1 DESAFIOS DA ENFERMAGEM NA ASSISTENCIA HUMANIZADA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA Iolanda Gonçalves de Alencar Figueiredo1 Douglas Ferrari2 1. Introdução A hospitalização é um evento estressante tanto para o cliente quanto para os familiares sendo esta caracterizada como uma situação tensa, fisiológica e/ou psicológica, podendo afetar as pessoas em todas as suas dimensões. No caso do processo de internamento na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pode haver a emergência de uma série de sinais e sintomas de desestabilização físico-emocional. Os fatores para que isso aconteça são muitos, podendo ser citados o afastamento temporário entre eles, o risco de vida, a incerteza quanto ao tratamento e recuperação, o imaginário que ronda o sucesso e o fracasso das tentativas, bem como as limitações na prestação de suporte psicossocial (LEMOS, 2002). O cuidado de enfermagem é o ponto chave da hospitalização, uma vez que permite estabelecer intervenções terapêuticas centradas no paciente/família e, dessa forma, torna-se possível o aprimoramento de uma relação interpessoal enfermeiro/paciente/família. Apesar do grande esforço que os enfermeiros possam estar realizando no sentido de humanizar o cuidado em UTI, esta é uma tarefa difícil, pois demanda atitudes às vezes individuais contra todo um sistema tecnológico dominante. A própria dinâmica de uma UTI não possibilita momentos de reflexão para que seu pessoal possa se orientar melhor, no entanto compete a este profissional lançar mão de estratégias que viabilizem a humanização em detrimento a visão mecânica e biologicista que impera nesses setores de assistência. A humanização representa um conjunto de iniciativas que visa à produção de cuidados em saúde capaz de conciliar a melhor tecnologia disponível com promoção de acolhimento e respeito ético e cultural ao paciente, de espaços de trabalhos favoráveis ao bom exercício técnico e à satisfação dos profissionais de saúde e usuários. Considerando-se tais desafios, torna-se fecundo repensar as ações da enfermagem neste âmbito, visando à humanização da assistência em UTI. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 2 Partindo desse princípio, esse trabalho se propôs a realizar uma busca na literatura científica especializada para identificar as dificuldades e desafios enfrentados pela enfermagem para a assistir de forma humanizada em unidades de terapia intensiva. 2. Metodologia Estudo descritivo e exploratório, de natureza bibliográfica, desenvolvido com base em um exame minucioso da literatura científica especializada publicada. A revisão integrativa da literatura trata-se de uma metodologia que proporciona a síntese do conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática (SILVEIRA, 2005). Este método constitui basicamente um instrumento da Prática Baseada em Evidências (PBE), envolvendo a definição do problema clínico, a identificação das informações necessárias, a condução da busca de estudos na literatura e sua avaliação crítica (GALVÃO, SAWADA e TREVIZAN, 2004). Para a construção deste tipo de revisão é necessário percorrer seis passos: a) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa; b) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos; c) categorização dos estudos; d) avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; e) interpretação dos resultados; e f) síntese do conhecimento (MENDES, SILVEIRA e GALVÃO, 2008). A partir da escolha do método, definiu-se como questão norteadora: que desafios a enfermagem enfrenta para assistiria de forma humanizada na unidade de terapia intensiva? A busca dos artigos foi feita na base eletrônica de referências considerada de ampla abrangência e que inclui os principais periódicos nacionais de Enfermagem. Os critérios adotados para a inclusão dos artigos foram: estudos com humanos, publicado nos últimos dez anos (2002 a 2011) em periódicos científicos indexados (livros e artigos) na base de dados BIREME – MEDLINE, SCIELO E LILACS no idioma português; e que tratassem dos desafios da enfermagem na assistência humanizada em unidade de terapia intensiva - UTI. A coleta de dados foi iniciada pela leitura de todos os 110 títulos e resumos dos artigos resultantes da busca, para identificar o tema abordado. Nessa primeira etapa foi feita uma seleção prévia dos artigos cujos títulos e/ou resumos foram julgados pertinentes. Na etapa posterior, esses artigos foram obtidos e lidos na íntegra para verificar se continham resposta para a pergunta norteadora desse estudo e se atendiam aos critérios de inclusão adotados. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 3 Todas as publicações incluídas foram submetidas a novas leituras para o preenchimento de um instrumento especificamente construído para esse fim, contendo os seguintes itens: temas abordados, periódico, ano de publicação, objetivos. Os resultados foram apresentados de maneira descritiva e analisados quantiqualitativamente. Foi montado um quadro sinóptico para melhor visualização dos artigos discutindo sua relação com o tema, tipo de estudo e ano de publicação. 3- Resultados Dos 100 artigos encontrados na busca, 78 foram excluídos após a leitura dos resumos pelos seguintes motivos: estudos realizados em UTI pediátrica e neonatal (29), não abordavam desafios da enfermagem (38), estudos com intervenções em ambientes externos à UTI (8), trabalhos que não contemplavam intervenções com familiares (5). Na segunda triagem, foram lidos 30 textos completos, dos quais apenas 22 foram considerados adequados aos objetivos do estudo e incluídos na revisão. Gráfico 1 - Distribuição do número de artigos por revista. Picos PI, 2012 Gráfico 2 - Distribuição do número de artigos por tema abordado. Picos PI, 2012 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 4 Gráfico 3 - Distribuição do número de artigos por ano de publicação. Picos PI, 2012 Gráfico 4 - Distribuição dos artigos por tipo de estudo. Picos PI, 2012 No Gráfico 1, que mostra os artigos selecionados para o estudo Entre as publicações incluídas, todas são nacionais conduzidas nas várias regiões do país. Dos vinte e dois trabalhos incluídos no estudo, vinte foram publicados em periódicos de enfermagem e dois em revistas não específicas de enfermagem, mas em periódicos especializados em cuidados críticos ou intensivos. Os vinte e dois artigos tiveram como objetivo, em comum, avaliar os desafios da assistência humanizada em unidades de terapia e do cuidado de enfermagem realizado com pacientes de UTI e seus familiares. Quanto ao tipo de estudo dos artigos selecionados onze eram de abordagem qualitativa, um quantitativo, dois estudos de caso, dois etnográfico, quatro de revisão e dois sobre forma de relatos de experiência. No que tange à temática proposta pelos objetivos dos artigos selecionados observamos que oito deles apresentam a tecnologia como sendo um dos fatores de maior desafio a ser superados quando relacionamos assistência humanizada e terapia intensiva, por outro lado a comunicação estabelecida tento entre os profissionais e usuários quanto como aos familiares 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 5 destes usuários também são apontados como deflagradores de ações desumanizantes da equipe de enfermagem além disso merece destaque também o próprio cuidado dispensado pela enfermagem,a formação, qualificação, experiência e relação equipe paciente-família são pontuados como merecedores de atenção e cuidado. 4. Discussão 4.1 Contextualizando os desafios do cuidado de enfermagem na Unidade de Terapia Intensiva O aspecto humano do cuidado de enfermagem, com certeza, é um dos mais difíceis de serem implementados. A rotina diária e complexa que envolve o ambiente da Unidade de Terapia Intensiva faz com que os membros da equipe de enfermagem, na maioria das vezes, esqueçam-se de tocar, conversar e ouvir o ser humano que está à sua frente. Embora se observe um grande esforço dos enfermeiros em humanizar o cuidado em UTI, esta é uma tarefa difícil, pois demanda atitudes, às vezes individuais, contra todo um sistema tecnológico dominante. A própria dinâmica de uma UTI não possibilita momentos de reflexão para que seu pessoal possa se orientar melhor. Vale ressaltar que apesar destes profissionais estarem envolvidos na prestação de cuidados diretos ao paciente, em muitos momentos existe uma sobrecarga das atividades administrativas em detrimento das atividades assistências e de ensino. Essa realidade vivenciada pela enfermagem vem segundo Galvão, Trevizan e Sawada (2008) ao encontro da literatura quando se analisa a função administrativa do enfermeiro no contexto hospitalar e aborda se que este profissional "tem se limitado a solucionar problemas de outros profissionais e a atender às expectativas da instituição hospitalar, relegando a plano secundário a concretização dos objetivos do seu próprio serviço”. Nesse pensar, o processo de humanização no trabalho da enfermagem é uma questão a ser refletida, pois a maioria dos profissionais enfrenta situações difíceis em seu ambiente de trabalho, além das já mencionadas, vale acrescentar as baixas remunerações, a pouca valorização da profissão e o descaso frente aos problemas identificados pela equipe, especialmente quanto ao distanciamento entre o trabalho prescritivo, o preestabelecido institucionalmente e aquele realmente executado junto ao cliente e tudo isso converge para uma assistência fria e desumana inevitavelmente. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 6 Nascimento e Caetano (2007) ressalva que humanizar a assistência em terapia intensiva é transformar este ambiente marcado historicamente como sendo um ambiente frio, hostil, melancólico, repleto de máquinas e aparelhos, em um ambiente harmonioso. Deste modo, falar em humanização dos serviços, como um direito do paciente, torna-se um desafio, uma busca de novos valores, principalmente em uma UTI. Assim, com vistas à valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores e, visando uma mudança neste panorama, o Ministério da Saúde criou, em 2001, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), com simples objetivo de humanizar a assistência prestada aos pacientes atendidos em hospitais públicos. Em 2003, torna-se uma Política Nacional de Humanização, ou Humaniza-SUS, abrangendo a saúde como um todo. Para Oliveira (2006) A humanização do ambiente de trabalho é um subproduto da necessidade de incorporar o amor nas relações profissionais e interpessoais; é a administração dos ressentimentos. Entendida, ainda, como a capacidade de se colocar no lugar do outro, a equipe passa a cuidar o cliente com respeito e dignidade numa medida que vise, sobretudo, tornar efetiva a assistência ao indivíduo criticamente doente, considerando-o como um ser biopsicossocioespiritual. Entretanto, observando o contexto real da terapia intensiva podemos perceber claramente a dicotomia existente entre a teoria e prática. Vila e Rossi defendem que, apesar de conceituarem o cuidado humanizado como respeito, amor, carinho, mantendo o diálogo, dando atenção à família, ainda é bastante visível atitudes, comportamentos e condutas que caracterizaram a UTI como um ambiente mecânico e desumano com o paciente, a família e a própria equipe de enfermagem. Apresenta-se no contexto do trabalho na Unidade de Terapia Intensiva uma série de nuances, concordâncias e contradições que se referem ao sistema cultural da prática do cuidar em enfermagem. A estruturação de Unidades de Terapia Intensiva cada vez mais sofisticada e burocratizada é inevitavelmente despersonalizante. Pacientes estão à mercê de estranhos cujas funções e papéis desconhecem, de máquinas, de aparelhos de testes e rotinas totalmente desconectadas dos seus hábitos. O cliente torna-se somente um paciente a mais, outra patologia, outro tratamento, outro prontuário, ele é solicitado a descartar sua identidade e tornar-se um paciente (BARRA, 2005). Para Bastos (2002) existe uma enorme contradição entre o que é falado com o que é vivido. No contexto real, transparecem as raízes de um cuidado despersonalizado, centrado na 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 7 execução de tarefas e agressivo com o paciente, a família e a equipe multiprofissional com a prevalência das ações curativas, voltadas para a valorização das tecnologias. Assim o objeto da enfermagem estava mais centrado na tarefa a ser executada do que com paciente. Vila e Rossi (2002) ainda afirmam que o estresse e o cansaço causados pela sobrecarga de trabalho que envolve o ambiente da UTI é bastante instável, com dias tranquilos, mas também, dias agitados, com paciente graves, que exigem atenção e cuidado rigorosos de toda a equipe. O que se observa nessa afirmação dos autores é que a equipe de enfermagem está, provavelmente, mais exposta a um nível de estresse que qualquer outra do hospital, porque deve lidar não somente com a assistência a seus pacientes e familiares, mas também com suas próprias emoções e conflitos. A UTI é uma unidade geradora de estresse, sendo as principais manifestações apresentadas pela equipe à fadiga física e emocional, tensão e ansiedade. 4.2 O desafio de humanizar com tecnologia Outro grande desafio, se não o maior, a ser superado na UTI é a grande diversidade tecnológica utilizada pela enfermagem na assistência ao paciente. Esses recursos, ao passo em que auxilia na manutenção da vida é uma realidade que ao mesmo tempo encanta e assusta. Não obstante, apresenta aos profissionais que lidam com ela constantes desafios e questões, exigindo-lhes profundas e constantes reflexões acerca da sua aplicabilidade no cuidado. A apropriação de tecnologias, em particular aquelas entendidas como duras, é considerada por Silva, Porto e Figueiredo (2008) como fundamental para cuidar e assistir, pois elas contribuem sobremaneira na ampliação da capacidade natural de sentir, embora exija da enfermagem um alto grau de qualificação profissional. De acordo com Nascimento (2008) tais equipamentos tecnológicos favorecem o atendimento imediato, possibilitando segurança para toda a equipe da UTI. Porém, em contrapartida, podem contribuir para tornar as relações humanas mais distantes, fazendo com que o cliente se sinta abandonado, levantando a premissa de que talvez saibamos mais sobre a máquina e pouco sobre o cliente que estamos cuidando, tratando-o às vezes como objeto das determinações ou do cuidado. Nesse sentido, acredita-se que a dimensão desumanizante da ciência e tecnologia se dá, portanto, na medida em que se fica reduzido a objetos da própria técnica e objetos despersonalizados de uma investigação que se propõe fria e objetiva. O saber técnico supõe saber qual é o bem de seu paciente, independentemente de sua opinião. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 8 Para Figueiredo (2008) cuidar de máquinas não é um discurso teórico-prático tão absurdo, pois se ela em muitos casos mantém o cliente vivo, isso só é possível porque direta ou indiretamente cuidamos delas também. Programar as máquinas bem como ajustar seus parâmetros e alarmes e supervisionar seu funcionamento são para nós exemplos de cuidados para com elas e com os clientes que delas se beneficiam. No entanto, ao fazermos isso, lançamos mão de conhecimentos técnicos e racionais que fundamentam nossas ações no trato com as máquinas, contribuindo para que essas ações sejam interpretadas como práticas desumanas, principalmente quando estes cuidados provocam no corpo do cliente sinais de dor, sofrimento e desconforto. Assim, vale destacar que precisamos entender que os conceitos de cuidado de enfermagem e as definições que interessam para a profissão são dinâmicos e deverão variar de acordo com o contexto, com o movimento do mundo e, consequentemente, com as reconfigurações do humano. Portanto, o que se opõe ao cuidado é o descuidado, e isso de fato poderá estar ocorrendo e equivocadamente sendo denominada desumanização. Para Meyer (2005) a tecnologia é entendida como um fator desumanizante tanto para as pessoas que a manipulam quanto para as que se utilizam dela. Isso ocorre, pois a luta contra a morte faz com que a máquina seja confundida com o paciente e este seja tratado de forma mecânica. Acredita-se que essa luta não deve despersonalizar ou mecanizar o atendimento hospitalar, pois o paciente deve manter-se prioridade nessa nova estrutura. As UTI’s, por excelência, apresentam algumas características peculiares como a de ser um ambiente permeado de tecnologia de última geração, situações iminentes de emergência e necessidades de agilidade e habilidade no atendimento ao cliente onde muitas vezes o cuidado humanizado foge às necessidades intensivas. Para Casate (2005) a tecnologia pode e deve ser compreendida de forma ampliada: a tecnologia representada por máquinas e aparelhos (tecnologia dura), a tecnologia que engloba o saber profissional que pode ser estrutura e protocolizado (tecnologia leve-dura) e a tecnologia leve que se refere à cumplicidade, à responsabilização e ao vínculo manifestado na relação entre usuário e trabalhador de saúde. Assim, se considerarmos as tecnologias leve-dura, estas não podem ser enxergadas como desumanizante uma vez que envolvem o saber e o fazer. Nesse sentido produzir tecnologia é buscar a produção de “coisas” que podem ser materiais como produtos simbólicos que satisfaçam necessidades salientando assim conhecimento para o desenvolvimento de tais facilidades. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 9 Em virtude da complexidade do cuidado na terapia intensiva, pela presença desses recursos tecnológicos cada vez mais avançados, os enfermeiros precisam de um desempenho técnico e científico com maior atenção. Então, a experiência orienta o modo de cuidar da enfermagem, de tal modo que a qualidade do cuidado se relaciona com a experiência da enfermagem e suas impressões adquiridas a partir da experiência profissional (SILVA, 2009). 4.3 Superando as dificuldades da relação paciente-profissional-família Para Leite (2007) cuidar em terapia intensiva, representa muitas vezes lidar com a morte, com a família, com a falta de recursos materiais e com a dificuldade para se trabalhar em equipe. Esses fatores são encarados como desafios no processo do cuidado de enfermagem. A equipe de enfermagem, em sua prática, lida constantemente com as perdas alheias, portanto é necessário aprender a superá-las ou desenvolver mecanismos de adaptação, fortalecendo-se como pessoa para, dessa forma, apoiar os pacientes e familiares nos momentos de suas perdas. Para Leite (2007) a atenção dispensada à família na UTI é outro fator que precisa ser superado. A enfermagem, muitas vezes, fica alheia às condições emocionais dos familiares. Isso pode ser percebido, por exemplo, quando os visitantes entram na UTI, recebem a ordem para lavar as mãos, mas não é explicado a eles que esse procedimento permitir-lhes-á tocar o paciente, sem risco de contaminá-lo, além disso, não se informa previamente o estado do paciente aos familiares, os quais, normalmente, não estão preparados para ver o doente sedado e com tantos equipamentos. Consequentemente, os familiares, ao entrarem, ficam chocados com o cenário e saem desesperados e chorosos, sem receber, muitas vezes, uma explicação ou um consolo por parte da equipe multiprofissional. Outra situação que nos chama a atenção na unidade de terapia intensiva e que necessita de reavaliação refere-se à inflexibilidade das normas e rotinas relacionadas com o horário de visitas além. (GOES, 2005). Não é suficiente permitir a entrada da família na UTI. É necessário prepará-la e acompanhá-la durante a visita, identificando e esclarecendo suas dúvidas, observando as reações e comportamentos e, especialmente, compreendendo seus sentimentos. Os profissionais, em particular a enfermagem, precisa reconhecer que, nesse momento, a família também está ansiosa e sente-se isolada, com medo da morte e sem controle da situação. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 10 Outro importante aspecto apontado por Goes e Deslane (2005) foi a dificuldade para se trabalhar em equipe. Saber o que esperam do nosso trabalho é algo que diminui a ansiedade. Dessa forma, dizer o que esperamos de cada um da equipe, encorajar o profissional a ser responsável pelos próprios atos e deixar claro o impacto que esse trabalho tem para a equipe como um todo é essencial para uma assistência de qualidade. 4.4 A Comunicação como Instrumento de Humanização A comunicação é estratégia básica para a humanização da assistência, que consiste em perceber cada ser humano como um indivíduo único, com necessidades específicas, otimizando o exercício de sua autonomia, facilitando a interação entre eles por meio de diálogo aberto entre quem cuida e quem é cuidado. Para que as interações possam ser adequadas e produtivas, a enfermagem deve lembrar-se que a comunicação envolve a linguagem verbal e não verbal, ou seja, que essa se processa além das palavras, através de gestos, expressões faciais, movimentos do corpo, distâncias mantidas entre as pessoas, por exemplo. Os aspectos verbais considerados importantes para uma comunicação efetiva entre equipe, família e paciente são representados segundo Marque, Silva e Mais (2008) pelo vocabulário acessível, onde as informações precisam ser dadas constantemente, inclusive pela equipe de Enfermagem, que é a que permanece mais tempo ao lado do paciente, e que haja um diálogo receptivo. Já os aspectos não-verbais citados como adequados e importantes para a comunicação efetiva na postura da equipe não foram descrição de gestos, expressões faciais, posturas corporais, mas conceitos que são expressos através de uma comunicação não-verbal pertinente: como respeito, a educação, a atenção e a empatia. Hudak & Gallo (2002), defendem que através do toque de uma forma expressiva, genuína e sincera, os enfermeiros podem claramente transmitir cuidados e apoio aos clientes e às suas famílias. E que através da compreensão do poder do toque em interações, os enfermeiros podem inseri-lo com sucesso em suas assistências e desenvolver suas próprias habilidades, incluindo-o em processos de comunicação. Assim, a enfermagem necessita criar estratégias de comunicação para atender às necessidades de familiares estressados com a súbita e inesperada internação de seu familiar, pois se sabe que em situações de estresse a capacidade de absorver as informações fica reduzida. Estudos mostram que horários rígidos para a permanência da família, na unidade de internação, com limitado espaço físico e indisponibilidade profissional para esclarecimento de 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 11 dúvidas dos parentes, falta de compartilhamento de sentimentos a respeito da situação em que a família se encontra e a insatisfação de necessidades emergentes, são algumas das barreiras encontradas na interação com a equipe. Para Gotardo (2005) certas intervenções, como deixar um familiar, 24 horas ao lado do paciente, não significam atender suas carências; pelo contrário, ter um familiar presente nessa situação com uma equipe de saúde mal preparada para atender às necessidades dos familiares, pode promover consequências adversas, tais como agressividade por parte dos familiares que não entendem o porquê dos procedimentos realizados e insegurança em relação aos profissionais. O preparo da equipe de enfermagem para receber esses familiares é de basilar importância, pois a rotina de seu trabalho, em muitas situações, tem se constituído em fonte de sofrimento psíquico, interferindo no modo como o profissional interage com os pacientes, os familiares e a própria equipe. O apoio à família muitas vezes é negligenciado pela enfermagem diante da falta de recursos e pela grande carga de trabalho tendenciando a direcionar seus cuidados somente para os pacientes, ignorando as necessidades das famílias, gerando insatisfação com a assistência, o que pode exacerbar o stress e impedir que a família desenvolva maneiras de ajudar o paciente (ARONE, 2007). Nesta perspectiva, esses indivíduos se tornam passiveis de toda uma equipe que, por despreparo, o tratam de forma impessoal e descompromissada sendo necessária a qualificação dos profissionais envolvidos no cuidado para a mudança deste cenário. A falta de informação e a incerteza da família quanto ao quadro clínico do paciente são causadores de ansiedade, apreensão e aflição que geram, dentro deles, o sentimento de falta de controle da situação. A maioria dos familiares prefere que a verdade a respeito do estado de saúde do paciente seja dita, mesmo que isso faça com que a esperança deles seja comprometida. Nesse momento, o acolhimento é percebido por eles como algo essencial, pois é através da confiança adquirida pela criação do vínculo estabelecido que a família sente-se segura ao deixar naquele ambiente, seu ente querido (SCHNEIDER et al., 2008). O relacionamento entre o profissional de enfermagem e a família deve ser um encontro de subjetividade do qual emergem novas compreensões e interpretações, contribuindo para o sucesso do tratamento e a superação da crise ocorrida durante a hospitalização. 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 12 O acolhimento é um método imprescindível para criar uma relação humanizada entre cuidador e quem é cuidado. Para conseguir um acolhimento efetivo da enfermagem, não deve focar apenas na doença, pois esse não é o objetivo, mas sim transcender os aspectos biológicos, culturais, socioeconômicos e éticos. Desta forma, respeita-se o direito que possuem mantendo sua autonomia, cidadania e direito de expressão (AMESTOY, 2006). Nesse pensar, a humanização do cuidado de enfermagem vai além das permissões dadas às visitas, incluindo também a detecção das necessidades dos familiares, após estabelecer uma relação de confiança e de ajuda. Essa interação enfermeiro/familiares facilita esse processo beneficiando também o paciente. Considerações Finais O estudo acena para a maior incidência da tecnologia e da comunicação como suportes essenciais para o cuidado, embora a tecnologia seja apontada por muito como fator de desumanização ela é necessária ao cuidado intensivo. O empenho dos profissionais de enfermagem em UTI para a humanização da assistência deve partir do autoconhecimento, quando ao se conhecer e perceber, o indivíduo será capaz de valorizar e intuir as necessidades essenciais do cliente. Deve saber lidar com seus limites, preconceitos, receios e com seu corpo, para interagir empaticamente com o cliente, família e comunidade. Neste estudo pudemos observar que o ambiente e as rotinas de visita foram indicados como menos geradores de estresse para essa população. Conhecer a população atendida e os fatores tidos como estressantes para os familiares pode facilitar as estratégias de humanização hospitalar, propiciando alternativas para reduzir os níveis de estresse e alterações psiquiátricas subsequentes. Ao analisar as necessidades dos familiares de pacientes internados na UTI, em relação à comunicação com a equipe de enfermagem, pode-se perceber que parte das famílias atendidas necessita de mais clareza de informações essenciais, relacionadas ao ambiente da UTI, mais tempo junto ao seu ente querido e apoio emocional, identificando a equipe de enfermagem como uma possível referência para lhe dar esse suporte, justamente por reconhecerem sua maior proximidade e permanência junto aos pacientes. Observa-se também que durante os horários de visita, fica claro para alguns autores que os familiares, quando são realmente acolhidos pela equipe, apesar do medo, da ansiedade 1 Enfermeira especialista em Saúde pública. Professora da Universidade Federal do Piauí. Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI 13 e da tristeza presentes em decorrência da própria situação de seu ente querido, demonstram satisfação e alegria pelo trabalho desempenhado, reconhecendo sua dificuldade e ficando gratos. A diversidade das máquinas é uma realidade que encanta e assusta ao mesmo tempo e que apresenta constantes desafios para os profissionais que deverão refletir na necessidade real de seu uso. A tecnologia presente nas UTI’s, apesar de indispensáveis para o tratamento do paciente, é insuficiente para alcançar o cuidado holístico. Buscar alternativas baseadas em valores pessoais e humanos para melhorar a assistência ao paciente e atingir a totalidade do cuidado é uma estratégia, pois os profissionais ainda não estão conscientes da verdadeira importância de humanizar e da necessidade de se aliar a técnica a outros fatores. Acredita-se que a humanização da assistência da enfermagem é a solução para a concretização desses aspectos e, atualmente, merece uma atenção especial de toda equipe multidisciplinar a discussão de transformar o ambiente da UTI. Outro ponto importante para estabelecer este processo consiste em nos colocarmos no lugar do outro, partindo da nossa própria humanização, compreendendo que também somos seres humanos com sentimentos, capazes de amar, de chorar e de buscar a contínua compreensão do processo de viver, adoecer e morrer. Enfim, com a humanização será possível fazer com que o paciente e a família se sintam mais acolhidos e seguros para enfrentar de maneira mais positiva um dos momentos mais difíceis da vida. Referencias Bibliográficas AMORIN, R.C, SLVÉRIO, I.P.S. Perspectiva do paciente na UTI na admissão e alta. Revista Paulista de Enfermagem, v 22, n.2, p. 209-212, 2003. AMESTOY, S C. Et AL.A humanização do trabalho para os profissionais de enfermagem. 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Enfermagem - Campus de Picos. 2 Presidente da Associação Brasileira de Terapia Intensiva - SABRATI