KAGAMI, M

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KAGAMI, M. A Estrutura das economias do Sudeste Asiático. FSP, 12-91998
A economia real e a financeira estão estreitamente inter-relacionadas. Representam os dois lados da mesma
moeda. Se um lado não funciona corretamente, o outro automaticamente falha. A economia real é a
produção de bens; a financeira se refere à moeda.
Na evolução do Sudeste Asiático, observa-se que as economias reais foram bem-sucedidas, mas houve
atraso no desenvolvimento paralelo das economias financeiras. A última crise monetária que afetou a
região foi consequência, em parte, do desequilíbrio entre as duas faces inter-relacionadas da economia, em
conjunto com a rápida globalização dos mercados financeiros nos últimos anos.
Ou seja, na industrialização do Sudeste Asiático destacou-se o crescimento dos setores de produtos
negociáveis, mas ele não foi acompanhado pelo desenvolvimento dos setores de serviços.
Houve um enorme crescimento de renda na região, devido ao sucesso das políticas de promoção de
exportações e à repercussão destas nos investimentos. O aproveitamento inteligente de investimento direto
externo estimulou o desenvolvimento das novas tecnologias e das modernas técnicas de administração no
Sudeste Asiático.
Com o aumento da demanda mundial por produtos industrializados, como eletroeletrônicos e automóveis,
esse processo consolidou parques industriais voltados à exportação. As economias voltadas para exportar,
ou para "tradables", fizeram da região a unidade econômica que mais crescia no mundo em
desenvolvimento.
No começo do crescimento econômico do Sudeste Asiático, o investimento foi financiado principalmente
pelo alto nível de poupança interna, com participação mínima de poupança externa. No entanto, a oferta de
poupança para investimentos foi se tornando insuficiente e se agravou nos anos 90 por causa da altíssima
taxa de investimento (muitas vezes, chegou a ser de 40% do PIB) exigida pelo supercrescimento das
economias.
Surgiram grandes déficits nas contas externas (equivalentes à insuficiência de poupança nacional para
investimentos) e foram destacados outros fatores negativos, principalmente fragilidades nas economias
financeiras. Isto é, não havia estruturas institucionais amadurecidas nos mercados financeiros e de valores.
Nos mercados de valores, devido ao nepotismo e à corrupção política, houve cada vez mais transações
ilegais, nas quais os interessados tiveram acesso a informações privilegiadas. Aumentaram os empréstimos
bancários e não-bancários, frequentemente sem as adequadas garantias. Não houve sistemas confiáveis de
monitoramento ou fiscalização das operações financeiras nem suficiente transparência de informações.
Nos mercados da região, inclusive no Japão, tornou-se comum a falta de transparência e de mecanismos
para apurar e cobrar responsabilidades -consequência da demora na abertura dos mercados e da falta de
competição.
Quanto aos produtos negociáveis, já existe, há muito tempo, um mercado mundial competitivo. Portanto, os
produtos do Sudeste Asiático se fizeram mais competitivos pelo aproveitamento de métodos eficientes de
produção e pelo rígido controle de qualidade.
Todas as empresas exportadoras implementaram campanhas de redução de custos. Houve comunicação
horizontal entre elas, enfocando informações técnicas e de custos. Contudo, no setor bancário, a história foi
bastante diferente. Houve protecionismo para o mercado interno, dirigido contra a competição externa.
Já no que se refere aos produtos não-negociáveis, os governos do Sudeste Asiático regularam e controlaram
o setor. Hong Kong e Cingapura foram exceções, com uma longa tradição de zonas francas. A recente
abertura no setor de serviços, com a globalização do setor financeiro, impulsionada pelos países avançados
(ou pela OMC), levou à reforma do antigo regime do setor. Entretanto, a reforma excessivamente rápida e o
repentino fluxo de entradas e saídas de recursos externos ajudaram a desencadear a turbulência monetária.
Em cada país, o desenvolvimento do setor financeiro e o mercado de valores espelham a história e a
tradição nacional. No caso do Japão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o setor bancário vem
sendo protegido pelo Ministério das Finanças. A política fundamental era a de evitar a liquidação dos
grandes bancos. Assim, nas questões de política financeira há tratamento igual para todos -o chamado
sistema de comboio.
Não houve transparência de informações para o público em relação à verdadeira situação financeira dos
bancos, nem entre os próprios bancos e o Ministério das Finanças. Esse sistema teve como consequência o
desenvolvimento de uma relação fechada entre as partes que fomentou práticas antiéticas (por exemplo, os
bancos oferecem cargos aos burocratas aposentados do ministério).
As operações de bancos estrangeiros no Japão não foram permitidas durante muito tempo. O
desenvolvimento desse mercado foi bastante distorcido. O crédito bancário foi garantido pela propriedade
imobiliária, não pelo potencial ou pelo rendimento das empresas. Com a queda dos preços imobiliários e o
colapso da bolha econômica nos primeiros anos 90, os bancos encararam um acúmulo de dívidas podres.
As finanças das grandes empresas tornaram-se dependentes de um nível excessivamente alto de
financiamento. Os mercados de valores ficaram subdesenvolvidos, e não se deu atenção para o
financiamento direto. Um fator importante que freou o desenvolvimento de um mercado de acionistas
individuais foi grandes grupos empresariais e banqueiros terem feito acordos para deter blocos de ações uns
dos outros.
Ainda hoje, do total de aproximadamente US$ 8,9 trilhões dos ativos financeiros pessoais, a maior parte
(53%) são depósitos ou contas de poupanças. Somente 12% desses ativos são valores mobiliários. Essa
baixa porcentagem de ativos circulando no mercado de valores indica o baixo nível de desenvolvimento do
mercado de capitais e do mercado de ações/investimentos.
Nos EUA, por exemplo, as proporções são inversas: os valores representam 54% e os depósitos/contas de
poupança são 12% do total. A vindoura reforma financeira, o chamado "big bang", objetiva a liberalização
do setor, visando corrigir as distorções nos mercados financeiros japoneses.
Todos os países do Sudeste Asiático, excetuando Hong Kong e Cingapura, apresentam uma situação quase
idêntica no que diz respeito aos mercados bancários e bursáteis. Esses mercados financeiros
subdesenvolvidos não são capazes de enfrentar a globalização acelerada e a integração ao sistema
financeiro mundial.
Hoje, o comércio de divisas alcança US$ 1,2 trilhão diariamente, ao mesmo tempo que os fundos de
"hedge" (proteção contra flutuação cambial) chegam ao total mirabolante de US$ 400 bilhões (quatro vezes
o tamanho do PIB da Malásia). Nenhum país em desenvolvimento é capaz de fugir da turbulência no
mercado, gerada pelos deslocamentos repentinos desses fluxos de capital.
A industrialização é necessária para os países em desenvolvimento. Seu principal objetivo é elevar o valor
agregado dos principais produtos. São importantíssimos o desenvolvimento tecnológico e a qualificação de
mão-de-obra nacional. Mas são também fundamentais o desenvolvimento sistemático e equilibrado de
instituições e estruturas econômicas e sociais, principalmente a construção de mercados financeiros e de
valores mobiliários, além dos de consumo e produção.
Além disso, a globalização das finanças avançou muito mais que o amadurecimento das finanças nacionais
nos países em desenvolvimento. Portanto, são necessários mecanismos de ajuste, principalmente para
sistemas bursáteis e para mercados com fluxos de capital de curto prazo.
Quem é MITSUHIRO KAGAMI economista japonês, 54 anos, diretor do Institute of Developing
Economies do Japão. Trabalhou na Cepal (Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e
Caribe) de 1982 a 1986 e no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 1991 a 1993.
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