PARECER TÉCNICO MÉDICO nº 004/2012

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PARECER TÉCNICO MÉDICO nº 004/2012
Assunto: Dengue. Febre hemorrágica da dengue. Apuração dos fatos que resultaram
no falecimento de Jéssica Maria Oliveira. Provável omissão e/ou erro médico.
1. Dengue – Definição
A dengue é a infecção viral transmitida por mosquito mais freqüente no
planeta. No Brasil a incidência vem aumentando em sucessivas epidemias, com uma
proporção crescente de casos graves. A qualidade da assistência prestada influencia
diretamente o prognóstico da doença. Estas recomendações apresentam o manejo das
formas graves de dengue, incluindo o reconhecimento de sinais de alerta, o tratamento
visando o pronto re-estabelecimento da euvolemia e a avaliação e cuidado das
potenciais complicações, no intuito de reduzir a morbi-mortalidade de crianças e
adultos infectados. 1
Verdeal JCR, Costa Filho R, Vanzillotta C, Macedo GL, Bozza FA, Toscano L et al.
Guidelines for the management of patients with severe forms of Dengue. Rev Bras Ter
Intensiva. 2011; 23(2):125-133.
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A identificação precoce dos casos de dengue é de vital importância para a
tomada de decisões e a implementação de medidas de maneira oportuna, visando
principalmente ao controle da doença. A organização dos serviços de saúde, tanto na
área de vigilância epidemiológica quanto na prestação de assistência médica, é
essencial para reduzir a letalidade das formas graves e conhecer o comportamento da
dengue, sobretudo em períodos de epidemia. Nessas situações, é mandatória a
efetivação de um plano de contingência que contemple as necessidades de recursos
humanos e financeiros e a identificação de unidades de referência.
A classificação da dengue, segundo a Organização Mundial de Saúde, é
retrospectiva e depende de critérios clínicos e laboratoriais que nem sempre estão
disponíveis precocemente, sobretudo para os casos de dengue clássica com
complicações.
Esses
critérios
não
permitem
o
reconhecimento
de
formas
potencialmente graves, para as quais é crucial a instituição precoce de tratamento.
A infecção por dengue causa uma doença cujo espectro inclui desde
formas clinicamente inaparentes até quadros graves de hemorragia e choque, podendo
evoluir para o óbito.
2
Fonte: Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico (MS, 2005).
Dengue clássica: a primeira manifestação é a febre, geralmente alta
(39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada a cefaléia, prostração, mialgia, artralgia,
dor retroorbitária, exantema maculopapular acompanhado ou não de prurido.
Anorexia, náuseas, vômitos e diarréia podem ser observados. No final do período febril,
podem surgir manifestações hemorrágicas como epistaxe, petéquias, gengivorragia,
metrorragia e outros. Em casos mais raros, podem existir sangramentos maiores como
hematêmese, melena ou hematúria.
A presença de manifestações hemorrágicas não é exclusiva da febre
hemorrágica da dengue, e quadros com plaquetopenia (<100.000/mm3) podem ser
observados, com ou sem essas manifestações. É importante diferenciar esses casos de
dengue clássica com manifestações hemorrágicas e/ou plaquetopenia dos casos de
febre hemorrágica da dengue.
A dengue na criança, na maioria das vezes, apresenta-se como uma
síndrome febril com sinais e sintomas inespecíficos: apatia ou sonolência, recusa da
3
alimentação, vômitos, diarréia ou fezes amolecidas. Nos menores de dois anos de
idade, os sintomas cefaléia, mialgia e artralgia podem manifestar-se por choro
persistente, adinamia e irritabilidade, geralmente com ausência de manifestações
respiratórias.
As formas graves sobrevêm geralmente após o terceiro dia de doença,
quando a febre começa a ceder. Em crianças menores de cinco anos, o início da
doença pode passar despercebido e o quadro grave ser identificado como a primeira
manifestação clínica. Observa-se, inclusive, a recusa de líquidos, podendo agravar seu
estado clínico subitamente, diferente do adulto, no qual a piora é gradual. O exantema,
quando presente, é maculopapular, podendo apresentar- se sob todas as formas
(pleomorfismo), com ou sem prurido, precoce ou tardiamente.2
2. Etiologia e fisiopatologia da doença
A dengue é causada por quatro sorotipos diferentes de vírus pertencentes
ao gênero Flavivirus, família flaviviridae (DENV I a IV). Sua transmissão ocorre através
de picadas de mosquitos do gênero Aedes, majoritariamente Aedes aegypti. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a dengue a infecção viral transmitida
por artrópodes que mais rapidamente se alastra no mundo. A transmissão ocorre de
forma endêmica em mais de 100 paises, onde anualmente são notificados de cinquenta
a cem milhões de casos, causando pelo menos vinte e quatro mil óbitos. Na América
do Sul entre 2001-2007, 64% dos casos de dengue foram diagnosticados em países do
cone-sul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), dos quais 98% no Brasil, que
apresenta a maior taxa de letalidade da sub região.3
- Brasil. Ministério da
Gestão.Dengue: diagnóstico
Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de
e manejo clínico / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em
Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. – 2. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2005. 24 p. (Série
A. Normas e Manuais Técnicos).
3
Zambrini DAB. Neglected lessons from the 2009 dengue epidemic in Argentina. Rev
Saúde Pública 2011;45(2):428-31.
2
4
Febre hemorrágica da dengue (FHD)
As manifestações clínicas iniciais da dengue hemorrágica são as mesmas
descritas para a dengue clássica, até que ocorra a defervescência da febre, entre o
terceiro e o sétimo dia, e a síndrome se instale. Evidencia-se o surgimento de
manifestações hemorrágicas espontâneas ou provocadas, trombocitopenia (plaquetas
<100.000/mm3) e perda de plasma para o terceiro espaço.
Dengue com complicações
É todo caso que não se enquadra nos critérios de FHD e quando a
classificação de dengue clássica é insatisfatória, dado o potencial de risco. Nessa
situação, a presença de um dos itens a seguir caracteriza o quadro: alterações
neurológicas; disfunção cardiorrespiratória; insuficiência hepática; plaquetopenia igual
ou inferior a 50.000/mm3; hemorragia digestiva; derrames cavitários; leucometria
global igual ou inferior a 1.000/ mm3; óbito.
Manifestações clínicas menos freqüentes incluem as neurológicas e
psíquicas, tanto em adultos como em crianças, caracterizadas por delírio, sonolência,
coma, depressão, irritabilidade, psicose maníaca, demência, amnésia e outros sinais
meníngeos, paresias, paralisias (polineuropatias, síndrome de Reye, síndrome de
Guillain-Barré) e encefalite. Surgem no decorrer do período febril ou mais tardiamente,
na convalescença.
3. Diagnóstico, Aspectos Clínicos e Tratamento
É o caso de dengue confirmado laboratorialmente e com todos os critérios
presentes a seguir:
a) febre ou história de febre recente de sete dias;
b) trombocitopenia (<=100.000/mm3 ou menos);
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c) tendências hemorrágicas evidenciadas por um ou mais dos seguintes sinais: prova
do laço positiva, petéquias, equimoses ou púrpuras, sangramentos de mucosas do
trato gastrointestinal e outros;
d) extravasamento de plasma devido ao aumento de permeabilidade capilar,
manifestado por:
- hematócrito apresentando um aumento de 20% sobre o basal na admissão ou queda
do hematócrito em 20%, após o tratamento;
- presença de derrame pleural, ascite e hipoproteinemia.
A dengue hemorrágica pode ser classificada de acordo com a sua
gravidade em:
a) grau I – febre acompanhada de sintomas inespecíficos, em que a única
manifestação hemorrágica é a prova do laço positiva;
b) grau II – além das manifestações do grau I, hemorragias espontâneas leves
(sangramento de pele, epistaxe, gengivorragia e outros);
c) grau III – colapso circulatório com pulso fraco e rápido, estreitamento da pressão
arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria e inquietação;
d) grau IV – Síndrome do Choque da Dengue (SCD), ou seja, choque profundo com
ausência de pressão arterial e pressão de pulso imperceptível.
Nos pacientes com manifestações clínicas da infecção pelo vírus da
dengue pode-se distinguir três fases de evolução da doença: febril, crítica e
recuperação (Figura 1).
6
As formas clínicas de dengue são classificadas classicamente em febre da
dengue, febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue.(3-6) A OMS
propõe, baseada nos resultados do estudo multicêntrico “DENCO” (DENgue COntrol),
uma classificação simplificada com maior aplicabilidade prática baseada na avaliação
clínica e de exames laboratoriais amplamente disponíveis. O novo sistema divide os
7
casos de dengue em duas categorias de gravidade: 1) dengue (com ou sem sinais de
alerta) e 2) dengue grave (Figura 2).4
A dengue é uma doença dinâmica, o que permite que o paciente evolua
de um estágio a outro rapidamente. O manejo adequado depende do reconhecimento
precoce de sinais de alerta, do contínuo monitoramento e re-estadiamento dos casos e
da pronta tomada de condutas que garantam a estabilidade hemodinâmica e
ventilatória
dos
pacientes,
além
das
medidas
de
suporte
aos
eventuais
comprometimentos orgânicos.
Verdeal JCR, Costa Filho R, Vanzillotta C, Macedo GL, Bozza FA, Toscano L et al.
Guidelines for the management of patients with severe forms of Dengue. Rev Bras Ter
Intensiva. 2011; 23(2):125-133.
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Diagnóstico Diferencial
Considerando-se que a dengue tem um amplo espectro clínico, as
principais doenças que fazem diagnóstico diferencial são: influenza, enteroviroses,
sarampo, rubéola, parvovirose, eritema infeccioso, mononucleose infecciosa, exantema
súbito, e outras doenças exantemáticas, hepatite infecciosa, hantavirose, febre
amarela, escarlatina, sepse, meningococcemia, leptospirose, malária, riquetsioses,
síndromes purpúricas (síndrome de Henoch-Schonlein, doença de Kawasaki, púrpura
autoimune), farmacodermias e alergias cutâneas, abdome agudo na criança. Outros
agravos podem ser considerados conforme a situação epidemiológica da região.
A doença meningocócica (DM) persiste em todo o mundo sob formas de
surtos, epidemias ou casos esporádicos, apresentando considerável letalidade e
seqüelas.
Formas
clínicas
clássicas
são
agrupadas
como
meningite
e/ou
meningoencefalite sem e com septicemia, e como septicemia sem acometimento do
sistema nervoso central. Meningite e septicemia são acometimentos muito diferentes,
com fisiopatogenia, tratamentos e desfechos distintos. E, a própria septicemia
apresenta letalidade variável, entre 20 a 80%, na dependência de múltiplos fatores,
desde o acesso ao tratamento e qualidade deste até o tipo e a intensidade da resposta
do paciente à endotoxina bacteriana, entre outros.
A meningite meningocócica e a meningococcemia são infecções raras,
porém graves, causadas pela bactéria Neisseria meningitidis, também chamada
meningococo. A meningite meningocócica é uma infecção das meninges (revestimento
do cérebro e da medula espinhal), e a meningococcemia é uma infecção generalizada.
Ambas infecções são consideradas emergências médicas.
Além de causar doenças, o meningococo é encontrado (sem causar
doença) no nariz e na garganta de 10% a 25% da população. Quem carrega a bactéria
nessas regiões é chamado "portador assintomático". A maioria dos portadores não
adoece, mas pode transmitir essa infecção potencialmente fatal a outras pessoas
9
através de secreções respiratórias, da saliva expelida ao tossir e espirrar, ou outras
formas de contato próximo.
A meningite é uma doença contagiosa causada pela bactéria Neisseria
meningitidis em que o revestimento do cérebro e da medula espinhal é infectado. A
bactéria também causa meningococcemia (também chamada sepse meningocócica),
que é uma infecção do sangue. São doenças que progridem rápido. Embora os
primeiros sintomas pareçam com os de uma gripe, elas podem matar em 24 a 48 horas
após as primeiras manifestações.
A meningite meningocócica e a meningococcemia podem ser difíceis de
identificar, e às vezes são diagnosticadas tarde demais. Mesmo com tratamento
adequado,
cerca
de
1
em
10
pessoas
com
meningite
meningocócica
ou
meningococcemia morre.4 E os pacientes que sobrevivem podem sofrer consequências
graves.5
4. Referências
-
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Diretoria Técnica de Gestão.Dengue: diagnóstico e manejo
clínico / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
Diretoria Técnica de Gestão. – 2. ed. – Brasília : Ministério da
Saúde, 2005. 24 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).
-
Schall VT et al. Household dengue prevention. Rev Saúde Pública
2009;43(5):895-7.
-
Zambrini DAB. Neglected lessons from the 2009 dengue epidemic
in Argentina. Rev Saúde Pública 2011;45(2):428-31.
Fonte: http://www.meningitis.com/Brasil/o-que-e-meningite/index.shtml. Acesso em 10 de setembro de
2012.
5
10
-
Teixeira, MG e cols. E o dengue continua desafiando e causando
perplexidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 27(5):828-829,
mai, 2011.
-
Verdeal JCR, Costa Filho R, Vanzillotta C, Macedo GL, Bozza FA,
Toscano L et al. Guidelines for the management of patients with
severe forms of Dengue. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;
23(2):125-133.
-
Prefeitura de Belo Horizonte. PROTOCOLO DE ATENDIMENTO
AOS PACIENTES COM SUSPEITA DE DENGUE. Belo Horizonte,
2011.
-
STELLA-SILVA, Nádia; OLIVEIRA, Solange Artimos; MARZOCHI,
Keyla Belízia Feldman. Doença meningocócica: comparação entre
formas clínicas. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba, v. 40, n.
3, June 2007.
5. Conclusão
(a) Após
análise
detalhada
dos
documentos
médicos,
exames
complementares, laudos médico periciais e literatura técnica, científica e
indexada, conclui-se que a paciente J.M.O.M. apresentou quadro
compatível com a febre hemorrágica da dengue, que culminou em óbito.
11
(b) Os procedimentos adotados e condutas médicas, conforme documentos
juntados ao PAAF número 0024.12.003721-3, foram realizados conforme
os preceitos técnicos da Medicina.
(c) Esta perita análise detalhada dos documentos médicos, exames
complementares, laudos médico periciais e literatura técnica, científica e
indexada, ratifica os termos do Exame de Corpo de Delito Indireto
elaborado e Laudo ao Ministério pelo médico legista Dr. Harleu Welbert
Lasmar, CRMMG 38.064.
É o presente Parecer Técnico Médico.
Belo Horizonte, 10 de setembro de 2012.
FLÁVIA PEREIRA COSTA
Analista do Ministério Público
MAMP: 4886
GILMAR DE ASSIS
Promotor de Justiça
Coordenador CAO-SAUDE
12
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