Análise | Por que Cuba não consegue traduzir seus índices sociais

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30/11/2016
Análise | Por que Cuba não consegue traduzir seus índices sociais em produtividade
Análise | Por que Cuba não consegue traduzir seus índices sociais em
produtividade
Economista cubano faz inventário de paradoxos da economia da ilha e lista as tarefas a
cumprir
Estudantes assinam o livro de condolências de Fidel Castro. Ricardo Mazalan AP
Fidel Castro costumava dizer que a grande façanha da Revolução Cubana era ter conquistado tanto em matéria social, sendo Cuba um país pobre.
Os avanços da Revolução Cubana em educação, saúde pública, segurança e igualdade são inquestionáveis. Depois do desaparecimento da URSS
nos anos noventa, a qualidade e efetividade das políticas sociais se deteriorou, mas, mesmo assim, a maioria dos indicadores sociais exibiu uma
resiliência surpreendente, considerando o tamanho do choque econômico que o país enfrentou. Por exemplo, dentro do Índice de Desenvolvimento
Humano calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Cuba ainda hoje fica como a primeira da América Latina e
Caribe na dimensão da educação, e a segunda no índice de esperança de vida ao nascer.
Ora, essa mesma conquista poderá ser vista como um fracasso se for analisada de uma perspectiva diferente, e nos perguntamos: como um país
com todos esses avanços extraordinários em matéria social é um país tão pobre economicamente? São precisamente essas conquistas sociais as
mais difíceis de alcançar para as economias que querem ultrapassar o umbral da pobreza e direcionar seu crescimento para um caminho de melhoras
progressivas e sustentáveis. Cuba conseguiu isso e, no entanto, manteve taxas de crescimento muito baixas, além de ficar para trás economicamente
em relação a outras economias da região.
Se comparamos a ilha com 10 países de tamanho semelhante na região (com uma população entre dois e 16 milhões de habitantes) no período
1960-2014, vemos que o PIB cubano cresceu a uma taxa média anual de 3,3% enquanto que a média dessas economias foi de 4%, com destaque
para o Panamá (5,8%), República Dominicana (5,3%), Costa Rica (4,8%) e Equador (4,5%).
Cuba era, com o Uruguai, a de maior PIB per capita nos anos cinquenta e até meados dos anos oitenta. Mas esta vantagem pouco a pouco se foi
diluindo e, atualmente, estimando um PIB per capita para Cuba à taxa de Paridade de Poder Aquisitivo (PPA) ao redor de 6.000 dólares (20.300
reais), Uruguai e Panamá duplicam com folga o PIB per capita cubano. A Costa Rica supera a ilha em 69%; a República Dominicana, em 46%; e o
Equador, em 18%.
O marco regulatório e as instituições do modelo estatal centralizado não garantiram um crescimento da produtividade nem nos momentos em que
Cuba contava com os acordos benéficos com a URSS
Por que os avanços sociais cubanos não foram suficientes para dar impulso às suas receitas de modo significativo? Primeiro, porque esses avanços
não foram acompanhados de uma expansão proporcional do capital físico. As taxas de investimento na indústria, na agricultura e na infraestrutura
não seguiram no mesmo ritmo, nem mostraram a mesma resiliência ante a crise que os indicadores sociais. Quando se compara com outras
economias da região, observa-se uma brecha significativa nas taxas de investimento durante décadas. A limitada abertura cubana ao investimento
estrangeiro e o investimento privado nacional em microempresas desde os anos noventa não serviram para deter uma progressiva descapitalização
da economia de cerca de 40%. Este é um indicador visível de modo impactante nas fachadas dos edifícios em Havana, no parque automobilístico, na
precariedade das plantas industriais e na obsolescência das telecomunicações.
Segundo, porque o marco regulatório e as instituições do modelo estatal centralizado –ainda vigentes– não conseguiram combinar eficientemente a
educação com os demais fatores de produção e transformar o investimento social em um notável aumento da produtividade. Este modelo não
garantiu um crescimento da produtividade nem nos momentos em que Cuba contava com os acordos benéficos com a URSS em comércio e finanças.
Terceiro, porque a rara combinação de indicadores sociais de primeiro mundo com indicadores econômicos de terceiro mundo fez disparar
tendências demográficas anômalas que não favorecem o crescimento econômico pela via do aumento da força de trabalho. Em vez disso, antecipam
para Cuba desafios como consequência do envelhecimento da população, para os quais não conta com capacidade financeira. Em nível micro, essas
desproporções entre o social e o econômico têm como consequência, por exemplo, pessoas com uma educação de padrão muito alto e um consumo
de subsistência. A emigração é, em muitos casos, o escape em nível micro, mas é do que menos se necessita em escala macro. O legado no micro é
que podemos encontrar trabalhando em um supermercado de Miami um engenheiro ou um doutor cubano. O resultado no macro é uma população
residente que só tem crescido a uma taxa anual de 0,26% desde 1990 enquanto as dez economias de tamanho similar na região aumentaram sua
população a uma taxa média de 1,7%.
A partir de 2018, os líderes que substituirão Raúl Castro terão de dar coerência a este legado e tirar o máximo dele para transformar Cuba na
potência econômica que poderia chegar a ser na região. Caberá, por sua vez, ao Governo e ao Congresso dos Estados Unidos eliminarem um
embargo econômico que foi, de maneira quase proporcional, causa real e justificação imaginária destes fracassos.
Pavel Vidal Alejandro é Ph.D em economia pela Universidade de Havana e professor da Pontifícia Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia.
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http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/28/internacional/1480350255_535151.html
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