EDUCAÇÃO PARA A CONSERVAÇÃO E EDUCAÇÃO PARA A TRNSFORMAÇÃO NA PERSPECTIVA DE DURKHEIM, ATHUSSER E GRAMSCI E A EDUCAÇÃO DO CAMPO DO MST Felipe Cordeiro da Rocha1 Introdução Este artigo surge a partir das contribuições da disciplina teorias sociais da educação na história contemporânea, do mestrado em educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Cascavel e pretende discutir o papel da educação a partir da perspectiva conservadora de Émile Durkheim e da visão de Louis Althusser e Antonio Gramsci, ambos autores marxistas, que no entanto atribuem um papel e possibilidades distintas para a educação quanto ao seu papel, se é de conservação ou de transformação e a partir da possibilidade que Gramsci enxerga da educação no sindicato de formar o intelectual orgânico da classe trabalhadora, isto é, no espaço contraditório dentro da sociedade civil discutir o papel da educação do campo na sua possibilidade de ser uma educação transformadora. PAVAVRAS-CHAVE: Educação tradicional, educação na perspectiva marxista e história da educação. Para falar em educação conservadora em Durkheim, precisamos antes falar alguns conceitos de sua sociologia que acredita que o social está acima do indivíduo, que em última análise a sociedade funciona como um grande organismo, como um corpo orgânico harmônico e quando um indivíduo ou mesmo uma instituição da sociedade não cumpre seu papel cria-se um estado de anomia, vejamos mais de perto esta questão: Durkheim por vir de uma perspectiva positivista, a sociologia durkheimiana teve grande influência das ciências naturais: química, física, biologia e astronomia, pois estas ciências têm leis especificais, na biologia, por exemplo, os organismos vivos funcionam 1 Mestrando em Educação, UNIOESTE Campus Cascavel. Email: [email protected] como um sistema inteligível, onde cada parte do corpo humano, tem uma função especifica, mas funcionam em relação com o todo e em harmonia e quando está harmonia é desfeita surgem as doenças. Ao enxergar a sociedade Durkheim via a mesma necessidade de harmonia e cooperação entre os indivíduos e instituições desta mesma sociedade, não é o indivíduo que determina a sociedade, pelo contrário existe a necessidade para que a sociedade funcione harmonicamente que o social se imponha sobre o indivíduo e mais que isso, que ao agir o indivíduo pense no bem comum e o próprio significado para a vida do mesmo é dado pelo coletivo e pela tradição, quando ele não consegue se enquadrar mais nesta totalidade social sua vida perde significado e o mesmo pode se suicidar, ao que chamamos suicídio egoísta ou quando há uma mudança brusca nas regras sociais ao não conseguir se enquadrar no novo momento social ao qual não desenvolve sentimento de pertença a vida desse indivíduo perde significado e o mesmo comete o suicídio anomico, ou ainda, quando o indivíduo está tão integrado a sociedade em que vive que os valores da sociedade se impõe acima de sua individualidade, por este pensar que os valores sociais são mais importantes que sua própria vida se mata em prol destes valores e assim comete o suicídio altruísta. Como vemos, mesmo a atitude considerada mais egoísta, o suicídio, está em relação com o social, logo para Durkheim é o social que reina sobre a perspectiva individual. Outro ponto que fica claro nesta perspectiva em que a sociedade se impõe acima do indivíduo é a divisão que Durkheim faz da história humana através do trabalho social, quando Durkheim cria o conceito de solidariedade social que se subdivide em solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, onde a primeira é típica das sociedades tribais ou sociedades primitivas, onde o indivíduo está integrado a sociedade, inclusive pela divisão do trabalho se dá de maneira simplificada, por exemplo, imaginemos numa aldeia onde os homens são caçadores e as mulheres cuidem de funções domesticas e das plantações em torno da oca, neste caso até pela proximidade e por exercerem funções correspondentes, as pessoas sentem-se parte de um todo social, onde não está em primeiro plano o desejo do indivíduo, pelo contrário, as pessoas cumprem seu papel por se sentirem parte do organismo social e para o bom funcionamento da comunidade e há maior homogeneidade social e quando o indivíduo se afasta desta totalidade social ele é punido pelo grupo; pelo contrário, em nossos dias , as pessoas cumprem os mais distintos papeis sociais, têm as mais diversas profissões, o que tem como resultado que a linha que liga as pessoas a totalidade do social é mais tênue, como consequência disso há menor homogeneidade social o que para Durkheim é um problema, é a partir deste ponto que se pode entender a razão que a sociologia tenha nascido na modernidade, pois Durkheim atribuía os problemas da sociedade de seu tempo a um enfraquecimento do social e um avanço do individual e as pessoas já não cumprem seu papel social e é daí que entraremos no problema que traz a necessidade da educação e também nos motivos pelo qual devemos considerar a educação durkheimiana conservadora.. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política, quanto pelo meio especifico ao qual ela está destinada em particular (DURKHEIM, 2012, p. 54). A definição de educação de Durkheim pressupõe que a educação passa das gerações mais velhas para as mais novas, podemos sinalizar aqui, em primeira mão, a perspectiva conservadora, se compreendemos como conservador a função dada para a educação por Durkheim que é de fazer da escola um novo instrumento de coesão social necessário para a modernidade, pois esta de alguma forma tem perdido esta coesão que é necessária com o aumento do individualismo, que o próprio Durkheim atribui ser típico da divisão do trabalho e da própria evolução. Durkheim chama a atenção para o caráter individualista da educação de seu tempo. A educação variou muito de acordo com o tempo e com os países, na polis grega e latina a educação ensinava o indivíduo a se subordinar cegamente à coletividade, tornou-se a coisa da sociedade. Hoje, ela tenta ela tenta transformá-lo em uma personalidade autônoma. Em Atenas buscava-se formar intelectos finos, perspicazes, sutis, amantes da proporção e harmonia, capazes de gozar e dos prazeres da pura investigação, em Roma, desejava-se antes de tudo que as crianças se tornassem homens de ação, apaixonados pela glória militar, indiferentes a tudo que envolve letras e artes. Na idade média, a educação era acima de tudo cristã[...] Se a educação romana tivesse sido tomada pelo individualismo parecido com o nosso, a polis romana não teria podido se manter. As sociedades cristãs da idade média não teriam sobreviver se tivessem concebido a importância que nós à atribuímos hoje. Existem, portanto necessidades inelutáveis que é impossível abstrair. De que adianta imaginar uma educação que seria fatal para a sociedade que a colocasse em pratica? (DURKHEIM, 2012, p. 48). Aqui já podemos perceber o caráter conservador da educação para Durkheim ao buscar uma educação que seja um elemento de coesão, no entanto, neste momento suspenderei a perspectiva conservadora da educação durkheimiana e tomamos um elemento, que se aproxima inclusive da pedagogia histórico crítica, para tal tomamos uma definição desta última dada por Demerval Saviani que é que a educação tem como papel repassar as futuras gerações o conhecimento acumulado pela humanidade, vejamos mais de perto esta questão, primeiro destacando os pontos em comum e depois percebendo a diferença, aí então retornaremos a questão que deixamos em suspenso. Considerando que as perspectivas especificamente humanas não estão inscritas na genética e, portanto, não são herdadas pelos indivíduos ao nascer, mas são produzidas historicamente devendo ser adquiridas por meio da atividade educativa, a pedagogia histórico-critica define a educação como ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórico pelo conjunto dos homens. Isso significa que o papel da educação é tornar os indivíduos contemporâneos a sua época, pois quando vem ao mundo, os membros da espécie humana já se encontram num contexto que, é produto histórico, isto é, produto das gerações procedentes (SAVIANI, 2013, p. 18). Se aqui percebe-se que a educação tem o papel de repassar as futuras gerações o conhecimento acumulado pela humanidade na perspectiva da pedagogia histórico critica retomemos na perspectiva conservadora de Durkheim este mesmo ponto. Ora, não somos nós, individualmente, que inventamos os costumes e as ideias que determinam este tipo de educação. Eles são o produto da vida em comum e refletem suas necessidades. Em sua maior parte, eles são inclusive fruto das gerações anteriores. Todo o passado da humanidade contribui para elaborar este conjunto de máximas, que dirige a educação de hoje, nela está gravada toda história e mesmo a história dos povos que nos procederam. Este mecanismo é similar ao dos mecanismo superiores, que carregam como eco de toda evolução biológica da qual eles são resultado (DURKHEIM, 2012, p. 48). Aqui vemos que tanto a perspectiva conservadora de Durkheim que pode ser considerado um dos pais da pedagogia moderna, quanto a visão da pedagogia histórico crítica de Saviani se aproximam ao reconhecer que a educação é resultado da história das necessidades e das conquistas dos homens, algo que Lênin já havia destacado, mesmo ao dizer dos limites da velha escola livresca, no entanto, o mesmo diz que não reconhecer que nela há um tesouro acumulado pela humanidade seria um erro seríssimo (LÊNIN apud FAVORETO, 2008, p. 63) no entanto, há uma diferença crucial entre a perspectiva tradicional, a perspectiva marxista de educação e por seguinte na perspectiva histórico crítica, que por sua vez, também filha da perspectiva do marxismo na educação, é que embora ambas estejam centradas na divisão do trabalho a perspectiva marxista enxerga a luta de classes ao passo que a educação tradicional durkheimiana é fruto de um processo evolutivo, onde a divisão do trabalho é comparável à própria expansão dos organismos. Ainda hoje, não vemos a educação variar com as classes sociais ou mesmo os habitats? A da cidade não é igual a do campo, a do burguês não é igual à do operário. Dirão por aí que esta organização não é moralmente justificável e pode ser considerada um anacronismo destinado a desaparecer. A tese fácil de defender. É claro que a educação dos filhos não deveria depender do acaso que os faz ao nascer aqui ou lá, de tais pais em vez de outros. Porém mesmo que a consciência moral de nosso tempo tivesse sido satisfeita neste ponto, nem por isso a educação seria mais uniforme. Mesmo que a carreira de uma criança não fosse, em grande parte, predeterminada por uma cega hereditariedade, a diversidade moral das profissões não deixaria de exigir uma grande diversidade pedagógica (DURKHEIM, 2012, p. 50). Durkheim não está preocupado com esta diferenciação, uma vez que ela é natural, que por um lado é resultado da etapa do progresso e efeito da divisão do trabalho, pois já que os organismos se expandem e se especializam, logo a sociedade também segue esta lógica e como no caso dos organismos não há conflito, se cada um cumprir seu papel social não importa se operário ou burguês a educação preparará cada um para assumir sua posição, não importa se esta educação é para o operário ou para o burguês, para o que pensa e para o que faz, por isso o próprio Durkheim admite que a educação tem uma base especifica, onde cada um aprende a executar sua função e outra com base comum que tem como papel manter a coesão social e é neste ponto que retomamos a ideia da educação durkheimiana como uma educação conservadora, já que ela não pretende a emancipação, não pretende acabar com a divisão da escola das classes, não porque Durkheim acredite que a educação tenha que ser para a submissão de uma classe sobre a outra, mas que talvez porque ele acredite que tal qual na natureza há uma ordem que faz que plantas e animais embora distintas ou diferenciadas formando vários nichos, são em certa medita harmonizadas pela força da natureza, assim como no sistema social cada indivíduo embora cumprindo papeis e funções distintas, sejam harmonizados dentro de um organismo social de forma similar aos membros de um corpo, onde não importa se pé ou cabeça cada membro tem sua função para o funcionamento o todo. Durkheim não é a favor da exploração excessiva e a põe no rol dos comportamentos que causam anomia, compreendendo anomia como desarmonia social, provocada pela ação em desarmonia com a ordem social vigente, logo se um patrão explora em demasiado seu empregado há desarmonia, logo a questão da exploração fica reduzida apenas como um comportamento não apropriado, não há luta de classes. Já a perspectiva marxista não vê que a escola possa ser considerada transformadora, primeiro por não acreditar que a diferença social, ou que a divisão entre aqueles que trabalham e produzem a riqueza e aqueles que se apropriam do trabalho alheio seja natural, nem mesmo resultado de uma lei da natureza, mas sim uma construção social e cabe destacar que o próprio Marx não se preocupou com o tema educação ou escola ou simplesmente o seculariza por não acreditar que a escola possa romper por si só o abismo entre as classes, entre exploradores e explorados que tem sua gênese na divisão do trabalho, na propriedade privada, ou em outras palavras, na base material, que em última análise determina as relações e a existência humana. Já que, para Marx e Engels, a superação do capital não poderia ser enfrentada por um único elemento, eles não colocaram o centro da transformação da sociedade na educação escolar. Para eles, em primeiro lugar, deveria ocorrer um ataque à propriedade privada, apenas depois disso é que, em conjunto com outras medidas tomadas pelos revolucionários, se realiza a educação comunista, cuja a preocupação primordial seria buscar a íntima relação entre ensino escolar e trabalho. Assim, a escola antes não assumiria a tarefa prévia de criar a consciência revolucionaria no proletariado (FAVORETO, 2008, p. 39). Para compreender as razões que a escola não pode para Marx assumir este papel tomamos das ideias de Louis Althusser, que toma um conceito criado por Marx o aprofundando, que é o conceito de infraestrutura e superestrutura, antes de avançarmos por esta linha é importante compreender que embora Marx compreenda o trabalho humano como transformador da natureza, pois ao lhe dar com os elementos da natureza o homem transforma não só a natureza, assim como a si próprio, no entanto, a forma que este trabalho é apropriado muda nos diferentes períodos históricos e quando surge a apropriação do excedentes e a propriedade privada, o trabalho humano que produz toda riqueza passa a ser apropriado por uma classe dominante, mas é preciso compreender que para esta classe dominante continue dominante ela cria meios para tal, entre eles destacamos o Estado, que conforme Lênin destaca ao citar Marx e Engels é a prova da existência de antagonismos de classe, isto é, o Estado serve como um aparelho para a perpetuação tanto dos interesses da classe dos dominantes ou daqueles que se apropriaram dos meios de produção e exploram a força de trabalho da classe trabalhadora para enriquecerem, no entanto, não basta haver um modelo produtivo que garanta os interesses da classe dominante, é preciso fazer que este modelo se reproduza. Althusser diz ao citar Marx, que até uma criança sabe que se uma formação social não reproduz suas condições de produção a mesma tente a desaparecer (ALTHUSSER, 1983, p.53). Aqui surge entre outros aparelhos ideológicos a escola burguesa. Se Durkheim via que a escola assumia o papel que a Igreja tinha na Idade Média para coesão social, Althusser vê na escola a forma que o modelo produtivo vigente, isto é, a base econômica tem de se reproduzir e este local é hoje, dentre outros, cada vez mais a escola. Ora, vejamos, como se dá na está reprodução (diversificada no regime capitalista? Ao contrário do que ocorria nas formações sociais escravistas e servis, esta reprodução da qualificação da força de trabalho se dar-se não mais no local do trabalho, porém, cada vez mais, fora da produção, através do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições (ALTHUSSER, 1983. p. 57). No entanto, se a escola pode sim elevar o nível de conhecimento de seus alunos, primeiro, há uma escola para o trabalhador e outra para o burguês e mesmo entre os trabalhadores, há uma escola voltada para a formação de quadros para a administração, uma para a formação de profissionais liberais, outra para técnicos, ponto levantado tanto por Durkheim, como por Gramsci, logo a escola não é única e tem como função para Althusser ensinar o “know-how”, o ensinar a fazer, o reproduzir o trabalho, porém ela tem outra função, que é a de aprender as regras, o bom comportamento, que aqui podemos comparar com a base de conhecimento comum disseminado pela escola ao qual já falava Durkheim, que tinha como função dar coesão a sociedade, no entanto, cabe destacar que se esta ordem não é natural, mas socialmente construída com base na dominação e a escola tem tido como papel naturalizar esta ordem construída com base na dominação. Ora, o que se aprende na escola na escola? É possível chegar a um ponto mais ou menos avançado nos estudos, porém de qualquer maneira aprende-se a ler, escrever e contar, algumas técnicas, e outras coisas também, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou ao contrário aprofundados) de “cultura científica” ou “literária” diretamente utilizáveis nos diferentes postos da produção (uma instrução para os operários, outra para os técnicos, uma terceira para engenheiros, uma última para quadros superiores, etc....). Aprende-se o “know-how”. Porém, ao mesmo tempo com, e junto com estas técnicas e conhecimentos, aprende-se na escola as ‘regras” do bom comportamento, isto é, as conveniências que devem ser observadas por todo o agente da divisão do trabalho conforme o posto que ele esteja “destinado” a ocupar; as da moral e da consciência cívica e profissional, o que na realidade são regras de respeito à divisão sócio técnica do trabalho e, em definitivo, regras da ordem estabelecida da dominação de classe” (Id; Idem; p. 58) Aqui podemos observar, que Althusser, como marxista que é, não atribui à educação um papel libertador, pelo contrário, ele acredita que a escola burguesa não passa de um instrumento de conservação da ordem estabelecida que tem relação com a base material, que em última análise, dentro da visão marxista é o que determina a existência humana, nesta mesma perspectiva Antonio Gramsci compreende a escola, ele diz que a escola está a serviço da ordem vigente e tem o papel de criar intelectuais para esta ordem. Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito etc. (GRASCI, 2004, p. 15) Se criou um estado, onde o trabalhador não é aquele que pensa, o trabalho de pensar não é atribuído ao trabalhador braçal, no entanto, não é bem assim, na realidade Gramsci compreende que se existe esta divisão, que fica exposta na reforma Gentile na Itália, que cria uma escola técnica apenas para reproduzir a mão de obra e para as classes dominantes o ensino universitário. E hoje, mesmo que as classes populares tenham acesso ao ensino superior, primeiro destaca-se que isso é resultado da luta, e segundo, as carreiras que os filhos dos trabalhadores tem acesso, geralmente são os cursos de menor prestigio e mesmo com os programas que buscam a democratização do acesso a cursos, como, por exemplo medicina, há grande resistência na aceitação destes alunos, muito porque no imaginário social que é fruto da divisão do trabalho, o trabalhador não pode ser o intelectual. Quais são os limites “máximos” da acepção de “intelectual”? É possível encontrar um critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades intelectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modo essencial das atividades dos outros agrupamentos sociais? O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, consiste em se ter buscado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, em vez de buscá-lo no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram, no conjunto geral das relações sociais. Na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por exercer este trabalho em determinadas condições e em determinadas relações sociais (sem falar no fato de que não existe trabalho puramente físico [...] Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então: mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais (Id; Idem; p. 18). A escola é o lugar da formação de intelectuais para a reprodução da ordem vigente, não é uma escola democrática a fim de superar a divisão entre trabalho intelectual ou mesmo transformar todos os trabalhadores braçais em trabalhadores que sejam intelectuais, é a condição econômica que determina qual o nível de conhecimento que uma pessoa de modo geral pode alcançar. Deve-se notar que a elaboração das camadas intelectuais na realidade concreta não ocorre em um terreno democrático abstrato, mas de acordo com processos históricos tradicionais muito concretos. Formaram-se camadas que, tradicionalmente “produzem” intelectuais; trata-se das mesmas camadas que, muito frequentemente, especializaram-se na “poupança”, isto é, a pequena e média burguesia fundiária e alguns estratos da pequena e média burguesia das cidades. A diversa distribuição dos diversos tipos de escolas (clássicas e profissionais) no território “econômico” e as diversas aspirações das várias categorias destas camadas determinam ou dão forma à produção dos diversos ramos de especialização intelectual (Id; Idem; p. 20). Se a escola é este lugar de dominação e de reprodução da ordem vigente, precisamos recordar de dois espaços, um é o espaço do público estatal e outro é o espaço da sociedade civil, que também pode representar os interesses da classe dominante, mas paradoxalmente é dentro do espaço da escola civil que Gramsci enxerga a possibilidade de uma escola que possa formar o intelectual que é da classe trabalhadora e ao mesmo tempo está a serviço da classe trabalhadora. Para a realização da hegemonia a classe dominante recorre a instituições privadas, dentre elas a escola, uma vez que este exercício permite a dominação das consciências – um momento indispensável para se estabelecer uma relação de dominação. No entanto, também abre a possibilidade da classe oprimida criar e consolidar uma contra hegemonia, uma vez que a sociedade civil é o lugar da circulação livre de ideologias. A hegemonia, portanto, implica uma passagem do momento ético-político (ou egoísta e economicista) para o ético-político universal, onde se supera os interesses meramente econômico-coorporativos, momento que Gramsci denomina por cartase, a qual configura o momento de uma relação hegemônica [...]Neste contexto, Gramsci compreende que a construção de uma educação emancipatória depende da corrosão do bloco histórico dominante. Deste modo, Gramsci não se limita à crítica da sociedade existente, mas também oferece instrumentos para se pensar e realizar, com o auxílio da escola e das demais instituições da sociedade civil, uma nova estrutura social (CASTRO e RIOS, 2007 p.226). Aqui destacamos que a possibilidade de dar um papel transformador para Gramsci existe, mas não na escola do Estado, a escola pública, mas é no sindicato, ou na sociedade civil que a escola pode assumir um papel contra hegemônico, por estar a serviço da classe trabalhadora. A EDUCAÇÃO PARA O MST Se a educação que assuma um papel libertador e não engessado pela ordem econômica vigente, mas que possa ir além da mesma, que assim como Gramsci diz, é uma possibilidade que surge como possibilidade dentro da sociedade civil e dirigida pela classe, assim se põe a luta pela educação dos trabalhadores sem-terra do MST, que luta por educação pública como direito e ao mesmo tempo dever do Estado e pode parecer que lutar por educação pública seja algo contraditório, se tomarmos o papel atribuído à escola púbica tanto por Althusser como por Gramsci, no entanto, o movimento ao lutar por educação pública, não está lutando por qualquer educação pública e sim uma educação que possa transcender a educação reprodutora, a educação como mero instrumento reprodutor da ordem social capitalista, não que esta escola não esteja submetida a ela, pois dentro da ordem capitalista totalizante que vivemos, ainda não nos é dada condições objetivas de escapar da totalidade das reações capitalistas de produção, uma vez que precisamos para sobreviver e para tal precisamos nos submeter a esta ordem, mas que isso, nossa forma de ver o mundo está impregnada da lógica capitalista, mas temos sim a possibilidade de criar uma nova direção que tem relação com os interesses dos trabalhadores, sendo assim, uma perspectiva contra hegemônica, só é possível fazer isso através da luta e o movimento se torna protagonista do modelo de educação que quer. A velha escola do campo não contradiz a concentração da terra, pelo contrário, prepara o camponês para deixar o campo, inclusive ao não valorizar seu cultura, porém mais que isso ao não problematizar a concentração da terra ao contrário, dentro de um modelo onde a moral da propriedade da terra não pode ser questionada, muito menos a sua concentração na mão de poucos, esta escola não cria a rebeldia necessária para que o trabalhador entenda que é e que produz riqueza pelo seu trabalho, sendo assim, ele tem direito a usufruir do fruto do seu trabalho, ele tem direito à terra, tem direito a viver nela e como MARIÁTEGUI (2007) já destacava, os povos latino-americanos tem uma relação com a terra, com a produção coletiva, que esteve presente nas sociedades incaicas, mais também no Paraguai antes da guerra da tríplice aliança, quando apenas 1,6 nas terras estavam na mão de proprietários particulares, o restante eram terras públicas de uso coletivo, como destaca (VÁSQUEZ, 2008, p. 48) ao citar Pastore. É da terra que este trabalhador reproduz não só a sua existência, mas ele tem ligação com a mesma. O recorte que muitos consideram arbitrário entre educação, educação rural e educação do campo, surge primeiro, pois há um poder que é um direito dos movimentos sociais, direito este que é de se auto designar, de se auto reconhecer, pois quando assumem do nome pelo qual são designados pejorativamente sem terras, esta identidade ao qual, se constitui de duas palavras sem e terra que se tornam substantiva composta sem-terra, neste mesmo movimento estes trabalhadores têm o direito de ao lutar pela escola que querem também nomear esta educação rural que pela sua própria realidade objetiva já estava designada de rural e sem por isso deixou de ser educação do nome educação, ou da educação única e universal e da mesma forma quando se cria o termo educação do campo apenas localizando esta educação na sua especificidade ser uma educação construída pelos trabalhadores do campo; segundo por faz este recorte a partir de uma consciência de classe, isso é a partir das necessidades de classe, da forma de ver o mundo de classe, mas é preciso ter um certo cuidado, que ao meu ver o movimento tem desenvolvido, isto é, o risco de ao pensar um modelo especifico de educação, esquecerse que ele também é universal, que a escola tem o papel de trazer o conhecimento universal acumulado e mais que isso, ela também como já destacava Paulo Freire ao mesmo tempo que parte da realidade do indivíduo precisa superar esta realidade, precisa ir além da mesma. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo, e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isso não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados (FREIRE, 2004, p. 26). Os movimentos sociais que lutam por educação o fazem para não ser apenas receber de forma passiva o modelo de educação pronto, que inclusive vai contra seus interesses, pelo contrário, se põe como sujeitos ativos na construção de um modelo educativo contra hegemônico, isso não significa, que ao lutar por um modelo educativo com características próprias não estejam lutando pela educação universal, que é resultado da história universal e humana. Nossa proposta é pensar a educação do campo como processo de construção de um processo de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória da luta de suas organizações. Isto quer dizer que se trata de pensar a educação (política e pedagogicamente) desde os interesses sociais, políticos e culturais de um determinado grupo social; ou trata-se de pensar a educação (que é um processo universal) desde uma particularidade, ou seja, desse sujeitos concretos que se movimentam dentro de determinadas condições sociais de existência em um tempo histórico. A educação assume sua particularidade, que é o vínculo com sujeitos sociais concretos, e com um recorte especifico de classe, mas sem deixar de considerar a dimensão da universalidade antes, (durante e depois) ela é educação, formação de seres humanos. Ou seja, a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo, e mais amplamente, com a formação humana (CALDART, 2005, p. 18). Educação do campo jamais pode ser um debate corporativo, pois ela está inserida no debate geral da educação, pois não podemos discutir educação do campo sem discutir um sistema nacional de educação, assim como não é possível pensar um sistema nacional de educação sem pensar em educação do campo (CALDART, 2005, p. 18), no entanto, aqui se pretende ir além deste discurso, que ao meu ver deve ser superado e retomamos Gramsci, que compreende que está na sociedade civil a possibilidade de romper com a característica reprodutora da sociedade, característica esta que, segundo ele, apenas está a serviço da reprodução da força de trabalho nos moldes do sistema econômico vigente e que separa o intelectual do trabalhador manual, daí podemos concluir, que cabe ao sindicato formar para a educação universal ao mesmo tempo que luta, neste sentido o MST e outros movimentos que lutam pela terra, ao mesmo tempo que lutam por melhores condições de vida, estão lutando por uma educação contra hegemônica, estão formando o intelectual orgânico. CONCLUSÃO Não se pode tanto na perspectiva conservadora, considerando-a conservadora, por esta não reconhecer na sociedade a luta de classes, alguma possibilidade de transformação, pelo contrário, o próprio Durkheim (2012, p. 45) discorda da afirmação de James Mill que a educação seria um instrumento para levar o homem a felicidade, ele somente atribui à educação o papel de dar coesão social e de reproduzir o conhecimento acumulado pela humanidade, no entanto o próprio admite que a educação é diferente para os diversos seguimentos sociais, operários, trabalhadores técnicos e de nível superior. Embora Marx e Althusser partam da perspectiva de classes, onde há dominadores e dominados, e por compreender que a classe dominante dentro de um modelo onde a base material é capitalista e, no entanto, desigual não é possível que está escola burguesa seja transformadora pela mesma ser um instrumento de reprodução desde modo de produção, em outras palavras do status quo e é em Gramsci que aparece a escola e a educação na perspectiva transformadora, porém cabe destacar, que somente no espaço da sociedade civil, no espaço do sindicato, onde a educação pode sim ser usada para formar intelectuais da classe trabalhadora que possam agir em sentido diverso dos intelectuais a serviço da classe dominante e do sentido da escola burguesa que é a de reproduzir a ordem social vigente. É nesta perspectiva que quando a classe trabalhadora, aqui especificamente cita-se os trabalhadores sem-terra, que pressionam o Estado por uma escola que não tenha apenas o papel de reproduzir as reações de produção capitalistas, nem mesmo só por uma escola que tenha como papel ser o agente da coesão social, mas que tenha o papel de repassar o conhecimento acumeado pela humanidade, no entanto, a partir dos interesses de classe dos trabalhadores e não meramente dos interesses de reproduzir o status quo dando assim a educação uma perspectiva transformadora se e somente se esta educação anda junto com a luta dos trabalhadores. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelho ideológico do Estado. Rio de janeiro: Graal, 1983. CADART, Roseli. Elementos para a construção do Projeto Político-Pedagógico da Educação do Campo. In: Contribuições para a construção de um Projeto de Educação do Campo. Brasília: Articulação Nacional Por uma Educação do Campo, 2005. CASTRO e RIOS. Escola e Educação em Gramsci. 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