Industrialização e Construção da Sociedade de Consumo no Brasil Vilma Fiorotti Brasil início do século XX, o capitalismo industrial dá seus primeiros passos, o número de empresas aumenta significativamente, transformando a economia e a sociedade. As transformações econômicas dão margem a novos interesses e a nascente indústria brasileira vai pleitear proteção ao governo. Articulado a indústria surge à burguesia e o proletariado, responsáveis pelo crescimento dos centros urbanos, pelo aumento populacional das cidades, pelo consumo e desenvolvimento da indústria. O início da industrialização brasileira é sustentado por capitais originários da agricultura. Capital este responsável pelo surgimento de uma burguesia industrial com raízes oligárquicas como relata Sonia Mendonça: Devido à íntima relação entre as atividades cafeeira e industrial, a formação da burguesia industrial foi marcada, por um lado, pela duplicidade dos papéis e funções econômicas representados por um mesmo agente social como no caso, por exemplo, do cafeicultor que se transformava, ele próprio, em industrial. Por outro lado, a constituição da burguesia industrial brasileira também se caracterizou por um grande entrosamento entre famílias de cafeicultores e de empresários-imigrantes, sobretudo por meio de casamentos. Através de ambos os processos, criava-se uma razoável afinidade entre os interesses agrários e os interesses industriais, afinidade essa que, mesmo em conjunturas econômicas específicas que, simultaneamente, desfavoreciam a uns e beneficiavam a outros - como no caso da desvalorização da moeda, favorável ao cafeicultor, mas não ao industrial - impediu a emergência de conflitos abertos entre ambos principalmente quando se tratava de discutir o protecionismo à indústria ou a questão da taxa cambial. (MENDONÇA, 1995 p. 20) Assim a região sudeste se tornou o centro industrial do Brasil. Pois, além do capital oriundo da cafeicultura, contou com a entrada de imigrantes de diversas nacionalidades e trabalhadores do campo desestimulados com a situação de exploração que sofriam nas grandes fazendas de café. Dessa forma, a desilusão com o trabalho no campo contribui para o aumento da mão-de-obra urbana e a consolidação do setor industrial brasileiro. O desenvolvimento da indústria foi transformando a sociedade e a economia brasileira. Novos produtos são ofertados aos consumidores, no entanto o acesso aos bens de consumo é restrito a um grupo social privilegiado, detentor das riquezas do país. Segundo Sonia Mendonça, durante a crise econômica provocada pela Segunda Guerra Mundial à classe trabalhadora perdeu ainda mais o poder aquisitivo de compra, consumindo apenas o necessário a sobrevivência. Dessa forma se encerra a primeira etapa da industrialização brasileira. (MENDONÇA, 1995 p. 27). A segunda etapa do processo industrial para Mendonça já é marcada por mudanças estruturais provocada pela crise de 1929, que dificulta a importação de bens manufaturados abrindo espaço à expansão da indústria nacional subsidiada pelo Estado. O investimento em novos setores produtivos é responsável por mudanças estruturais na indústria brasileira. Produtos até então importados passam a ser produzidos no Brasil, possibilitando a classe média e operária das estatais consumirem bens produzidos pela indústria nacional. Assim o capitalismo brasileiro encerra a era Vargas e chega à década de 1950, com uma sociedade de consumo estabelecida que sustenta os privilégios dos empresários brasileiros. O crescimento industrial atrai cada vez mais, trabalhadores urbanos. “Ainda que a média dos salários fosse baixa, o poder total de consumo da população havia crescido” (MENDOÇA, 1995 p. 54) e isso incentivava a saída do campo e a busca de um trabalho urbano assalariado. Foi neste contexto que Juscelino Kubistchek assumiu o governo do Brasil em 1956. Ao tomar posse, incentivou a produção dos chamados bens de consumo duráveis, tais como os automóveis e os eletro-eletrônicos. Para ampliar o parque industrial e atrair empresas estrangeiras ao Brasil, Juscelino adotou incentivos à importação de máquinas e equipamentos, disponibilizou financiamentos subsidiados, isenção de impostos às empresas, que aqui se instalaram, facilitou remessas de lucros destas empresas para o exterior, dentre outras medidas. No entanto as mesmas condições não foram oferecidas às indústrias nacionais, criando situações de concorrência desleal e protestos dos industriais brasileiros acostumados ao protecionismo getulista. (MENDONÇA, 1995 p. 60-62). Este desenvolvimento industrial mesmo que com capital estrangeiro foi responsável pelo surgimento de um novo público consumidor, criado especificamente a partir do final da década de 1950, Pois, ao optar pela abertura do Brasil ao capital internacional e por uma política externa de incentivo às importações JK possibilitou a classe média o consumo de alguns produtos que apenas europeus e americanos até então tinham acesso. Segundo Mendonça (1995) o modelo econômico implantado por Juscelino Kubstchek produziu grande concentração de renda e as conseqüências desta concentração apareceram posteriormente no governo de João Goulart que assume a presidência do Brasil em 1961 e que já no início de seu governo enfrenta uma grave crise econômica gerada pelo desenvolvimentismo de JK, que gerou inflação, desemprego, baixos salários e uma indústria que proporcionava muitos lucros as empresas internacionais. Ao perceber que estes lucros não eram utilizados para aumentar salários, ou baratear produtos a classe trabalhadora se mobiliza e organiza sucessivas greves. Em 1962, o presidente João Goulart para amenizar as tensões sociais e estimular a economia instituiu o décimo terceiro salário, uma medida para acelerar o consumo no final do ano comercial e amenizar os problemas econômicos causados pela política econômica de JK. Assim a chamada “sociedade de consumo” foi se constituindo e tornando-se uma expressão atual do capitalismo. A partir da década de 1960, a televisão e os demais meios de comunicação de massa brasileiros através do discurso publicitário direto e indireto, passaram a exercer grande pressão principalmente nos jovens de classe média, para que estes se tornassem assíduos consumidores. A televisão foi se impondo como um meio de comunicação e hoje faz parte do cotidiano das classes pobres possibilitando uma uniformização dos padrões referenciais de consumo, fazendo com que as mesmas mercadorias sejam desejadas pelas pessoas com maior poder aquisitivo de compra, como também pela população de baixa renda. No início da industrialização brasileira apenas os ricos e a classe média podiam consumir determinadas mercadorias, hoje os produtos “importados” possibilitam o consumo de eletro-eletrônicos, proporcionando principalmente o jovem a sentir-se incluído nesta sociedade que valoriza o ter. Ao sair para uma balada o jovem trabalhador sente-se igual, ao consumir produtos idênticos aos consumidos pelas classes mais abastadas. Segundo Maldonado (2003, p. 6) “A importância aparente do consumo seria relacionada aos aspectos ideológicos desta nova fase do capitalismo que valoriza o ter”. Ao falar da cultura do consumo que se consolidou na sociedade atual Maldonado faz referência a Jacob Gorender que escreve: A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo, tal qual definiu Debord. Importa mais do que tudo a imagem, a aparência, a exibição. A ostentação do consumo vale mais que o próprio consumo. O reino do capital fictício atinge o máximo de amplitude ao exigir que a vida se torne ficção de vida. A alienação do ser toma o lugar do próprio ser. A aparência se impõe por cima da existência. Parecer é mais importante do que ser (GORENDER, 1999 p.125). Os valores capitalistas que se consolidaram na sociedade brasileira influenciam principalmente os jovens a agir de acordo com os interesses imediatos. Prioriza-se apenas o que oferece determinadas “vantagens”. Se um grupo social ou um objeto lhe dá condições de inserção social busca-se a participação neste grupo ou a conquista deste objeto. O importante é o status que isso pode representar como identificação perante a sociedade que este jovem pertence, a aparência se sobrepõe à existência como afirma Gorender. Para a manutenção deste próprio sistema é difundida a idéia que todos são capazes de consumir. E o trabalhador utiliza parte de seu salário adquirindo produtos que a mídia apresenta como necessidade. Assim possuir um determinado produto torna-se sinônimo de status. E o jovem para ser aceito no grupo utiliza o dinheiro que recebe comprando coisas que lhe abrem portas para esta sociedade que valoriza a aparência. À medida que seu ganho não é suficiente para suprir seu consumo, a necessidade de ostentar uma aparente realidade o faz recorrer ao comércio informal (camelôs), no centro das cidades brasileiras, pois, mesmo adquirindo um produto de qualidade inferior perante seu grupo de convívio sente-se socialmente incluído. Nesse contexto a ideologia do consumo atinge a todos, crianças, jovens e adultos. O jovem com mais intensidade, independente se pertence à classe média ou a classe trabalhadora sofre o mesmo tipo de pressão para consumir. E se as condições materiais da família, não atende seus anseios de consumo, adentram precocemente ao mercado de trabalho, muitas vezes prejudicando os estudos para atender uma necessidade imposta pelo capitalismo. Isso quando não se envolvem em atividades consideradas “ilegais” para atender os anseios de consumo que lhe foram incutidos no decorrer da vida pelos meios de comunicação de massa. O grande desafio hoje é desconstruir o conceito de consumo que se consolidou na sociedade brasileira, que associa o exercício da cidadania a capacidade de apropriação de bens de consumo. As gerações constroem suas identidades tendo como requisito básico aquilo que possuem ou almejam possuir, os produtos padronizam um grupo social, os vínculos sociais, étnicos e até nacionais aos poucos são superados, o jovem brasileiro de uma pequena cidade que possui uma renda considerável, tem acesso aos mesmos produtos consumidos por um adolescente de uma grande cidade americana ou européia (CATAPAN&THOMÉ, 1999 p. 90). Segundo artigo de Renata Maldonato, mestra em comunicação: As mídias foram responsáveis pelo processo de relativa unificação do campo simbólico do consumo, por meio da difusão das mercadorias consideradas consensualmente como objetos de desejo. No Brasil, a partir da década de 1960, a televisão foi se impondo como um meio de comunicação hegemônico. Atualmente, aproximadamente 98% dos lares brasileiros possuem pelo menos um televisor. Isto possibilita que haja uma uniformização dos padrões referenciais de consumo, nos quais praticamente as mesmas mercadorias seriam desejadas, independente do grupo ao qual o indivíduo pertença. (Renata Maldonato. Consumo, Educação e Cidadania. UFF, 2001) A relação que o jovem constrói com as compras e encara o processo de consumo está intimamente ligado ao mito de felicidade, o bem estar atrelado a um determinado produto. O bombardeio de propagandas incentivando o consumo acaba camuflando os interesses da classe industrial que necessita ditar regras de consumo para atender os anseios capitalistas que utiliza o lucro e o acúmulo de riquezas como estratégia de manutenção do próprio sistema. Carlos Drumond de Andrade retrata muito bem essa sociedade do consumo no poema: EU, ETIQUETA Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio intinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar a minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem, meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente. Fragmentos do poema de Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro: Record. 1988, p.85-87. O poema de Drumond retrata um jovem que é obrigado a se adequar a um padrão de vida imposto pela sociedade de consumo, onde os livros são trocados por produtos que o deixam igual ao modelo estipulado pela mídia.Vale ressaltar que, mesmo no espaço escolar se dá enfase a aparência, o jovem se afirma perante os colegas pelo seu estilo de vida. Quem não se enquandra ao padrão de consumo imposto pelos meios de comunicação de massa se sente culpado por não consumir. Nesse contexto os problemas sociais são deixados de lado, o salário baixo, o desemprego, a atuação no mercado de trabalho informal, o exercício de atividades remuneradas consideradas “ilegais” ficam em segundo plano, a prioridade é desfilar um estilo de vida construído pela sociedade capitalista da qual faz parte. O jovem se submete a um padrão de vida que lhe é apresentado e acaba reafirmando sua possibilidade de existência no mundo pela sua capacidade de compra, a relação com os iguais é sustentada pela lógica do consumo, ao comprar um produto se compra um sonho de inclusão. Percebe-se que grande parte dos jovens trabalhadores não tem acesso a maioria dos produtos apresentados. No entanto a mídia vende um sonho de vida responsabilizando o sujeito pela sua própria miséria, isso leva o jovem a desenvolver uma necessidade de pertencimento a um determinado grupo, dessa forma o capitalismo vai encontrando mecanismos para impor a ideologia do consumo que serve mais ao interesse do capital que ao interesse do consumidor. ATIVIDADES: 1- Segundo o poema de Carlos Drumond de Andrade qual o comportamento de um jovem que é educado nos valores da sociedade de consumo? 2- O que o poeta quis dizer com o verso: “É doce estar na moda, ainda que esta moda, seja negar minha identidade. Trocá-la por mil, açambarcando, todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser, eu que antes era e me sabia”. Qual é o papel do educador frente a essa sociedade capitalista que incentiva o consumo sem qualquer critério? 3- Leia as afirmativas abaixo: - O dinheiro do jovem trabalhador raramente se converte em bens pessoais, na maioria das vezes se torna complemento da renda familiar, o salário da crianças e do adolescente é fundamental na sobrevivência da família. -Os jovens das classes média e alta, que trabalham são consumidores assíduos, e contribuem de forma significativa para sustentação do capitalismo como sistema hegemônico que explora o trabalho de crianças e adolescentes. - Segundo os meios de comunicação de massa, tanto os trabalhadores de renda mínima, como os de classe média e/ou classe média alta que atuam em grandes empresas familiares, estão inseridos na lógica capitalista, isso é são assíduos consumidores. Na sua escola os alunos que trabalham é para o complemento da renda familiar ou os jovens que estão inseridos no processo produtivo, trabalham para consumir?