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“ENTRE OS MUROS DA ESCOLA”: UMA TENTATIVA DE ANÁLISE1
Aline Christine de Souza 2
Gracieli Neja 3
Maria Ester Rodrigues 4
Inúmeras causas podem estar relacionadas ao fracasso escolar, entre elas as
relativas aos alunos, as relativas à escola e as relativas a questões políticas, sociais e
culturais mais amplas.
Grande parte dos problemas de aprendizagem que os alunos apresentam, pode
ser criado ou mantido pela própria escola. É de conhecimento relativamente
generalizado que o insucesso escolar nos anos iniciais se deve principalmente às
dificuldades de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita que, posteriormente,
fornecem a base para a aquisição das competências acadêmicas nas outras disciplinas.
No entanto, é mais cômodo ressaltar apenas as variáveis relacionadas ao aluno
ou a sua família como causa do não aprender, do que verificar todos os possíveis
determinantes de suas dificuldades de aprendizagem, incluindo os relativos ao ensino.
E o que dizer quando o problema é a própria escola? Muitas vezes o problema é
externo ao aluno, à própria escola ou mesmo interno à escola. Fatores pedagógicos
relacionados ao fracasso escolar podem estar relacionados ao déficit de formação
profissional dos professores e equipe escolar, nas más condições físicas da escola, no
planejamento inadequado de currículos a serem aplicados em sala de aula, na insistência
em oferecer as mesmas atividades para todos independente de necessidades específicas
ou de repertórios diferenciados de entrada na escola entre outros. A maior parte das
dificuldades na aprendizagem não está situada na criança/adolescente, mas sim em
1
Trabalho originalmente realizado como requisito avaliativo da disciplina de Psicologia da Educação I,
ofertada pelo curso de Pedagogia matutino da UNIOESTE Campus Cascavel.
2
Acadêmica do segundo ano do curso de Pedagogia matutino da UNIOESTE Campus Cascavel.
3
Acadêmica do segundo ano do curso de Pedagogia matutino da UNIOESTE Campus Cascavel.
4
Psicóloga pela UFPR, Mestre e Doutora em Psicologia da Educação pela PUC SP, Profa. Associada da
UNIOESTE Campus Cascavel. [email protected]
fatores externos, que se forem alterados produzirão alteração na aprendizagem da
criança. “A criança que não aprende é quase sempre uma criança que poderá aprender
se for submetida a um tratamento adequado [...]”. (MYRA Y LOPEZ, 1968, p.7).
No entanto, é comum alunos que apresentam dificuldade ou problema na
aprendizagem, serem rotulados como portadores de algum tipo de transtorno. Esse
rótulo, por razões já expostas, é atribuído precipitadamente, levando a criança e mesmo
os seus professores a acreditarem que o problema de aprendizagem diz respeito somente
à esfera subjetiva referente ao aluno ou quando muito à sua família.
Não consideramos correto, por outra via, culpabilizar exclusivamente os
professores, que fazem o que foram preparados para fazer. No caso de não terem tido
preparo/formação suficiente, o resultado do seu trabalho poderá não ser o melhor
possível. O fracasso em ensinar aumenta o nível de estresse dos professores, gerando
um círculo vicioso entre ausência de preparo, metodologias inadequadas ou
incorretamente aplicadas, fracasso dos alunos e mais estresse.
O termo “dispedagogia” (FONSECA, 1995; 2007, CALBERG, 2010) simboliza
o fracasso escolar relacionado à fatores escolares e não relacionados ao aluno/família do
aluno, como é mais facilmente e comumente atribuído. Mas, o que é exatamente
“dispedagogia”? O termo diz respeito às dificuldades encontradas pela escola em suas
práticas educativas, metodologias de ensino ou ao vínculo estabelecido com seus
alunos. Mira y López já afirmava em 1968 que a escola pode produzir dificuldades de
aprendizagem em seus alunos devido, por exemplo, às falhas na implementação e
execução de um plano curricular adequado, muito embora assuma a existência de causas
variadas para a dificuldade em aprender.
“Diagnosticar” as falhas da escola e do próprio sistema educacional é, portanto,
evitar que inúmeros indivíduos se envolvam em fracassos repetidos, ocasionados pela
falta de compreensão acerca das variáveis das quais o fracasso escolar em questão é
função. Uma reformulação nas práticas de ensino dentro da escola, valorização dos
professores, melhores condições de trabalho, maior conscientização sobre erros e
acertos, poderiam produzir uma instituição de ensino de maior qualidade.
Certamente não seria possível dizer que os problemas de comportamento
encontrados nas escolas sejam sinônimo de transtornos de conduta, assim como não é
possível dizer que os problemas de aprendizagem são todos transtornos específicos de
aprendizagem. Encontramos na literatura consultada uma definição de problema de
comportamento como excesso ou déficit comportamental que acarreta dificuldades de
acesso às novas condições de aprendizagem e desenvolvimento: “Estes seriam excessos
ou déficits comportamentais que dificultariam o acesso da criança a novas contingências
relevantes de aprendizagem, promotoras do desenvolvimento.” (BOLSONI- SILVA et
al, 2006, p. 461). Segundo a APA (2014), alguns dos transtornos de comportamento,
incluídos na categoria geral de “Transtornos disruptivos, do controle de impulso e da
conduta”5 podem ser subdivididos em oito categorias, alguns com subcategorias.
Os diagnósticos de transtornos em geral, baseados em classificações médicas,
incluindo os de aprendizagem (incluídos na categoria mais ampla de Transtornos do
Neurodesenvolvimento), podem facilitar a comunicação entre profissionais da área
acerca de padrões típicos de conduta, mas pouco nos informam sobre as condições de
instalação (determinantes) e, principalmente de intervenção psicopedagógica em relação
aos mesmos.
Numa visão psicológica, mesmo os problemas comportamentais de origem
supostamente “interna” ao indivíduo são vistos como multideterminados. Segundo
Bolsoni-Silva e Del-Prette (2003), problemas comportamentais para serem explicados
como fenômeno multideterminado, deve ser explicados considerando-se a existência de
algo atípico da organização interna da criança, nos aspectos psicológico, neurológico
e/ou neuropsicológico, estando sempre associados a variáveis ambientais, como o grau
de suporte familiar, qualidade das estratégias de disciplina e nível socioeconômico. Os
problemas de comportamento podem ter sua gênese, portanto, em diversos fatores: os
5
Transtorno de Oposição Desafiante; Transtorno explosivo intermitente; Transtorno da conduta (com
início na infância, na adolescência e início não especificado); Transtorno da personalidade antissocial;
Piromania; Cleptomania; Outro Transtorno Disruptivo, do Controle do Impulso ou da Conduta
especificado e Transtorno Disruptivo, do Controle do Impulso e da Conduta Não especificado.
estilos parentais, a estrutura familiar, as necessidades educativas especiais da criança, a
cultura, o nível socioeconômico. Todas estas variáveis interferem na forma como os
pais e professores interagem com filhos e alunos.
Outros autores fazem referência a técnicas educativas como possíveis
determinantes do desenvolvimento de comportamentos em direções mais ou menos
adequadas, principalmente na educação familiar que se utilize de técnicas educativas
disfuncionais ou inadequadas, podendo gerar o aparecimento de comportamentos
antissociais que evoluem, a depender da ausência de intervenção e da interação com
fatores extrafamiliares, para problemas mais sérios como o conflito com a lei
(GOMIDE, 1998, 2004; PATTERSON, REID E DISHION, 2002; RODRIGUES,
2008).
O comportamento dos pais afeta a criança, seja por oferecer condições para o
desenvolvimento de comportamentos inadequados, seja pela falta de incentivo a
comportamentos mais adequados e ausência de modelos positivos de comportamento
social, de resolução de problemas e de apoio para melhorar sua capacidade de
comunicação. Além do déficit comportamental (que por si só é prejudicial),
oportunizam também o aparecimento de excessos comportamentais os mais variados. A
gama dos problemas que podem surgir pode variar da inabilidade social à delinquência
explícita, passando pela agressividade em variados graus, problemas de aprendizagem,
entre outros.
Gomide (1998); Bolsoni-Silva; Del Prette (2003) e Riquetti, Junges e Rodrigues
(2010) apontam que a agressividade, assim como qualquer outro tipo de comportamento
é aprendido pela exposição a modelos sociais dentre os quais os familiares, bem como
pelas próprias contingências de aprendizagem às quais as crianças são submetidas, o
que se relaciona com dificuldades de aprendizagem. “Quando as crianças são expostas a
contingências aversivas em âmbito familiar e emitem comportamentos agressivos, elas
tendem a reproduzir este padrão comportamental na escola” (BOLSONI-SILVA, A. T. e
DEL PRETTE, 2003, p. 96).
Some-se a isso a ação não efetiva dos professores, ao pouco elogiar/encorajar os
comportamentos adequados do aluno, ao mesmo passo em que punem os
comportamentos inadequados (BOLSONI-SILVA E DEL-PRETTE, 2003). Um estilo
interacional predominantemente punitivo e coercitivo pode produzir potenciais
agressores, porque o controle gera contra controle e o controle predominantemente
aversivo retorna de modo também aversivo.
Técnicas familiares educativas inadequadas (educação relaxada e confusão nas
práticas disciplinares); além das tipicamente aversivas, como submeter crianças a maus
tratos, negligência e exposição a modelos agressivos, também são deletérias na
educação familiar e escolar. São dois contextos que, utilizando-se das mesmas técnicas,
oportunizam o aparecimento do mesmo tipo de conduta: a antissocial. Sendo assim,
com embasamento em Riquetti, Junges, Rodrigues (2010) e Gomide (1998), poderíamos
afirmar que a agressividade dos estudantes e mesmo o aparecimento de conduta
antissocial, pode ter relação com a falta de estabelecimento de limites. A
O fracasso escolar é comum aos estudantes com problemas de comportamento.
O contrário também é verdadeiro, ou seja, o fracasso escolar repetido e constante
também pode levar o aluno a apresentar problemas de comportamento. Eles tendem a se
tornar ou desinteressados pelo que ocorre na escola ou então indisciplinados, podendo
mesmo chegar a desenvolver comportamentos de oposição à escola e seus valores.
A escola não está preparada para lidar com o “diferente”. A criança com
dificuldade em aprender, com dificuldades em seu comportamento ou marcada por uma
diferença qualquer em qualquer âmbito (social, familiar, físico, emocional) tende a ser
vista como criança que desafia a ordem e a rotina estabelecida, tornando o cotidiano
mais difícil. Crianças problema não são bem vistas e, como decorrência, suas
dificuldades acabam por se somar a outras.
Metodologia
Analisamos o filme francês “Entre os muros da escola” dirigido por Cantet,
Laurent em 200. O filme, ao ser assistido, ia sendo pausado para as cenas serem
anotadas numa sequência temporal de acontecimentos.
Para a análise do filme obviamente é importante analisar o filme como um todo,
sob pena da análise ficar descontextualizada e sem sentido, mas procuramos ressaltar as
cenas que envolvessem o aluno escolhido para observação, o personagem Souleymane.
O fracasso escolar do referido aluno fictício pode estar relacionado a vários fatores.
Entres tais fatores, destacam-se à primeira vista a dificuldade de interação famíliaescola pela barreira cultural da língua e a dificuldade generalizada da escola em lidar
com problemas comportamentais e de aprendizagem apresentados pelos alunos, tanto
pelas diferenças culturais e sociais presentes entre alunos e escola, como (e) pelo
provável desfavorecimento econômico dos mesmos.
O filme, baseado em fatos reais, retrata o cotidiano do que seria uma escola
pública na periferia de Paris, relatando as relações entre alunos, professores e direção da
escola em várias situações e ambientes escolares, formais e informais.
O liceu retratado tem como característica marcante a diversidade étnica e social.
Os alunos, na faixa de 13-15 anos, de ambos os sexos, descendem de várias etnias
(chinesa, malesa, caribenha, marroquina e também, francesa). Os professores parecem
pertencer a uma realidade socioeconômica diferente e não utilizam o mesmo tipo de
linguagem que os alunos.
A escola conta com salas de aula, sala de professores, sala de reuniões, salas
para administração, laboratório de informática, refeitório, pátio para recreação e prática
de esportes. As salas de aula parecem ser de espaço pequeno para o número de alunos
presentes, como se depreende das cenas observadas.
A turma observada possuía duas alunas representantes, as quais acompanham o
que parece ser um conselho de classe em nossa organização escolar e transmitem as
informações aos demais alunos da turma. A escola remete os “alunos problema” ao
Conselho Disciplinar, localizado fora da escola, que analisa os casos e quase sempre
opta pela expulsão.
No filme, o personagem principal, professor François Marin, é apresentado
como um homem de aproximadamente 35 anos, do sexo masculino, que está nessa
mesma escola ministrando aulas de francês, além de ter um cargo administrativo
(equivalente ao de uma coordenação pedagógica), encontrando dificuldades para
realizar o seu trabalho, em geral.
Souleymane (aluno que se encontra em algum lugar entre o 8º ano do ensino
fundamental e 3º ano do 2º grau) aparenta ter idade entre 13 e 16 anos e veio de Mali,
na África. A família do aluno é composta pelo pai, irmão mais velho e sua mãe, a qual
não compreende francês. O pai não frequenta as reuniões solicitadas pela escola,
embora a mãe o faça, mesmo sem entender a língua do país onde vive e sem condições
de se comunicar com a equipe escolar.
Apresentação e Análise de Resultados
O Prof. Marin inicia seu trabalho de ensino de francês e, já na primeira aula,
com os alunos agitados e demorando para se acomodarem ocorre o primeiro conflito
(leve) com a turma, dizendo que perdem muito tempo para se acomodarem, razão pela
qual nunca têm uma hora inteira de aula. Os alunos discordam.
Na aula seguinte o professor pergunta aos alunos se há alguma palavra cujo
significado os alunos desconhecem. O aluno Wei, o mais aplicado embora com
dificuldades com a língua (não materna), pergunta o significado da palavra “austríaco”.
A aluna Esmeralda afirma que todo mundo sabe o significado dessa palavra e segue-se
uma discussão entre professor e aluna.
Marin, no exercício de seu cargo, é procurado para consulta por um professor a
respeito de livros para ensinar determinados conteúdo, efetuando algumas sugestões.
Marin refuta as sugestões, deixando claro não considerar os alunos capazes de entender
os títulos e autores sugeridos.
Na terceira aula de francês, os conteúdos abordados são as formas verbais do
francês. Alguns alunos, como Souleymane, não consideram importante estudar as
formas verbais do francês, considerando essa fala desinteressante e rebuscada. O
professor admite que nem todos falam desta maneira e que pode parecer esnobe. Os
alunos desconhecem o significado da palavra “esnobe” e, enquanto tenta explicar o
significado da palavra, o aluno Boubacar sugere que se trata de pessoas homossexuais.
Souleymane ataca dizendo existirem boatos de que o professor Marin seria
homossexual, e pergunta se são verdadeiros.
Um dos professores entra “afobado” na sala dos professores e joga seus
materiais na mesa com força. Aparenta estar num momento de descontrole emocional,
diz estar cansado de seus alunos, xinga-os e afirma não querer mais dar aula para os
mesmos.
Na aula de francês seguinte, os alunos estão acompanhando o livro “O Diário de
Anne Frank”, que ofereceu ocasião para a proposição de uma atividade de redação auto
descritiva. Marin pede à aluna Khoumba para ler algo e a aluna se recusa a cumprir a
atividade, iniciando-se uma discussão entre professor x aluna. Após a aula o Prof. tenta
fazer a aluna se desculpar antes de sair, o que só faz para ser liberada, por obrigação,
fazendo questão de declarar a não sinceridade ao sair da sala.
Durante a realização da reunião do primeiro “conselho de classe” (ou o que
poderia ser considerado assim na nossa estrutura escolar) os professores propõem um
sistema de penalização por pontos para cada regra infringida pelos alunos, pois as
punições usuais não estariam mais surtindo efeito.
Ao ser proposta a confecção de redação cuja temática era uma autodescrição, o
aluno Souleymane se negou, a princípio. No entanto foi incentivado pelo Prof. a fazer
de modo alternativo (com fotos, ao invés de redação) e, posteriormente, a mostrar a
atividade realizada a todos. O professor e a turma estavam cientes de sua dificuldade na
escrita. Tal ciência já havia sido demonstrada pelo comentário da aluna Esmeralda, em
momento anterior, ao declarar que Souleymane não sabia escrever, o que gerou a
costumeira discussão entre os alunos. Posteriormente, todas as atividades, tanto as de
Souleymane como as dos demais alunos, foram impressas e encadernadas no laboratório
de informática, para posterior exibição. O Prof. mostrou-se nesse momento hábil em
utilizar as habilidades em fotografia do aluno ao mesmo tempo em que elogiou
publicamente os resultados.
Em reunião com a mãe e o irmão de Souleymane, o professor Marin relata que o
conselho de turma falou sobre o aluno e que alguns professores se queixaram da
ausência de melhora do aluno. Os professores reclamam pelo aluno não trazer seu
material para aula, por faltar muito, por chegar tarde, pelas notas e pelo comportamento.
O irmão de Souleymane diz que não sabiam do que estava acontecendo na escola. O
professor Marin perguntou por que os bilhetes enviados pela escola voltavam assinados.
O irmão de Souleymane dizia que a mãe assinava sem ler, pois não entendia francês.
Isso nos leva a crer que acreditava no que diziam estar escrito nos bilhetes. No entanto,
nenhuma providência em relação a essa impossibilidade de comunicação direta foi
tomada, seja pela escola, seja pela família.
Os professores estão reunidos em sua sala, quando comenta-se a possibilidade da
mãe do aluno Wei (um aluno bastante aplicado) ser deportada de volta à China por ter
sido detida como imigrante ilegal. O assunto suscita interesse e os professores cogitam
tentar ajudar a mãe do aluno. Porém, a discussão termina quando uma das professoras
comunica sua gravidez. A Professora grávida comenta que gostaria que seu filho viesse
a ser inteligente como Wei.
Quando os alunos conversam sobre a Taça das Nações Africanas de futebol, o
aluno Carl expressa sua preferência pela seleção francesa, o que provoca a discordância
de alguns colegas que consideram errado torcer pelo time local, entre eles o aluno
Souleymane. A discordância é expressa, via de regra, inadequada e agressivamente.
Inicia-se uma discussão entre alunos envolvendo Souleymane, Carl e esmeralda com
insultos mútos. O professor, como sempre, intervém sem sucesso, pois Souleymane diz
que não está falando com o professor e pede para que o professor não grite com ele (o
professor obviamente havia elevado o tom de voz em meio à gritaria dos alunos). O
professor encerra o conflito pedindo para que o aluno recolha seu material e o
acompanhe até a diretoria.
Durante a segunda reunião equivalente a um Conselho de Classe em nossa
organização escolar, participaram as delegadas de turma Esmeralda e Louise, que se
comportaram de maneira inadequada, ora cochichando e emitindo risos e olhares
provocativos, ora rindo alto. No Conselho, discutiu-se que Souleymane já estaria fora de
controle quanto à indisciplina e que, quanto aos estudos, ele tinha limitações. O
professor Marin fez uma intervenção concordando em parte e discordando em outra. Ele
disse que o aluno tinha dificuldade na escrita, mas acreditava que a ação disciplinar
rigorosa só iria piorar seu comportamento. Comentou que em sua aula houve apenas um
incidente disciplinar grave ao longo do ano (com necessidade de levá-lo à diretoria) e
que não teria outras razões para se queixar. Relatou que apesar de ser necessário chamar
a atenção dos alunos, não gostaria de fazer isso com ameaças e castigos, preferindo
valorizar o que eles fazem bem. É possível afirmar que Marin defendeu o aluno em
relação à posição dos demais professores, bem mais severa e categórica que a dele. Mas
as delegadas disseram à Souleymane que ele foi perseguido durante a reunião, e que
Marin o havia insultado quando, na verdade, havia feito o contrário.
Como resultado do relato das representantes aos alunos houve mais um conflito,
dessa vez o mais sério, entre alunos e professor. Ao ser prejudicado pelo relato das
representantes sobre o ocorrido no Conselho de classe, o professor Marin diz a
Esmeralda e Louise que elas agiram inadequadamente durante a reunião e que com
aquelas atitudes durante a reunião, as alunas se assemelharam a duas “vagabundas”.
Todos ficaram indignados com a expressão utilizada pelo professor e Souleymane partiu
para a defesa das colegas. A discussão se acirrou e Souleymane, como sempre irritado,
levantou-se para sair da sala sem autorização. Marin e alguns dos colegas de
Souleymane tentaram impedi-lo, mas ao tentar desvencilhar-se das mãos que o
seguravam, ele bateu com sua mochila no rosto da aluna Khoumba, que começou a
sangrar. Souleymane saiu da sala sem olhar para trás.
Ao entregar o relatório do incidente ao diretor, Marin omitiu o fato de ter
ofendido as duas alunas. O diretor sugeriu convocar o conselho disciplinar. Marin
contraargumentou ter sido apenas um incidente que tomou proporções maiores. O
diretor, no entanto, optou mais tarde pela convocação do conselho disciplinar.
Uma das professoras encontrou Marin no corredor e disse que as duas alunas
contaram a ela que o incidente com Souleymane se iniciou porque o professor as
chamou de vagabundas, questionando-o se realmente havia dito isso. Em seguida Marin
foi até o pátio onde um grupo de alunos se encontrava junto de Esmeralda e Louise. Ele
discutiu com as alunas por terem se queixado dele, e as alunas responderam que o
professor merecia ser punido por ofendê-las. Uma das alunas perguntou ao professor
sobre a situação de Souleymane, porque todos sabem que quando um aluno é
encaminhado a um conselho disciplinar, a expulsão é certa. Essa mesma aluna comenta
com o professor, em particular, que o professor “não conhece o pai de Souleymane”,
dando a entender ser um homem ou intolerante ou agressivo. A mesma aluna também
declarou que em caso de expulsão, o pai de Souleymane o mandaria de volta a Mali.
Marin, a pedido do diretor, vai até sua sala e solicita que o professor incorpore
ao seu relatório a discussão com as alunas sem entrar em detalhes e sem associá-la ao
incidente com Souleymane. O diretor não o adverte sobre a possível inadequação do uso
dessa expressão e justifica seu pedido como medida de precaução para que o episódio
não possa ser usado contra a escola, por ocasião da realização da reunião do conselho
disciplinar.
Quando Souleymane é encaminhado ao conselho disciplinar, os professores, em
reunião informal, são provocados por Marin a refletir sobre o papel do conselho
disciplinar e o modo como a escola recorre a essa instância. Marin questiona se a escola
realmente toma as medidas que deveria tomar antes de enviar os alunos ao conselho
disciplinar, uma vez que para lá encaminhados, invariavelmente são expulsos,
oferecendo dados estatísticos a respeito. Menciona que talvez, quando o conselho é
acionado, já seja tarde demais e que medidas como avisar os pais ou oferecer sanções,
não são o suficiente. Comenta a possibilidade de Souleymane ser mandado para Mali
pelo seu pai caso ele seja expulso da escola via interferência do conselho disciplinar.
Os professores e o diretor, que já avaliavam Souleymane muito negativamente
antes do episódio com Khoumba, passam a considerar o comportamento de Souleymane
inaceitável e oficializam a convocação do Conselho disciplinar.
O discurso dos professores é que o Conselho disciplinar seria acionado pela
equipe pedagógica apenas quando se esgotassem todas as medidas passíveis de serem
adotadas pela escola.
Na reunião do Conselho Disciplinar estão presentes os professores que fazem
parte do conselho, o representante dos professores (Prof. Marin), Souleymane e sua
mãe. A situação de desrespeito de Souleymane ao professor por agredir uma colega e
sair da sala sem permissão foi apresentada. A mãe de Souleymane repetiu o mesmo
argumento de sempre (“Souleymane é um bom menino”), não se reportando aos fatos
discutidos. O resultado obviamente é a expulsão.
Ao soar a campainha dando início às férias, uma aluna se aproximou de Marin e
diz que não aprendeu nada, em matéria nenhuma, e que seu medo era ter de fazer um
curso técnico. Marin tentou acalmá-la dizendo que isso não aconteceria.
A cena que encerra o filme é uma confraternização no pátio da escola entre
alunos e professores.
Principais Conclusões
O conjunto de cenas que mais nos chamou atenção foram as que envolveram o
aluno Souleymane. Ele discute e ofende o professor e demais alunos, agride fisicamente
uma aluna, é indisciplinado, não traz o material para a sala, não executa as atividades
dentro da sala de aula, apresenta baixo rendimento escolar e sua participação nas aulas é
repleta de episódios de confronto e agressão. Sua recusa constante a executar atividades
que envolvam escrita leva-nos a suspeita de que tenha dificuldades em realizar tarefas
acadêmicas ou mesmo para escrever (razão pela qual não leva seus materiais para a
escola), o que é verbalizado por colega e professor. Conforme já mencionado, a
agressividade pode estar relacionada com dificuldades de aprendizagem, como causa,
ou como consequência (RIQUETTI, JUNGES e RODRIGUES, 2010; GOMIDE, 1998).
A escola, no entanto, não fornece um método de ensino específico ou mesmo
apropriado para as dificuldades dos alunos, especialmente os alunos estrangeiros com
dificuldades na língua francesa (conhecer o repertório dos alunos e oferecer atividades
que suplementem seus déficits) Os professores não estão preparados para lidar com as
características socioeconômicas e culturais dos alunos. O professor Marin parece se
preocupar com seus alunos, mas não obtém sucesso em suas iniciativas pedagógicas e
administrativa. O professor não consegue expor seus conteúdos, limites e convenções
próprias de sua classe social, pois a realidade dos alunos é outra. Ele obtém sucesso em
algumas atividades como a o “autorretrato de Souleymane”, mas na maioria das vezes,
os adolescentes apresentam grande resistência às propostas do professor confrontandoo.
Os alunos são pouco estimulados a desenvolver suas potencialidades, pois os
professores desacreditam que as possuam. Alguns possuem habilidades em outras
coisas, como fotografia (Souleymane), literatura (Esmeralda), porém não são
estimulados a desenvolvê-las, pois os professores se atém apenas ao conteúdo
“obrigatório” em sala de aula.
Quanto à indisciplina, a instituição utiliza de medidas punitivas menos e mais
severas chegando à punição máxima que é a expulsão via conselho disciplinar. O
professor Marin tem ciência de que esse modelo não é eficiente, mas não consegue
romper com a prática. A consequência é o aumento da adversidade nas interações entre
alunos e alunos e professores (críticas negativas, piadas de mau gasto, ofensas e
desrespeito mútuo eram comuns nas aulas de francês). Conforme Bolsoni-Silva e DelPrette (2003), com essa técnica educativa os professores não estão valorizando ou
incentivando comportamentos mais positivos dos alunos.
Habilidades intelectuais e sociais podem ser desenvolvidas bem como
agressividade pode ser produzida ou mantida. Observa-se a origem multideterminada
comportamento agressivo de Souleymane, uma vez que a ação da família e da escola
garantem condições para que este comportamento não se manifeste e se mantenha. No
caso específico da escola, pela falta de metodologias, materiais e apoio pedagógico para
lidar com as dificuldades, bem com pela ação postura coercitiva da equipe pedagógica
(incluindo direção geral), gerando e mantendo comportamentos inadequados, aliado à
ausência de predominância no reforço de comportamentos adequados.
A família de Souleymane não se envolve muitos com as atividades escolares do
garoto. Seu pai não compareceu nem às reuniões escolares, nem ao conselho disciplinar.
De acordo com os relatos da estudante que conversou com Marin em particular, era um
homem intolerante e agressivo. Caso verdade é fato que pode ajudar a explicar o
comportamento igualmente intolerante e agressivo de Souleymane aprendido por
modelação/imitação do padrão comportamental do pai vivenciado em ambiente familiar
(RIQUETTI, JUNGUES e RODRIGUES, 2010; GOMIDE, 1998; BOLSONI-SILVA e
DEL PRETTE, 2003). Sua mãe não compreendia francês e por isso não entendia o que
estava escrito nos bilhetes mandados pela escola, mas também não se importava em
saber. Limitava-se a assinar os bilhetes e a não acreditar nas reclamações dos
professores traduzidas verbalmente (ou então a tradução a ela oferecida não era
fidedigna).
Essa conjunção de fatores expostos poderia explicar a enorme dificuldade de
Souleymane para lidar com limites e regras na sala de aula, bem como sua agressividade
gerada por qualquer contrariedade como comentários de seus colegas e professores
(GOMIDE, 1998; RIQUETTI, JUNGES e RODRIGUES (2010).
Referências
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BOLSONI-SILVA, A. T., MARTURANO, E. M., PEREIRA, V. A., MANFRINATO,
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