a identidade e a missão da universidade católica e

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UNISAL - LORENA
A IDENTIDADE E A MISSÃO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA E
DAS INSTITUIÇÕES SALESIANAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR (IUS)
Prof. Dr. Paulo Cesar da Silva
Professor de Fundamentos Éticos dos Direitos Humanos e
Fundamentos Antropológicos do Biodireito, no curso de
Mestrado do Centro UNISAL, U.E.Lorena e Professor de
Ética, Antropologia Filosófica, Teodicéia e Antropologia
Religiosa, nos cursos de Graduação do Centro UNISAL,
U.E.Lorena.
Este texto foi produzido, a pedido do Pró-Reitor Acadêmico, Pe. Dr. Milton Braga de Rezende,
para justificar a criação do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Antropologia Religiosa (NEPAR) do Centro
UNISAL. Ele, entretanto, transcende os limites da sua finalidade original. O texto, realizadas algumas
adaptações, é publicado a fim de contribuir para as reflexões sobre a identidade e a missão da
Universidade Católica, particularmente, das Instituições Salesianas de Educação Superior (IUS).
O papa João Paulo II, aos destinatários de Fides et ratio, afirma que “A fé e a razão (fides et
ratio) constituem como que duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da
verdade.” O referencial antropológico, por sua vez, é, entre outros, é aquele que melhor se presta para o
diálogo com os homens e a cultura de nossos tempos sobre o problema e a relação entre a fé e a razão.1
As questões fundamentais “Quem sou?De onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que
existirá depois desta vida?”2 são questões universais que muito sensibilizam o homem moderno e
contemporâneo.
1 . O referencial antropológico cristão
1.1 A concepção de ser humano conforme a fé cristã.
O ser humano, antes de tudo, deve ser entendido como um mistério porque a sua realidade não se
esgota pelo conhecimento racional. Ele foi criado por amor, à imagem de Deus, o que o constitui
superior e transcendente às realidades materiais, sendo o único ser da criação terrestre que Deus quis por
ele mesmo. O homem é um ser composto de corpo e alma, inteligência e liberdade, consciência e
coração, mas que constitui uma unidade substancial. O ser humano possui um gérmen divino de
1
2
João Paulo II. Universidades Católicas. São Paulo: Paulinas, 1990, I, 17
João Paulo II. Fides et Ratio – sobre as relações entre a fé e razão. São Paulo: ed. Loyola, 1998, par. 1.
2
eternidade, valendo muito mais pelo ser do que pelo ter. A criatura humana foi constituída par Deus,
originalmente, em estado de justiça, tendo uma vocação altíssima porque divina, visto que é
c h a m ada à comunhão eterna3 com o Criador e Pai, em Cristo, para a participação da natureza e da
felicidade divinas. Esta destinação, que deve ser consciente e livremente aceita, revela que o ser humano
está capacitado para conhecer e amar a Deus. O Deus Criador e Pai concedeu à criatura humana o
domínio da terra e o poder de completar a criação, sendo ela, portanto, o centro e cume das realidades
terrestres. O homem, desta forma, é e deve ser o autor, centro, o princípio, sujeito e fim de todas as
instituições sociais. Ele, entretanto, ferido pelo pecado original, encontra-se dividido nele mesmo,
obscurecido em sua inteligência e enfraquecido em sua liberdade e inclina-se ao mal.
Unicamente Jesus Cristo revela o mistério do homem e este, na luta contra os adversários, só
reconquista a sua unidade com a graça divina. Cristo, verdadeiramente, redimiu a criatura humana e a
renovou, restituindo-lhe a semelhança, a reconciliação e a vida com Deus e desvelando-lhe a sua
verdadeira magnitude. O ser humano é irrepetível, filho e amado por Deus e seu colaborador. Todas as
criaturas humanas, por outro lado, são fundamentalmente iguais. O homem, sendo um ser pessoal e
intrinsecamente religioso, nunca será totalmente indiferente à realidade religiosa. O ser humano foi
criado por Deus e para Deus e, por isto, o desejo do Criador e Pai se encontra indelevelmente marcado
no seu coração. O homem é, sem cessar, atraído por Deus e somente nele poderá encontrar a sua
realização, havendo, por outro lado, um vínculo entre o bem moral e o realizar-se do fim último da
pessoa humana. A revelação divina, objeto da adesão do homem, pelo dom da fé, é feita por palavras e
obras e foi realizada e plenificada por Cristo, não havendo, portanto, nova revelação pública.4
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo e deve continuar a sua obra, assistida e amparada pelo
Espírito Santo. Deus criou o homem para o convívio social e não para solidão, sendo, portanto, um ser
naturalmente social. A sua vida, o seu desenvolvimento, a sua resposta à própria vocação dependem de
suas relações sociais, o que manifesta, analogicamente, o mistério da Trindade divina. O ser humano,
dada a sua intrínseca inclinação à sociabilidade, tem, fundamentalmente, a necessidade de amar,
devendo dedicar-se ao bem comum, participar da sua comunidade, superando a ética individualista. A
educação, conseqüentemente, deve objetivar o entrosamento participativo do ser humano nos variados
grupos da comunidade humana. Deve-se evitar, também, a idolatria da excessiva confiança na ciência e
na técnica e o obscurecimento de valores mais elevados.
A pessoa humana tem uma eminente e elevada dignidade, fundamentada e incoercivelmente
exigida pelo Evangelho. A revelação divina desvenda plenamente esta dignidade5, cujo motivo principal
3
Cf. Gaudium et Spes, 10, 22, 19, 14, 15, 24, 3, 18, 35, 13, 22, 19, 21, 8; Dei Verbum, 2; Lumen Gentium,
2; Santo Domingo, 9, 279. Os documentos do Vaticano II são citados do Compêndio do Vaticano II – Constituições, decretos,
declarações, 7ª. Ed., Petrópolis (RJ): Ed. Vozes, 1968.
4
Cf. ibid. 5, 12, 33, 34, 25, 19, 13, 15, 17, 37, 22, 21, 41; Inter Mirifica. 7; Dci Verbum. 2,4: Lumcn Gentium,
5, 25; Puebla, 169, 353-4. 74, 187, 205, 353-4, 325, 309, 334, 1034; Santo Domingo, 13.
5
Cf. ibid. 12, 25, 32, 24, 26, 31, 19 30; Gravissimum Educationis, 1, 57, 26; Dignitatis Hamanae,
1,9; Lumen Gentium, 27
3
é o fato de a criatura humana ser vocacionada à comunhão com Deus. A pessoa humana deve ser
reverenciada e respeitada. O próprio Deus a respeita6, inclusive, quando ela incide no erro. A sua
dignidade não conflita com o reconhecimento de Deus, nem com a obediência religiosa. A dignidade da
pessoa humana exige que ela seja respeitada integralmente, incluindo-se o seu corpo, que é componente
da sua substância, com o qual deve dar glória a Deus. Exigem-se condições para que a pessoa humana
aja com consciência e liberdade, que não pode ser entendida como se o homem fosse o seu próprio fim
último e o único autor de sua própria história. A pessoa humana deve ser educada para a liberdade, à
qual deve corresponder o senso de responsabilidade. Ela tem o direito à educação e deve obedecer à lei
da consciência, que, entretanto, não é infalível. O ser humano deve ser movido, moralmente, pela
obrigação da procura e da adesão à verdade, que se impõe por sua própria força. As condições de vida
possibilitem ao homem a conscientização de sua dignidade. A pessoa humana tem o direito de ser
cultivada e afirmada pelas instituições sociais, econômicas e políticas. Os seus direitos invioláveis sejam
defendidos e promovidos pelos poderes civis, em qualquer regime político. Ela, ao mesmo tempo, tem o
direito ao domínio sobre os bens exteriores. Deve-se evitar, entretanto, a equivocada autonomia que leva
a pensar que os direitos da pessoa humana unicamente se garantem em plenitude com a ruptura e
negação da Lei divina, o que leva, contrariamente, ao enfraquecimento e morte da pessoa. A sua
especialização excessiva, por outro lado, pode conduzir à perda da sua noção integral, exigindo-se,
então, que, além da ciência, cresça em sabedoria. Deve-se desenvolver, portanto, a difícil e necessária
síntese entre ciência e sabedoria para se tornar verdadeiramente sábio e sustentar-se o poder de
contemplação e admiração.7
1.2A concepção do ser humano conforme a razão humana
Toda filosofia da educação traz, implícita ou explicitamente, uma concepção do ser humano. O
sucesso ou o fracasso da devida ação pedagógica, alicerçada nesta filosofia, depende, principalmente, do
seu fundamento antropológico. O empenho para se entender, integralmente, o ser humano é uma
exigência para a abordagem do seu mistério. A integral e adequada compreensão do ser humano,
enquanto pessoa, deve resultar, entre outras coisas, na rejeição dos reducionismos porque eles são
deformadores e produzem efeitos desastrosos para o homem, inclusive, em sua educação. Toda a visão
parcial da realidade, com pretensão de totalidade, caracteriza os reducionismos. São exemplos de
reducionismos o cientificismo, como o economicismo (o homem explicado só pela economia), o
psicologismo (o homem explicado só pelo psiquismo), o sociologismo (o homem explicado só pela
sociabilidade), o culturalismo (o homem explicado só pela cultura), o biologismo (o homem explicado
só pela biologia). Existem outras tentativas de compreensão do ser humano só pela racionalidade, pela
6
‘
Cf. Gaudium et Spes. 19. 27. 28, 21. 17, 20, 16, 31, 22; Dignitatis Humanae. 11. 1.3.6. 71; Gravissimum Educationis.
4.
7
Cf. Gaudium et Spcs. 31, 22. 7!, 41. 61. 55. 8. 15. 55. 59
4
libido, pela existência, pela história, pela fabilidade, pela ludicidade, pela utopia, pela religião, pela não
especialidade, pelo mito, pela alienação, pela liberdade, pela dialogacidade, pelo sujeito (idealismo),
pela natureza (naturalismo). Alguns pensam que o homem é bom por natureza e, outros, que ele seja
naturalmente mau. A abordagem da realidade humana, a partir de uma de suas dimensões, quase que,
infalivelmente, desliza para o reducionismo e para as ideologias.
A tentativa de se realizar uma síntese das diversas dimensões, em outra, que é
antropologicamente absolutizada, resulta no empobrecimento reducionista, desfigurando a realidade da
pessoa humana porque as diversas dimensões não são ontologicamente competentes para sustentarem
uma síntese conveniente à explicação do mistério humano. O individualismo, que aprisiona a pessoa no
indivíduo, e o coletivismo, que dilui o ser pessoal no coletivo, são formas ideológicas expressivas do
reducionismo como, aliás, reducionistas são todas as ideologias. As concepções filo-religosas da
realidade, resultantes do panteísmo, também consistem em uma maneira de compreender o ser humano
não em sua autonomia no ser, em sua subjetividade, interioridade, capaz de auto-posse, aberto ao Deus
pessoal e transcendente. O homem, na concepção panteísta, passa a ser uma espécie de “algo”, uma
parte do todo cósmico e, de alguma forma, identifica-se com a própria divindade. Negando-se a
realidade pessoal, perde-se a noção do ser humano como “alguém” e ele é reduzido a “algo”, o que
constitui um retrocesso antropológico, ético, jurídico e histórico.
A pessoa humana possui elementos constitutivos a priori que a distinguem enquanto tal. São
componentes estruturais da criatura humana que definem identidade de sua natureza e a direção de sua
realização plena, enquanto criatura. Entre eles, encontram-se a inteligência, que se inclina à verdade, a
vontade livre, que se atrai pelo bem, a consciência moral, que distingue o bem do mal, a sociabilidade
participativa, que leva o ser humano ao convívio com os seus semelhantes, a capacidade de integração
dos dinamismos somáticos e psíquicos, a busca da autotranscendência, a carência do Absoluto. E, por
outro lado, diante do conteúdo material de uma dada afirmação teológica, devemos nos perguntar que
“estruturas” a priori do próprio sujeito teológico já estão de fato implicitamente afirmadas e, portanto,
não se deve negligenciar, mas considerar seriamente aspecto transcendental do conhecimento. E, posto
em termos filosóficos, uma questão sobre um objeto determinado, interroga-se necessariamente sobre o
sujeito cognoscente, porque é ele que, a priori, abre o horizonte da possibilidade de todo conhecimento
e, conseqüentemente, já estão colocadas a priori as estruturas “transcendentais”, repitamos, do objeto...8
O
movimento da autotranscendência, um dos transcendentais antropológicos, faz refletir
sobre o desejo do infinito, a inquietação, a insuficiência do sensível, a resistência contra a morte que
contribuem para que a criatura humana se perceba contingente, insuficiente e carente de Deus. A
autotranscendência se insere na vida humana e indica a necessidade da posse do Ser absoluto que é Deus
8
Batista MONDIN. Os grandes teólogos do século XX ( I grandi teologi Del secolo ventesimo -1 teologi cattolici), trad. de
José Fernandes, São Paulo: Ed. Paulinas, 1979, p.274
5
porque, na investigação humana, está presente uma exigência do incondicionado. Na
deliberação
humana, está presente um critério que critica todo o bem finito. É assim que o homem (...) pode chegar a
um complemento, uma paz e uma alegria de fundo, só andando além dos âmbitos do sendo comum, da
teoria, da interioridade, no âmbito em que Deus é conhecido e amado.9
O homem se inclina à transcendência horizontal e vertical. A primeira indica o movimento da
criatura humana em direção a um objeto. A segunda, por sua vez, é resultante da autodeterminação. O
ser humano, neste tipo de autotranscendência, vai além de si mesmo, em busca da própria realização.
Existe, porém, uma conexão entre a verdade, o sistema axiológico da pessoa e a felicidade. A
inteligência, um dos transcendentais, aspira à verdade. A vontade livre, outro transcendental, inclina-se
ao bem. A pessoa verdadeiramente cresce, na sua felicidade, à proporção em que conhece e se apossa do
bem verdadeiro. A verdade e a liberdade é que, portanto, fundamentam a autêntica felicidade. A
realização humana unicamente vem a ser na medida em que o homem se submete à verdade.
A sociabilidade participativa significa que, quando o ser humano atua junto com os outros,
“conserva em seu atuar o valor personalista de sua própria ação e, ao mesmo tempo, tem parte na
realização e nos resultados da atuação em comum.”10 A capacidade de integração dos dinamismos
somáticos e psíquicos consiste na possibilidade do ser humano poder, via educação, suprassumir, ao
nível da pessoa, a reatividade corpórea e a afetividade psíquica, promovendo, desta forma, ao patamar da
inteligência e da liberdade, as energias somáticas e do psiquismo, sem, ao mesmo tempo, anular as suas
peculiaridades. A integração se soma e complementa a idéia de transcendência. A unidade plena da
pessoa humana se condiciona à integração, constituindo uma “dialética singular e única que, em última
instância, articula-se no homem em razão da suprassunção (Aufhebung) do corpo próprio no psiquismo
e do psiquismo no espírito.”11 A consciência é um transcendental antropológico diferente da faculdade
cognitiva, sendo esta a capacidade de conhecer de modo imaterial e universal. A consciência, em sua
função de reflexão, que se relaciona intimamente com o autoconhecimento, possibilita a aquisição de um
conhecimento do bem e do mal. A função de reflexibilidade, por sua vez, permite ao homem
experienciar o bem e o mal no ego, conscientizando-se que é a causa eficiente da ação boa ou má. Os
componentes a priori e intrínsecos ao ser humano são configuradores, portanto, da transcendentalidade
própria do homem. São elementos definidores do ser da criatura humana e que indicam, ao mesmo
tempo, a presença do suppositum metafísico irredutível e constituinte radical da pessoa humana. O
conceito de pessoa, de certa forma, transcende o enfoque puramente racional, dada a sua autonomia no
ser e o seu quid misterioso. Ela, por outro lado, deve ser compreendida como uma realidade dinâmica,
9
Ibid., p. 274
Karol WOJTYLA. Persona y acción (Osoba i Czyn), trad. de Jesús Fernández Zulaic, Madrid: BAC, La Editorial
Católica, S.A., 1979, p. 314-315
11
VAZ, Cláudio de Lima Vaz. Antropologia filosófica II, 2ª., São Paulo: Loyola, 1992, p. 13
10
6
em processo de realização, à maneira da passagem da potência ao ato, em direção do seu fim último
que é o Deus pessoal, presente de forma imanente e, ao mesmo tempo, transcendente ao cosmo.
A criatura humana, então, possui uma estrutura metafísica que a distingue e a impulsiona ao
mais perfeito, cujo fim último é o Deus revelado em Jesus Cristo, pessoal, criador, transcendente,
amoroso, uno e trino. A realização da pessoa humana, estruturalmente capacitada à recepção do Ser
divino, com o necessário apoio da graça, portanto, não se efetiva a não ser quando ela alcança
objetivamente o Deus verdadeiro, que não é fruto da fantasia e dos equívocos da mente humana. A
transcendentalidade do ser humano, por outro lado, não se identifica com um formalismo apriorista
irrealista e vazio que dispensaria um conteúdo concreto e bem definido que,verdadeiramente,
respondesse à indigência da pessoa humana porque, tendo em vista uma verdadeira cristologia, por
exemplo, não basta apenas ver no homem o ser que, por força de sua natureza real (ou seja,
sobrenaturalmente elevado e finalizado pela graça), volta-se em direção a um “salvador absoluto”. É
necessário, para a salvação, que a criatura humana encontre em Jesus Cristo, o nazareno, esse Salvador,
o que, evidentemente, não é suscetível de dedução transcendental.
Em síntese, a criatura humana se compõe, estrutural e substancialmente, de corpo próprio,
psiquismo e espírito. Ela se identifica pelas dimensões objetiva, no relacionamento com o mundo,
intersubjetiva, no convívio com os outros, e de transcendência, na relação com Deus, o Absoluto
transcendente. Estes elementos constituem o ser-pessoa.12 Pessoa que é dada, mas em processo de
realização, o que exige, fundamentalmente, a educação.
2.
A educação superior católica
Estes elementos antropológicos, essenciais à compreensão que a Igreja Católica tem do ser
humano, devem compor a identidade da Universidade Católica, cujo objetivo é ter, institucionalmente, a
presença da mensagem cristã na universidade, tendo em vista os “grandes problemas da sociedade”,
estando em causa o “significado da investigação científica e da tecnologia, da convivência social, da
cultura. Porém, mais profundamente ainda, está em causa o próprio significado do homem”.13
2.1 Características da escola superior católica
A Universidade Católica deve-se deixar guiar por suas características identificadoras que são os
que se seguem, conforme alguns pontos da Constituição Apostólica Universidades Católicas de João
Paulo II.
2.1.1 Conforme o documento, na Universidade Católica, 1. a inspiração cristã deve orientar as
12
Cf. id. Antropologia filosófica I, 4ª. ed., São Paulo: Ed. Loyola, 1991 157-259 e id., ibid. II, p. 7-228
João Paulo II. Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades Católicas, 25 de abril de 1989, n. 3 AAS
(1989), p. 1218, in Universidades católicas, I, 7
13
7
pessoas e toda a comunidade universitária; 2. a reflexão sobre o conhecimento humano será iluminada
pela fé católica; 3. estará presente a fidelidade ao pensamento cristão, conforme a Igreja o apresenta; 4.
haverá a contribuição institucional à comunidade eclesial e à humanidade no caminho ‘rumo ao objetivo
transcendente que dá significado à vida”; 5. a investigação deve objetivar a integração do
conhecimento, o diálogo entre a fé e a razão, uma preocupação ética e uma perspectiva teológica; 6. os
princípios, as atitudes e os ideais católicos são impregnadores e modeladores das “atividades
universitárias de acordo com a natureza e a autonomia próprias de tais atividades”; 7. a teologia e a
filosofia guiam os “estudiosos universitários” para a determinação da “relativa posição e o significado
de cada uma das diversas disciplinas no quadro de um visão da pessoa humana e do mundo iluminada
pelo Evangelho e, portanto, pela fé em Cristo, Logos, como centro da criação da história humana”; 8. o
empenho da Universidade Católica, na causa da verdade, é a sua forma de serviço “à dignidade do
homem e à causa da Igreja”, distinguindo-se por “sua livre investigação de toda a verdade acerca da
natureza, do homem e de Deus”;
14
9. a Universidade Católica deve ser instrumento cada vez mais
eficiente do progresso cultural, contribuindo para
o estudo e solução dos graves problemas
contemporâneos, “reservando especial atenção às suas dimensões éticas e religiosas” e deverá “ter a
coragem de proclamar verdades incômodas, verdades que não lisonjeiam a opinião pública, mas que,
no entanto são necessárias para salvaguardar o autêntica bem da sociedade”; ela contribuirá para “o
diálogo ecumênico” e o “diálogo inter-religioso”. 10. A Universidade Católica deve promover o diálogo
entre “o pensamento cristão e as ciências modernas”, o que exige “pessoas particularmente preparadas
em cada uma das disciplinas, que sejam datadas também de adequada formação teológica e capazes de
enfrentar as questões epistemológicas no plano das relações entre a fé e a razão”;11. “o pesquisador
cristão deve mostrar como a inteligência humana se enriquece da verdade superior, que deriva do
Evangelho”, sendo que, segundo a sua especificidade, a Universidade Católica, conforme o papa Paulo
VI, “contribui para manifestar a superioridade do espírito, que nunca pode, sem o risco de perder-se,
consentir em por-se a serviço de outra coisa que não seja a procura da verdade” 15;12. os alunos das
Universidades e Faculdades católicas descubram que “a fé e a razão colaboram para uma só verdade” e
“se formem de fato como homens de grande saber, preparados para enfrentarem tarefas de maior
responsabilidade na sociedade e para serem no mundo testemunhas da fé.”16
Pode-se afirmar, por outro lado, “que a natureza da revelação judeu-cristã é absolutamente
incompatível com qualquer relativismo epistemológico, moral ou metafísico, com qualquer
materialismo, panteísmo, imanentismo, subjetivismo ou ateísmo”.17 É essencial à identidade institucional
da Universidade Católica o seu vínculo com a Igreja, derivando desta relação, como conseqüências, a
sua fidelidade à “mensagem cristã, o reconhecimento e a adesão à autoridade magisterial da Igreja em
14
Ibid., 8, 13, 15, 14, 16, 4, 27
Ibid, 29, 32, 47, 46.
16
Gravissimum Educationis, 10
15
17
Sagrada Congregação para a Educação Católica. O Ensino da Filosofia nos Seminários. p. 12
8
matéria de fé e moral”. Os membros católicos da comunidade universitária são
convocados à
“fidelidade pessoal à Igreja, com tudo quanto isto comporta” e dos “membros não católicos, enfim,
espera-se o respeito do caráter católico da instituição na qual prestam serviço, enquanto a Universidade,
por seu lado, respeitará a sua liberdade religiosa.” A Igreja, porque aceita “a legítima autonomia da
cultura humana e especialmente das ciências, reconhece a liberdade acadêmica de cada um dos
estudiosos na disciplina da sua competência, de acordo com os princípios e os métodos da ciência, a que
ela se refere, segundo as exigências da verdade e do bem comum.” 18
2.1.2 A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) , conforme o texto Diretrizes e
normas para as Universidades Católicas segundo a Constituição apostólica “Ex Corde Ecclesiae”
(Universidades Católicas), expressa que a Universidade Católica constitui uma comunidade acadêmica
que, com inspiração na pessoa e na mensagem de Jesus Cristo e na fidelidade à Igreja, desenvolve
refletida, sistemática e criticamente, o ensino, a pesquisa e a extensão e se consagra à evangelização e
formação integral de seus membros – alunos, professores e funcionários – bem como ao serviço
qualificado do povo contribuindo para o aumento da cultura, a afirmação ética da solidariedade, a
promoção da dignidade transcendente da pessoa humana e ajudando a Igreja em seu anúncio e serviço
ao Reino de Deus. (Cf. ECE 5,12, 14, 15, 22-24, 30-32, 43, 48-49).19
Algumas das determinações do mesmo documento da CNBB são que a Universidade Católica
tem como missão o serviço à humanidade e à Igreja de forma que 1. garanta, perene e
institucionalmente, a mensagem de Cristo no universo científico e cultural, desenvolvendo o diálogo
entre a razão e a fé, entre o Evangelho e a cultura; 2. contribuindo, conforme a própria identidade, para a
solução dos graves problemas contemporâneos; 3. dedicando-se, sem limites, à luz da inteligência e da
Revelação, à investigação do universo e da sua relação essencial com Deus, verdade Suprema; 4.
contribua para o aprofundamento do conhecimento e valor da pessoa humana; 5. estando a serviço e
ensino da verdade, fundamento da liberdade, justiça e dignidade humana; 6. criar condições para o
diálogo ecumênico e inter-religioso;20
As mesmas Diretrizes afirmam, ainda, que as Universidades Católicas devem 7. se distinguir
pela excelência organizacional e pelo ensino, pesquisa e extensão, pela qualificação humana e funcional,
acadêmica e religiosa da direção, professores e funcionários; e 8. pelo ambiente de amor fraterno e
solidariedade, de mútuo respeito e de diálogo; 9. a organização e as normas da Universidade devem
garantir os meios para “expressão, preservação e promoção da identidade católica”21; 10. que esta
identidade e os seus princípios essenciais devem ser explicitados em seus estatutos e publicados na
18
Cf. João Paulo II.Universidades católicas, I, 4, 27, 29
CNBB. Diretrizes e Normas para as Universidades Católicas segundo a constituição apostólica “Ex corde Ecclesiae”
– Decreto Geral, Documentos da CNBB 64, São Paulo: Ed. Paulinas, 2000, art. 4º.
20
Cf. ibid., art. 5º.
21
Ibid., art. 23.
19
9
comunidade universitária; 11. estudar a ética cristã em todas as áreas do ensino, em particular a
profissional, e a doutrina social da Igreja e ter o referencial cristão e seus valores para a análise da
sociedade e cultura modernas; 12. a Teologia esteja presente, promovendo o diálogo entre fé e razão, e
que haja, na Universidade, uma faculdade ou instituto de Teologia, ou, minimamente, disciplinas
teológicas; 13. os professores de disciplina teológica e afins “terão titulação e qualificação acadêmicas
equivalentes às exigidas dos demais professores da Universidade” e “tenham o mandato do Bispo da
diocese na qual está a sede jurídica da Universidade”;22 14. procurar caminhos para o acesso à
educação superior dos menos favorecidos e promover a extensão universitária; 15. respeitem-se a
liberdade de consciência e religião dos membros da comunidade universitária; 16. exige-se deles,
entretanto, “que igualmente reconheçam e respeitem o caráter católico da Universidade, abstendo-se
nela de qualquer atividade ou atitude, em oposição à doutrina, à moral e às diretrizes da Igreja” e que
seja “o pessoal adequado e em sua maioria católico, capaz de garantir e promover a identidade da
instituição.”23
2.13 O documento Identidade das Instituições Salesianas de Educação Superior (IUS),
assinado pelo Reitor-Mor, o padre Pascual Chávez Villanueva, particularmente os números 14-26,
atende, para a educação superior, conforme a identidade salesiana, as determinações da Igreja.
Destacam-se alguns pontos: 1. as IUS devem, como “conditio sine qua non”, atender às exigências de
qualidade, método e estilo acadêmicos;24 2. a comunidade acadêmica das IUS deve ter a competência
para exercer a atividade intelectual rigorosa, crítica e cooperativa, a interdisciplinaridade e o
acolhimento do jovem; 3. o estudante, por sua vez, é co-responsável pelo ensino-aprendizagem; 4. “As
IUS são instituições de ensino superior, de inspiração cristã, caráter católico e índole salesiana”; 5. o
caráter cristão das IUS se fundamenta em uma concepção cristã do mundo e da pessoa humana com
base no Evangelho e “uma comunidade acadêmica que partilha e promove tal visão”; 6. as IUS
nasceram e estão no “coração da Igreja”; 7. a índole salesiana das IUS implica que “Os valores do
espírito e da pedagogia salesiana (...) enriquecem a natureza, a atividade e o estilo do ser universitário
das IUS”, optando, preferencialmente, “pelos jovens das classes populares”e manifestando o amor aos
alunos (amorevolleza); 8. haja uma relação “entre cultura, ciência, técnica e evangelização,
profissionalismo e integridade de vida (razão e religião, bons cristãos e honestos cidadãos)”; quanto
aos conteúdos e valores , o projeto institucional das IUS deve exprimir a sua identidade cristã e
salesiana, promovendo “uma concepção de pessoa inspirada no evangelho”, uma consciência ética,
diálogo entre culturas e religiões, cultura e técnica, técnica e profissão, profissão e fé, promovendo a
inculturação do Evangelho; 9. a finalidade educativo-pastoral das IUS, conforme a pedagogia e a
22
Ibid., art. 37;
Ibid. art. 29, 30; cf. Universidades católicas, II parte, art. 4, par. 4.
24
Cf. Villanueva, Pe. Pascual Chaves. Identidade das Instituições Salesianas de Educação Superior (IUS), São Paulo: Ed.
Salesiana, 32-33
23
10
espiritualidade salesianas, exprime-se no ambiente “rico de valores humanos”, rigor científico da
pesquisa, currículos e conteúdos de ensino “cônsonos ou abertos a uma visão transcendente da pessoa e
da vida”, diálogo interdisciplinar, “incluídas as de caráter ético, religioso e teológico”; 10. segundo a
Ratio Fundamentalis dos salesianos,
“As ciências do homem, sobretudo a psicologia e a sociologia, ilustram e interpretam os dados
fenomênicos da realidade. Mas só a filosofia dá a origem a uma visão bem fundamentada a respeito do
homem e, portanto, só ela é que garante os pressupostos racionais da mensagem cristã”. A “sabedoria
metafísica” é, portanto, indispensável, mas também ela insuficiente. Deve ser complementada pela
teologia (...)25
Referindo-se ao estudo da filosofia, declaração que pode ser estendida à formação em geral,
afirma-se que deve ser promovida “uma educação que leva à posse de uma visão coerente e global,
aberta às propostas da fé, configura a criatividade pessoal e leva a evitar a repetição mecânica do
passado, como também a aprovação dos preconceitos dos modismos do momento.”26 11. deve haver a
presença de “disciplinas curriculares de caráter ético e religioso, em paridade de nível científico e
pedagógico e de valor acadêmico com as outras disciplinas” e prestação de outros serviços, inclusive
“as de propostas explicitamente cristãs”.27
Observa-se que os documentos, que expressam a missão e a identidade da Universidade Católica,
incluídas as IUS, têm, como pressuposto antropológico, a concepção do ser humano como pessoa. O
conceito de pessoa, ontologicamente fundado, constitui, necessariamente, uma concepção integral,
includente e dialógica da criatura humana. Esta referência, entre outras, é essencial para a compreensão
e a missão das universidades católicas e pode constituir, também, um ponto comum e orientador do
diálogo interdisciplinar e dos projetos acadêmicos e administrativos da comunidade educacional.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A formação dos salesianos de Dom Bosco. Princípios e Normas, Ratio Fundamentalis,
Institutionis et Studiorum, 2a. Ed., São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco, 1985.
Compêndio do Vaticano II – Constituições, decretos, declarações, 7ª. Ed., Petrópolis (RJ): Ed.
Vozes, 1968
CNBB. Diretrizes e Normas para as Universidades Católicas segundo a constituição
apostólica “Ex corde Ecclesiae” – Decreto Geral, Documentos da CNBB 64, São Paulo: Ed. Paulinas,
2000
25
A formação dos salesianos dc Dom Bosco. Ratio Fundamentalis, 222-3
Ibid., 342
27
Cf. Pe. Pascual CHAVES VILLANUEVA. op. cit., 14-26
26
11
João Paulo II. Fides et Ratio – sobre as relações entre a fé e razão. São Paulo: Ed. Loyola,
1998
__________Universidades Católicas. São Paulo: Paulinas, 1990
LIMA VAZ, Cláudio de. Antropologia filosófica II, 2ª., São Paulo: Loyola, 1992
_________Antropologia filosófica I, 4ª. ed., São Paulo: Ed. Loyola, 1991
MONDIN, B. Os grandes teólogos do século XX ( I grandi teologi Del secolo ventesimo -1
teologi cattolici), trad. de José Fernandes, São Paulo: Ed. Paulinas, 1979
PUEBLA – conclusões, 2ª. Ed., São Paulo: Ed. Loyola, 1979
WOJTYLA, Karol. Persona y acción (Ed. original: Osoba i Czyn. Ed. definitiva: The Acting
Person.), trad. de Jesús Fernández Zulaic, Madrid: BAC, La Editorial Católica, S.A., 1979
Sagrada Congregação para a Educação Católica. O Ensino da Filosofia nos Seminários,
Roma, Typis Polyglotti Vaticanis, 1979.
SANTO DOMINGO – conclusões, 2ª. Trad. do Instituto Santo Inácio, Centro de Estudos
Superiores da Companhia de Jesus, Ed. São Paulo: Ed. Loyola, 1992.
VILHANUEVA CHAVES,. Pe. Pascual. Identidade das Instituições Salesianas de Educação
Superior (IUS), São Paulo: Ed. Salesiana, 2004
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