Quaresma da esperança ( 2012 ) Caros amigos: Olá a todos. Estamos no início de mais uma caminhada Quaresmal. Quero acompanhar-vos mais uma vez na peregrinação que Jesus nos convida a fazer com Ele em direcção a Jerusalém. Come é habitual, ofereço-vos uma reflexão sobre o mistério da Sua Paixão, Morte e Ressurreição, centrada no Evangelho quotidiano. Dos vários métodos que podemos usar para rezar e meditar sobre o Evangelho, retomo um método que é dos meus favoritos: centrar a minha reflexão à volta de uma palavra do Evangelho do dia que resume o seu conteúdo principal. O tema que escolhi este ano é o da ESPERANÇA, um dos temas que resume, a meu ver, a essência do Evangelho de Jesus e que é, ao mesmo, um tema muito actual dadas as circunstâncias do nosso mundo actual. A Quaresma é um presente muito especial que Deus nos oferece, porque podemos e devemos aprender muito com a experiência de Jesus e dos seus discípulos. Durante esta peregrinação, somos convidados a rever, reforçar e cimentar as nossas relações pessoais com Deus e com os outros. Façamos então o propósito de viver estes dias com um coração aberto e uma atitude de profunda humildade. Só assim podemos acolher Deus no nosso coração, para depois acolher todos aqueles que Ele coloca na nossa vida. A todos os votos de uma boa peregrinação. QUERO CAMINHAR CONTIGO! Jesus, meu irmão, Eis-me pronto para caminhar contigo Em direcção a Jerusalém. Tu convidas-me a ser teu discípulo Renegando-me a mim próprio E assumindo a minha cruz. Sei que não é fácil, mas também sei Que não me abandonas nunca. 1 Dá-me a força para carregar a minha cruz Com esperança, com alegria e perseverança. Ajuda-me a ajudar os outros a carregarem a sua cruz. Ajuda-me a pôr em prática o teu evangelho, Para me tornar autenticamente Teu discípulo, teu amigo e teu missionário. E que esta peregrinação Quaresmal seja para mim Uma confirmação do meu amor por ti E por todos à minha volta. Ámen. PAI (22 Fev. – 4a feira de Cinzas) Palavra “Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará.” (Mateus 6:6) Meditação Uma das revelações mais bonitas e inesperadas de Jesus é a de que Deus é Pai. Para os Fariseus e outros líderes religiosos, tal novidade é pura e simplesmente uma heresia. Para nós, ela exprime a essência de Deus: Ele é amor. Como bom judeu, Jesus usa o termo “Pai” para falar de amor e das nossas relação com Deus, mas sabemos bem que Deus não é só Pai: é Mãe, é irmão, irmã, é amigo, é companheiro. Deus quer partilhar quem é e o que tem com cada um de nós; por isso, intervém na nossa história pessoal para nos ajudar a descobrir e a compreender o sentido e o sabor autêntico da vida. Se Deus é amor, é nas nossas relações inter-pessoais que o experimentamos. Jesus revelou esta identidade de Deus convivendo com tantos, partilhando com eles o seu amor e ajudando-os a redescobrir o sentido e a beleza da vida. Por isso, sempre que dizemos “Pai nosso” estamos a aderir à lógica do amor. E aderir significa identificar-se completamente com Deus, para nos identificar-mos sempre e cada vez mais com o próximo. Acção Que significa para mim amar como Deus ama? Quero amar como Ele? 2 PERDER (23 Fev.) Palavra “Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará”. (Lucas 9:24) Meditação Ninguém gosta de perder, excepto quilos e rugas. Mas perder a vida significa, curiosamente, ganhá-la. É esta a lógica de Jesus, se bem que nada tenha a ver com a lógica humana. Para nós, perder é perder e ponto final. Mas perder, no contexto do Evangelho, tem a ver com ganhar/conquistar o amor do próximo, tem a ver com partilha profunda do que somos e temos com quem é mais necessitado do que nós, tem a ver com investir não só com as coisas mas sobretudo no próximo, interessando-nos pelo seu bem-estar e felicidade. Mas sabemos que é muito mais fácil e tentador olhar só para o nosso umbigo e tornarmo-nos o centro do nosso mundo. Jesus perdeu tudo para nos dar tudo e é neste dar-nos tudo que nos revela o seu amor. A cruz, como tal, não é sinal de derrota mas sim de vitória. Façamos o propósito de perder, isso sim, o nosso orgulho, a nossa vaidade e a nossa vontade teimosa e egoísta. Neste sentido, a nossa perda será na verdade um ganho para todos, pois nos aproximará mais de Deus e do próximo. . Acção O que devo perder para ganhar o próximo? JEJUM (24 Fev.) Palavra “Dias virão, porém, em que lhes será tirado o noivo, e então hão-de jejuar.” (Mateus 9:15) Meditação Todos sabemos que, como cristãos e católicos, devemos rezar, jejuar e cumprir as leis da Igreja, mas não é só a observância de preceitos e normas que nos salva. Pelo contrário, se elas não se transformam em actos concretos de amor, partilha e serviço deixam de ter qualquer sentido. Por isso, jejuar significa acima de tudo abstermo-nos do 3 nosso orgulho, dos nossos projectos de felicidade centrados só que no que nós queremos. Que adianta deixar de comer isto ou aquilo se nos “empanturramos” com atitudes que nos afastam do próximo? A nossa consciência precisa de ser ensinada a saber distinguir quais as atitudes em nós que causam dor e sofrimento nos outros das que são necessárias para a nossa felicidade, não esquecendo que só podemos ser felizes quando os outros também o são. Certo, não podemos salvar o mundo nem mudar a vida de todos para melhor, mas podemos e devemos começar por alguém que está a nosso lado. Que adianta rezar pela paz no mundo se não vivo em paz comigo mesmo e com o meu próximo? Ou que adianta rezar ao “meu Deus” se esta oração não me aproxima mais do próximo? Acção Que jejum me pede Deus neste momento concreto da minha vida? CHAMAR (25 Fev.) Palavra “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores.” (Lucas 5:32) Meditação O verbo “chamar” é um dos que melhor descreve a relação que Jesus tem cada um de nós. Ele chamou-nos à vida através do amor dos nossos pais, chamou-nos à comunhão com Ele através do Baptismo e da Eucaristia e chamou-nos à missão com os dons e qualidades que colocou em cada um de nós. Ele continua a chamar-nos para continuarmos a sua missão. Mas antes devemos converter-nos a Ele, à sua lógica e assumir as mesmas atitudes que o tornaram tão famoso e querido. Ou seja, Ele é o nosso modelo e, como tal, chamanos para nos enviar depois como modelos. Mas somos nós modelos para os outros? Conseguimos nós falar de Deus com a nossa vida? Vemos as igrejas esvaziarem-se cada vez mais e tentamos encontrar razões para este fenómeno. Mas… não terão algumas destas razões a ver connosco? Não seremos nós por vezes anti-modelos de amor, de partilha e consolação? Mas não caiamos em pessimismos: assumamos a nossa identidade de cristãos sem medo ou vergonha e sejamos para esta sociedade modelos de justiça, rectidão, verdade e 4 solidariedade, pois ela precisa desesperadamente de cada um de nós. E como a sociedade é formada por famílias, é em primeiro lugar na nossa família que devemos começar esta transformação. Acção A que chama Deus hoje? E a quem me envia? TENTAÇÃO (26 Fev. – Primeiro Domingo da Quaresma) Palavra “E esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por Satanás; estava entre as feras, e os anjos serviam-no.” (Marcos 1:13) Meditação É curioso vermos como Satanás tenta Jesus: mesmo sabendo com quem estava a falar, não desiste de o tentar. Este deixar-se tentar por Jesus é uma forma de identificação total com a nossa humanidade, pois uma das experiências mais recorrentes na nossa vida é precisamente a de sermos tentados a algo. Somos tentados a viver sem Deus, a viver segundo as nossas regras e gostos, a termos tudo aquilo que consideramos indispensável para a nossa felicidade, trocando por vezes as pessoas por coisas materiais. E ficamos deprimidos e tristes quando não temos tudo o que queremos, culpando imediatamente Deus e os outros pelo “mal” que nos acontece. Será por este motivo que Jesus colocou na oração do “Painosso” um pedido especial, bem no fim da mesma: “e não nos deixeis cair em tentação.” Por vezes, a tentação do mal é demasiado forte, mas se permanecemos unidos a Cristo conseguiremos vencer toda e qualquer tentação. Ao mesmo tempo, seremos força para os outros à nossa volta. E consideremos as tentações não como uma prova da qual temos de fugir “como quem foge do diabo”, mas como um momento de crescimento, pois só não é tentado quem não está vivo. Acção Sou consciente das minhas tentações? Que faço para não cair nelas? IRMÃOS (27 Fev.) Palavra 5 “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.” (Mateus 25:40) Meditação Jesus era um homem bastante prático. Não se perdia com “tretas” sobre isto ou aquilo, usando palavras complicadas e acessíveis apenas aos estudiosos. Pelo contrário, falava sempre através de histórias simples e eficazes. E todas elas falavam de uma só tema: o da fraternidade humana. Mesmo as parábolas que usava para explicar o Reino dos Céus tinham como objectivo final o de ajudar as pessoas a compreenderem que era necessário mudarem de atitude em relação ao próximo. Sim, porque o Reino de Deus tem precisamente a ver com relações de amor e partilha solidária. Mas Jesus não era um charlatão: pelo contrário, era o primeiro a pôr em prática tudo quanto dizia. Como seria bom se os nossos líderes, começando pelos políticos, líderes financeiros e também os religiosos de todas as religiões fossem como Ele: pessoas de palavra e de acção, pessoas coerentes e justas, que se preocupam verdadeiramente pelo bem comum. Ora, sabemos que é fácil apontar o dedo aos outros, mas como dizia alguém “quando apontamos um dedo a alguém, temos quatro apontados a nós próprios.” Comecemos então por fazer aos outros o que esperamos que nos façam, pois só assim seremos construtores de um mundo melhor. Acção Preocupo-me também com as necessidades dos outros ou fecho-me no meu egoísmo? ORAÇÃO (28 Fev.) Palavra “Portanto, orai deste modo: Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome.” (Mateus 6:9) Meditação São muitos os que dizem “não sei rezar.” E são ainda muitos mais os que raramente rezam. Porque será? As razões são várias: falta de tempo, preguiça, “isso é coisa de padres e freiras… e das beatas”, etc. Também há quem só reze quando se encontra em apuros ou vá à 6 igreja nos momentos centrais da vida de todos os cristãos: baptizados, comunhões, casamento e funerais. A definição mais comum de oração é “falar com Deus”. Ora, porque falamos então com Ele? E quando falamos, deixamos que Ele nos fale? Pessoalmente, creio que a oração é acima de tudo uma relação. Ou seja, rezar é relacionar-me com Deus. Rezar é entrar em intimidade com Ele em todos os momentos da minha vida, de modo que a minha vida se torne oração. Como tal, não é só na igreja que podemos rezar, nem precisamos de ter estudado teologia para sermos mestres na arte de saber rezar. E quando rezamos, caso comecemos pelo agradecimento, certamente a nossa oração terá um rumo diferente do que quando a começamos com uma longa lista de pedidos. Desta relação especial de amor que é rezar deve nascer a nossa vontade de rezar com a vida e de sermos a resposta de Deus aos pedidos que o nosso próximo lhe coloca. Ou seja, rezar é ser activo, é amar. Acção Rezo só com os lábios? Ou também com a minha vida? SINAL (29 Fev.) Palavra “Esta é uma geração perversa; ela pede um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado senão o de Jonas.” (Lucas 11:29) Meditação Um dos maiores poderes de Jesus e o que mais fascinava quem o seguia era o de fazer milagres. Só o som desta palavra faz vibrar o nosso coração. De facto, muitos andavam atrás dele só para verem milagres ou serem eles próprios curados de alguma doença. Ainda hoje há pessoas que vivem em busca de milagres, de visões de Deus ou outros fenómenos extraordinários. E fazem-no por várias razões, incluindo a desilusão com a vida de todos os dias, com as pessoas que vivem com elas e com o anonimato da sua existência, para não falar da vontade de ganhar o euro milhões. Como seria bom se Deus respondesse a todos os nossos pedidos e nos cobrisse de milagres. Mas como isso não acontece, só nos resta tomar consciência de que temos em nós as capacidades para atingirmos a felicidade… mesmo 7 sem milagres que tanto desejamos. Só que para tal precisamos de rever o nosso conceito de “milagre”: se por milagre considerarmos uma mudança de estado (por exemplo, um doente que fica curado), veremos então que há muitas mudanças que podemos alcançar na nossa vida. Por exemplo, um acto de perdão é um milagre, pois ele sara as feridas e permite que o amor reine no coração de quem o ofereceu e de quem o recebeu. Uma visita a um doente ou idoso que vive sozinho é um milagre, porque apenas nos vêem a sua tristeza se transforma em alegria. Uma televisão apagada para que a família possa dialogar é um milagre, porque sem comunicação e partilha de vida uma família passa a ser um grupo de pessoas que vivem juntas mas não se amam. Então, estamos á espera de quê para fazer milagres? Acção Espero de Deus só favores, bênçãos e milagres? Ou sou uma bênção, um milagre para quem está a meu lado? RECEBER (1 Março) Palavra “Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, encontra; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.” (Mateus 7:8) Meditação Sendo Deus um Pai-Mãe-Irmão-Irmã-Amigo que gosta de se dar, de partilhar connosco o que é e o que tem, certamente já nos ofereceu muito ao longo da nossa vida. Sim, de facto recebemos muito dele, mas nem sempre lhe agradecemos. Também recebemos muito dele através das pessoas que ele vai colocando na nossa vida, mas nem sempre lhes sabemos agradecer! Muitas vezes não agradecemos porque damos por descontado ou pensamos que é uma “obrigação” de Deus e dos outros darem-nos o que nos dão. Sim, é bom receber carinho, amor, interesse, atenção, tempo e disponibilidade por parte dos outros. Mas se Deus nos dá assim tanto, o que nós recebemos ao longo da vida torna-se, ao mesmo tempo, um desafio. Sim, um desafio à partilha, à acção, ao arregaçarmos as mangas e construir a paz, a compaixão, a solidariedade, a fraternidade e sentido de 8 comunhão à nossa volta. Se os outros recebem também de nós, Deus continuará a ser para Ele uma fonte de vida, de esperança, de paz e consolação. E aprendamos também a saber receber as contrariedades da vida, pois elas são uma oportunidade para crescermos e nos aproximarmos mais de Deus e do próximo, pois nunca estaremos sós nem abandonados se soubermos dar e dar com gratuidade e abundância. Acção Gosto mais de dar ou de receber? E quando recebo sei agradecer com todo o coração? RECONCILIAÇÃO (2 Março) Palavra “Deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.” (Mateus 5:24) Meditação Conversão e reconciliação estão intimamente ligadas, porque só conseguimos reconciliarmo-nos com Deus e com o próximo quando nos convertemos verdadeiramente. Converter-se significa mudar de rumo, mudar de atitude, ver com a mente o coração. Esta mudança implica muita humildade e a capacidade de nos mostrarmos tal como somos. Porém, nem sempre é fácil ser humilde nem revelar quem somos na verdade, pois cada vez mais a nossa sociedade discrimina quem é ou aparenta ser fraco, diferente, fora do normal. A reconciliação aproxima-nos do próximo e ajuda-nos a valorizá-lo. Não devemos viver a vida segundo o que a publicidade nos apresenta como ideal ou deixando-nos levar pela inveja e pela vaidade. Quando deixarmos este mundo, nada levaremos connosco a não ser o amor que conseguimos acumular no nosso coração. Como tal, enquanto estamos vivos, façamos o possível por viver uma vida com sentido, ou seja, vivendo em paz com todos, começando por nós próprios, para podermos viver não só com a consciência tranquila como com um coração cheio de serenidade e alegria. Acção 9 Vivo reconciliado comigo mesmo, com Deus e com o próximo? PERFEITOS (3 Março) Palavra “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste.” (Mateus 5:48) Meditação Costumamos dizer que “perfeito só Deus”. Mas mesmo assim Jesus não deixa de nos dizer que devemos ser perfeitos. E porque será? No meu ver, nestas palavras está implícito o convite à acção. Ou seja, Jesus acredita em nós e sabe que podemos ser e dar muito mais do que somos e damos actualmente. Mas para isso temos de nos mexer, temos de deixar de lado as nossas cobardias e preguiças e agir. Para tal, é necessária, obviamente, uma boa dose de auto-confiança e muito apoio e inspiração por parte de Deus. E é sobretudo no sacramento da Eucaristia e quando fazemos as nossas orações que recebemos esta inspiração e apoio. Mas não basta: Deus só age em nós se o deixarmos agir. E só agiremos quando tivermos bem claro na nossa mente qual o objectivo a alcançar. Neste caso, Jesus indica-nos como objectivo a perfeição, ou seja, darmos o melhor de nós para viver uma vida cada vez mais intensa, profunda e cheia de sentido. Há pessoas que passam pela vida sem um rumo claro, sem motivos para dar o melhor de si mesmas e chegam ao fim da vida com um profundo sentido de falhanço, de vazio, de terem desperdiçado tudo. Não queremos ser como elas, pois não? Acção Quais são as minhas prioridades na vida? E que devo fazer para as alcançar? AMADO (4 Março – Segundo Domingo da Quaresma) Palavra “Este é o meu Filho muito amado; escutai-o.” (Marcos 9:7) Meditação Um dos desejos mais fortes e profundos que todos levamos no coração é este: sermos amados! Ninguém gosta de ser esquecido, 10 maltratado, enganado, humilhado, discriminado, abandonado. Pelo contrário, todos queremos ser amados, reconhecidos, valorizados. Ora, se queremos isto para nós, é óbvio que devemos quere-lo também para os outros. Mas aqui está uma das grandes causas de tanta crise de valores, de tanta frustração, de tanta corrupção e mentira: nem todos querem para os outros o que desejam para si próprios. Se amar é uma relação, devemos rever o modo como amamos, pois é na medida que amamos que somos amados. E, se quando dermos muito, não recebermos em troca a mesma medida, não importa, até porque o amor deve ser dado gratuitamente. Se o damos esperando algo em troca, deixa de ser amor: é puro interesse. Amar é uma arte, pois ninguém nasce ensinado. Jesus é o nosso mestre, o qual nos ensina também através de familiares e amigos. Só que, mais uma vez, devemos recordar que toca a nós ser os primeiros a amar, a ir ao encontro do outro, tal como Jesus veio e continua vindo ao nosso encontro. Só somos verdadeiramente amados quando quem está nosso lado é amado por nós. Acção Que faço para que o outro se sinta amado? Ou espero que me amem, me aceitem, me entendam, me perdoem, me motivem, me consolem sem fazer nada por eles? PERDOAR (5 Março) Palavra “Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados.” (Lucas 6:37) Meditação Na única oração que Jesus nos ensinou, o perdão tem um lugar de destaque. Sabemos bem quanto custa perdoar ou pedir perdão, sobretudo quando quem nos ofendeu é alguém que amamos profundamente. Parece uma contradição, mas é no contexto familiar que sucedem o maior número de brigas e discussões: entre marido e mulher, pais e filhos, entre irmãos. Também porque por vezes julgamos e condenamos com dureza e algumas vezes fazemo-lo sem conhecer os motivos que estão por detrás do que o outro nos fez. Ora, 11 o perdão é um instrumento de reconciliação, é um medicamento eficaz para a dor causada pela ofensa, é um instrumento de paz e de renovada harmonia. Mais uma vez, Jesus convida-nos a dar o primeiro, ou seja, a perdoar. Mas é só quando somos humildes e sabemos valorizar o outro, quando sabemos distinguir entre pecado e pecador que saberemos e poderemos verdadeiramente perdoar. Porque, precisamente, o perdão é uma expressão profunda de amor. E só quem sabe amar verdadeiramente será capaz de perdoar e esquecer o mal que recebeu. Sim, porque nem sempre esquecemos mesmo quando dizemos que perdoamos. Sempre que oferecemos o nosso perdão, estamos a fazer precisamente o que Jesus fez quando perdoava: ele oferecia não só o perdão, mas também o seu amor, a sua amizade e a possibilidade de um novo início. Acção É-me fácil ou difícil perdoar? A quem me custa mais perdoar? Porquê? FAZER (6 Março) Palavra “Portanto, fazei e observai tudo o que vos disserem; mas não façais conforme as suas obras; porque dizem e não praticam.” (Mateus 23:3) Meditação Sabemos que Jesus era muito crítico em relação às autoridades religiosas do seu tempo, sobretudo dos Fariseus e Escribas. Para Ele, o importante não é só rezar muito e saber isto e aquilo sobre Deus, mas sim pôr em prática o que Deus ensina. Ou seja, fé sem obras não é fé. Eis porque Jesus os criticava frequentemente. Pior ainda: não só não praticavam a sua fé como se aproveitavam da sua posição social não para servirem a gente, mas para serem servidos. Certo, esta prática ainda é muito actual, pois não é só no campo da religião que alguns falam muito e pouco ou nada fazem. Porém, não adianta apontar dedos e encontrar culpados. Comecemos por nós próprios e questionemos o modo como vivemos a nossa condição de baptizados. Se calhar, não somos tão dedicados quanto poderíamos e deveríamos ser porque criticamos este e aquele por ser assim ou assado; talvez tenhamos razão, mas não podemos desculpar a nossa eventual falta 12 de empenho e testemunho de vida acusando outros de serem piores do que nós. Um dos valores mais apreciados por todos, independentemente das cores políticas ou religiosas, é o da coerência. Ou seja, viver de acordo com o bem em que se acredita. Sim, porque mesmo quem diz não acreditar em Deus terá como critério positivo este da coerência. Ora, somos coerentes com a nossa fé? Somos coerentes com o facto de sermos pais, irmãos, amigos de alguém? Criticar os outros é fácil, mas também nós dizemos que acreditamos no amor e no serviço mas nem sempre os pomos em prática. Acção A minha fé baseia-se somente em palavras ou consigo exprimi-la com actos de caridade e serviço? CONDENAR (7 Março) Palavra “O Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, e eles o condenarão à morte.” (Mateus 20:18) Meditação Condenar é outra atitude do coração que nos sai com muita facilidade. É muito fácil acusar, condenar e encontrar defeitos e limites nos outros. Obviamente, perdoar torna-se quase impossível quando nos deixamos levar pelo ódio. Claro, perdoar não algo automático, pois por vezes precisamos de tempo para o fazer, dado estarmos magoados com a ofensa que cometeram contra nós. Porém, quando condenamos, quase sempre o fazemos para esconder os nosso próprios defeitos e culpas e, por vezes, porque nos achamos melhores do que os outros. Mas na verdade não o somos, porque a nossa indiferença e intolerância se tornam instrumentos de dor. Curiosamente, quando alguém nos condena ou acusa porque descobriu em nós algo de errado, imploramos para que não nos condenem. Pedimos compreensão e perdão. Ora, se queremos isto para nós, porque não ser assim para com os outros? E quando devemos corrigir alguém, devemos faze-lo com amor: por exemplo, quando criticamos, devemos faze-lo de um modo construtivo e não destrutivo, pois cada um de nós nasce com o bem no coração. Certo, 13 tudo isto é muito bonito quando dito, pois pô-lo em prática é bem mais difícil. Mas quem disse que amar era fácil? Acção Tenho compaixão pelos outros ou condeno-os sem pensar duas vezes, sem sequer me preocupar com as suas razões? BENS (8 Março) Palavra “Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que em vida recebeste muitos bens, e Lázaro muitos males; agora, porém, ele aqui é consolado, e tu atormentado.” (Lucas 16:25) Meditação Mais uma vez, Jesus ensina-nos sobre a importância da partilha e desta vez fá-lo com o exemplo de alguém que não soube partilhar. Sabemos bem que a vida não é possível sem muitos dos bens materiais que possuímos ou tentamos possuir. Mas sabemos também que não devemos apegar-nos demasiado a eles, pois eles não mais importantes do que as pessoas. É com as pessoas que podemos e devemos trocar bens ou dons mais preciosos: o dom do amor, da amizade, do carinho, de um abraço, do nosso tempo e dedicação. Os bens que temos não são só para nosso uso e conforto pessoais; devem ajudar-nos a aproximar-nos do próximo, não para o controlar mas sim para o ajudar. Mas nem sempre o fazemos; pelo contrário, esbanjamos tanto, desde dinheiro mal gasto a tempo perdido com coisas menos importantes. Sim, por vezes desperdiçamos tempo que podia ser usado para amar, para servir, para consolar. E os anos vão passando e, quando damos por ela, vemos que perdemos varias oportunidades de crescer, de sermos felizes e de fazermos felizes os outros. Façamos então o propósito de usar bem os bens que temos, começando pela saúde, pela criatividade, pelo tempo, pelas nossas qualidades e possibilidades e deixemos que Deus os use para fazer felizes todos à nossa volta. Acção Quais são os meus bens mais preciosos? São-no só para mim ou 14 também para os outros? MATAR (9 Março) Palavra “Este é o herdeiro; matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança.” (Mateus 21:38) Meditação Dado que ouvimos tantas vezes falar de mortes nos noticiários e jornais e gostamos tanto dos filmes de acção que ficamos contentes quando o bom mata o mau da fita, a morte tornou-se uma coisa banal. Só nos damos conta do que ela realmente significa quando alguém nosso querido morre. Mas a morte não é somente um fenómeno físico: também se more emocionalmente. Neste contexto, morremos também nós muitas vezes ou, pior ainda, também nós matamos muitos com certas palavras e gestos. Podemos matar com a vingança, com o ódio, com a calúnia, com a mentira, com o desprezo, com a indiferença, com a discriminação, com a inveja. Por isso o perdão, o serviço, a consolação e outros frutos do amor são, para mim, actos de ressurreição. Entendida num sentido mais amplo, ressurreição quer dizer recomeço e renovação; por isso, temos, como Jesus, o poder de “ressuscitar” quem está morto por causa do pecado, por causa do mal e da falta de amor. Acção Sou causa de tristeza, de dor e de morte para alguém? Para quem? E porquê? Ou sou normalmente causa de ressurreição e alegria? ENCONTRADO (10 Março) Palavra “Regozijarmo-nos e alegramo-nos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi encontrado.” (Lucas 15:32) Meditação Esta é uma das parábolas mais bonitas e significativas do Evangelho, pois revela-nos a verdadeira identidade de Deus. Se todos os cristãos a entendessem verdadeiramente, creio que os confessionários estariam mais cheios e seriam mais frequentados. Certo, por vezes 15 mesmo com a atitude certa somos confrontados com um sacerdote que não entendeu o sacramento da confissão e se julga Deus. Esta parábola não é tanto sobre o filho pródigo que regressa a casa angustiado e arrependido, até porque na verdade ele foi um simples oportunista: voltou para casa não porque estava arrependido, mas porque tinha fome. Mas a parábola é toda sobre Deus e a sua identidade: como sabemos, Jesus ensinou-nos que Deus é amor e é este amor que o pai da parábola mostra ter pelos filhos. Sim, pelos dois, não só pelo mais novo. Imaginemo-nos então diante de Deus e, antes que lhe digamos o que quer que seja, Ele abraça-nos, beija-nos e com esta atitude diz-nos que está tudo bem. Este seu amor enchenos o coração de uma paz profunda e de um bem-estar tremendo. E quando lhe dissermos que estamos arrependidos e Ele nos perdoar, sentiremos vontade de recomeçar com força e entusiasmos renovados. A confissão deve ser não uma ida ao tribunal, mas um estar em família com um pai/mãe que nos ama tal como somos e nos encoraja a sermos melhores. Acção Confesso-me porque devo fazê-lo ou porque quer viver mais unido a Deus e aos meus irmãos? 16