Parte 2: Leis de Newton

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1
LEIS DE NEWTON
1. O PRINCÍPIO DA INÉRCIA
Movimento na ausência de forças
Questões fundamentais:
 É possível haver movimento na ausência de forças?
 É necessária a ação de uma força para iniciar o
movimento de um corpo? E para manter o movimento?
Concepção de Aristóteles
Segundo Aristóteles1 (384-322 a.C.), não era possível
haver movimento na ausência de forças: “Todo movido é
movido por um motor.”, dizia ele. Se um corpo estivesse
em movimento, deveria haver uma força movimentando o
corpo.
F = 0  repouso.
Concepção de Galileu
Galileu (1564-1642) contrapôs-se às idéias de
Aristóteles. Ele acreditava que poderia haver movimento
na ausência de forças. Segundo ele, aqui na Terra, se não
houvesse força atuando sobre um corpo ele poderia
estar em repouso ou em movimento retilíneo uniforme:
F = 0  repouso ou MRU.
Na impossibilidade de realizar
experiências
conclusivas, devido ao seu caráter ideal, Galileu propôs
em seus livros diversas experiências de pensamento com
o propósito de convencer os leitores de que suas idéias
eram corretas2.
Algumas experiências de pensamento
1ª) Considere um bloco lançado sobre um plano
inclinado. Se o bloco for lançado para cima, o movimento
é retardado; se for lançado para baixo, é acelerado. E
se o bloco for lançado sobre um plano horizontal? Qual
será o tipo de movimento, acelerado ou retardado? E
por quê?
2ª) Se um bloco está movendo-se sobre um plano
horizontal, após algum tempo ele certamente pára.
Reduzindo-se sucessivamente o atrito entre as
superfícies em contato e a resistência do ar, o bloco
continuará em movimento por um tempo cada vez maior.
Se fosse possível eliminar completamente as forças
resistentes, por quanto tempo o bloco iria mover-se?
Quando iria parar?
3ª) Considere um bloco abandonado sobre um dos
ramos de um trilho com a forma de uma parábola. Se as
forças resistentes ao movimento forem nulas, o bloco
1
Veja: PEDUZZI, L. O. Q. Física Aristotélica... Cad. Cat. Ens.
Fís., v. 13, n. 1:p. 48-63, abr 96.
2
Veja: Nussenzveig, H. Moysés. Curso de Física Básica, v. 1,
págs. 107 a 109, com trechos dos Diálogos de Galileu.
irá atingir exatamente a mesma altura sobre o outro
ramo da parábola. Se o segundo ramo for
sucessivamente aproximado da horizontal e ainda
admitindo a ausência de forças resistentes, o bloco
continua atingindo a mesma altura no segundo ramo. E
quando este segundo ramo estiver na horizontal? Não
havendo altura máxima a ser atingida, qual será o
movimento do bloco?
A análise das experiências de pensamento, permite
concluir que não há necessidade de uma força para
manter um corpo em movimento. A força é necessária
para alterar o estado de movimento do corpo. Na
ausência de forças, um corpo permanece em repouso ou
em movimento retilíneo e uniforme.
Entretanto, Galileu não conseguia explicar as
trajetórias fechadas dos planetas e seus satélites. Ele
observava que os planetas descreviam circunferências
em torno do Sol, porém não identificava nenhuma força
que fosse responsável por isso. Assim, ele admitia que os
corpos celestes, livres da ação de forças, poderiam
descrever movimentos circulares.
Princípio da inércia (por Galileu, 1632)
“Na Terra, um corpo isolado (livre da ação de forças)
tende a manter-se em repouso ou em movimento
retilíneo e uniforme.”
Concepção de Newton
Newton (1642-1727) adotou a conclusão de Galileu
sobre o movimento na ausência de forças,
transformando-a em sua primeira lei do movimento,
publicada no Principia3, onde há uma exposição de sua
teoria sobre o movimento:
“Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de
movimento uniforme em uma linha reta, a menos que ele
seja forçado a mudar aquele estado por forças
imprimidas sobre ele.”
Em resumo, um corpo isolado (livre da ação de
forças) mantém-se com velocidade constante. Isto é,
permanece em repouso, se a velocidade for constante e
nula, ou em movimento retilíneo e uniforme, se a
velocidade for constante e não nula.
Newton removeu a dificuldade exibida por Galileu ao
analisar o movimento dos corpos celestes. Ele enunciou a
lei da gravitação universal, identificando a força
gravitacional como responsável pelas órbitas fechadas
dos planetas. Mostrou também que as possíveis
trajetórias sob a ação da força gravitacional são as
3
NEWTON, Isaac, Sir. Princípia: princípios matemáticos de
filosofia natural. São Paulo, EDUSP, 1990.
cônicas: parábola (como no caso de uma pedra lançada
obliquamente); elipse (planetas e satélites em órbita) e
hipérbole (cometas). Unificou, desta forma, as
mecânicas terrestre e celeste.
Inércia
Todo corpo resiste à variação de sua velocidade. Esta
propriedade chama-se inércia. Diz-se que, por inércia,
um corpo em repouso tende a manter-se em repouso e
um corpo em movimento tende a manter-se em
movimento retilíneo uniforme. O estado de movimento
do corpo somente será modificado se alguma força atuar
sobre ele. Inércia é, portanto, a propriedade geral da
matéria de resistir à variação de sua velocidade.
Porém, não é em relação a qualquer referencial que
um corpo isolado permanece em repouso ou em MRU.
Admita que um corpo isolado esteja em repouso ou em
movimento retilíneo e uniforme, em relação a um
referencial ligado à Terra. Relativamente a qualquer
referencial acelerado em relação à Terra, esse corpo
isolado está acelerado. Nesse caso, vêse que o princípio
da inércia não é válido para os referenciais acelerados,
mas permanece válido em relação a qualquer referencial
que esteja em repouso ou em movimento retilíneo e
uniforme em relação ao referencial ligado à Terra.
Referencial inercial
É aquele em relação ao qual uma partícula livre movese com velocidade constante, isto é, está em repouso ou
em movimento retilíneo uniforme.
Por partícula livre entende-se aquela que não interage
com o restante do universo. Uma boa aproximação é
obtida quando a força resultante que atua sobre a
partícula é nula (ou ainda, desprezível).
Usualmente, um referencial ligado à superfície da
Terra é considerado inercial. Porém, rigorosamente
falando, não é, pois ele possui aceleração em relação a
um referencial ligado ao centro da Terra. Mas este
referencial também não é inercial, pois o movimento da
Terra em torno do Sol é acelerado. Um referencial
ligado ao Sol, embora muito melhor do que qualquer
referencial ligado à Terra, também não é inercial, pois o
Sol descreve uma movimento acelerado em relação ao
centro da galáxia. Os astrônomos usam um referencial
ligado a um conjunto de estrelas, chamadas de “estrelas
fixas”, que vem a ser o melhor referencial inercial
conhecido.
O princípio da inércia revisado
“Uma partícula livre permanece em repouso ou em
movimento retilíneo uniforme, relativamente a um
referencial inercial.”
2
Massa inercial
A massa inercial de um corpo (ou simplesmente
massa) é a grandeza física associada à inércia do corpo.
Quanto maior for a sua massa inercial, maior será a sua
inércia, isto é, mais ele resistirá à variação de sua
velocidade.
O adjetivo inercial é usado para diferenciar
conceitualmente a massa inercial da massa gravitacional,
que é medida por um dinamômetro (vulgarmente
conhecido como “balança de molas” ou “balança de
peixeiro” e que, na verdade, mede força  no caso, o
peso). Embora seja feita a diferenciação entre massa
inercial e massa gravitacional e os processos de medição
sejam distintos, os seus valores são sempre idênticos,
qualquer que seja o processo de medição. Por essa razão,
ambas são chamadas simplesmente de massa. A
Relatividade Geral, a teoria de gravitação de Einstein,
põe fim à questão da identidade entre as massas inercial
e gravitacional.
A unidade de massa, no SI, é o quilograma (kg), que é
uma de suas unidades fundamentais e é definida como a
massa do protótipo internacional do quilograma
(chamado de quilograma padrão), um cilindro de platina
com 10% de irídio, cuja altura e diâmetro valem 3,9 cm,
e que está depositado no Birô Internacional de Pesos e
Medidas, em Sèvres, próximo a Paris, França.
Medição de massa inercial
Um elefante resiste mais à variação de sua
velocidade do que uma bolinha de pingue-pongue. A
massa inercial do elefante é, portanto, maior do que a
massa inercial da bolinha de pingue-pongue.
Se um elefante e uma bolinha de pingue- pongue
forem levados para o espaço distante e for observada
uma colisão entre eles, notar seá que a variação de
velocidade do elefante, vE, será muito menor que a
variação de velocidade da bolinha, vB. Determinada
experiência poderia fornecer o seguinte resultado:
vB = 200.000 vE,
ou, com mais rigor:


vB = 200.000 vE .
Dizse então que a inércia do elefante é 200.000
vezes a inércia da bolinha, ou seja, que a massa inercial
do elefante é 200.000 vezes a da bolinha:
mE = 200.000 mB.
Temse, então, um procedimento experimental para
medição de massa inercial.
Num laboratório, é possível simular uma colisão entre
corpos isolados e medir as variações de suas
velocidades. A massa de um dos corpos é escolhida como
sendo a massa padrão mP. A massa de qualquer um dos
outros corpos pode ser dada, em função da massa
3
padrão, pela razão inversa entre as variações de
velocidade medidas.
Considere as colisões sucessivas do corpo p, de massa
padrão mP, com os corpos 1, 2, 3, etc..., com massas m1,
m2, m3, etc..., a serem medidas. É possível obter
experimentalmente as variações de velocidade dos
corpos em cada colisão. A razão inversa das variações de
velocidade fornece a massa a ser medida (em função do
padrão escolhido, como em qualquer medição). Por
exemplo, admita que o corpo 1 colida com o corpo p e que
a variação de velocidade do corpo p seja igual ao dobro
da variação de velocidade do corpo 1. Isso indica que a
inércia do corpo 1 é o dobro da inércia do corpo p:


v P =  2,0 v1  m1 = 2,0 mP
De forma semelhante, interpretase o resultado das
demais colisões:


v P =  0,5 v2  m2 = 0,5 mP


v P =  7,0 v3  m3 = 7,0 mP
Explicitando o processo de medição de massa:
Seja m a massa a ser medida e mP a massa padrão.
Medindo as velocidades antes e depois da colisão, temse:
v  v0 P
v
mP
m   P mP ou m   P
v  v0
v
A lei de conservação
Considere a colisão de dois corpos isolados, 1 e 2, de
massas m1 e m2.


v1  k v2  m2 = k m1
m
 k= 2
m1

m 
v1   2 v2
m1


m1 v1  m2 v2




m1 (v1  v 01 )  m2 (v1  v 02 )




m1 v1  m2 v2  m1 v0 1  m2 v02

Esta última equação evidencia que a quantidade mv é
conservada!
2. CONSERVAÇÃO DA QUANTIDADE DE MOVIMENTO
Quantidade de movimento
Conceito: Deriva de experiências de colisão, etc.
Definição: A quantidade de movimento (ou momento
linear ou momentum) de uma partícula é o produto entre
sua massa e sua velocidade.


p  mv
Unidade no SI: kgm/s ou Ns.
Observação:
Após a teoria da Relatividade Especial (Einstein,
1905), a quantidade de movimento foi redefinida,
passando a ser:


p  mv ,
1
onde  =
e c  3,0 x 108 m/s é a velocidade
2
1  (v / c)
da luz.
Se a velocidade v não for comparável com a
velocidade da luz, o fator  é muito próximo de 1. Ou
seja:
  1, se v << c.
Por exemplo, para v  3.000 m/s, temse
 = 1,000.000.000.05. Se a velocidade v for 1% da
velocidade da luz (v  3,0 x 106 m/s), temse
 = 1,000.05; se for 10%,  = 1,005. A partir daí, o fator
 cresce cada vez mais depressa.
Princípio de conservação
“A quantidade de movimento de um sistema de
partículas isolado é constante.”

pTotal  cons tan te
 
p  po
Subentende-se que a quantidade de movimento é
relativa a um referencial inercial.
Por sistema isolado, entende-se aquele sobre o qual
não atuam forças externas. No entanto, as partículas
que compõe o sistema podem interagir entre si, isto é,
pode haver forças entre elas.
3. LEIS DE NEWTON
Cada uma das três leis de Newton será apresentada
em duas versões. A primeira, de acordo com a redação
do próprio Newton, originalmente publicada no Principia4,
e a segunda, em linguagem mais moderna.
1ª lei de Newton (Princípio da inércia)
É uma síntese da discussão feita na seção 1.
Sistema isolado

p
“Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de
movimento uniforme em uma linha reta, a menos que ele
seja forçado a mudar aquele estado por forças
imprimidas sobre ele.” (Newton)
“Uma partícula livre tem quantidade de movimento
constante, em relação a um referencial inercial.”
Observação:
A esta altura, deve-se perceber que a primeira lei de
Newton define referencial inercial, isto é, indica os
referenciais nos quais as leis de Newton são válidas.
2ª lei de Newton (Equação de movimento)
De posse dos conhecimentos acumulados até aqui, é

p1

p2
possível interpretar a HQ acima. Vê-se uma partícula em
movimento. Entre o instante inicial (primeiro quadrinho)
e o final (segundo quadrinho), a quantidade de
movimento da partícula variou. Logicamente não se trata
de uma partícula livre. É fácil intuir que houve a ação de
uma força sobre ela. Esta força produziu (ou foi
equivalente ou foi igual) a variação da quantidade de
movimento da partícula durante o intervalo de tempo. Se


F é a força, p é a variação da quantidade de
movimento e t é o intervalo de tempo, escrevese:

 p
F
t

Admitese que F é o valor médio da força durante
este intervalo de tempo. Fosse ele muito pequeno,
teríamos o valor instantâneo da força:

 dp
F
dt
4
NEWTON, Isaac, Sir. Princípia: princípios matemáticos de
filosofia natural. São Paulo, EDUSP, 1990.
4
Considerouse, sem razão alguma, que apenas uma
força atuou sobre a partícula, quando este número

poderia ter sido maior. Assim, F deve representar a
resultante das forças que atuam sobre a partícula.
Enunciamos então a segunda lei de Newton:
“A mudança de movimento5 é proporcional à força
motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta
na qual aquela força é imprimida.” (Newton)
“A soma de todas as forças que atuam sobre uma
partícula é igual à razão entre a variação da quantidade
de movimento da partícula e o intervalo de tempo no qual
se deu essa variação (relativamente a um referencial
inercial).”


dp
FRES 
dt

 dp
F 
dt
Admitindo que a massa m da partícula é constante,

dp
se reduz ao produto entre a massa e a aceleração da
dt
partícula:




dp d(mv )
dv

m
 ma
dt
dt
dt
Coube a Euler, em 1750, o enunciado da segunda lei no
formato em que ela é tradicionalmente conhecida:
“A soma de todas as forças que atuam sobre uma
partícula é igual ao produto de sua massa pela sua
aceleração.”


 F  ma
Esta formulação particular tem o mérito de
relacionar a ação do agente externo (força), a
propriedade do corpo que regula a resposta a esta ação
(massa) e a resposta propriamente dita: a mudança do
movimento do corpo (aceleração).
3ª lei de Newton (Princípio da ação e reação)
Sistema isolado

p1

p2
Considere um sistema isolado constituído por um par

de partículas, 1 e 2, com quantidades de movimento p1 e

p2 , conforme mostrado no quadrinho. A quantidade de
movimento do par é conservada:


p1  p2  C TE
 
 (p1  p2 )   (C TE )


p1  p2  0
5
Newton já havia definido anteriormente que a medida do
movimento era o produto entre a massa e a velocidade.


p1  p2


p1
p2

t
t


dp1
dp2

dt
dt
Pela segunda lei de Newton, o primeiro termo é a
soma das forças que atuam sobre a partícula 1. Como o
sistema é isolado, a única força que atua sobre a
partícula 1 é a força exercida pela partícula 2, denotada

por F2 / 1 . Pelas mesmas razões, o segundo termo é a

força F1 / 2 que a partícula 1 exerce sobre a partícula 2.
Então, escrevese:


F2 / 1   F1 / 2
Conclui-se que essas forças possuem o mesmo módulo,
a mesma direção e sentidos opostos. Esse é o conteúdo
da terceira lei de Newton. Uma dessas forças é chamada
de ação e a outra de reação. Então, enunciase a 3ª lei
de Newton:
“A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou,
as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são
sempre iguais e dirigidas a partes opostas.” (Newton)
5
“Enquanto um corpo exerce força sobre outro, este
também exerce força sobre aquele e essas forças
possuem o mesmo módulo, a mesma direção e sentidos
opostos.”


F12   F21
Observações:
1) Os nomes ação e reação podem ser atribuídos
indistintamente a qualquer das forças do par açãoreação.
2) A terceira lei pressupõe que as interações são
instantâneas. Porém, as interações mútuas entre duas
cargas elétricas em movimento, que tipicamente é um
par ação-reação, não possuem o mesmo módulo nem a
mesma direção. Portanto, a terceira lei não é válida no
eletromagnetismo.
Entretanto,
o
princípio
de
conservação da quantidade de movimento permanece
válido.
OBS
Excelente dicussão sobre as leis de Newton
encontra-se em LUCIE, Pierre. Física básica, v. 1. Rio de
Janeiro: Campus, 1979.
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