam e se interpenetram, abalando com tudo isso o ensino disciplinar, tradicionalmente praticado nas escolas. Nenhum conhecimento é definitivo; o que vale é o processo de busca do saber e nesse processo cada pessoa tem um percurso singular, cada vez menos canalizado em uma única direção. Todas as mudanças próprias do nosso tempo inserem novos fatos no universo educacional, tais como o diálogo entre as diferenças, as redes de conhecimento resultantes dessas interações, a complexidade do pensamento. A identidade da escola, dos professores e do aluno estão sendo afetadas por essas características do tempo/espaço em que vivemos, embora poucos tenham se dado conta disso. A esse propósito, formulamos algumas questões, que nos parecem pertinentes e intrigantes. Podemos resumi-las, perguntando se a introdução de novas ferramentas educacionais nas escolas, tais como o computador, os laboratórios de informática estão, realmente, penetrando a velha lógica do sistema educativo e fecundando-a com novas práticas e perspectivas de transformação. Como as tecnologias estão sendo concebidas e introduzidas nas escolas, de modo que possam provocar mudanças efetivas na maneira de se ensinar e aprender? O que essas inovações têm propiciado de novo? Sabemos que a existência de computadores na escola não é suficiente para se desencadear toda a gama de possibilidades que esse equipamento pode trazer à educação, especialmente, nos seus níveis básicos. A sub-utilização desse recurso é patente, quando estão locados em laboratórios, recheados de programas que reproduzem técnicas de ensino mecanicistas, que não exploram todo o potencial que essas máquinas nos oferecem. Dificilmente se associa a existência dos computadores na escola à idéia de cocriação do conhecimento, interdisciplinaridade, aprendizagem colaborativa, ampliação de experiências de comunicação e expressão entre aprendizes e professores, vivências intra e interescolares, que implicam na multiplicidade de pontos de vista, intercâmbio de idéias, diante de um mesmo tema ou resolução de problemas pela troca de soluções possíveis, escolhas compartilhadas. 4 O uso de computadores na escola tem sido reduzido a atividades que não exploram devidamente o desenvolvimento de atividades interativas que empregam uma variedade de ferramentas de telecomunicação, como o correio eletrônico, as listas de discussão, os fóruns, as teleconferências e outras. O design de ambientes de aprendizagem que utilizam a Internet como mídia é um tópico de pesquisa que começa a surgir em função do desenvolvimento tecnológico e das expectativas em torno da educação a distância. Por outro lado, pouco temos feito para tornálos acessíveis a todos os aprendizes, indiscriminadamente. Explorar o ciberespaço na escola é ainda uma promessa, mas não podemos deixar de cumpri-la, mesmo com um bom atraso... O problema, portanto, não está apenas em conhecer os limites desse novo espaço na educação e as possibilidades de seus ambientes de aprendizagem, mas de projetálos de tal modo que se afinem aos preceitos de uma educação para todos, inclusiva. Em uma palavra, não basta apenas criar ambientes que são capazes de garantir a todos os aprendizes o acesso à tecnologia, mas possibilitar-lhes, independentemente de suas diferenças, o acesso ao conhecimento. Por outro lado, é imprescindível que se integre a esses ambientes a idéia de que os conhecimentos se constroem a partir de conexões, de idéias enredadas, de uma trama imprevisível de relações, próprias de uma concepção indissociável das áreas disciplinares, como as que naturalmente tecemos, nos hipertextos, no ciberespaço. Essas novas tendências de ensino escolar, que implicam o uso de ferramentas computacionais de comunicação a distância e envolvem uma atuação do professor, que não está habituado e/ou preparado a fazer uso delas é um barreira que temos de transpor. A transposição, no nosso ponto de vista, não ocorrerá enquanto se pretender ensinar o professor a usar essas ferramentas, fora de suas salas de aulas, em cursos específicos, isolados do contexto escolar em que atuam. Acreditamos que se aprende a ensinar o novo, conhecendo e praticando a novidade, em toda a sua extensão, oferecendo aos professores a oportunidade de passar pelas mesmas dificuldades e fases de compreensão, vivendo os mesmos sentimentos dos/com seus alunos para assimilar o novo, no cotidiano das escolas e de suas salas de aulas. 5 Os professores precisam viver o desafio de aprender pela descoberta, pela experimentação, com seus alunos, diante de situações que problematizam a sua atuação, pois, do contrário, continuarão reproduzindo em suas turmas, o que queremos que seja abolido – conhecer antes para aplicar, depois! Essa relação linear e causal inexiste nos processos inventivos do conhecimento ativamente construído e todas as regulações necessárias para esse fim são incertas, provisórias, incompletas e geradoras de conflitos, pelos quais o entendimento avança. Precisamos, pois, desconfiar de toda formação que pretende fazer com que os professores progridam, evoluam nas suas práticas (mesmo as que são intermediadas pela mais poderosa tecnologia), mas que continuam fundamentadas nos velhos princípios educacionais que sustentam a escola tradicional. Isso tem acontecido em muitos cursos a distância, que repetem as mesmas situações de ensino pelas quais aprendemos outrora, quando o livro texto, as instruções programadas, as avaliações fechadas num dado nível de desempenho, entre outras, constituíam o perfil metodológico da formação. Democracia eletrônica e inclusão escolar A emergência de novas competências de comunicação, que surgem da passagem de uma lógica distributiva, unidirecional e hierárquica da escola tradicional para a lógica interacional da escola da contemporaneidade, desconsidera a passividade do educando e propõe a criação coletiva, como sua fonte revitalizadora. Tecnologias que provocam interatividade entre os usuários permitem confrontação coletiva e construção de conhecimentos em teias interdisciplinares e baseados na liberdade de expressão, pluralidade de idéias e cooperação. Essas tecnologias liberam o professor do peso de ser a única fonte do conhecimento. Assim sendo, todo o autoritarismo dessa posição vai cedendo lugar para outros comportamentos, ou melhor, para que uma outra ética se materialize nas escolas, tendo como eixos o convívio com as diferenças, a aprendizagem relacional, participativa, que faz emergir a subjetividade dos alunos e os sentidos do saber. O poder revolucionário de certas ferramentas que envolvem experiências de comunicação e de construção do conhecimento, via Internet, não se resume em dotar o professor e o aluno de novos recursos didático-metodológicos para o desenvolvimento do 6 processo formal de educação a distância. Essa já seria uma importante contribuição, não fora a possibilidade que elas têm de condicionar novas maneiras de pensar o outro e de viver em grupo, democraticamente. É certo que a nossa maneira de engendrar e de administrar o conhecimento é uma das geradoras da nossa (in)capacidade de ver e/ ou de entender o outro. Se concebemos o outro a partir da escolha arbitrária de atributos pelos quais inventamos e aprisionamos as pessoas em classificações, categorias, separando-as segundo normas definidas para esse fim, dificilmente chegaremos a entender o sentido da inclusão e de seu caráter necessariamente radical, ao negar toda e qualquer exclusão no ambiente escolar. A inclusão propicia experiências pessoais e interpessoais que afetam objetiva e subjetivamente as relações entre os educandos e entre professor e sua turma, exigindo avanços nas práticas pedagógicas e na estruturação dos sistemas de ensino. Cenários de trabalho, que fazem convergir aprendizagem escolar e novas tecnologias proporcionam um entendimento entre os atores educacionais que fortalece os elos que os unem entre si e fazem circular o conhecimento, como uma seiva que alimenta cada um deles, na medida de suas necessidades. Eis aí a condição ideal para que se enfrentem os desafios de se ensinar a turma toda, sem discriminações, currículos adaptados e ensino à parte, em classes e escolas especiais. Ambientes computacionais inclusivos Visando a esta condição, estamos realizando um estudo de natureza interdisciplinar, que reúne alunos e professores da Faculdade de Educação/Unicamp e do Instituto de Computação/Unicamp, focando o processo de aprendizagem de alunos com e sem deficiências, incluídos no ensino fundamental, no ensino fundamental. Vale reafirmar que, afinados com os princípios da educação inclusiva, buscamos um design de ambientes computacionais que não seja exclusivo para usuários com necessidades específicas, mas que possa ser usado por todos os aprendizes, sem discriminar as possibilidades de cada um, no processo educativo. 7 O estudo iniciou-se em 1999, quando reunimos um grupo de alunos com síndrome de Down, em processo de alfabetização, e solicitamos a participação ativa desses alunos como usuários finais do primeiro software educativo que estávamos produzindo. Essa participação se deu ao longo de todo o ciclo de design e de desenvolvimento de um desses ambientes, o Papo-Mania (Barcellos e Higachi, 1999). Este software e outros dois, denominados Desenho-Mania (Barcellos, 2000) e Teatro no Computador (Oliveira, 2000), são produtos de dissertações de Mestrado e de tese de Doutorado do Instituto de Computação/ Unicamp. Entre 1999 e 2001 foram implementadas as três ferramentas e todas as ações do projeto se limitaram a realizar essa tarefa. Cada um desses ambientes tem a sua especificidade e a sua proposta educacional. Todos eles foram desenvolvidos a partir de uma abordagem participativa e mudanças foram gradualmente introduzidas nas interfaces, visando uma melhor adaptação ao usuário: alunos do ensino fundamental, como e sem deficiência. O Papo-Mania é um ambiente de chat, em que o acesso ao conhecimento é entendido como a possibilidade de o software mediar a comunicação, propiciando aos alunos com e sem deficiências situações em que ampliam os recursos necessários ao uso da linguagem escrita. Existem expressões faciais e falas associados a ícones, assim como frases semi-prontas, que ajudam na introdução de temas e composição de respostas, facilitando igualmente a digitação de frases; há possibilidade de o professor intervir diretamente na comunicação, para facilitar a conversação. COLOCAR AQUI UMA TELA DO PAPO_MANIA - OPTATIVO ( arquivo em anexo) O Desenho-Mania é software proposto para possibilitar o desenvolvimento de trabalhos cooperativos a distância, estimulando o compartilhamento de metas, a interação em grupo, a colaboração e a capacidade de decisão entre as crianças em geral, com e sem deficiências. Os alunos discutem e decidem, via Rede, o que vão desenhar; depois cada grupo ou criança constrói a parte e finalmente as contribuições de todos são visualizadas e os participantes podem trabalhar na construção final do trabalho desenhado. Finalmente é gerada um página da Web que para apresentar a produção do grupo. Esta ferramenta destaca que outras linguagens e não apenas o código escrito podem ser utilizadas para expressão do 8 pensamento, além de desenvolver a memória visual, a seqüência lógica temporal, a organização do trabalho, a mudança de perspectiva para analisar um objeto e outras competências educacionais. Trata-se de uma ferramenta que oferece uma gama de possibilidades de participação e de aprendizagens e que, em conseqüência, não exclui os alunos com deficiência mental dos trabalhos que estão sendo produzidos. COLOCAR AQUI UMA TELA DO DESENHO-MANIA – OPTATIVO (arquivo em anexo) O Teatro no Computador é o resultado de uma metodologia de design de interfaces em que as pessoas não são meros usuários, mas atuam como habitantes dos espaços virtuais criados pelo designer. As crianças, nesse ambiente, podem habitar de diversas maneiras o espaço virtual do teatro. Cada uma dessas maneiras é função da relação semiótica que a criança contrai com as demais entidades que habitam a interface e cria diferentes oportunidades de aprendizagem. Da mesma forma que os ambientes anteriores, o Teatro no Computador é uma ferramenta inclusiva, pois não especifica um tipo de usuário para sua utilização, dada a flexibilidade e a abrangência de seus recursos e propostas educacionais. Habitando o teatro como um autor, a criança usa sua imaginação, sua capacidade inventiva, expressa sua visão de mundo livremente. Como diretor, ela aprende a usar os recursos disponíveis na ferramenta para expressar uma idéia, um sentimento, improvisando sons, montando cenários, adequando os recursos existentes ao roteiro da peça. Como ator, a criança pode melhorar a percepção de si mesma, do outro e do mundo e como espectador, ela pode se posicionar em espaços dentro do teatro virtual e mudar de perspectiva para melhorar sua percepção dos fatos e interpretar o mundo sob diferentes enfoques. COLOCAR AQUI UMA TELA DO TEATRO NO COMPUTADOR – OPTATIVO (arquivo em anexo) Neste momento, um outro software está sendo produzido para ampliar ainda mais os meios pelos quais estamos propiciando aos professores e alunos melhores condições de ensinar e de aprender, dentro do que nos propõem as novas teorias educacionais. Essas teorias vão de encontro a todas as formas de fragmentação e disjunção do pensamento, combatem as hiper-especializações e se propõem a formar “cabeças bem 9 feitas”, ao invés de “cabeças bem cheias” (Morin, 2001). A maioria dos professores, contudo, ainda se empenham em encher a cabeça de seus alunos, pressionados pelos sistemas educacionais, pelos pais e pela sociedade em geral, que defendem obstinadamente, o ensino meramente disciplinar. Já conseguimos vencer etapas do cronograma do estudo referentes à produção dos três ambientes computacionais inclusivos idealizados. Em fins de 2001, iniciamos a implementação dos ambientes em computadores localizados em algumas salas de aula do ensino regular de uma rede pública de ensino municipal do Estado de São Paulo, que adota princípios educacionais inclusivos. Esses alunos já estavam começando a ler, mas com muita dificuldade em escrever, segundo as expectativas da escola, que insistia no nível de escrita ortográfica. Os alunos sem deficiência, por sua vez, estavam mais próximos do padrão de escrita exigido pela escola, porém não se distanciavam muito dos alunos com deficiência, quando a tarefa era produzir frases com sentido, escrever pequenos textos, enfim usar e a língua como meio de comunicação interindividual e grupal. Eram crianças não tinham liberdade para se exprimir, seja desenhando, como escrevendo, contando fatos, histórias, narrando situações do cotidiano, nas atividades de sala de aula. As professoras, embora aceitassem bem os alunos com deficiência em suas salas de aula, não propunham e desenvolviam atividades em que os alunos pudessem demonstrar os seus interesses, competências peculiares. O ensino, bastante livresco, estava centrado nos conteúdos curriculares e era transmitido unidirecionalmente do professor para os alunos, sem qualquer tentativa de interdisciplinarização das áreas acadêmicas. Alguns resultados animadores Primeiramente é de se destacar que os alunos com e sem deficiência contribuíram em todas as fases do design participativo dos ambientes computacionais propostos, mostrando suas necessidades e expectativas diante dos recursos das ferramentas em produção e colaboraram como membros da equipe de design e não apenas como sujeitos de observação e de experimentos. 10 Resultou dessa participação uma maior adequação dos softwares às tarefas do usuário e destacou-se o poder deste nas decisões que afetam o uso que fará da ferramenta no seu próprio ambiente de trabalho, ou seja, o contexto escolar. Nas salas de aula, todos os alunos com e sem deficiência participaram com interesse e espontaneidade do que lhes foi solicitado, nas fases posteriores do estudo. Apesar dos obstáculos iniciais (a maioria deles já esperados e referentes a aspectos irrelevantes, pois se referiam ao acesso à tecnologia e não ao acesso à comunicação e ao conhecimento), os alunos dessas classes conseguiram entrar em contato com seus colegas de outra escola por meio do Papo-Mania e do Desenho-Mania e também conseguiram produzir várias peças de teatro, utilizando o Teatro no Computador1. Os alunos com e sem deficiência participaram da produção das peças de teatro como atores e diretores e influíram no roteiro, apresentando sugestões muito pertinentes aos autores. Ficou evidente que não há barreiras para a participação dos alunos em geral nesse e nos demais ambientes de comunicação à distância aqui referidos, pois todos eles atendem à diversidade das possibilidades de participação das crianças em geral – por exemplo, quando não sabem escrever uma fala, podem gravá-la ou mesmo ditá-la a um colega da turma. A ferramentas desenvolvidas propiciaram a esses alunos com e sem deficiência, até então, ampliar seus recursos de comunicação oral e escrita e uma compreensão dos conteúdos escolares, que foge ao que é da rotina nas salas de aula, em que as práticas de ensino separam, repartem o saber em fatias disciplinares e colocam grades entre o que precisa ser explorado e descoberto de modo integrado. As práticas dos professores têm evoluído pouco a pouco para uma concepção transversal, unificadora, mesmo quando essas ferramentas não são as intermediárias dos processos escolares de ensino e aprendizagem. Esses profissionais estão aperfeiçoando sua atuação pedagógica e revendo-a diariamente, em conseqüência do que está ocorrendo no dia-a-dia escolar, ao se defrontarem 1 Essas histórias constituem o material de estudo de uma dissertação de Mestrado em Educação de uma de nossas orientandas do LEPED, Profa. Janaína Speglish Amorim. O trabalho intitula-se: “Uma Janela Para Todos: as novas mídias informatizadas nas escolas abertas às diferenças”. 11 com o poder dessas ferramentas e ao compararem o que elas lhes propiciam com outros recursos didático-pedagógicos usuais. Cada ferramenta mostrou individualmente ser capaz de mediar níveis de interatividade diferentes, sendo que no caso do Teatro no Computador, constatamos que os alunos com e sem deficiência se integraram de tal forma às suas tarefas (imersão virtual), que se confundiam com a própria interface. Como a nossa intenção não á de criar apenas tecnologias “web-acessíveis”, mas de acesso aos conhecimentos e interconexão entre os mesmos, acreditamos estar a meio caminho dos nossos objetivos que pretendemos alcançar neste estudo. Tendo conseguido afinar os instrumentos, fazendo convergir o design dos ambientes com os preceitos educacionais inclusivos e com práticas de ensino cooperativas, multi/ interdisciplinares, esperamos chegar aos benefícios que esses softwares poderão propiciar ao desempenho escolar de alunos com e sem deficiência, na aquisição dos conteúdos acadêmicos e na sua efetiva e pertinente utilização como veículo de comunicação facilitador da inclusão o escolar e social. As ferramentas de comunicação a distância de que trata este estudo têm propiciado aos professores constatar os resultados de uma ação educativa que não exclui ninguém, em razão da utilização de recursos e da definição de objetivos a serem alcançados que diferem dos habitualmente presentes em salas de aula do ensino regular e especial. Eis aí uma constatação a que não é fácil de se chegar, com a mesma visibilidade que essas ferramentas lhes oferecem. As atividades desenvolvidas por intermédio desses ambientes educativos, referenda a educação não disciplinar (Gallo, 1999), cujo ensino se caracteriza pela criação de ambientes polissêmicos de aprendizagem, provocados por temas de estudo que partem da realidade, da identidade social e cultural dos alunos, contra toda a ênfase no primado do enunciado desencarnado e no conhecimento pelo conhecimento. Para se ensinar a turma toda, temos de propor atividades abertas, diversificadas, isto é, atividades que possam ser abordadas por diferentes níveis de compreensão e de desempenho dos alunos e em que não se destaquem os que sabem mais ou os que sabem menos. Em uma palavra, as atividades devem ser exploradas, segundo as possibilidades e 12 interesses dos alunos que optaram livremente por desenvolvê-las, como ocorre nos ambientes virtuais aqui apresentados. Estamos procurando responder às questões que formulamos na problematização deste artigo e conscientes de que há muito a caminhar, porque, as escolas resistem muito à adoção de práticas pedagógicas transgressoras e de aparatos educacionais inovadores, que fazem parte das propostas de um ensino, verdadeiramente, inclusivo. Mas estes são os desafios educacionais do milênio e temos mais é que não esmorecer e buscar soluções para enfrentá-los. Referências bibliográficas Barcellos, G.C. (2000). Estudo e desenvolvimento de ambientes de aprendizado colaborativo a distância para o contexto da educação inclusiva. Dissertação de mestrado, Instituto de Computação, Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, São Paulo. Barcellos, G. C., Higaki, P. L. (1999). O processo comunicativo em ambientes virtuais de aprendizagem – um estudo exploratório. Anais do X Simpósio Brasileiro de Informática na Educação. V.1 (pp271-278). Gallo, S. (1999). Transversalidade e de educação: pensando uma educação nãodisciplinar.In N. Alves (org.), O sentido da escola da escola (pp17-43).Rio de Janeiro: DP&A editora. Morin, E. (2001). A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina, 4ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Oliveira, O.L. (2000). Design da interação em ambientes virtuais: uma abordagem semiótica. Tese de doutorado, Instituto de Computação, Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, São Paulo.