ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Sessão do dia 13 de março de 2001. APELAÇÃO CÍVEL Nº 15512-2000 – IMPERATRIZ. Apelante : Nilton Bianquini. Advogado : Everton Pacheco Silva. Apelado : Banco do Nordeste do Brasil – BNB. Advogado : Benedito Nabarro. Procurador : Dr. Reinaldo Campos Castro. Relator : Des. Antonio Guerreiro Júnior. Revisor : Des. Augusto Galba Falcão Maranhão. ACÓRDÃO Nº 34.157/2001. EMENTA CRÉDITO RURAL. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. MULTA DE 10%. CÁLCULO. ART. 71 DO DEC-LEI 167/67. REDUÇÃO. ART. 52, § 1º, DO CDC ALTERADO PELA LEI 9.296/96. NORMA POSTERIOR. NÃO APLICABILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. FIXAÇÃO EM 1% A.A. ART. 5º, PARÁGRAFO CAPITALIZAÇÃO DE ÚNICO, JUROS DO DEC-LEI PACTUADA. 167/67. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DA PARTE. ÍNDICE VIGENTE. LEI 9.126/95. COMISSÃO DEL CREDERE. IMPOSSIBILIDADE. I – Não há cerceamento de defesa no julgamento antecipado da lide, quando a decisão bem fundamentou toda a matéria C:MD – Acórdão – Apelação Cível 15512 – Nílton Bianquini X BNB ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA argüida, ficando evidente a suficiência dos documentos apresentados (art. 330, I, do CPC). II – A multa moratória é calculada sobre o valor principal da dívida mais acessórios, na dicção do art. 71 do Decreto-lei nº 167/67. III – A redução da multa de 10% para 2%, nos termos da Lei nº 9.296/96 que alterou o art. 52, § 1º, do CDC, não se aplica aos contratos firmados antes de sua vigência. IV – No crédito rural, em caso de mora, a taxa de juros será elevável de 1% (um por cento) ao ano (art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 167/67). V – O crédito rural também permite a capitalização de juros mensal desde que pactuada (Súmula 93 do STJ). VI – É pacífico e quase unânime o entendimento desta colenda Corte quanto à não incidência da correção monetária no crédito rural. In casu, a exclusão não foi requerida pela parte, devendo prevalecer o índice pactuado – TJLP – vigente à época do contrato (Lei nº 9.126/95). VII – A jurisprudência pátria tem se firmado contra a incidência de quaisquer outras taxas, comissões ou encargos no crédito rural, que não as determinadas no Decreto-Lei nº 167/67, sendo indevida a cobrança del credere. VIII – Recurso parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade em rejeitar a preliminar argüida. No mérito, por unanimidade em parcial acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar parcial ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA provimento ao recurso para, modificando a sentença, determinar que os juros moratórios sejam fixados em 1% (um por cento) ao ano, e que a comissão DEL CREDERE seja excluída dos cálculos, nos termos do voto do Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores: Augusto Galba Falcão Maranhão, Antonio Guerreiro Júnior e Raimundo Freire Cutrim. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Daniel Ribeiro da Silva. São Luís, 13 de março de 2001. Des. AUGUSTO GALBA FALCÃO MARANHÃO. PRESIDENTE Des. ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR RELATOR APELAÇÃO CÍVEL Nº 15512-2000 – IMPERATRIZ ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O EXMO. DESEMBARGADOR ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR: - Trata-se de apelação cível interposta por Nilton Bianquini, inconformado com a sentença do Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Imperatriz, que julgou improcedentes os embargos do devedor, opostos contra o Banco do Nordeste do Brasil S/A, por falta de substrato legal. Alegou, preliminarmente, cerceamento de defesa, em virtude do julgamento antecipado da lide, sem a realização de perícia contábil para constatação do débito. No mérito, afirmou que os contratos executados não prevêem a incidência de comissão del credere e do cálculo cumulativo de multas, como foram embutidos nos demonstrativos apresentados. Esclareceu que a multa deve incidir sobre o principal apenas corrigido, sem adição de juros. Disse, que a multa contratual de 10% (dez por cento) é ilegal, devendo ser reduzida para 2% (dois por cento), uma vez que o contrato de adesão seria regido pelo CDC. Acrescentou que a mora cobrada também é ilegal, devendo ser fixada em 1% (um por cento) ao ano, em respeito à Lei de Usura. Requereu, fosse a correção monetária feita com base no índice IGP-DI (Índice geral de preços-disponibilidade interna) divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, mais taxa efetiva de juros de 8% ao ano e não só pelo índice TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), sendo-lhe facultado pagar com base no menor valor. Também insurgiu-se contra a cobrança del credere de 6% (seis por ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA cento) ao ano, estabelecida pela Lei nº 9.126/95, e a capitalização mensal de juros. Em contra-razões, o apelado afirmou que não houve cerceamento de defesa posto que os demonstrativos do débito seriam suficientes ao esclarecimento da evolução da dívida. Disse que o apelante confunde juros moratórios com multa legal, sendo que aqueles e sua base de incidência estão previstos contratualmente. Esclareceu que a multa de 10% (dez por cento) não pode ser diminuída, nos termos da Lei nº 9.298/96 que alterou o CDC, por se tratar de lei posterior ao ato jurídico perfeito. Pelo mesmo motivo, acredita que o índice IGP-DI não pode ser aplicado ao caso, uma vez que a Medida Provisória que o determinou não pode retroagir. Defendeu, a legalidade da cobrança del credere e da capitalização mensal de juros. Nestes termos, requereu, desde logo, prestação jurisdicional através de juízo expresso sobre o art. 1º e parágrafos, da Lei nº 9.126/95; art. 71 do Decreto-Lei 167/67; art. 5º, XXXVI, da CF e art. 6º, § 1º, da LICC. Finalmente, pugnou pela condenação do apelante em litigância de má-fé, de acordo com os arts. 17, VII, e 18 do CPC. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer do Dr. Reinaldo Campos Castro, opinou pelo provimento parcial do recurso para, tão-somente, afastar a cobrança del credere e reduzir a capitalização de juros que, segundo o ilustre Procurador, deveria ser calculada semestralmente. É o relatório. ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 15512-2000 – IMPERATRIZ VOTO PRELIMINAR O EXMO. DESEMBARGADOR ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR: - A preliminar de cerceamento de defesa argüida pelo apelante não pode prosperar, uma vez que a sentença foi bem fundamentada sobre todos os pontos levantados. A não realização de perícia não prejudicou o apelante, posto que os documentos colacionados foram suficientes ao deslinde das questões (art. 330, I, CPC). Este é o entendimento pacificado no colendo STJ, verbis: “Cédula de Crédito Rural. Não há cerceamento antecipado da lide, de defesa quando tal no julgamento decisão está devidamente fundamentada. Precedentes. (STJ, 3ª T., REsp 97971/MS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.1999, DJ 23.08.1999). Assim, rejeito a preliminar argüida. MÉRITO Insurge-se o apelante contra itens pertinentes ao cálculo do débito, sendo necessária a análise apurada de cada ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA proposição, para efetiva prestação jurisdicional, mormente em face do requerimento do apelado de juízo expresso sobre vários dispositivos legais. Primeiramente, tenho como correto o cálculo que faz incidir a multa contratual sobre o valor principal corrigido, mais juros. Tal conclusão decorre da simples interpretação literal do art. 71 do Dec-lei nº 167/67. A multa é calculada sobre todo o valor já apurado, não tendo lugar sua incidência apenas sobre o principal sem juros, sendo, inclusive, pacífico o entendimento de que são encargos cumuláveis. Ainda quanto à multa de 10% (dez por cento) combatida pelo apelante, tenho-a como legal. Primeiro, porque pactuada entre as partes e, segundo, devido a não incidência de norma posterior ao contrato – a Lei nº 9.298/96, que reduziu de 10% para 2% do valor da prestação da multa prevista no art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor – em respeito ao ato jurídico perfeito (arts. 5º, XXXVI, da CF e 6º, § 1º, da LICC). “COMERCIAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CORREÇÃO INACUMULAÇÃO. LEI N. MULTA. IMPOSSIBILIDADE. MONETÁRIA. 4.595/64. MULTA. REDUÇÃO DA ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito bancário. II. A Existência de cláusula permitindo a cobrança de comissão de permanência com suporte na Lei n. 4.595/64 c/c a Resolução n. 1.129/86-BACEN, não pode ser afastada para adoção da correção monetária sob o simples enfoque de prejuízo para a parte adversa. Todavia, a concomitante previsão contratual de multa por inadimplência e juros, reconhecida pelo aresto a quo, exclui a comissão de permanência, de acordo com as normas de regência. III. A redução da multa moratória de 10% para 2%, tal como definida na Lei n. 9.296/96, que modificou o Código de Defesa do Consumidor, somente é possível para os contratos celebrados após a sua vigência. Precedentes da Corte. IV. Recuso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ, 4ª T., REsp 235380/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 28.03.2000, DJ 22.05.2000). “COMERCIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. MULTA MORATÓRIA. 10%. I. Não há vedação legal para a utilização da TR como indexador de cédula de crédito rural livremente pactuada. Precedentes da Corte. II. Legítima é a cobrança da multa de 10% prevista no contrato, no caso de inadimplemento da obrigação, ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA firmado antes da vigência da Lei nº 9.296/96, que modificou o Código de Defesa do Consumidor. III. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, 4ª T., REsp 260874/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.09.2000, DJ 20.11.2000) Assim, não vislumbro a possibilidade da redução da multa contratual. A limitação da taxa de juros, nos termos da Lei de Usura, se impõe no crédito rural, sempre que não demonstrada a autorização contrária do Conselho Monetário Nacional. Assim, para praticar juros acima dos limites legais – 12% ao ano – o credor deve demonstrar nos autos a existência da autorização financeira. A jurisprudência pátria também é tranqüila quanto à impossibilidade de majoração da taxa de juros remuneratórios em cédula rural no caso de inadimplemento. Verificada a mora, incidirá, ainda, juros de 1% ao ano, de acordo com o art. 5º, parágrafo único, do Decreto-lei nº 167/67, assistindo razão ao apelante neste particular. “A taxa de juros, em caso de mora, poderá ser elevada, no máximo, em um por cento ao ano, nos termos do parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 167/67.” (STJ, 3ª T., REsp 97971/MS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.1999, DJ 23.08.1999). Quanto a capitalização de juros, é pacífico o entendimento de que é cabível seu cálculo mensal na cédula rural, desde que pactuado, de acordo com a Súmula 93 do STJ. ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Este é o entendimento que prevaleceu no STJ, verbis: “COMERCIAL. CÉDULAS RURAIS HIPOTECÁRIAS. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. SÚMULA N. 596-STF. NÃO INCIDÊNCIA EM RELAÇÃO A CRÉDITO RURAL. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. DECRETO-LEI N. 167/67, ART. 5º. SÚMULA N. 93-STJ. I. Ao Conselho Monetário Nacional, segundo o art. 5º do Decreto-lei n. 167/67, compete a fixação das taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito rural. Omitindo-se o órgão no desempenho de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal (12% ao ano), afastada a incidência da Súmula n. 596 do C. STF, porquanto se dirige à Lei n. 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo diploma legal mais moderno e específico, de 1967. Precedentes do STJ. II. Admissível a capitalização mensal de juros quando expressamente pactuada, o que ocorre no caso dos autos, ao teor da Súmula n. 93 desta Corte. III. Incidência das Súmulas ns. 282 e 356, do STF, no tocante à alegação de nulidade do acórdão por julgamento extra petita. IV. Recurso especial parcialmente provido.” parcialmente conhecido e ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ, 4ª T., REsp 113112/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 05.10.2000, DJ 04.12.2000). A não incidência da correção monetária no crédito rural é matéria já pacificada nesta Corte, a despeito do que preceitua a Súmula 16 do STJ. Entretanto, in casu, a exclusão não foi requerida pela parte que se limitou a contestar o índice adotado – a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), estipulada pelo art. 1º e parágrafos da Lei nº 9.126/95, e incidente nos empréstimos de recursos a partir de 1º de julho de 1995. Nestes termos, não assiste razão ao apelante, posto que o índice era o vigente à época do pacto firmado. Finalmente, tenho que qualquer cláusula acerca do inadimplemento de cédula rural deve observar o disposto no Decreto-lei nº 167/67, que prevê a incidência, no máximo, de juros moratórios à taxa de 1% a.a. (art. 5º, parágrafo único), acrescidos de multa de 10% sobre o montante devido, desde que expressamente pactuada (art. 71), sendo ilegal a previsão de aplicação de qualquer outra taxa, comissão de permanência ou encargo, tendente a burlar o referido diploma legal. Razão pela qual a cobrança del credere deverá ser expurgada do contrato. Finalmente, resta o pedido do apelado de condenação do apelante em litigância de má-fé, por acreditar que o recurso é meramente protelatório. Tenho como insubsistente as alegações do banco credor de que as matérias expostas visam procrastinar o feito, posto que o apelante tem o direito de insurgir-se contra a ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA decisão monocrática que lhe foi desfavorável, valendo-se do duplo grau de jurisdição. Em face do exposto, dou provimento parcial ao recurso para, modificando a sentença, determinar que os juros moratórios sejam fixados em 1% (um por cento) ao ano e que a comissão del credere seja excluída dos cálculos. É como voto.