POTENCIAL DA ÁGUA E TEOR DE CLOROFILA EM FOLHAS DE SOJA EM RESPOSTA À SISTEMAS DE CULTIVO E IRRIGAÇÃO Lucieta G. Martorano1; Genei A. Dalmago1; Homero Bergamaschi2; Tatiana S. Almeida3; Denise C. Fontana2; João I. Bergonci4; Bruna M. M. Heckler5 e Cleusa A. M. Bianchi6 INTRODUÇÃO A soja é, hoje, uma “commodity” importante na geração de recursos financeiros para toda a cadeia produtiva, fomentando a criação de empregos e proporcionando grande entrada de recursos através da exportação. No Rio Grande do Sul, a exemplo da maior parte das regiões sojícolas do Mercosul, as condições hídricas limitam a produção de soja. Longos períodos de déficit hídrico podem acarretar redução na produção de grãos, por afetar o metabolismo das plantas. O adequado manejo do solo e da água pode reduzir a intensidade do déficit hídrico. O sistema de semeadura direta na palha, conhecido como “plantio direto”, é considerado como prática conservacionista de solo e água. Assim, é esperado que a adoção deste sistema possa reduzir o impacto de estiagens. A queda do potencial da água nas folhas, em resposta ao déficit hídrico afeta a fisiologia da planta, muitas vezes causando danos irreversíveis ao seu metabolismo. Baixos potenciais da água na folha afetam a fotossíntese pelo fechamento estomático, pela redução da área foliar e diminuição da eficiência do aparato fotossintético (Larcher, 2000). O potencial da água foliar tem sido empregado como um dos indicadores de déficit hídrico para muitas espécies cultivadas. Sabe-se que o teor de clorofila também responde à condição hídrica da planta. Além disso, o processo da fotossíntese está diretamente ligado ao teor de clorofila. Assim, a condição hídrica da planta pode ser avaliada pelo potencial da água na folha, que por sua vez afeta o teor de clorofila, sendo que ambos atuam sobre a fotossíntese. Portanto, o potencial da água na folha, sobretudo nos momentos de máximo déficit hídrico, e o teor de clorofila nas folhas podem ser considerados como indicadores adequados do estado hídrico das plantas e do próprio processo de fotossíntese. Este trabalho tem como objetivo verificar as respostas da cultura da soja, em termos de potencial da água e teor de clorofila na folha, à interação entre sistemas de preparo do solo (semeadura direta e convencional) e a irrigação. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Estação Experimental Agronômica da UFRGS, localizada na Depressão Central do Rio Grande do Sul, Brasil (30°05’S; 51°40’W; 46m altit.), no ano 2003/04. A região possui clima subtropical do tipo Cfa (Köeppen), com média anual de temperatura de 19,2°C e precipitação pluvial de 1.446mm, sendo evidenciados déficits hídricos de novembro a março (Bergamaschi et al., 2003). Utilizou-se uma área de 0,5ha, sendo metade cultivada em semeadura direta na palha (SD) e outra metade em semeadura convencional (SC), com milho no verão e mistura de aveia+ervilhaca no inverno, desde 1 1995. Para a semeadura direta a cobertura de inverno foi dessecada com glifosato e acamada com rolo-faca. Para semeadura convencional efetuou-se uma aração para incorporar a mistura de inverno, seguida de duas gradagens. Foi utilizada a cultivar de ciclo longo “RS10”, semeada em 20 de novembro de 2003, com espaçamento entre linhas de 0,40m, totalizando 300.000 plantas ha-1. A adubação e os tratos culturais seguiram as recomendações técnicas para a cultura no Estado. Dados meteorológicos foram coletados em uma estação automática Campbell, localizada ao lado do experimento e foram avaliados por decêndios considerando-se o primeiro dencêndio a partir da data de semeadura e o último (décimo sexto), na plena maturação fisiológica R8 (estádios segundo Fehr e Caviness, 1977). Uma linha de aspersores foi instalada ao longo do centro da parcela, para estabelecer uma faixa irrigada e outra não irrigada, em ambos sistemas de cultivo. A irrigação foi controlada por tensiômetros de mercúrio, nas profundidades de 30 e 45cm, e num lisímetro de pesagem, mantendo-se a umidade do solo próximo à capacidade de campo na faixa junto aos aspersores. Medições de potencial da água na folha foram efetuadas em torno das 13h (horário local), em dias de céu limpo, com câmara de pressão tipo Schollander marca Soilmoisture, modelo 3000. Cortava-se o último trifólio médio completamente expandido e exposto à radiação solar que era levado, imediatamente, à câmara de pressão para efetuar a medição. Do mesmo folíolo eram coletados cinco discos foliares de 1 cm de diâmetro, os quais eram colocados em vidros envoltos em papel alumínio, contendo 20ml de álcool a 96° (P.A) e mantidos em um local seco, fresco e escuro por 4 dias. Após, a solução era levada a um espectrofotômetro Beckman, modelo DU–65, para leitura de absortância nos comprimentos de onda 649 e 665nm, conforme metodologia descrita por Wintermans e De Mots (1965) e convertida em teor de clorofila a e b (Cla e Clb). RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise de variância, para cada dia específico de medição, detectou interação significativa entre sistemas de preparo e irrigação em três dos cinco dias (Tabela 1). Quando não houve interação, verificou-se que o potencial mínimo da água na folha foi maior no sistema de semeadura direta do que no convencional. Apesar da diferença não ter sido significativa, esta tendência é um indicativo de maior disponibilidade hídrica no solo no sistema de semeadura direta. Esta mesma tendência foi verificada para o milho por Bianchi (2004). Quando a interação foi significativa, houve efeito contrário entre sistemas de manejo do solo, nas duas condições hídricas avaliadas. Na área irrigada o potencial da água mínimo sempre foi maior no sistema de Embrapa Solos (primeiro autor). Doutorando em Fitotecnia/Agrometeorologia na UFRGS. [email protected]. Dr., Prof. Fac. Agronomia da UFRGS. Bolsista do CNPq. 3 Mestranda em Fitotecnia/Agrometeorologia na UFRGS 4 Dr., Instituto de Biociências/UFRGS. 5 Acadêmica de Agronomia na UFRGS. Bolsista PIBIC/CNPq 6 Mestre em Agronomia/UFRGS, Bolsista CAPES 2 Efeito simples Dia Sistema preparo SD Irrigação -1,2a - SC -1,3a -1,3a - I -1,0a -1,2a - Md. -1,2 -1,3 -1,1 12/2 04/3 11/3 26/3 01/4 -1,1a NI -1,4b -1,3a - -1,4 Interação (Sist.x irrig.) Irrigado Não irrigado SD -0,9a -0,9a -1,3a -1,0 SC -1,1b -1,3b -1,4a -1,3 SD -2,2b -1,3a -2,1b SC -1,7a -1,4a -1,8a -1,9 -1,6 Nos tratamentos não irrigados os potenciais mínimos da água na folha foram menores no sistema direto nos dias 11/03 e 01/04 (Tabela 1). Todavia, como a avaliação do sistema solo-planta-atmosfera é integrada, essa aparente diminuição do potencial mínimo da água na folha no sistema direto não significa que esse sistema tinha menos água disponível, ou que as plantas estavam em estado hídrico inferior ao convencional. Este fato pode ser atribuído à maior manutenção de folhas no sistema direto, cujas plantas estariam transpirando mais do que no convencional e, portanto, teriam potencial mínimo menor. Nesses mesmos dias não foi possível explicar a condição hídrica das plantas pela variação do potencial matricial de água no solo. Nos dois sistemas os tensiômetros já haviam rompido a coluna de mercúrio até 45cm de profundidade, demonstrando baixa disponibilidade de água em ambos sistemas. Comparando os valores de potencial mínimo entre os dias de medição (Tabela 1), observou-se uma diminuição dos mesmos ao longo do tempo, cujo menor potencial foi de –2,2MPa, no sistema direto não irrigado. Essa tendência pode ser atribuída à longa estiagem a que a cultura foi submetida a partir do 10º decêndio do ciclo (Figura 1). A precipitação pluvial total durante o período experimental foi de 663mm, sendo que nos quatro primeiros decêndios (20/11 a 31/12) ocorreram cerca de 266mm, diminuindo nos meses de janeiro e fevereiro. A partir do décimo decêndio houve um longo período de estiagem, ocorrendo apenas dois eventos pluviométricos no segundo decêndio de março (dias 14 e 19) que totalizaram 66mm. Quanto às médias decendiais de radiação solar global, verificou-se uma variação de 12,7MJ.m-2.dia-1 a 26,9MJ.m-2.dia-1 (Figura 1). Avaliando esses valores de oferta pluvial e demanda evaporativa da atmosfera, verificou-se que, em estádios de alta necessidade hídrica da soja, próximo ao estádio R3, ao iniciar-se a formação dos legumes, e nos estádios de enchimento de grãos e maturação, houve deficiência hídrica nas parcelas não irrigadas, que explica os resultados apresentados. Para ambas clorofilas (a e b), houve efeitos simples de sistemas de preparo e tratamento de irrigação (Tabela 2). Durante o período de déficit hídrico, a partir das amostragens de 08 de março, os teores de clorofila Chuva Radação global 30 160 140 25 120 20 100 15 80 60 10 40 5 Chuva decendial (mm) Tabela 1. Potencial mínimo da água na folha de soja (MPa), cv. “RS10”, em semeadura direta (SD) e semeadura convencional (SC), irrigado (I) e não irrigado (NI). EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS – 2003/04. foram maiores em plantas sob sistema de semeadura direta com irrigação. Em semeadura convencional sem irrigação os teores foram mais baixos, evidenciando a resposta das plantas à menor disponibilidade hídrica no solo. Radiação global (MJ.m-2 .dia-1 ) semeadura direta (SD), variando de -0,9 a -1,3MPa, enquanto que no convencional, o mesmo ficou entre –1,1 e –1,4MPa. Este fato pode ser explicado pela maior disponibilidade de água no solo em SD, conforme verificado por Dalmago et al. (2003). É importante considerar que a irrigação foi monitorada com base no potencial matricial da água no solo no sistema semeadura direta e isso pode ter penalizado o sistema convencional. 20 0 0 1° 2° 3° 4° 5° 6° 7° 8° 9° 10° 11° 12° 13° 14° 15° 16° Decendios Figura 1. Valores decendiais da radiação solar global e precipitação pluvial (2003/04). EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS. Tabela 2. Teor de clorofilas a e b (mg dm-2 solução) em folhas de soja, cv. “RS10”, em semeadura direta (SD) e semeadura convencional (SC), irrigado (I) e não irrigado (NI). EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS – 2003/04. SDI SCI SDNI SCNI Dias Cla Clb Cla Clb Cla Clb Cla Clb 13/2 20/2 08/3 15/3 30/3 06/4 15/4 26/4 0,9 4,8 6,2 6,6 5,3 5,9 2,5 2,9 0,3 1,5 2,2 2,2 1,7 2,0 0,9 1,0 0,8 4,9 5,3 5,7 5,0 5,6 1,4 3,8 0,2 1,5 1,7 1,9 1,6 1,8 0,6 1,4 0,8 5,3 4,9 4,8 5,6 4,7 2,2 2,8 0,2 1,7 1,7 1,7 1,8 1,5 0,8 1,4 0,5 6,9 4,1 4,6 3,2 3,7 2,0 2,4 0,1 2,3 1,5 1,6 1,1 1,3 0,8 0,8 CONCLUSÕES O sistema de semeadura direta reduz efeitos do déficit hídrico em comparação ao sistema convencional, mantendo mais elevados o potencial mínimo da água e o teor de clorofila em folhas de soja. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BERGAMASCHI, H, GUADAGNIN, M. R., CARDOSO, L.S., SILVA, M. I. G. DA. Clima da Estação Experimental da UFRGS (e Região de Abrangência). UFRGS. Porto Alegre, 2003. 78p. BIANCHI, C. A. M. Condição hídrica de milho (Zea mays L.) sob diferentes sistemas de manejo e disponibilidade de água no solo. Porto Alegre, UFRGS. 2004, 98p. (Dissertação de Mestrado). DALMAGO, G. A.; BERGAMASCHI, H.; BIANCHI, C. A. M.; et al. Diferenças na disponibilidade de água no solo entre os sistemas de semeadura direta e convencional de milho. In: XIII Congresso Brasileiro Agrometeorologia. Anais... Santa Maria, Soc. Bras. Agromet/UFSM/UNIFRA. v.l, p.293-294. 2003b. FEHR, W.R., CAVINESS, C. E. Stages of soybean development. Ames, Iowa State University of Science and Technology, 1977. 11p. LARCHER, W. Ecofisiologia vegetal. São Carlos: RiMa Artes e Textos, 2000. 531 p. WINTERMANS, J. F. G. M; DE MOTS, A. Spectrophotometric characteristics of clorophylls a and b and their pheophytins in etanol. Biochimica ET Biosphysica Acta, Berlim, 1965. v. 109, p.448-453.