CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO PARA A EJA1 Seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas um processo técnico. Ela é também uma questão política. Avaliar pode se constituir num exercício autoritário do poder julgar ou, ao contrário, pode se constituir num processo e num projeto em que avaliador e avaliando buscam e sofrem uma mudança qualitativa (Luckesi, 1995, p.295). A presente argumentação contempla uma parte inicial, adaptada do texto UMA CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO PARA A EAJA, presente no relatório da Pesquisa “A construção de uma proposta democrático-popular de educação para adolescentes, jovens e adultos da Rede Municipal de Educação de Goiânia, pelos sujeitos do processo educativo”, publicado em dezembro/2004, pela SME-Goiânia. Tal adaptação foi realizada por Maria Emilia de Castro Rodrigues, por termos feito parte desta pesquisa e coadunarmos com a perspectiva ali apresentada. A segunda parte do texto apresenta as considerações do Fórum Goiano de EJA sobre a questão do tempo necessário à escolarização dos jovens e adultos na educação básica. AVALIAÇÃO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM Consideramos que a educação necessita tomar professoras/es e alunas/os como sujeitos do processo de re/construção de saberes. Os quais partindo da realidade em que estão inseridas/os, analisando-a para compreender e transformar, concebe a avaliação como um dos elementos que constitui o processo de ensino-aprendizagem, que articula, influi e é influenciado pelos demais, e é comprometida com a busca de respostas para questões como: que objetivos pretendo atingir?; que conteúdos serão trabalhados e como serão desenvolvidos de forma a proporcionar aprendizagens significativas e a formação de conceitos?; como perceber se houve ou não aprendizagem e o que fazer?. Avaliação vista enquanto um dos elementos do trabalho pedagógico que envolve o planejamento organizado e o ato educativo na sua totalidade, o desenvolvimento das ações, a reflexão, retomada/continuidade do mesmo com vistas a aprendizagem do educando, não é uma atividade isenta de intencionalidade e ideologia (Luckesi, 1995), podendo se materializar, basicamente, de duas formas: quantitativa (classificatória, conteudista2 e estanque) ou qualitativa (formativa, processual e contínua). Superar uma concepção de avaliação que privilegia requisitos cognitivos compartimentados, vigentes na escola brasileira; a lógica classificatória, excludente e muitas vezes sentenciadora, que aprova ou reprova o educando a partir daquilo que conseguiu registrar numa prova; a tradição do depósito da culpa pela não aprendizagem sobre a/o educanda/o e construir um entendimento de aprendizagem como algo inerente ao processo histórico-cultural de sujeitos sociais, necessita se configurar como prioridade dentre as ações de uma instituição educacional (Goiânia, 2000; Paro, 2001; Goiânia, 2004). AVALIAÇÃO TRADICIONAL Numa abordagem tradicional educar se confunde com transmissão de informações e avaliação assume um caráter seletivo, classificatório, conteudista e competitivo, com fim em si mesma, visando apenas a obtenção da nota/certificação. Este modelo possui como objetivo medir, através de questionários, exercícios, estudos dirigidos, trabalhos, provas, testes, seminários, debates... o conteúdo memorizado, para determinar a nota/conceito da/o educanda/o, e segue adiante. O valor de medida, expresso em 1 Adaptação apresentada na Audiência Pública promovida pelo Conselho Estadual de Educação de Goiás, em 20/06/2005. 2 Utilizamos este termo para nos referir à ênfase em conhecimentos soltos, descotextualizados da realidade da/o educanda/o, apenas cognitivos, numa seqüência academicista tradiciomal, livresca, que não favorecem pensar o meio em que a/o educanda/o está inserida/o de forma a poder contribuir para a transformação da realidade. forma de conceito numérico ou não, depende da subjetividade da/o professor/a e se relaciona com o grau de aproximação da resposta pré-estabelecida, tida como correta, e pouco se preocupa com os processos de construção da resposta considerada errada, conseqüentemente, impedindo sua compreensão e superação. Ainda, vincula o desempenho da/o educanda/o somente a uma atitude de responsabilidade pessoal, a qual é premiada com a nota, o que, em tese, é suficiente para motivar seu empenho, ou seja, a/o educanda/o tira notas ruins porque não se esforça ou pouco sabe. Desconsidera-se toda a complexidade da realidade educativa, estabelecendo um processo de seleção dos “melhores”, em que apenas aqueles com boa capacidade de memorização têm sucesso escolar, desconsiderando as diferenças e desvalorizando as diversidades ali presentes. Najla Veloso (2003), coloca que as práticas avaliativas mais comuns no sistema educacional brasileiro possuem as seguintes concepções e características: a) Avaliação como mais um elemento do processo educativo. Utilizada em alguns momentos previamente definidos para classificar o grau de aprendizagem das/os alunas/os; b) Desvinculação entre os objetivos que se quer alcançar e as metodologias adotadas; c) Isolamento, sem consonância com um planejamento, com um currículo pensado coletivamente e, na quase totalidade das unidades escolares, nem com o projeto político pedagógico da escola; d) Reducionismo, privilegiando somente os conteúdos escolares e aquilo que foi ensinado pela/o professora/or; e) Utilização como instrumento de aprovação ou reprovação da/o aluna/o, promovendo alguns e estagnando ou rebaixando de nível outros; f) Visão de que a aprendizagem do aluno depende diretamente e tão somente dos materiais, métodos e técnicas utilizados pela/o professora/or. UM PASSO RUMO A AVALIAÇÃO PROCESSUAL Vale lembrar que a compreensão da avaliação enquanto diagnóstico do processo de ensino aprendizagem demanda, muitas vezes, não só o corrigir (individual e/ou coletivamente) com registro, pela/o professora/or, do que foi ou não aprendido pela/o aluna/o, mas o refazer/reescrever pela/o educanda/o a partir de novas explicações e indicações do que deve ser retomado para que se possa atingir ao objetivo maior de ensino, a aprendizagem. Se aceitamos nossa incompletude como seres humanos, se percebemos isto como a alavanca que nos move sempre, mais e mais, em direção a novas descobertas, se a necessária ação-reflexão-ação do agir pedagógico está a serviço da constante reconstrução de saberes e fazeres endereçados ao mundo, não querer mudanças implica na negação de todos estes pressupostos. Realidades perfeitas que prescindem melhorias, uma verdadeira práxis educacional não as permitiria, pelo simples fato de que, estando o ser humano em constante mudança, pela natureza própria das relações sociais, o que lhe basta hoje não lhe bastará amanhã, assim, uma reflexão sobre seu fazer pedagógico, invariavelmente lhe mobilizaria para novos fazeres, sínteses estabelecidas entre o antigo materializado e o novo almejado. Pequenas mudanças passam a constituir focos de resistência no seio tradicional desta realidade, ao menos no tocante às formas de pensá-la e no desejo de superá-la concretamente: desde a reformulação da a ficha de matrícula, acrescentando mais dados sócio-culturaiseconômicos e desenvolver uma pesquisa...que retrate o contexto e a realidade do educando;receber os alunos atendendo as suas necessidades; utilizar metodologias de ensino voltadas para a realidade do aluno adulto e trabalhador, garantindo o avanço, classificação e reclassificação; contudo, os avanços devem possibilitar ao aluno condições reais de acompanhamento. Afirmativas como a que propõe a existência de um...processo de avaliação contínuo, incluindo provas, atividades diversificadas, participação, compromisso e assiduidade...que perpassa outros instrumentos avaliativos, e que explicita a necessidade de uma...Avaliação contínua do desempenho de cada professor e auto-avaliação...dos professores e...dos alunos... (Goiânia, 2001a3) evidenciando uma compreensão da articulação do processo avaliativo e da auto-avaliação como estratégias importantes à percepção do caminho percorrido por si e pela/o aluna/o no processo educativo, daquilo que ela/e conseguiu avançar e de quais dificuldades devem ser superadas, dá mostras de que nosso professorado começa a romper com a lógica excludente dos tradicionais processos de avaliação. Outras falas do coletivo de professores de escolas da EAJA também apontam nesse sentido: - Ao final de cada aula, oportunizar a avaliação da mesma pelos alunos (pontos positivos e negativos) (E.M.M.S); - Diversificar a forma de avaliações: avaliação oral, auto-avaliação, avaliação dos alunos pelos alunos, registro descritivo das avaliações (E.M.B.D.R.C.); - Quinzenalmente formar mesas redondas entre professores e alunos para levantar oralmente e por escrito as dificuldades individuais (de aprendizagem? Vividas na comunidade?) e depois subgrupos entre alunos, registrar soluções para superação das dificuldades, socializá-las e sistematizá-las (E.M.A.P.L.); - Todas as quartas-feiras nos primeiros minutos (mais ou menos 20 minutos) do início da reunião pedagógica, um aluno de cada turma apresentaria críticas/sugestões individuais e/ou coletiva em relação aos conteúdos ministrados pelos professores (E.M.J.N.E.); - Avaliação dos professores pelos alunos bimestralmente e auto-avaliação dos alunos. (E.M.J.N.E.) Esta forma de avaliação, que assenta-se no refazer, na reação originada da reflexão, pressupõe uma clareza de objetivos, uma inegável necessidade de estabelecermos de onde e para onde, ou seja, situarmo-nos e daí sabermos em que direção queremos ir (Luckesi, 2000). Tais objetivos necessitam ser elaborados pelo coletivo da escola, como um referencial coerente na indicação do que avaliar e na escolha e formulação dos instrumentos mais pertinentes de avaliação. Portanto, a avaliação é também um processo de verificação se estes objetivos foram contemplados no processo e avaliar a aprendizagem (o que a/o aluna/o conseguiu aprender) implica numa avaliação do ensino (o que a/o professor conseguiu ensinar), explicitando a constante e necessária tensão existente entre estes dois extremos, por isso, sintetizados como processo de ensino-aprendizagem. Daí a importância de falas como esta apresentada por uma escola da pesquisa: - Ao final de cada período, realizar uma avaliação envolvendo todos os sujeitos do processo (alunos, professores e funcionários administrativos) a fim de perceber os avanços e dificuldades encontradas. Esta avaliação servirá de instrumento para a reorientação e replanejamento da prática educativa (E.M.S.A.). Uma postura coerente com uma proposta pedagógica pautada numa metodologia que parta da realidade das/os alunas/os da EAJA não pode se negar a assumir uma avaliação que se oriente pela valorização dos processos. Todos nós estamos em contínua evolução e isto requer um constante pensar sobre nossas ações diárias: (...) Esta reflexão sobre a ação deve culminar em uma reação como resposta às problematizações empreendidas, ou seja, é necessário que a reflexão gere inquietações, desconfortos, incômodos, que nos levem, efetivamente, a empreender novas ações, não simplesmente repetições do já feito, mas ações melhoradas pela experiência daquelas que as antecederam, enriquecidas com novos dados e interpretações originadas da reflexão. E é este processo, de constante fazerpensar-refazer, que devemos assumir como nossa proposta de avaliação: formativa por natureza e processual e contínua por concepção4 (Mamede Júnior, 2002, p. 04). 3 Documento 02-Sistematização de falas por escola (nov-01). Avaliação formativa é aquela que pressupõe diagnóstico do processo de ensino-aprendizagem, intervenção, reavaliação e reorganização dos conteúdos e das metodologias, continuamente e não em momentos estanques. 4 Nessa perspectiva, a/o educanda/o é um ser ativo, que participa da construção de seu próprio conhecimento e a avaliação, sempre em busca do refazer pedagógico, com vistas à aprendizagem, necessita : (...)não apenas medir o conhecimento apreendido, sobretudo e para além disso, [deve]...diagnosticar demandas, estabelecer ações, redirecionar estratégias, compreender especificidades, proporcionar reflexões, valorizar tentativas e reconstruções, respeitar diferenças e incentivar a criatividade e a curiosidade do/a educando/a como forma de possibilitar sua formação, não somente do ponto de vista cognitivo, do conteúdo, mas também da perspectiva sócio-afetiva, psicológica e política. Seu objetivo não é, portanto, controlar, premiar um nível de desempenho, e sim formar, o que demanda uma atitude investigativa durante e sobre todo o processo pedagógico, inclusive sobre si mesmo/a...(Mamede Júnior, 2002, p. 03) Nesta prática, a avaliação enquanto diagnóstica vai aflorar as dificuldades e avanços das/os alunas/os, possibilitando assim que a/o educadora/or reoriente seu trabalho para melhoria da vivência pedagógica. Uma avaliação tomada como diagnóstico da aprendizagem, ou não-aprendizagem, aponta, portanto, para a necessidade da intervenção do professor, formativamente, a fim de redirecionar o processo, construindo estratégias de superação das dificuldades. Um elemento fundamental na avaliação para que o diagnóstico se dê frente ao processo de aprendizagem do aluno é a observação, esta deve conter em si reflexões como: o quê, para quê, quando, onde e como observar. Nela é imprescindível o registro, de forma descritiva e detalhada do diagnóstico realizado, pois é ele que vai possibilitar a comparação de dados que darão uma maior clareza do processo de ensino-aprendizagem: (..).ao acompanhar vários alunos, em diferentes momentos de aprendizagem, é preciso registrar o que se observa de significativo como um recurso de memória diante da diversidade...um exercício de prestar atenção ao processo... (Hoffmann, 2001, p. 175) São vários os recursos que podem ser utilizados na prática do registro, entre os quais, se destacam: caderno do professor, relatórios/esquemas da/o educanda/o, arquivo de atividades, filmagens, fotografia e outros, que sistematizados resultam em material de análise pelo(a) educador/educando/a frente ao processo de ensino-aprendizagem As provas, testes, trabalhos individuais e em grupo, quando desenvolvidos com as/os educandas/os, devem, necessariamente, ser refletidos com elas/es, objetivando não só mensurar a aprendizagem, mas promover a reflexão, o refazer e a retomada do processo para atingir a aprendizagem almejada. E, finalmente, uma avaliação formativa jamais deve estar relacionada a práticas de premiação-punição do desempenho, uma vez que o que se almeja é a compreensão de seus determinantes para se construir estratégias de superação, pois avaliar é traçar objetivos e verificar, permanentemente, se as atividades desenvolvidas na ação pedagógica e a própria ação pedagógica enquanto processo estão adequadas ao público e ao que se pretende atingir. (Paro, 2001). A avaliação diagnóstica, formativa, processual e contínua assume uma dimensão orientadora, permitindo que aluna/o e professora/or percebam seus avanços e dificuldades para continuar progredindo na construção do conhecimento. Para tanto, os instrumentos e as estratégias de avaliação, assim como os momentos, devem ser diversificados como forma de respeito às diversidades, entretanto, é preciso que sejam coerentes com a metodologia das aulas, sob o risco de uma utopia pedagógica, estabelecendo desafios insuperáveis a nossas/os educandas/os. Os momentos de reescrita, por exemplo, individuais, coletivos sob a orientação do professor são fundamentais para favorecer aprendizagens. Vale lembrar que o trabalho em grupo é uma estratégia útil e indispensável à aprendizagem, pois os sujeitos, através das relações sociais estabelecidas no interior das salas de aula, principalmente em grupos menores que propiciam maior participação de seus integrantes, são obrigados a romper com a característica rigidez intelectual que os cerceia, momento em que as discussões coletivas podem contribuir para superar as idéias no âmbito individual, enriquecendo-as. Além disso, o trabalho de grupo, quando caracterizado por clareza e concenso de objetivos, bem como pela participção ativa de suas/seus integrantes, proporciona a formação de líderes, abordando aspectos cognitivos e emocionais, na medida que as pessoas envolvidas deverão se expor, organizar suas idéias e relativizar percepções da realidade no intuito de ouvir a/o outra/o (Vygotsky, 1979, 1984). A avaliação não deve se abster do direito de ser contínua e processual, pois o ato de avaliar a/o educanda/o no decorrer do seu processo de aprendizagem e de avaliar o próprio processo em si pressupõe uma...captação das necessidades, a partir do confronto entre a situação atual e a situação desejada, visando uma intervenção na realidade para favorecer a aproximação entre ambas...(Vasconcellos, 1998, p.85), devendo ser constante, dinâmica e incluir a participação das/os educandas/os e de todas/os as/os profissionais envolvidas/os no processo investigativo, levantando dados para uma melhor compreensão deste processo e da realidade na qual se encontra imerso, podendo a escola, inclusive...promover eventos...e estimular os fóruns de participação e deliberações da comunidade escolar... (Goiânia, 2001a) como um elemento formador que extrapola as amarras do conteúdo pura e simplesmente. Aqui merece destacar o papel da auto-avaliação pelo aluno e professor, enquanto momento de parada para verem o percurso percorrido. Ao evocarmos a necessidade de coerência entre a metodologia de aula e a de avaliação utilizadas, expomos a contradição entre as formas que se efetivam as aulas e o modelo de avaliação adotado e isto pode gerar inconsistências e injustiças em todo o processo pedagógico, ou seja, pretender avaliar através de atividades que busquem explicitar elementos subjetivos, tais como raciocínio analítico-integrativo e autonomia afetivo-social, entre outros, após um ciclo de aulas eminentemente tradicionais, com primazia no conteúdo, é submeter nossa/o aluna/o a uma situação na qual ela/e terá poucas chances de se sair bem e, assim, estigmatizá-la/o. O oposto é também verdadeiro. Avaliar apenas a capacidade de memorização e reprodução do conteúdo apreendido após aulas que privilegiaram a criatividade e o raciocínio, pode estabelecer para a/o educanda/o uma tarefa insuperável, induzindo-a/o a se subestimar. Contudo, ao tentarmos vislumbrar a efetivação da proposta de avanço/reclassificação numa realidade em que convivem tanto professores com uma prática, tradicional de avaliação quanto professores que a entendem como algo que deva se constituir como processo de diagnóstico, que ultrapasse a visão simplista do conteudismo em direção à subjetividade, percebemos alguns entraves. Um deles e, talvez, o mais importante, é o fato de haverem discrepâncias na avaliação de uma/um mesma/o educanda/o, dentro de um coletivo de professoras/es, não pelas especificidades disciplinares ou perceptivas deste coletivo, mas, sim, porque se valem de instrumentos e técnicas conflitantes e pertencentes a pressupostos teóricometodológicos antagônicos, o que pode falsear os resultados, acarretando avanços ou permanências equivocados e indevidos, causando prejuízos ao processo de ensinoaprendizagem desta/e educanda/o. Assim, a procura por uma ...Melhor avaliação dos alunos...para a aceleração...[por ter]...acontecido de avançar alunos sem base ... (Goiânia, 2001a), deve ser entendida no sentido de se considerar que a base, que tanto procuramos, não pode estar restrita ao conteúdo aprendido ou memorizado e sim estender-se para características mais subjetivas, tão importantes quanto o conteúdo (mensurado através das conhecidas provas e trabalhos) no diálogo do sujeito com o mundo. Ou seja, precisamos...Trabalhar no real do nosso aluno: sua motivação, socialização, cultura, emocional, família...e outros (Goiânia, 2001a), ir para além daqueles elementos quantificáveis, invariavelmente mais fáceis de serem observados, incursando nos territórios que compõem a humanidade das gentes com quem compartilhamos os espaços escolares. Falas tanto de educandas/os que priorizem a carga horária de uma disciplina em detrimento das demais, estão presentes também no pensamento de muitos professores e professoras das escolas da Rede Municipal de Educação de Goiânia – a qual trabalha com a base paritária de 5ª a 8ª série –, denotando uma realidade com tendências pedagógicas tradicionais, uma vez que expressa o desejo de hierarquizar as disciplinas dentro da escola e, portanto, desconsidera possibilidades metodológicas coletivas, inter e transdisciplinares, que veja o processo de desenvolvimento da leitura, escrita e numerização como responsabilidade também de todas as áreas que valorizem outros elementos que não apenas os conteúdos, por excelência, aprisionados no interior de uma única disciplina, pertencentes somente a ela e de responsabilidade apenas da/o professora/or daquela área de conhecimento específica. Uma concepção de educação que se estenda para além das fronteiras do mensurável, que considere como sua responsabilidade parâmetros que extrapolem o campo do quantificável, na direção de uma avaliação qualitativa, compromete-se com a valorização dos sujeitos a quem se destina e, assim, compreende a necessidade de não negar-lhes o direito de terem suas especificidades e seus tempos individuais respeitados como forma de garantia às três funções atribuídas à EJA: restauradora (restitui um direito não atendido), equalizadora (estabelece discriminações positivas em busca de justiça social) e qualificadora (extrapola os limites da educação formal e possibilita formação para toda vida)5. Tal assunção coloca para a educação também o compromisso com adequações nas formas de inclusão e progressão destes sujeitos dentro do sistema educacional. Entender que a rigidez atribuída ao cumprimento, por parte da/o aluna/o, das 800 horas e 200 dias, ofertados pelas instituições educacionais, por ano letivo, é um mito na qualidade da EJA, representa um primeiro passo. É neste sentido que a Resolução 001, de 16 de dezembro de 1998 e a Resolução 003, art. 03, inciso III, de 13 de janeiro de 1999, do Conselho Municipal de Educação de Goiânia (CME), seguindo o exposto na LDB 9394/96, surgem como possibilitadoras de um processo no qual a/o educanda/o pode ser matriculada/o em qualquer momento do ano letivo, sem prejuízo à sua escolarização, e promovida/o de uma série escolar para outra sem, necessariamente, cumprir a carga horária prevista para a série em questão, sendo estas práticas denominadas, respectivamente, de classificação e avanço/reclassificação. Apesar deste direito estar garantido à/ao aluna/o desde 1996, na LDB Lei nº 9394/96, e na Rede Municipal de educação de Goiânia desde 1993, com o parecer do Conselho Estadual de Educação de Goiás, muitas escolas demonstram seu desconhecimento, mesmo estando, algumas, desejosas de práticas que em muito se assemelham ao disposto nas Resoluções 001 e 003/1996. O que nos leva a apontar para a necessidade da permanente formação continuada dos profissionais que atuam com a EJA. Certamente, um processo educativo na EJA necessita estar assentado em uma concepção de avaliação qualitativa processual, descritiva, formativa e contínua, pois, do contrário, será impossível avaliar-se os elementos (autonomia e maturidade afetivo-social e intelecto-motora; capacidade investigativa; aprendizagem; capacidade de expressão e organização; criatividade; raciocínio analítico-integrativo; entre outros, além do próprio conteúdo ministrado até o momento da avaliação) determinantes da possibilidade de avanço/reclassificação, permanecendo-se restrito apenas àquilo que é mensurável através de provas e trabalhos: o conteúdo. Analisando os vários propósitos atribuídos à avaliação, apontados por nossa pesquisa, percebemos a possibilidade de organizá-los dentro das seguintes categorias: a) Conhecer as/os alunas/os e sua realidade, através de atividades desenvolvidas antes (e ao longo) da construção de novos conhecimentos, possibilitando à/ao educadora/or conhecer o mundo significativo do alunado, sua forma de ver e representar o mundo que o cerca. b) Identificar/diagnosticar as dificuldades de aprendizagem, tanto no âmbito cognitivo quanto no afetivo e emocional, sendo importante o trabalho coletivo na estruturação de estratégias de superação das dificuldades, lembrando que existem limites nesta intervenção. c) Verificar o alcance de objetivos, propostos previamente, como forma de fornecer diretividade ao processo. Devemos entender o currículo como algo construído em um processo de busca e amadurecimento do senso crítico e cada vez mais articulado com a 5 Estas funções estão bem discutidas no parecer apresentado por Jamil Cury à Câmara Educação de Básica do Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2000). realidade. Estabelecer objetivos mas não verificar, periodicamente, se a metodologia de aulas, se o fazer pedagógico está garantindo um caminhar em sua direção, pode contribuir com o fracasso da/o educanda/o e da/o educadora/or nesta busca. d) Aperfeiçoar o processo ensino-aprendizagem tendo por base as análises dos resultados da avaliação. A/o professora/or pode melhorar a qualidade de sua prática pedagógica, adequando a metodologia usada às características da classe, isto é, às necessidades, ao ritmo e à bagagem cognitiva e cultural das/os alunas/os, por meio de autoavaliações, avaliações das/os alunas/os pela/o professora/or e avaliações da/o professora/or pelas/os alunas/os. Felizmente, ao analisarmos falas como ...é necessário mudar...buscando uma escola que atenda a realidade do aluno do noturno... (Goiânia, 2001b), percebemos o desejo de mudança presente em muitas/os de nossas/os educadoras/es. O que nos cabe como, mais do que simplesmente ofertar estratégias e alternativas às práticas pedagógicas em nossas escolas, é propiciar ambiente favorável para que as muitas práticas, já presentes em seu interior, sejam refletidas, reconstruídas, fortalecidas e socializadas, pois, somente assim, estaremos contribuindo verdadeiramente para que as mudanças sejam efetivadas e permaneçam ao longo do tempo. O TEMPO DA ESCOLARIZAÇÃO DA EJA Gramsci (2004), partindo da premissa de que “todos os homens são filósofos”, sendo sujeitos históricos que vivem no mundo e sobre ele reflete, aponta que a educação básica necessita ser uma escola unitária, “preparatória (primária e média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o, durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, estudar, de dirigir ou controlar quem dirige” (p.49). Este deve ser um princípio básico para a formação de cada grupo social, se não se quer perpetuar nos estratos sociais uma condição de dirigente e dirigidos. Concordando com esta afirmação acima, e constatando que historicamente à EJA foram destinadas migalhas, contribuindo para a manutenção do status quo de um grupo social dominante da sociedade capitalista, o Fórum Goiano de EJA vem se posicionar contrário ao aligeiramento do processo ensino-aprendizagem destinado à classe trabalhadora, guiado por uma perspectiva mercadológica, que vê nos jovens e adultos apenas força de trabalho para sustentar um sistema explorador, com o qual não concordamos. Aos jovens e adultos que buscam o processo educativo necessita ser garantida as condições para que possa vir a ser dirigente. Nesse sentido, ele aponta que: O dirigente deve ter aquele mínimo de cultura geral que lhe permita, se não “criar” autonomamente a solução justa, pelo menos saber julgar entre as soluções projetadas por especialistas e, conseqüentemente, escolher a que seja justa do ponto de vista “sintético” da técnica política. Por isso, na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como uma fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do “humanismo”, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, comércio, etc.). O estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciência e na vida escolar devem começar nesta última fase da escola, não devendo mais ser um monopólio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prática: esta fase escolar deve contribuir para desenvolver o elemento da responsabilidade autônoma dos indivíduos, deve ser uma escola criadora” (Idem, p. 35, 39). Trata-se de uma escola que toma o trabalho (atividade teórico-prática do homem) como princípio educativo, que fornece os elementos da vida, enquanto ponto de partida para o desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo, a qual não se constitui a não ser com muito estudo, esforço e tempo para reflexão, análise e síntese. O que não se faz de forma aligeirada, mas sim de forma aprofundada e coerente, articulada à concepção de classe social dos sujeitos que são atendidos e atuam na EJA. A escola tem um outro tempo, que não pode ser equiparado ou engolido pelo tempo do mercado, se se quer formar seres humanos e não máquinas a serem comandadas e descartadas a qualquer momento. Daí a garantia aos jovens e adultos do tempo necessário à sua escolarização, que não pode ser a metade do que se garante a outros sujeitos, sob pena de estarmos coniventes com a dívida histórica que temos para com estes jovens e adultos, formando homens massa. Assim, o Fórum Goiano de EJA, consoante com o Parecer do relator do CNE/CEB, Jamil Cury, propõe que o Ensino Fundamental seja realizado, prioritariamente em oito anos, flexibilizado, conforme o nível de desenvolvimento dos alunos para no mínimo seis anos, com organização aprovada pelo Conselho Municipal ou Estadual de Educação. E o Ensino Médio, prioritariamente com três anos, flexibilizado, conforme o nível de desenvolvimento dos alunos para no mínimo dois anos, com organização aprovada pelo Conselho Municipal ou Estadual de Educação. Garantindo-se àqueles que necessitarem de um tempo maior que possam tê-lo sem prejuízos dos conhecimentos já adquiridos. E, aqueles jovens e adultos que queiram aligeirar seus estudos, desde que estejam dentro da idade adequada, possam realizar os exames conforme a legislação garante. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB). Parecer no 11, de 7 de junho de 2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, 2000 GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere, volume 2; edição e tradução, Carlos Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação de. Departamento Pedagógico. Divisão de Educação Fundamental da Infância e Adolescência. Proposta Pedagógica. Goiânia, GO, 2004. (mimeo.) GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação de. Departamento de Ensino. Centro de Pesquisa e Formação dos Profissionais de Educação. Proposta Pedagógica para a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos. Goiânia, GO, 2000. (mimeo.) GOIÂNIA, Secretaria Municipal de Educação de. Divisão de Educação Fundamental de Adolescentes Jovens e Adultos. A Construção de uma Proposta Democrático Popular de Educação para Adolescentes Jovens e Adultos da Rede Municipal de Educação de Goiânia, pelos Sujeitos do Processo Educativo [Documento 02]. Goiânia, GO, 2001[a]. (mimeo.) GOIÂNIA, Secretaria Municipal de Educação de. Divisão de Educação Fundamental de Adolescentes Jovens e Adultos. A Construção de uma Proposta Democrático Popular de Educação para Adolescentes Jovens e Adultos da Rede Municipal de Educação de Goiânia, pelos Sujeitos do Processo Educativo [Documento 03]. Goiânia, GO, 2001[b]. (mimeo.) HOFFMANN, J. Avaliação Mediadora. Porto Alegre, RS, 1993. ____________ Avaliar para promover. Porto Alegre, RS, 2001. LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 1995. MAMEDE JÚNIOR, Walner. Avaliação, Ensino e Aprendizagem: como, o quê e porque avaliar. Goiânia, GO, 2002. (mimeo). PARO, Vitor H. Reprovação escolar: renúncia à educação. São Paulo, Xamã, 2001. PIAGET, J. El Critério Moral en el Nino. Barcelona: Fontanela, 1974. VASCONCELOS, C. dos S. Superação da Lógica Classificatória e excludente da Avaliação. São Paulo: Libertad, 1998. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. Lisboa: Antídoto, 1979. _______________ A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.