AVALIAÇÃO DO CURSO DE HEMATOLOGIA Anexo ao relatório parcial da disciplina Hematologia para o PROIN/CAPES Publicado no Caderno LCE – Laboratório de Currículo e Ensino, NUTES-UFRJ, ano 1, número 0, outubro de 1999. Autora: Eliana Claudia Ribeiro Alunos do curso regular Como pontos positivos, os alunos do curso regular destacam a qualidade das aulas teóricas pela excelência dos professores em termos didático-pedagógicos e de comínio do conteúdo. Por sua competência, os docentes foram capazes de obter a atenção dos alunos nas aulas. Acreditam que o curso permitiu abordar os temas relevantes e assegurou abrangência de conteúdos da especialidade hematológica. A ideia de necessidade de uma visão geral do conteúdo mínimo. De “ter acesso à matéria antes” e de embasamento teórico prévio à prática é reiterado de variadas formas. Como pontos negativos, há referência a um pequeno grupo de aulas teóricas ao final do curso em que a didática deixou a desejar, e por esta razão elas se tornaram enfadonhas e pouco interessantes. Há demanda explícita por mais atividades práticas, inclu8indo visitas a laboratórios, estudo de lâminas e alusão ao desejo de conhecer a rotina do departamento. O aspecto negativo mais importante refere-se à discussão de casos clínicos, tanto no que diz respeito à falta de ênfase que lhe é dada, quanto ao tipo de casos apresentados após as aulas teóricas, que não suscitam o raciocínio lógico e diagnóstico na medida em que se ajustam e parecem apenas exemplificar o tema trabalhado no próprio dia. Aparece com clareza uma visão crítica de que o curso teórico não favorece uma aprendizagem mais permanente e que a discussão em pequenos grupos com casos clínicos estimula mais o estudo, exige participação maior do aluno ao longo do curso. Os alunos identificam que um “mix” entre o curso teórico tradicional e o PBL seria o ideal. Uma parte dos alunos (8) do curso regular sentiu-se prejudicado por não ter participado da experiência do curso novo, e a justificativa reside predominantemente na ideia de que não tiveram a possibilidade de vivenciar algo que é melhor. Há questionamento sobre a ética da escolha dos grupos e dos critérios metodológicos na divisão dos grupos. A maioria dos alunos (36), no entanto, não se sentiu prejudicada, incluindo aí aqueles que reconheceram ser a outra experiência melhor mas compreenderam a natureza do estudo e da avaliação realizada. Há alunos que consideram que, independentemente do método empregado, todos receberam o mesmo conteúdo teórico, opinião corroborada por aqueles que consideram que o aproveitamento depende mais da dedicação do aluno do que a forma como é administrado o conhecimento. Há aqueles que defendem o curso regular como sendo a melhor alternativa, na medida em que fornece uma boa base teórica. Alunos do curso novo Quanto aos aspectos positivos, aparece com muita ênfase a questão do estímulo para o estudo, da curiosidade despertada, do interesse pela leitura em casa e pela busca ativa da informação. Os alunos sentiram-se motivados para estudar pelos problemas apresentados e sentem-se responsáveis pela aprendizagem e exigidos para que as discussões em grupo sejam proveitosas. Há uma clara alusão à descoberta ou percepção de como se pode aprender melhor, do papel do aluno na aprendizagem, e referência de que o método permite sedimentar melhor o que se aprende. Paralelamente, aparece um outro conjunto de aprendizagens que não se vincula à “matéria”: o trabalho em grupo, a relação teoria-prática, o raciocínio clínico, a identificação de prioridades no manejo dos casos, o exercício do diagnóstico e a integração de assuntos de outras temáticas diferentes da Hematologia, incluindo aspectos éticos, comportamentais e sociais. O ensino ligado a vários contextos diferentes da sala de aula, havendo referência clara à importância das atividades desenvolvidas em outros setores (hemostasia, banco de sangue, enfermaria etc.). Há referência à importância de ver o paciente como um todo, e à questão da relação médicopaciente. Há avaliação positiva do tutor por sua participação na condução da dinâmica do grupo de discussão. Quantos aos aspectos negativos, aparece claramente como principal restrição o menor número de tópicos abordados, uma abrangência menor da matéria, mesmo que relativizada pela percepção de que o curso não visa formar especialistas em hematologia e de que os temas trabalhados tiveram maior profundidade. A deficiência de abordagem de todos os conteúdos da hematologia aparece também pela demanda de maior tempo para a disciplina. Há uma crítica de falta de conhecimento “básico” que apoiasse a discussão, traduzida em demandas de pequenas preleções que antecedessem a discussão de casos clínicos, aulas expositivas tradicionais prévias ou introdutórias para abordar os assuntos a serem debatidos nos pequenos grupos. Esta mesma critica aparece na demanda por maior participação dos orientadores, que poderiam ter tirado mais dúvidas, dar mais “orientação explicativa”. Alguns alunos (3) do curso novo sentiram-se prejudicados por ter participado da experiência, pela falta de aulas expositivas que permitissem um embasamento teórico. O restante dos alunos (29) não se sentiu prejudicado; ao contrário, manifestam ter participado da melhor parte; há alusão à superioridade do método, à riqueza do que foi vivenciado nos grupos, à possibilidade de integração de conhecimentos e a maior retenção do conhecimento. Há um reconhecimento de que a bagagem de conteúdos da hematologia possa ser menor, mas ela se contrabalança pela experiência mais ampla que os outros colegas não tiveram. Isto também aparece como uma dificuldade potencial ou insegurança com a prova, que supostamente cobrirá conteúdos que não trabalharam. Outros concluem que o nível de conhecimento nos pontos principais era semelhante, e portanto obtiveram mais no global, já que passaram por outras experiências; outros poucos alunos afirmam não se sentir prejudicados por terem estudado nos cadernos dos colegas ou por terem assistido aulas no curso regular. Análise da entrevista com docentes do curso regular Os docentes do curso regular concordam com a avaliação dos alunos quanto à pertinência da formação teórica e às demandas por mais discussões de casos clínicos e de forma diferente a estimular o raciocínio clínico e, em mais de um momento, referem-se ao “mix” dos cursos como uma questão a ser trabalhada. Nesse sentido. Discutem alternativas de organização das atividades de discussão de casos, não só quanto às prioridades de abordagem (fortemente centrada no diagnóstico diferencial com menor ênfase no tratamento) como às formas de organização (discussão em grupos, antes/depois da aula expositiva), mas o contingenciamento de tempo parece de alguma forma circunscrever alternativas de mudança. Um docente afirma que elementos essenciais da formação médica não podem ser trabalhados no modelo tradicional, estabelecendo uma correlação com o curso PBL, numa contraposição conteúdos de patologia x outras dimensões relevantes (aprender a estudar, condições socioeconômicas, mercado de trabalho etc.), fazendo uma imagem de “cobertor curto”, condição sobre a qual a faculdade deve decidir. É de opinião de que a faculdade forma um médico que “sabe medicina”, tem bom embasamento teórico para fazer uma residência, e acredita que a expectativa docente é que eles incorporem o restante necessário no convívio cotidiano com os professores. Há o reconhecimento da responsabilidade docente de selecionar conteúdos relevantes e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o baixo grau de retenção de conhecimento pelo aluno, que aparece em sua imaturidade de encarar a formação médica dependente da orientação do professor, do estudo para a prova, em dissincronia com o docente altamente qualificado, que pode lhe oferecer o melhor em termos de conhecimento sem que ele o perceba. Aparece um sentimento de desperdício, de subutilização da capacidade docente e a turma aparece na aula expositiva com uma referência de “encaram os professores com uma certa informalidade, aquela bagunça”. Há, no entanto, relatos de experiências extremamente gratificantes como docentes associados a aulas em que puderam discutir temas específicos, cuja abordagem, pelo mesmo docente na aula teórica do curso regular, não funciona usualmente bem. Nesses momentos os alunos aparecem como motivados, “a gente tem uma matéria prima aqui excelente”. Análise da entrevista dos docentes do curso orientado por problemas Os docentes reconhecem na avaliação do curso regula realizada pelos alunos um retrato ajustado às suas experiências enquanto professores que dele já participaram: os alunos apontam a pertinência de receber informação sobre um espectro amplo de temas que consideram básicos da especialidade, os docentes relatam suas dificuldades para abarcar toda a extensão do conteúdo e dar destaque ao que é mais importante para eles; os alunos ressaltam suas qualidades didático-pedagógicas, os professores falam da sua luta para manter a motivação dos alunos nas aulas expositivas. Os alunos ressaltam a qualidade da docência, mas os docentes referem-se a um certo desperdício de sua capacidade no curso regular, transparece uma sensação de inutilidade que não corresponde às suas expectativas de ter um trabalho relevante no sentido da formação do aluno. Há claramente uma alusão ao seu compromisso com a docência e ao prazer de reconhecer, em atividades diversas, que os alunos aprendem e avançam. Posicionam-se frente ao que consideram as diferenças mais importantes entre os dois cursos: primeiramente explicam que a comparação implica no reconhecimento da diferença dos objetivos, daquilo que se pretende alcançar. Há um consenso de que o curso regular não permite desenvolver o que julgam importante no profissional médico, particularmente no que se refere ao manejo das situações clínicas, compreendendo que ali está uma pessoa doente que precisa de cuidados. Referem-se também às habilidades de trabalho em grupo, raciocínio clínico, aspectos éticos etc. que não têm como serem desenvolvidos no curso regular. Nesse sentido, fazem uma nítida escolha pelo PBL ao analisar as duas modalidades de curso e justificam sua opção pela coerência com sua visão do que seja formar um aluno de medicina. Sentem-se muito mais docentes no lugar em que se colocam como tutores, e há um sentido de que os alunos do curso orientado por problemas reconhecerem o que era importante, entenderam a proposta. A diferença do volume de elogios ao docente feita pelos alunos é analisada com muita tranquilidade: os professores do curso regular são o centro do processo, no PBL são os alunos; mas também há referência de que talvez os alunos não saibam ainda avaliar tutores. A assunção da responsabilidade pelo processo pelos alunos é vista como positiva. Quanto à demanda por aulas teóricas expressa pelo grupo de alunos fez o curso orientado por problemas, aparece a ideia de que de fato não desejam uma série de aulas, o que os alunos buscariam era sistematizar o conhecimento relevante, encontrar o conteúdo que necessitam nos problemas. Era como se as aulas correspondessem à sua busca nos livros ou uma consulta a um especialista, o que seria muito diferente de uma simples demanda por um curso paralelo. “A aula teórica que é pedida, que não é comandada”. Comentam o despreparo dos alunos ao longo de sua formação para vivenciar a metodologia nova, referindo-se à ruptura necessária com as práticas antigas, às resistências, à dificuldade de trabalho em grupo, de discutir um problema e à tentativa de “cooptar” o tutor para dar aula. Aparece assim a ideia de que a demanda por aulas pode ser a demanda pelo conhecido. Há um relato de que os alunos não aproveitaram as conferências. A concomitância com outros cursos que demandam estudo para a prova foi analisada, avaliando-se a necessidade de estender a proposta para a clínica como um todo. Há referência ao impacto no desempenho do aluno, que deixa de realizar atividades por conta das demanda s das outras disciplinas. Quanto à motivação dos alunos, os docentes a discutem sob diferentes formas: aquela que se expressa inequivocamente na participação do grupo, no desenvolvimento das atividades; há a que aparece na busca de aprofundamento do conhecimento sobre um determinado tema, “de querer mais”, levando os docentes a uma preocupação quanto à pertinência desse tipo de estudo para alunos do 7º período, quanto à necessidade de maior abrangência de temas de estudo relevantes; há a motivação pelo lado da descoberta, de querer resolver o problema das pessoas, de trabalhar na hematologia; há a motivação expressa pela frequência ao curso. Os docentes consideram as atividades práticas essenciais, estabelecendo conexões com estórias de residentes que, por desconhecerem as formas de realização de exames não têm como avaliar se há ou não demora na entrega de resultados. A atividade prática é, assim, apresentada por relação à necessidade para o cuidado dos pacientes, da mesma forma que aparece que é essa necessidade que leva o aluno a buscar conhecimento. Há uma alusão clara a quanto o curso novo exige, ao esforço empreendido pelos docentes para organizar as consultorias, talvez por ser a primeira iniciativa.