26/01/2013 Marcial Portela presidente do Banco Santander Br. "A intervenção do governo não é exagerada" O sociólogo espanhol Marcial Portela, 67 anos, presidente do banco Santander no Brasil desde o fim de 2011, avalia que o sistema financeiro brasileiro está prestes a atravessar sua mais profunda mudança desde o fim da inflação. Por Cláudio GRADILONE O sociólogo espanhol Marcial Portela, 67 anos, presidente do banco Santander no Brasil desde o fim de 2011, avalia que o sistema financeiro brasileiro está prestes a atravessar sua mais profunda mudança desde o fim da inflação. E o mais relevante nesse processo é que ele está surgindo não por um ato voluntarista do governo, mas como uma demanda da sociedade. Segundo Portela, que nas últimas semanas teve de negar rumores de mercado da venda do Santander Brasil ao Bradesco, há muito espaço para o crescimento do banco no Brasil. De acordo com o executivo, os empresários internacionais que não investiram no País estão aflitos para trazer algum capital para cá. Portela conversou com a DINHEIRO: DINHEIRO – Vamos começar com uma pergunta a que o sr. deve ter respondido várias vezes nas últimas semanas. O banco está negociando com o Bradesco? O Santander Brasil está à venda? MARCIAL PORTELA – Absolutamente, não. Somos compradores no Brasil, como disse o presidente Emílio Botín à presidenta Dilma Rousseff (na terça-feira 22). No momento estamos privilegiando o crescimento orgânico, pois há poucas oportunidades de compra no mercado brasileiro, mas, se surgir algo interessante a um preço que faça sentido, nós compraremos. DINHEIRO – Qual foi a agenda da conversa de Emílio Botín com a presidenta Dilma? PORTELA – Nossa posição com relação ao Brasil não mudou. Temos um 1 compromisso forte com o processo de transformação que o País está experimentando. Atualmente, o Brasil representa cerca de um quarto do resultado total do grupo Santander. O País é absolutamente estratégico para o grupo. Tanto que o presidente Botín recebe relatórios diários do que acontece aqui, seja no banco, seja na economia. É impensável imaginar que sairemos daqui, e provamos isso com números. DINHEIRO – Quais? PORTELA – Neste ano, vamos investir R$ 3 bilhões em tecnologia. Desse total, pouco mais de R$ 1,1 bilhão será empregado na construção de um novo centro de processamento de dados em Campinas. O edifício será entregue em março e os computadores serão transferidos gradualmente para lá até dezembro. É um centro de processamento de primeira linha, que estará entre os mais seguros no mundo. Investimentos como esse mostram a nossa disposição de nos adaptarmos às mudanças que virão no sistema bancário brasileiro. DINHEIRO – O que vai provocar essas mudanças? PORTELA – A sociedade brasileira mudou muito nos últimos dez anos. O melhor exemplo é a ascensão social de 60 milhões de pessoas que atualmente têm acesso a um cartão, a uma contacorrente, a crédito. Isso é uma mudança radical e, por isso, a própria sociedade brasileira demanda que o sistema financeiro se adapte à nova realidade. Muita coisa vai mudar, desde os produtos bancários até a forma como captamos dinheiro e nos relacionamos com os clientes. Os bancos ainda têm muitos produtos e procedimentos herdados de uma época de hiperinflação. Apesar de a inflação ter acabado há quase 20 anos, ainda estamos presos a práticas que provocaram distorções e vêm impedindo um crescimento dos empréstimos. DINHEIRO – Quais distorções? PORTELA – Em nenhum país os juros caem tanto e tão depressa quanto caíram no Brasil nos últimos 18 meses, sem provocar fortes distorções no sistema. O melhor exemplo é o crédito. Atualmente há muitos subsídios cruzados, ou seja, alguns clientes subsidiam os outros. As grandes corporações brasileiras pagam juros mais baixos do que empresas do mesmo porte no Canadá, nos Estados Unidos ou na Europa. No entanto, os custos dos bancos são elevados e o ganho com esses empréstimos é mínimo. Então, quem paga a conta são os clientes que recorrem a financiamentos mais caros, como o cheque especial e o cartão de crédito. DINHEIRO – Quer dizer que o cliente pessoa física paga juros altos para que a grande empresa tenha acesso a crédito barato? PORTELA – Sim. Algo parecido ocorre nos cartões. Há uma prática muito comum no mercado, que é o parcelamento sem juros, no cartão de crédito. Muitos clientes conseguem parcelar suas compras sem pagar juros, mas esse dinheiro tem custo e tem de ser pago por alguém. Esse alguém é a minoria de clientes que compra com cartão, pagando juros. Por isso, os spreads dessas linhas são tão elevados, porque alguns clientes subsidiam os outros. Quando o Brasil tinha juros de 25% ou 30% ao ano, era possível justificar um spread tão alto. Agora que as taxas estão pouco acima de 7%, e devem permanecer nesses níveis por muito tempo, spreads tão altos são insustentáveis. A 2 necessidade de se adaptar a esse novo cenário vai mudar a forma de o sistema trabalhar. DINHEIRO – Qual será o impacto sobre os bancos? PORTELA – No curto prazo, eles vão sofrer uma pressão para se adaptarem, mas, no longo prazo, o sistema financeiro será mais sustentável. Será preciso estar muito mais atento a custos, investir pesadamente em tecnologia, e eventualmente compartilhar alguns processos para reduzir os gastos. DINHEIRO – A estratégia agressiva que os bancos públicos adotaram recentemente tornou o seu dia a dia mais difícil? PORTELA – Nosso dia a dia é sempre difícil, com ou sem bancos públicos. No entanto, é bom que haja três grandes bancos privados (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) e três grandes bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES). A economia brasileira ganha por haver bancos diferentes, operando de maneiras diferentes e com estratégias distintas. O fato de os estatais serem mais agressivos em momentos de crise, enquanto os bancos privados se retraem, é bom para o País, pois isso ajuda a economia a não desacelerar. Não é meu papel julgar a política de risco de crédito dos meus concorrentes. Mesmo assim, nunca tivemos dificuldade para expandir nossa carteira de crédito porque os bancos estatais estavam mais ativos. O que nos atrapalha são outras coisas. DINHEIRO – Quais são elas? PORTELA – O crescimento mais fraco da economia e o aumento da inadimplência, entre outros fatores. Tivemos momentos de crescimento mais acelerado, como o de dois anos atrás, e outros de crescimento mais lento, como em 2012. O segundo semestre do ano passado foi muito ruim, esperavase um crescimento de 3% a 4% para a economia, e esse número deve ficar ao redor de 1%. Isso nos atrapalhou um pouco, mas os prognósticos para 2013 são melhores. DINHEIRO – O Santander tem mantido uma postura cautelosa, e o banco empresta menos do que a concorrência. O que os srs. esperam para este ano? PORTELA – Nossa meta é que a carteira de crédito tenha um crescimento de 15%, mantendo nossos índices de inadimplência iguais ou menores do que no ano passado. Para isso, apostamos principalmente na carteira de pequenas e médias empresas, e na conquista de folhas de pagamento. No caso dessas empresas, nossa estratégia está baseada na atração de clientes por meio da nossa processadora de transações financeiras, a GetNet. No caso da pessoa física, vamos avançar na segmentação na alta renda. DINHEIRO – No fim do ano passado, os srs. demitiram 1,2 mil funcionários. Por quê? PORTELA – Esse número de demissões foi elevado pela coincidência de dois eventos. No fim do ano, fazemos nossa avaliação de desempenho, o que sempre provoca demissões. Em 2012, essa avaliação coincidiu com o término do processo de integração do Santander com o ABN. Várias funções 3 duplicadas e superposições foram extintas, daí o número de demissões. Mas o processo de integração está concluído. Agora é tocar a vida e fazer o banco crescer. DINHEIRO – Mesmo em um ambiente de maior intervenção do governo sobre o sistema? PORTELA – Nossa visão é diferente. O Brasil tem intervenção? Sim. É uma intervenção exagerada? Não. Se compararmos a regulamentação bancária brasileira com a do Reino Unido, teoricamente o país mais liberal, ou com a regulamentação americana, o Brasil está em um patamar perfeito de regulamentação. O País está passando por transformações profundas e precisa de regras diferentes. O mercado não tem a capacidade de se autorregulamentar todo o tempo, por isso é preciso haver um árbitro que imponha as novas normas. Claro, às vezes o governo não se comunica bem. No entanto, há seis meses, o governo fez algumas declarações sobre a necessidade de reduzir spreads e tarifas. A intervenção foi só isso, foram algumas declarações, e eram pertinentes, considerando-se o novo patamar das taxas de juros. DINHEIRO – Mas isso não assusta os investidores, especialmente os estrangeiros? PORTELA – Não. Eu tenho conversado com empresários e executivos de vários países: França, Alemanha, Reino Unido. O Brasil é considerado um mercado grande, estável, com robustez institucional, seguro e confiável. Todos os investidores que ainda não estão no Brasil mostram-se aflitos para trazer seu dinheiro para cá. ================================================ 4