- Abrapcorp

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VI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações
Públicas – “VI Abrapcorp 2012 – Comunicação, Discurso, Organizações”
São Luiz/MA – 26 a 28 de abril de 2012 Espaço de Iniciação Científica - EIC
Abrangência e Limites de Interação e Relacionamento entre Participantes de
uma Organização Não-Governamental
Resumo
O estudo contido neste artigo é proveniente dos resultados de um projeto de pesquisa
cadastrado no CNPq que teve como principal objetivo relacionar as práticas cotidianas
de uma organização governamental ONG, ao modo pelo qual as diversas formas de
interação influenciam os relacionamentos. Os dados foram levantados por meio da
metodologia da entrevista em profundidade. A análise permite afirmar que há uma
direta correlação entre o entendimento de cada membro da equipe sobre a finalidade do
trabalho a realizar e a ausência de rigidez hierárquica. Pode-se concluir que apesar de
privilegiar a interação quando dispõe de recursos como diálogo e linguagem, aquela não
é suficiente para determinar o processo de compartilhamento: quanto maior a
experiência de relacionamento, mais complexo é o entendimento sobre a interação.
Palavras-chave
Comunicação; Interação; Linguagem; Relacionamento.
Introdução
Organizações capacitam-se continuamente para a gestão de pessoas e suas
relações. Para Davel e Vergara (2009, p. 307) a administração é uma atividade
relacional que envolve múltiplas realidades, o que torna o espaço organizacional “uma
teia ou uma rede de relações”. Gestão de relacionamento baseia-se na ideia Grunig de
comunicação bidirecional simétrica, sendo que para Bruning (2002) deve-se reconhecer
que os públicos de uma organização são ativos, interativos e participantes de um
processo contínuo de comunicação. Cutlip, Center e Broom (2006) observam que o
relacionamento em si afeta muito o processo de comunicação. Comunicação é um
processo de se relacionar (CONDIT, 2006).
Adota-se, no presente trabalho, a visão defendida por Alex Primo (2005), na qual
o processo de interação não deve ser visto como uma característica do meio do qual
emerge, mas sim como um processo desenvolvido entre os interagentes. A interação,
aqui discutida, é a que possibilita a construção de relacionamentos, o que
necessariamente engloba a participação ativa dos envolvidos (interagentes). Nesse
sentido, o ambiente não é capaz, por si só, de possibilitar que a interação existente se
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estenda a outros tipos de relações mais intensas, por meio da interação, a laços de
relacionamentos, afetivos ou não.
A pergunta de problema que se configura para a investigação é: Que fatores
podem ser relacionados a iniciativa individual e participação, na ação de uma equipe
multidisciplinar e que peculiaridades de uma ONG em relação a organizações privadas
influenciam as possibilidades de construção de relacionamento entre os indivíduos em
âmbito organizacional?
Adotam-se dois pressupostos para orientar a busca de resposta:
 A comunicação vai além do simples ato de transmissão, podendo relacionarse a construção e a negociação de significados.
 As práticas cotidianas da ONG analisada passam por processos sociais que
ocorrem num determinado contexto e a dependência que tem dos
relacionamentos, promove uma comunicação de grande potencial de
possibilitar meios para que os indivíduos, ao compartilharem significados,
percepções, opiniões e até mesmo diferenças, interajam em qualquer outro
ambiente organizacional.
Ao voltar a atenção para as relações que as pessoas desenvolvem, pode-se
desvendar a pluralidade e heterogeneidade de linguagens, espaços e práticas que as
governam no dia-a-dia organizacional (ROSE, 1996). A análise aqui realizada se
particulariza por tratar de uma organização do terceiro setor – a ONG MAE – Meio
Ambiente Equilibrado, na qual as relações entre os indivíduos deixam de ser pautadas,
muitas vezes, por questões econômicas ou relacionadas à rigidez de hierarquias.
O principal objetivo é compreender como a interação sugestiona a necessidade da
criação e do desenvolvimento de relacionamentos em uma organização não
governamental (ONG), levando-se em conta suas especificidades, uma vez que no
interagir culturas são convulsionadas. A metodologia de coleta foi a de entrevistas em
profundidade por sua adequação a um levantamento de natureza qualitativa. O método
adotado é o estudo de caso.
A Interação como Processo Comunicacional
Mais do que informar públicos a respeito de suas políticas, ações e valores no
sentido de estabelecer um diálogo (NASSAR, 2008) uma organização necessita
relacionar-se.
Define-se
relacionamento
como
um
processo
de
interação
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interdependente entre duas ou mais pessoas, procurando entender quais implicações o
comportamento de um indivíduo tem para a conexão continua como outro indivíduo ou
grupo de pessoas, pois cada pessoa depende da outra para alcançar os resultados
desejados (MORREALE ET AL., 2007). Esse processo colabora na formação do ato
comunicativo que segundo Oliveira (2009, p. 60) “é um espaço de negociação, um lugar
de exposição e discussão de interesses, divergentes e demandas diferentes, que utilizam
a argumentação para buscar pontos comuns de entendimento.” Para Wood (2000, p.
153, tradução nossa), “a interação está no coração dos relacionamentos, pelo fato de que
é por via da comunicação que as pessoas aprendem uma sobre as outras e ganham
discernimento sobre valores, crenças e tudo o que possuem em comum.” Ainda para a
autora, a comunicação cria compreensão sobre relacionamentos, e a linguagem que
usamos para designar interações e eventos reflete e dá forma a nossas percepções de nós
mesmos, dos outros e dos relacionamentos (WOOD, 2000).
De acordo com Fisher (1987), a comunicação passa a ser entendida, nesse
contexto, como o relacionamento que os indivíduos criam por meio da interação. Primo
(2005) evidencia que a comunicação tem potencial de configurar-se como o elo, o
“entre” na relação que os indivíduos instituem nos processos interacionais. Dessa forma,
o processo de interação pode, também, ser compreendido como o intercâmbio existente
entre dois ou mais interagentes (PRIMO, 2005), seres vivos ou não.
No contexto de relacionamentos revelam-se duas formas de interação (PRIMO,
2005). A primeira, interação mútua, é caracterizada por relações interdependentes, em
que existe a possibilidade de criação de um relacionamento (como extensão da própria
interação entre dois seres) em meio a um processo de negociação que exige a
participação ativa de todos os envolvidos. Esse processo é marcado pela modificação
que se observa nos interagentes, pois, ao interagirem, os indivíduos influenciam o
comportamento um do outro. A interação reativa, não menos importante, designa um
processo mais restrito, condenado a ação e reação e limitado a relações momentâneas de
estímulo e resposta que produz, independentemente da quantidade de vezes em que for
realizada, o mesmo efeito.
A participação e o envolvimento dos indivíduos tornam-se essenciais, à medida
que estes, por meio da iniciativa individual, engajam-se em um processo de troca e
compartilhamento (PRIMO, 2005), fazendo-se parte dele e parte, também, da própria
interação instituída. Para Bakhtin (apud BARGE e LITTLE, 2002, p. 383) “à medida
em que estamos engajados em comunicação com outros, estamos engajados em um
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processo dialógico que continuamente molda e remodela o próprio ser e o outro”. A
negociação de sentidos se ilustra a partir da fala de um informante da pesquisa,
constante dos dados levantados e explicitados mais amplamente adiante: “- Aqui tem
advogado, biólogo, jornalista, têm questões que dependem de todas essas áreas, como
que as pessoas não vão interagir? É essencial, resolver tudo junto, eu contribuo com a
minha área, você com a sua e resolvemos um problema.” (Fonte: dados da pesquisa)
A conversação vista como um processo de interação que se realiza pelo diálogo
pode ser considerada um processo de transformação por estar sempre seguida de ação,
uma vez que, “em razão de sua competência de análise, de interpretação e de
conversação, os atores são sempre os produtores do texto organizacional”
(GRAMACCIA, 2001, p.18). É a partir dessa perspectiva que a linguagem pode ser
considerada como “inter-ação”, ação social que deixa de ser apenas um ato de dizer e de
querer dizer, transformando-se em um ato social pelo qual os indivíduos podem
interagir (KOCH, 1997). A conversação, portanto, deve fazer parte de toda prática
comunicacional das organizações no sentido de integrar os processos cotidianos em uma
ação compartilhada de interação, capaz de envolver os indivíduos e estimulá-los a
participar.
Metodologia
O estudo de caso ao privilegiar a “descrição do fenômeno estudado, busca
encontrar padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais que possibilitem
ilustrar, confirmar ou opor-se às suposições teóricas” (GODOY, 2010, p.124). Yin
(2001) ao considerar o estudo de caso como uma investigação empírica alerta para o
fato de se investigar um determinado fenômeno contemporâneo em um contexto de vida
real, “especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos” (YIN, 2001, p.32).
Os dados foram coletados por meio de entrevista em profundidade com roteiro
semiestruturado, conduzidas pela equipe de pesquisadores na própria sede da
organização. O número de entrevistados totalizou 14 e contemplou diferentes níveis
hierárquicos, envolvendo todo o conjunto de participantes da ONG MAE (9 homens e 5
mulheres). O procedimento permitiu considerar as manifestações dos informantes por
meio de uma análise interpretativa. De acordo com Ludke e André (1986), esta
abordagem é caracterizada pelo contato direto dos pesquisadores com a situação que se
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pretende observar, sendo esta uma etapa predominantemente descritiva. As
mencionadas entrevistas foram realizadas entre julho a outubro de 2011. Salienta-se
que as entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente verificadas para análise e
discussão do conteúdo.
Contextualização do Campo Amostral
A ONG MAE cuida de questões ambientais, estudando-as em seus impactos.
Fundada há dez anos por voluntários e estagiários do Ministério Público do Meio
Ambiente, atua de forma intensa na cidade de Londrina-PR no sentido de despertar o
interesse da população e apoio no oferecimento de denúncias junto aos órgãos públicos.
Seu corpo funcional integra 14 indivíduos, entre diretores e estagiários de áreas
diversificadas e complementares. Compõe-se de uma equipe multidisciplinar que, por
seu histórico de inúmeros enfrentamentos, tornou-se referência regional em questões
urbano-ambientais.
Os membros não possuem horário nem demanda fixa de trabalho. A comunicação
é um processo baseado inicialmente na transmissão de mensagens e informações, sendo
o envolvimento da comunidade e a parceria em projetos, seus principais pontos de
atuação. Nos processos de interação, a MAE apresenta-se com grande potencial não
apenas por se configurar como uma organização do terceiro setor, mas principalmente
pelo nível de participação de seus membros, que nas reuniões de trabalho discutem e
tomam decisões coletivas
O próprio trabalho realizado tem como característica a busca pela interação entre
todos os agentes envolvidos na questão ambiental: poder público, comunidade,
parceiros e empresas privadas. O conhecimento jurídico, científico e documental
registrado ao longo do tempo e a constante participação de seus membros em
conferências locais, regionais, nacionais e internacionais –, com ações que vão desde
publicação de artigos e trabalhos científicos à execução de idéias baseadas em conceitos
globais –, fazem da ONG MAE uma fonte para estudo e análise.
A Interação na Organização Não-Governamental MAE
As organizações por serem constituídas de pessoas não podem prescindir de
comunicação (KUNSCH, 2009), sejam nos seus relacionamentos internos ou externos.
As pessoas devem ser vistas como atores sociais “criadores e estimuladores dos
diferentes processos de interação e de comunicação” (BULGACOV e MARCHIORI,
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2010, p.152). Em relação à organização do terceiro setor analisada, pode-se perceber
que sua própria finalidade constitui-se como fator que propicia interações entre seus
membros. A necessidade de relações humanas, principalmente partindo do pressuposto
de que uma ONG não existe sozinha, sem a participação e esforço das pessoas na
captação de recursos para sua sobrevivência, aponta diversos aspectos que devem ser
observados no sentido de compreender suas práticas cotidianas.
Devido às necessidades da vida cotidiana e das atividades realizadas em âmbito
organizacional, a comunicação é um aspecto inerente ao ser humano, à convivência em
sistemas sociais e à própria natureza das organizações (KUNSCH, 2008). Disso decorre
que existe em certo limite, uma interação obrigatória que atinge a todos os indivíduos,
sem exceção. Os humanos, no entanto, possuem autonomia no pensar e agir. A
interação, nesse contexto, acaba por depender da iniciativa individual no “querer
interagir”, A seguinte fala de um dos informantes ilustra esse aspecto:- Eu acredito que
a nossa comunicação privilegia sim a interação, aqui comunicação é interação, ela
envolve as pessoas, faz eles refletirem, mudarem pensamentos, conceitos, posturas. A
comunicação não é só passar recados, a gente passa ideias, passa reflexões, isso que é
muito importante e causa uma interação, nos obriga a interagir, necessitamos um do
outro aqui dentro, porque cada um desempenha um papel diferente e fundamental para
que a ONG vá pra frente. (Fonte: dados da pesquisa).
Trata-se de uma preocupação que as organizações não devem perder,
principalmente levando-se em consideração que comunicar não significa puramente
interagir. A relação entre comunicação e interação se manifesta de diferentes formas na
ONG MAE, conforme expressa este outro participante: - A comunicação praticada aqui
privilegia muito a interação, totalmente. Aqui tudo é interação, tudo vem da
comunicação entre a gente. Até as conversas são importantes, são essenciais para o
nosso trabalho, nossas ações. A gente tá conectado o tempo todo. (Fonte: dados da
pesquisa).
O que se pode depreender dessas percepções é que na organização em estudo a
comunicação atua de duas formas: na simples transmissão de mensagens e informações,
que ocorre de maneira a restringir a participação ativa de todos os indivíduos e no
compartilhamento e negociação de mensagens e informações, quando os indivíduos por
meio de suas atitudes, falas, participação, promovem o diálogo e crescem com a
experiência. No segundo caso, as mensagens não são impostas ou apenas repassadas,
são geradas e discutidas pelos indivíduos de forma a possibilitar reflexão e mudança de
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conceitos, de opiniões e de pensamentos (características da interação mútua, em que os
indivíduos se transformam, crescem e evoluem em termos de ideias e comportamentos).
Compreende-se, também que a comunicação existente na ONG MAE, apesar de se
configurar inicialmente como transmissora, transcende para a interacional nos processos
em que as equipes se reúnem, discutem questões e tomam decisões coletivas, o que
propicia a interação entre os indivíduos de forma a envolvê-los num processo quase
‘obrigatório’.
Percebe-se ainda nessa perspectiva que existe a necessidade de envolvimento dos
indivíduos na interação, ressurgindo o aspecto do “querer interagir” de cada um e,
portanto, interação tida como um processo múltiplo interligado ao meio, ao próprio
processo de comunicação e à vontade individual. Outra fala de informante assim se
pronuncia: “- Então, o que foi interessante é justamente que apesar de ter uma certa
hierarquia, no caso, uma hierarquia com as atribuições (presidente e vice-presidente),
as decisões são sempre discutidas coletivamente. E, na verdade, eu até penso no caso
dessas hierarquias, é mais pela experiência das pessoas que estão ocupando essas
funções do que necessariamente uma apropriação ali do espaço.” (Fonte: dados da
pesquisa).
A principal característica do meio, citada nos relatos como importante aspecto na
discussão acerca da temática de interação, é portanto a ausência de estruturas e
hierarquias rígidas e inflexíveis. Vale frisar que na ONG analisada nota-se a presença de
certa hierarquia pautada por cargos específicos, porém, como os próprios membros
relataram, a hierarquia está mais relacionada a uma nomeação necessária às questões
burocráticas e não ao aspecto decisório ou centralizador, comumente estabelecido em
organizações mais hierarquizadas. Observe-se o que vai ressaltado nesta expressão: “Outra coisa são as relações de confiança que a gente cria aqui dentro, ouso dizer que
aqui na ONG não existe a ideia de hierarquia, exceto situações burocráticas, em que
uma pessoa ficou responsável por organizar determinado assunto.” (Fonte: dados da
pesquisa).
Observa-se que em todas as atividades e funções existe respeito em relação a
metas e prazos preestabelecidos, mesmo sem uma hierarquia rígida, podendo ressaltar a
importância das relações nesse processo. A expressão do informante a seguir, fornece
uma visão singular do ambiente na ONG quanto a esse aspecto: “Acho que isso é um
diferencial de sermos uma organização do terceiro setor, com certeza. Nas
organizações privadas, que são mais compartimentalizadas, tem a questão da
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hierarquia que ela é respeitada. Os departamentos, em tese, eles têm que trabalhar em
conjunto para que a grande engrenagem funcione, vá para frente e gere dinheiro, mas
assim a interação acaba sendo muito mais reativa, porque eles dependem disso para
continuar na empresa, receber salário, crescer hierarquicamente. Aqui a gente
trabalha muito, temos muitas atividades, mas cada um desempenha suas atividades do
jeito que preferir, no seu tempo, seguindo os prazos.” (Fonte: dados da pesquisa).
A análise leva a crer que quando existe uma questão de escolha (em que se pode
ou não registrar comprometimento do indivíduo com a causa), o simples fato de o
indivíduo escolher se comprometer o coloca em uma situação de total envolvimento,
mesmo em ausência de hierarquia rígida (aqui relacionada aos indivíduos serem
submetidos a cargos de chefia que os cobrem e pressionem, independentemente da
intensidade desses fatores). “- Eu acredito que a primeira parte é, por estarem dentro
de uma organização na qual a gente não vive hierarquia, não tem isso como a base das
relações, dos relacionamentos, acredito que a relação de amistosa, principalmente na
questão de ajuda profissional, seja a base dos princípios de interação entre as pessoas,
e a boa convivência.” (Fonte: dados da pesquisa). É como se o simples ato de escolher
proporcionasse mais responsabilidade ao sujeito que se compromete com a ação. A
escolha se torna, então, suficiente para gerar uma espécie de senso de valor, de honra e
de comprometimento no indivíduo, que passa a não depender mais de hierarquias e
estruturas rígidas para que cumpra seu papel.
Dessa forma, ambientes mais flexíveis e abertos às informações tendem a
estimular práticas interacionais, bem como a participação espontânea dos indivíduos,
tendo em vista que a comunicação acaba por nutrir os relacionamentos que se
constroem no cotidiano da organização. Quando se pensa em relacionamentos
aparentemente há o crescimento da confidencia individual na medida em que um
indivíduo entende o outro, além da compreensão de como um relacionamento acontece
(Berger e Calabrese, 1975; Parks e Adelman, 1983; Surra e Bohman, 1991, apud Wood,
2000). “Então, como eu te falei aqui é bem aberto assim. Eu acho que você mesma veio
aqui um belo dia, falou comigo ou com outra pessoa e acho que você teve o acesso
diretamente por intermédio dessas pessoas que não vão ficar defendendo, tipo “tem que
falar com o presidente, tem que falar com não sei quem” e a gente já pode articular as
coisas para facilitar.” (Fonte: dados da pesquisa).
O estímulo à participação e à interação pode ser observado pela forma em que os
processos são percebidos pelos membros da ONG e pelo esforço desses em transformá8
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la em um ambiente interativo, como revela este outro relato: “- As oportunidades que a
gente tem buscado criar, inclusive mais internamente pra que as pessoas se conheçam
porque muita gente vem as vezes só numa parte do semestre o resto não, ai tem um
envolvimento tão pequeno aqui na ONG, que as vezes a pessoa tá há dois, três anos
aqui fazendo parte de um grupo específico de estudos e ela me pergunta algo
extremamente banal, (...) e aí você fala: Pô, esse cara não tem a exata noção do que a
gente é e faz, apesar do tempo!” (Fonte: dados da pesquisa).
Nesse contexto, a presença de uma iniciativa individual do sujeito em agir
espontaneamente pode ser considerada como um fator de extrema influência para o
processo de interação. O “querer interagir” é o princípio básico para que a interação não
se restrinja a uma simples ação momentânea de estímulo e resposta, condenada à
transmissão. O ambiente naturalmente interativo identificado na ONG é condição
indispensável para que a interação flua como um processo capaz de atingir e envolver a
todos por meio da iniciativa e vontade individual, constantemente estimulada nas
práticas cotidianas organizacionais: “- Esperamos que eles sejam proativos e
estimulamos essa proatividade, aqui é assim, você tem uma ideia você é pai dela, você
cuida, entendeu? Se você acha, você cuida e você resolve (...) quando se refere ao
movimento de ação da ONG, sempre a proatividade, que é a pessoa ter iniciativa,
sempre.” (Fonte: dados da pesquisa).
A interação, num contexto mais amplo, depende da vontade individual, ou seja, é
necessário que o indivíduo se permita envolver e queira agir continuamente, ter atitude
nos processos interacionais, estando disposto, portanto, a se ‘alimentar’ da interação ao
mesmo tempo em que a ‘alimenta’ com suas contribuições. Observa-se, também, a
importância do estímulo por parte da organização no que diz respeito a fazer com que os
indivíduos despertem sua iniciativa individual, animando-se também para a
transformação da realidade social em que estão inseridos e passem a agir, nesse
processo constante, como atores sociais. “- Eu acredito que dependa das pessoas
mesmo, de cada um. Por exemplo, acredito que qualquer interação só pode ser
realizada se os envolvidos querem interagir ou de fato necessitem disso. Aqui dentro
tem gente que não interage porque não quer e eu não consigo me aproximar, pode ser
timidez ou qualquer coisa, mas acho que depende muito de cada um.” (Fonte: dados da
pesquisa)
A intervenção das organizações, por meio do estímulo ao processo de interação,
pode levar várias consequências positivas aos aspectos comunicacionais, como, por
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exemplo, a adaptação a mudanças organizacionais. Essas mudanças ocorrem em todas
as organizações, seja de pequeno ou grande impacto, no nível estratégico ou
operacional, tendo em vista que são caracterizadas como sistemas sociais abertos que se
comunicam e se relacionam (NASSAR, 2008), interagindo constantemente com o
ambiente em que se situam. “- Pra que as pessoas estejam o maior tempo possível junto
e compreendam o que cada um tá fazendo e não só de uma forma assim profissional, de
agregar né, to fazendo certa atividade um cara tem um pedaço do conhecimento ele
trás pra que isso vire uma terceira coisa, isso é, toda a hora a gente tem que estimular”
(Fonte: dados da pesquisa)
Conhecer e acompanhar a dinâmica organizacional é uma necessidade premente,
uma questão de sobrevivência. (MARCHIORI, 2008), Neste sentido, indivíduos que
vivenciam as práticas cotidianas de sua organização por meio da participação ativa nos
processos de interação tendem a promover mudanças, uma vez que se encontram em um
ambiente interativo mutante em um processo de renovação e reconstrução dos
significados, incorporando-os e reincorporando-os também de forma constante. “- Às
vezes eu sou até chato de tentar demonstrar que não importa só o que você sabe,
importa o que você sabe em relação ao outro, então assim, é, esses espaços de troca de
conhecimento que é dentro dos grupos, que é no convívio diário através dos
projetos”(Fonte: dados da pesquisa)
Essa adaptação às mudanças ou a novos cenários e desafios na qual estão
dispostos os membros da ONG propicia, além de uma melhor aceitação frente às
mudanças e transformações, um aprendizado capaz de os diferenciar na área em que
atuam. Os diferentes profissionais, membros da ONG, interagem constantemente,
trocando informações e conhecimentos e, dessa forma, aprendendo com o conhecimento
do outro em um movimento contínuo e multidisciplinar. Na ONG MAE, esse
movimento é fortalecido pela presença de profissionais de diversas áreas e formações
acadêmicas atuando de forma conjunta: “- Aqui não se faz nada sozinho, segmentado. A
multidisciplinariedade e a trans são requisitos básicos, um profissional de determinada
área, não atua sozinho em um trabalho ambiental, vai sempre depender de outros, por
outro lado, o olhar especializado também é muito importante. Um grupo pode
demandar outro.” (Fonte: dados da pesquisa).
Os relatos indicam a existência de interação entre os próprios conhecimentos, que
se renovam, se complementam, se reconstroem, se transformam ao mesmo tempo em
que apresentam a multidisciplinariedade como importante estimulador do processo de
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interação. “- Claro, você vai lá, mas na volta você vem fazer uma exposição aqui pra
gente, então toda a hora as pessoas, dentro do próprio conhecimento delas, elas são
instigadas a demonstrar o que elas sabem em relação ao outro e fora dele também né”
(Fonte: dados da pesquisa).
O estímulo nasce da necessidade de resolução de atividades organizacionais e que
faz com que diferentes profissionais tenham que desenvolver relacionamentos internos.
“Necessariamente, a única forma de fazer as coisas aqui dentro é juntando os pedaços
de cada um, um biólogo sozinho não consegue fazer nada, um jornalista sozinho nada,
um cara do direito sozinho também nada, um cientista social consegue desenvolver uma
mera análise social sem muita conexão, então, tá junto é o que garante essa visão mais
integrada.” (Fonte: dados da pesquisa). Ressalta-se que apesar da interação entre os
profissionais ser inicialmente reativa, ela não se restringe à momentaneidade e nem é
configurada apenas com base na ação e reação, uma vez que o ambiente em que os
profissionais estão inseridos é interativo e cercado de estímulos à participação e ao
envolvimento.
Observa-se, na ONG MAE, que as conversações com os outros, principalmente
em função das reuniões de trabalho que são continuamente realizadas com os mais
diversos grupos, oferecem ao individuo que se engaja no processo interacional, uma
perspectiva de análise sobre sua própria experiência (Harvey, Weber e Orbuch, 1990;
Planalp, Rutherford e Honeycutt, 1988 apud Wood, 2000, tradução nossa), o que
certamente capacita com maior intensidade às pessoas que vivenciam relacionamentos.
Para Greenhalgh (2002) os relacionamentos mais óbvios no ambiente organizacional
são aqueles que envolvem pessoas de diferentes papéis na organização. Nesse cenário, a
equipe multidisciplinar pode ser entendida como um primeiro passo para a existência de
uma interação que flua como um processo capaz de envolver os indivíduos de forma a
transformá-los por meio da negociação e da incorporação de significados, possibilitando
a construção de relacionamentos. A interação mútua, portanto, é capaz de fazer com que
as relações sociais estimuladas entre os indivíduos, inicialmente profissionais,
ultrapassem a rotina organizacional diária, podendo alcançar um nível de intensidade e
envolvimento capaz de torná-los mais do que colegas de trabalho. Martin (1991, 1992
apud Wood, 2000, p. 137, tradução nossa) demonstrou em suas pesquisas que “maior
experiência de relacionamento promove entendimentos mais complexos de interação.”
Esse nível intenso de relação, entendido aqui como relacionamento, pode ser
considerado na ONG MAE, os quais pautam-se pela liberdade e flexibilidade. Essas
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relações ressaltam valores fortes e intensos como a confiança, tendo em vista que os
indivíduos julgam realmente se conhecerem: “- Acho até que são os relacionamentos
que fazem as coisas acontecerem aqui, dependemos disso. Os objetivos da ONG exigem
isso, as nossas ações, a nossa própria finalidade. Isso é natural aqui, não precisa
formalizar nada, tudo vai acontecendo... Principalmente no fortalecimento da
convivência e também dos resultados que a gente alcança.”
Pode-se analisar que a proximidade entre os indivíduos é fruto da convivência
direta e interativa que possuem e, nesse sentido, o fato de estarem descobertos pela falta
de competitividade e ausência de hierarquia rígida os leva a se conhecerem
profundamente, despertando o sentimento de confiança, considerado por Greenhalgh
como “a dimensão mais importante dos relacionamentos interpessoais” (2002, p.48).
“As relações que a gente constrói dentro da ONG acabam nos aproximando de tal
forma que não dá pra ficar só no campo profissional.”
Para o autor, o sentido mais amplo do sentimento de confiança é uma pessoa ser
capaz de zelar pelos interesses de outra, sem a possibilidade de quebra desse laço de
lealdade em troca de favores ou da aprovação de outras pessoas (GREENHALGH,
2002). Nessa perspectiva, o relacionamento existente entre os membros da ONG têm
por base a confiança. Os relatos revelam um interesse coletivo existente, não havendo
interesses individuais diferentes ou conflitantes e não havendo, consequentemente, a
possibilidade de um indivíduo não zelar pelo interesse do outro. “- Dá pra afirmar que
a ONG é uma família, isso decorre da questão da confiança que a gente deposita em
cada um, no momento em que você trabalha com isso, não tem como você se
desconectar.” Junto à confiança pode-se analisar, em mesmo grau, o respeito que, de
acordo com Greenhalgh (2002), pode ser determinado por dois fatores: a evidência de
um sólido sistema de valores e a vontade de agir de acordo com a outra pessoa. O
primeiro fator, pessoal de cada indivíduo, está relacionado á integridade, enquanto o
segundo relaciona-se ao fato das pessoas se comportarem de acordo com suas
convicções e obrigações. Na ONG MAE, apesar de não haver um meio eficaz de análise
da integridade de cada indivíduo, evidencia-se esse aspecto por meio das ações coletivas
desempenhadas em prol do meio ambiente, dos interesses da população, além do fato de
se dedicarem a uma organização por convicções pessoais.
Observa-se, na ONG MAE, que a interação vivenciada pelos seus membros
propõe por si só a abertura a questionamentos e a desconstrução dos significados
gerados nos processos interacionais, o que certamente colabora com a afirmação de
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Condit (2006, p. 6 tradução nossa) “dentro de cada nível de relacionamento é
incorporado outro, de modo similar constituído por um conjunto de interações
dinâmicas”. Relacionamentos são tanto sobre presença e ausência, quanto sobre
similaridade e diferença (CONDIT, 2006). Nesse contexto, existe uma tendência natural
à diversidade, a discussão, ao crescimento dos indivíduos nos processos de negociação,
desde que não sejam incoerentes à causa comum pela qual se destinam as práticas da
organização.
Considerações Finais
Esse estudo revela que o processo de comunicação existente é mais do que um
meio para interação, configurando-se como a própria interação uma vez que
proporciona aos indivíduos se conhecerem, se respeitarem e se aceitarem por meio das
interações vivenciadas no cotidiano organizacional. As interações iniciais são
consideradas por Wood (2000, p. 137) como a “gênese dos relacionamentos”.
Esses fatores, relacionados aos estímulos da própria organização para que seus
membros interajam, num processo em que se modificam ao mesmo tempo em que
contribuem com a modificação dos outros, acabam por envolvê-los em um vínculo
intenso de relações humanas. Relacionamentos devem ser vistos como um processo em
continuo desenvolvimento os quais evoluem ao longo do tempo tendo como base as
interações de um com o outro ou outros (Wood, 2000). Dessa forma, a comunicação
constitui relações (CONDIT, 2006) que continuamente se modificam no ambiente
estudado.
Na ONG MAE a interação é um processo natural, as pessoas agem no sentido de
encorajar a interação sendo esse processo uma pratica comunicacional vivenciada por
todos. Assim, a realidade diária dos indivíduos passa a ser socialmente interpretada e
construída pelas próprias pessoas em um processo participativo e interativo, fazendo
com que a comunicação entre elas, deixe de ser uma ação isolada e passe a fluir por toda
a organização, estimulando os indivíduos a “quererem interagir” por meio da iniciativa
individual. A ONG MAE privilegia a interação pois estimula os relacionamentos, ao
dispor de recursos como o diálogo e a linguagem, entendendo que quanto maior a
experiência de relacionamento, mais complexo é o entendimento sobre interação.
Portanto compreende-se que a comunicação vai além do simples ato de transmissão, ao
relacionar-se a construção e negociação continua de significados. Essas atitudes dos
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indivíduos na ONG MAE promovem uma comunicação onde ao compartilharem
significados, percepções, visões, opiniões e até mesmo diferenças, adquiram em função
de suas inúmeras e diversificadas experiências condições para interagirem em qualquer
outro ambiente organizacional e principalmente na extensão dos seus inúmeros
relacionamentos com os diferentes públicos.
Ressalta-se a pluralidade e heterogeneidade de linguagens e práticas que
governam o cotidiano da ONG MAE, o que segundo Rose (1996) reforça as relações
que as pessoas desenvolvem nos ambientes organizacionais. As conversações levam a
um processo de transformação da realidade.
Este caso revela que a interação continua e intensa tem a capacidade de mobilizar
conhecimento nos indivíduos que aprendem com suas próprias experiências. O mais
interessante de se observar é que os processos são contínuos e intensos, com a
capacidade de naturalmente unir os indivíduos em múltiplos processos de comunicação,
que se renovam a cada experiência que a organização vivencia. São as contribuições
individuais que, nos processos de interação, tornam-se presentes e intensamente
vivenciadas pelos indivíduos.
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