HISTÓRIA 1 Profª Isabel Cristina Simonato OS CAMINHOS DE CUBA APÓS O FIM DA UNIÃO SOVIÉTICA 1. OS ANOS DE DECLÍNIO (Jo Thomas, Jornal da Tarde. 17.04.1993) O colapso do modelo socialista soviético trouxe graves consequências para Cuba. O corte dos subsídios (ajuda em dinheiro, produtos, equipamentos e petróleo) contribuiu para agravar a já difícil situação econômica do país. O texto a seguir descreve algumas das dificuldades da ilha após o fim da União Soviética. Poderíamos dizer que Alceu Amoroso Lima (REVOLUÇÃO CUBANA em textos 2) foi profético ao afirmar que o fim da União Soviética seria um desastre para Cuba. “Desde os anos 1980 o mundo se modificou. A URSS se desfez e Washington continua falando a respeito da queda de Fidel, cujo governo perdeu 85% do comércio externo e 40% da economia num piscar de olhos (efeito do fim da União Soviética). Tentando apressar essa queda, incentivado pela comunidade de exilados cubanos, o Congresso norte-americano, em outubro passado (1992), aprovou a Lei da Democracia Cubana, ampliando o embargo comercial decretado há 32 anos, de maneira a incluir todas as subsidiárias estrangeiras das empresas dos Estados Unidos e proibindo todos os navios que partirem de portos norte-americanos a atracarem em Cuba durante seis meses. (...) Em Havana, as pessoas se preocupam com coisas mundanas, que para nós são rotineiras e cotidianas. Tentando chegar em casa depois do trabalho, elas usam decrépitos ônibus húngaros que eliminam fumaça negra na escuridão do inverno. Por causa da falta de petróleo e de peças de reposição, não existem ônibus em quantidade suficiente. Consequentemente, o transporte público está um caos. Não existe nem mesmo petróleo em quantidade suficiente para manter as luzes acesas. Há blackouts1 regulares todos os dias, menos aos domingos. Fábricas funcionam à luz do dia, das 7h da manhã às 3h da tarde. Hospitais, creches e escolas ficam abertas, mas os cursos noturnos foram cancelados. Elevadores não funcionam. Os relógios não indicam a hora certa. Paro o carro e me proponho a levar uma jovem caronista até Alamar, no leste. Alamar é um dos subúrbios mais novos, próximo à capital, construído para abrigar pessoas que se transferiram da zona rural para Havana. Os apartamentos não são ruins, mas o transporte é difícil. Está escuro, não há luar e o blackout está previsto das 5h da tarde às 8h da noite. Quando chegamos não consigo enxergar o lugar. Ela me pergunta se eu gostaria de conhecer sua família. Lá dentro não há luzes, nem mesmo uma vela. A sogra está preparando o jantar, batatas e arroz.” 2. OS EUA RETOMAM AS NEGOCIAÇÕES COM CUBA Cuba pode voltar a fazer parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), de onde está fora desde 1962. A resolução ainda é vaga, pois não tem nada realmente definido, mas seu efeito simbólico não poder ser desprezado, já que os Estados Unidos até então conseguiam, com seu poder, fazer prevalecer o isolamento do regime cubano no continente. Cuba foi retirada da OEA por pressão do governo norteamericano, após o episódio da crise dos mísseis (1962), quando o governo comunista da então União Soviética usou o território cubano para posicionar mísseis nucleares direcionados aos EUA. 1 Termo usado para indicar um apagão queda de luz, que afeta um bairro, cidade ou região. No caso de Cuba, refere-se ao corte no fornecimento de energia, programado pelo Estado, para poupar um “produto” que eles não possuem em quantidade suficiente. HISTÓRIA 2 Profª Isabel Cristina Simonato O problema central das relações entre os dois países – Cuba e EUA – é o embargo econômico, sanção que os norte-americanos impuseram a Cuba, também em 1962, e que a partir de então todos os governos norte-americanos vêm renovando. A sanção, que proíbe o comércio bilateral e restringe as relações econômicas com outras nações, sufoca a economia cubana, principalmente depois que o país parou de receber a ampla ajuda soviética, no início dos anos 90. Cuba é uma ilha pobre e com poucos recursos naturais. Por isso, a dependência das importações é grande, inclusive de itens de primeira necessidade, como comida e remédios. O que está por trás do embargo é uma pressão permanente para mudar a situação existente em Cuba depois que a revolução liderada por Fidel Castro e Che Guevara conquistou o poder, em 1959. Até então, Cuba era um país inteiramente submisso aos EUA. Após alguns meses, marcados por forte mobilização popular, Castro adotou medidas como a reforma agrária e a expropriação de empresas multinacionais norte-americanas. O governo dos EUA reagiu com força crescente contra o regime “castrista”. A radicalização das posições tanto dos EUA quanto de Cuba, levou o regime cubano a adotar a via do socialismo e a erguer um Estado inspirado no modelo de ditadura da URSS, com um partido único (Partido Comunista Cubano) que controla inteiramente a vida política no país e impõe a censura e a repressão aos opositores do regime. Simultaneamente, houve grandes avanços em áreas sociais, como a saúde e a educação, que garantiram o apoio popular ao socialismo implantado no país. A manutenção do embargo, por parte dos EUA, debilita a economia cubana e tem como objetivo pressionar o país para que haja mudanças em sua estrutura social e política. Apesar dos avanços sociais, a situação de dependência econômica em que Cuba permaneceu – antes da Revolução, dos Estados Unidos; após, da União Soviética – é um dos fatores responsáveis pela situação crítica em que vive o país. Avanço social sem crescimento e independência econômica acabou se transformando na fórmula para o desastre que o país se encontra. - CRISE ECONÔMICA Depois de grave crise que o país passou a viver na década de 1990, provocada pelo fim da ajuda soviética, a economia cubana iniciou um processo de recuperação há alguns anos – apoiada na abertura da ilha ao turismo internacional e nas exportações de açúcar. Mas o fator-chave de crescimento está sendo o apoio recebido do governo venezuelano, presidido por Hugo Chávez. A Venezuela fornece a Cuba 100 mil barris diários de petróleo por preços inferiores aos de mercado. Há também centenas de milhões de dólares que Cuba recebe anualmente, fruto de programas de saúde e de intercâmbio educacional entre os dois países. Mais uma vez Cuba busca saída no apoio externo para minimizar seus problemas econômicos. Agora é a vez da Venezuela ajudá-la. Mas como este é um país também de economia fragilizada e dependente da produção e exportação de petróleo, sem falar na crítica situação política, Cuba ainda não encontrou o “caminho” para sua independência econômica. Em 2009, no entanto, a crise econômica voltou com mais força do que nos anos de 1990. As causas principais foram a queda nas exportações de açúcar, a redução do número de turistas e a diminuição de remessas feitas por cubanos que vivem nos EUA. A crise mundial iniciada em 2007 na América do Norte, rapidamente se expandiu pelo mundo capitalista, o que afetou a economia como um todo. A retração e recessão econômicas nos Estados Unidos, HISTÓRIA 3 Profª Isabel Cristina Simonato na Europa, na Ásia e também na América refletem nos hábitos cotidianos e de consumo de todos e, como consequência, Cuba tão dependente da ajuda que vem de fora, principalmente dos cubanos-americanos2 e dos turistas estrangeiros, sofre os efeitos da crise capitalista, mesmo sendo socialista. Uma das estratégias do atual presidente cubano, Raúl Castro, irmão de Fidel (o primeiro assumiu o governo em 19 de março de 2008), para enfrentar o problema é incentivar a produção agrícola. O governo estima que mais da metade das terras cultiváveis do país esteja ociosa e decidiu arrendar cerca de 700 mil hectares a 82 mil agricultores, que podem plantar para obter lucro. O objetivo de Cuba é reduzir as importações, já que Cuba compra do exterior 60% dos alimentos que consome. Como o Estado é incapaz de produzir o necessário para o consumo da população por ele assistida, a saída encontrada está na abertura para práticas capitalistas, como a exploração privada da terra, com a produção agrícola destinada ao mercado. É o retorno de práticas capitalistas dentro de uma economia socialista. - NEGOCIAÇÕES COM OS ESTADOS UNIDOS Em abril de 2009, durante a Cúpula das Américas, Barack Obama e Raúl Castro mostraram-se dispostos a dialogar, num gesto de aproximação sem precedentes na história recente do país. Representantes cubanos e norte-americanos se encontraram para negociar uma aproximação. Dias depois, Obama anunciou medidas inovadoras. Ordenou a suspensão total das restrições de viagens de cubanos-americanos à ilha (antes, aqueles que morassem nos EUA só podiam ir a cada três anos à ilha, com permanência máxima de 14 dias). Também não há mais limite para as remessas de dinheiro a Cuba, antes restritas a 1,2 mil dólares por pessoa ao ano. Outras medidas foram a liberação do envio de telefones celulares, computadores e antenas de televisão à ilha, além da autorização para empresas norteamericanas de telecomunicação operarem em Cuba. Em maio, outro passo. O governo norte-americano propôs a Havana a retomada da negociação sobre a imigração e a visita de cubanos aos Estados Unidos, assunto que havia sido deixado de lado na gestão Bush. Estuda-se, ainda, o estabelecimento de voos comerciais entre os dois países. Em contrapartida, Obama declarou esperar um gesto cubano de boa vontade, com a libertação de presos políticos (estima-se que haja 200 opositores presos em Cuba). Raúl Castro respondeu dizendo estar disposto a conversar sobre todas as questões com o governo norte-americano, incluindo assuntos polêmicos como direitos humanos e liberdade de imprensa. Entretanto, Fidel declarou depois, que a fala do irmão fora mal interpretada e que Cuba não está disposta a negociar a libertação de dissidentes. (Extraído e Adaptado do Guia do Estudante, Atualidades, 1º semestre 2010, p. 64-65.) Blog: belsimonato.wordpress.com E.E.E.M. “Emílio Nemer” – Castelo/ ES 08 de maio de 2012 2 São os descendentes dos exilados, dissidentes e os que fugiram de Cuba e se refugiaram nos EUA durante e nos anos posteriores à Revolução.