EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA_____VARA

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA_____VARA FEDERAL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PIAUÍ
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do
Procurador da República in fine assinado, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento
nos arts. 127 e 129, II e III da Constituição Federal, e nas disposições da Lei nº 7.347/85 e
nos artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 75/93, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face de:
1) UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, podendo ser citada nesta Capital
por sua Procuradoria (Advocacia-Geral da União no Piauí), na Rua Coelho Rodrigues,
2389, Centro, Teresina/PI;
2) ESTADO DO PIAUÍ, pessoa jurídica de direito público, com endereço para citação,
através da sua Procuradoria-Geral, na Av. Senador Arêa Leão, 1650, Bairro Jóquei Clube,
Teresina/PI;
3) MUNICÍPIO DE TERESINA, pessoa jurídica de direito público, podendo ser citada
por meio de sua Procuradoria, Rua Firmino Pires, nº 379, Sul-Centro, Edifício Sairava
Center, Teresina/PI,
pelas razões de fato e de direito adiante articuladas.
1
I - INTRODUÇÃO
Situação silenciosa e gravíssima ocorre diuturnamente no Estado do Piauí.
Refiro-me à ineficiência da prestação de serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde
que está levando à morte cidadãos brasileiros, em função de um sistema burocrático criado
pelo poder público federal, que gera a negativa de prestação dos serviços de saúde pelo
Estado do Piauí a cidadãos brasileiros que tenham origem em outros Estados da Federação.
Cidadãos brasileiros que não tenham origem no Piauí não estão tendo
acesso ao Sistema Único de Saúde. Se em seus cadastros junto ao Ministério da Saúde
constar que tem endereço no Maranhão, Pará, Tocantins, Ceará ou qualquer outro Estado da
Federação) que não o Piauí, os mesmos sofrerão e muito para conseguir acesso ao Sistema
Único de Saúde. Infelizmente, em centenas de casos, esses brasileiros estão sendo barrados
no acesso à saúde, todos pobres, carentes, doentes, invisíveis. Por isso, digo que se trata de
uma guerra silenciosa em que muitos estão morrendo sem atendimento médico.
E a negativa de assistência à saúde ocorre no que há de mais grave. São
cidadãos que precisam de tratamentos (cirurgias) de alta complexidade, cuja vida está em
risco e o tempo, este é fundamental, está sendo perdido na burocracia inventada pelo poder
público federal para o atendimento a pacientes que buscam atendimento médico em
Estados da Federação diferente do seu endereço residencial declarado ao poder público.
No sistema burocrático inventado pelo Ministério da Saúde diz-se ao
cidadão brasileiro que sua origem não é do Piauí, que não reside no Piauí e que o
procedimento de saúde (de alta complexidade) não pode ser autorizado. Diz ao cidadão
(que está doente, via de regra, precisando de uma cirurgia de alta complexidade), que
precisa voltar para o seu Estado de origem (Maranhão, Pará, Tocantins, Ceará e outros) e
procurar a unidade de saúde, percorrer o sistema burocrático, e quem sabe, se der tempo,
talvez até seja autorizado o tratamento de saúde no Estado do Piauí, se der tempo.
Não há muito a ser dito, mas muito precisa ser feito, com urgência.
O SUS, todos sabemos é universal, seu acesso é gratuito, especialmente
para a população carente, e ainda por cima, doente.
Esses brasileiros precisam de
assistência médica. E é isso o que se pretende buscar em juízo através desta ação civil
pública.
II – OS FATOS
O Ministério da Saúde, através da Portaria SAS/MS n. 39, de 06 de fevereiro
de 2006, instituiu a descentralização do processo de autorização dos procedimentos de
tratamento de saúde que fazem parte Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade
- CNRAC.
No âmbito dos Estados existem as Centrais Estaduais de Regulação de Alta
Complexidade (CERAC), responsáveis pela autorização do procedimento de saúde ao
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paciente do SUS (Art. 4º. da Portaria SAS/MS n.39/06).
Dispõe o art. 6º da citada portaria do Ministério da Saúde que somente os
Estados com ausência de serviços nas especialidades de Cardiologia, Oncologia, Ortopedia,
Neurocirurgia e Epilepsia, poderão efetuar solicitação na CNRAC. Dispõe ainda o
parágrafo único do mesmo artigo que “quando da necessidade da utilização de
procedimentos nas especialidades contempladas na CNRAC cuja oferta seja existente na UF
solicitante, mas insuficiente, a solicitação só será possível após a avaliação técnica da
insuficiência pelo Ministério da Saúde. Esta avaliação será solicitada formalmente e
endereçada à Coordenação-Geral de Regulação e Avaliação – CGRA/DRAC/SAS/MS que
procederá a análise da pertinência do pleito respondendo no prazo de até 45 (quarenta e
cinco) dias” (grifos nossos).
O art. 9º da citada portaria dispõe que “passa a ser obrigatório o uso do Cartão
Nacional de Saúde para a solicitação de procedimentos da CNRAC previstos em portaria”.
Este é o ato normativo que procura regular o fluxo de pacientes entre Estados
da Federação, especialmente nos casos de alta complexidade, em outras palavras, quando a
vida ou morte do paciente só depende desta autorização prevista na multicitada portaria.
No cotidiano dos brasileiros que vivem diante dessa situação, veja o que
acontece:
A cidadã LAURENTINA JOSINA DE SOUSA, portadora de câncer de
mama, iniciou tratamento médico em Teresina-PI, através da rede pública de saúde, porém
quando da necessidade de realização de cirurgia recomendada pelo médico especialista, esta
não foi autorizada pela Secretaria Estadual de Saúde/PI, eis que a cidadã não preenche os
requisitos da portaria 39/06, já citada. A cidadã tem origem no Maranhão. Ela reside em
Imperatriz/MA e procurou a cidade de Teresina para tratamento pelo SUS.
A cidadã procurou o Ministério Público Federal. Este, através deste
signatário, oficiou ao Secretário Estadual de Saúde recomendando extrajudicialmente a
adoção das providências para o tratamento médico da cidadã, nos termos da prescrição
médica.
A resposta da Secretaria de Saúde é que, cumprindo rigorosamente a Portaria
n. 39/06 do Ministério da Saúde,
“a paciente deveria possuir cadastro CNRAC na Central Estadual de
Regulação de Alta Complexidade de origem (ou seja, do Maranhão)
por ser a solicitante do procedimento, onde informaria a
identificação da paciente, o motivo e a pertinência da solicitação e a
indicação do procedimento para validação pela CNRAC. Só então é
que o Estado do Piauí poderia receber qualquer paciente oncológico.
Como a paciente não possui CNRAC na origem, o Estado do Piauí
não pode realizar o procedimento. São as regras do SUS que a
SESAPI precisa cumprir. Caso a paciente cumpra as requisições da
Portaria n. 39/06 estará apta a receber o devido tratamento”
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A burocracia estatal criou uma barreira para o cidadão doente que lhe pode
custar a própria vida. No caso concreto, só se esqueceu a autoridade estadual de saúde de
dizer que a cidadã deveria se deslocar de Imperatriz/MA, dirigir-se à São Luis/MA, dar
entrada na documentação pertinente, e esperaraté 45 dias, nos termos da portaria 39/06,
para quem sabe - quem sabe - talvez até seja autorizado o seu atendimento no Estado do
Piauí. A cidadã LAURENTINA JOSINA DE SOUSA está literalmente perdida, sem
assistência médica, sem saber a quem mais recorrer. Sua esperança agora é a Justiça .
Este é um caso que chega ao conhecimento do Ministério Público Federal,
quando se sabe que centenas de outros não chegam sequer ao conhecimento do Ministério
Público, por absoluta descrença no funcionamento das instituições. E também por
impossibilidade física mesmo de se deslocarem, em face do quadro grave de saúde em que
já se encontram esses cidadãos.
Veja-se este segundo caso, cujo destino do cidadão foi a morte:
Trata-se de expediente do Ministério Público Estadual dirigido ao Ministério
Público Federal. Narra a via crucis da cidadã Raimunda Freire Sales que procurou o
Ministério Público Estadual do Piauí para narrar o seu desespero para tentar conseguir
autorização para a cirurgia do seu filho JOSEMILSON FREIRE SALES. Pelo fato de a
documentação de seu filho ser da cidade de Novo Horizonte/CE, a cirurgia não foi
realizada. JOSÉMILSON FREIRE SALES veio a falecer em 27 de março de 2008, sem a
realização da cirurgia pelo SUS. Conforme a Sra. Raimunda Ferreira, seu filho sofreu
muito, principalmente por que não teve o atendimento que precisava antes de falecer. Ainda
assim, a cidadã Raimunda Freires Sales retornou ao Ministério Público Estadual para pedir
providências em relação a outras pessoas que estão nesta situação para que não sofram a
peregrinação que seu filho se submeteu para conseguir uma cirurgia, e ainda assim, morreu
sem fazê-la.
Vidas precisam ser salvas. Veja-se a declaração da Sra. Heloísa Azevedo da
Costa junto ao Ministério Público Federal, tomada em 09 de maio de 2008:
“Que é esposa do Sr. Manoel Deoclides da Costa. Que o mesmo é portador
de câncer no fígado, conforme documentos que apresenta. Que o Sr. Manoel
da Costa iniciou tratamento médico no Hospital Getúlio Vargas, seguindo
para o Hospital São Marcos conveniado ao SUS. Que o paciente mora em
Teresina com a declarante. Que possuem um terreno no Município de
Chapadinha no Estado do Maranhão. Que em visita ao terreno o Sr. Manoel
da Costa tomou conhecimento de um cadastramento para atendimento pelo
SUS. Que nessa oportunidade fez seu cadastro, recebendo um cartão. Que
por esse motivo seu cartão do SUS e o cartão do Hospital São Marcos
possuem o endereço do Estado do Maranhão. Que o Sr. Manoel da Costa
realizou todo o tratamento no Hospital São Marcos em Teresina-PI, através
da rede pública de saúde, vez que conveniada ao SUS. Que após todos os
exames e procedimentos realizados, o médico responsável entendeu pela
necessidade de cirurgia. Que procurando o setor competente para a
marcação da cirurgia tomou conhecimento de que o Hospital não realizaria
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o procedimento indicado pelo SUS, vez que o paciente é de origem do
Estado do Maranhão. Que também não seria atendida em outro Estado, em
função do início do tratamento ter sido realizado no Estado do Piauí. Que tal
situação inviabiliza qualquer tratamento de saúde para o seu caso, pois é
sabido que em Chapadinha/MA, município de sua origem, não há
profissional, nem hospital especializado. Além disso, que reside em
Teresina há mais de cinquenta anos. Que seu marido está em situação de
risco de vida. Que se encontra inclusive tomando morfina. Que o médico
deixou claro a necessidade da realização urgente da cirurgia. Que vem à
presença desta unidade do MPF para solicitar a adoção de providências no
sentido de que lhe seja garantida a assistência médica necessária ao
tratamento de saúde do Sr. Manoel da Costa na cidade de Teresina/PI.
Neste caso, como em tantos outros, o cidadão está à mercê da própria sorte,
sem assistência médica, sem nenhuma perspectiva de tratamento de saúde. Sua esperança
agora é a Justiça.
No mesmo sentido é a situação da Sra. Balbina de Sousa Bezerra. É
portadora de câncer no útero. Que morou muito tempo em Teresina, residindo agora em
Timon/MA, e por esse motivo, por esse único motivo, não é autorizado o tratamento
cirúrgico no Estado do Piauí.
Sua esperança agora também é a Justiça.
Somente no período de janeiro a junho de 2007, houve um total de 232
pacientes de outros Estados que não conseguiram autorização para o tratamento médico que
tanto necessitavam, em função de sua origem (isto apenas em relação à especialidade
médica oncologia). Apenas 128, no mesmo período de janeiro a junho de 2007,
conseguiram autorização (relação anexa – fls. 94/106 do Procedimento Administrativo
1.27.0470/2007, do MPF/PI).
Vê-se que o procedimento criado pelo Ministério da Saúde, que tem a
finalidade de fazer fluir o tráfego de pacientes entre Estados da Federação, acabou gerando
um drama na vida de centenas de brasileiros que não conseguem atendimento médico.
A questão toda está relacionada aos custos para o tratamento médico desses
cidadãos. O cidadão de outro Estado que precisa de tratamento médico no Piauí é
praticamente um órfão do Estado, que ninguém quer cuidar. O Estado onde o mesmo busca
o tratamento (no caso o Piauí) vai arcar sozinho com um custo de um paciente de outro
Estado da Federação. O Estado de origem do cidadão (Maranhão, Pará, Tocantins, Ceará,
entre outros) não irá repassar valores para custear as despesas médicas desse cidadão em
outro Estado. Por isso, se criou a central de regulação e se editou a Portaria n. 39/06, pelo
Ministério da Saúde, mas, infelizmente, a solução produzida pelo Ministério da Saúde,
acabou gerando a impossiblidade de atendimento médico aos pacientes, em face de barreiras
burocráticas insuperáveis para quem já está doente e necessitando de um procedimento
médico de alta complexidade.
A questão dos custos pelo tratamento médico que é responsabilidade dos
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entes públicos (União, Estados e Municípios), acaba sendo transferida para o cidadão. É ele,
o cidadão, que precisa percorrer uma via crucis infindável, muitas vezes insuperável. O
tempo corre contra o cidadão.
Qual a solução? O que busca o Ministério Público Federal? Definitivamente
não pode ser a aberração jurídica criada pelo Ministério da Saúde, através da Portaria n.
39/06, eis que ofensiva à Constituição Federal, pois cria mecanismo de restrição no acesso à
saúde, ofendendo o princípio do acesso universal à saúde previsto na Constituição Federal
Com efeito, a Portaria n° 39, de 06 de fevereiro de 2006, da Secretaria de
Atenção à Saúde/Ministério da Saúde, no seu art. 6°, determina que “somente os estados
com ausência de serviços nas especialidades de Cardiologia, Oncologia, Ortopedia,
Neurocirurgia e Epilepsia, poderão efetuar solicitação na CNRAC”. Afirma também a
referida Portaria que “quando da necessidade da utilização de procedimentos nas
especialidades contempladas na CNRAC cuja oferta seja existente na UF solicitante, mas
insuficiente, a solicitação só será possível após a avaliação técnica da insuficiência pelo
Ministério da Saúde”.
De acordo com a citada Portaria, os pacientes de outros Estados que
necessitarem de atendimento médico nas referidas especialidades na cidade de Teresina só
poderão ser atendidos no caso de ausência dos serviços em seu Estado de origem, devendo
fazer solicitação à CNRAC (Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade) ou
então comprovar que a oferta em seus estados de origem seja insuficiente, com a prévia
avaliação técnica da insuficiência pelo Ministério da Saúde.
Importante destacar que o Cartão Nacional de Saúde do SUS, que deveria
ser um instrumento de facilitação do atendimento em nível nacional, na verdade está
inviabilizando qualquer tratamento que o paciente necessite fora de seu Estado, pois
identifica a origem do Estado do seu possuidor, impedindo a universalização do
atendimento do SUS.
Dos fatos depreende-se que vedar o atendimento de pacientes oriundos de
outros Estados, mais do que uma forma disfarçada de discriminação, constitui flagrante
inconstitucionalidade. Segundo o texto constitucional, é direito de todos e dever do
Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e
196 da CF).
A par dos direitos constitucionalmente assegurados a todos, mormente os
concernentes à vida e à saúde, o legislador estabeleceu, em sede constitucional e legal, o dever
do Estado, através dos seus diversos órgãos de gestão e de execução, de dispor à sociedade uma
prestação de serviço de saúde pública universal e de qualidade.
Resta evidente e indiscutível que a saúde é um direito a ser preservado pelo
Estado, em prol da coletividade, e, efetivamente, assegurado através das políticas públicas
destinadas a esse fim social. É dizer, a saúde é DIREITO SUBJETIVO DO CIDADÃO, não
dependente da reciprocidade, ou seja, o Estado é obrigado a prestar-lhe, independentemente de
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qualquer contraprestação, sendo-lhe defeso sonegar-lhe tal direito, sob qualquer hipótese.
Todavia, no caso que ora se cuida, vê-se que o Estado - entendido esse termo em
seu sentido lato - não tem cumprido com seu inalienável e intransferível dever de bem prestar
um razoável serviço de saúde pública, fazendo com que pessoas fiquem presas à burocracia,
buscando atendimento médico em locais distantes de suas residências, enquanto as suas
enfermidades se agravam, desprovidas do indispensável atendimento que seu caso está a exigir,
estabelecendo-se, entre os responsáveis pelo atendimento, um verdadeiro jogo de empurra,
levando com que ninguém saiba ao certo a quem ou a onde se dirigir para obter o socorro
indispensável, circunstância que, a bem da verdade, resulta, irrefragavelmente, em prejuízos
irreversíveis, como os que se relata nesta oportunidade.
Desse modo, ante a absurda e inadmissível realidade, a qual revela profundas
distorções ocorrentes nos serviços públicos médico-assistenciais, cuja prestação pela União,
Estados e Municípios constitui garantia constitucional aos cidadãos, visa a presente tutela
assegurar aos jurisdicionais oriundos de qualquer Estado da Federação, dependentes do
atendimento médico-intensivo prestado no Estado do Piauí, o atendimento hospitalar
necessário e indispensável à recuperação de sua saúde, especialmente no que tange ao
atendimento de procedimentos de alta complexidade, quando a situação de cada um assim o
exigir, de acordo com o prudente e respaldado critério dos profissionais médicos que os
estejam atendendo.
Ante todo o exposto, restou demonstrado que o Sistema Único de SaúdeSUS, em diversas esferas de atuação – Federal, Estadual e Municipal –, tem violado o
direito constitucional e legal à saúde, não apenas dos casos citados nesta ação, mas de todos
aqueles que se encontrem em semelhantes condições.
O recebimento de tratamento adequado, pelo portadores de enfermidades
que necessitam de procedimentos de alta complexidade, afigura-se, então, direito difuso,
transindividual, de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstância de fato.
Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual
está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a
proteção de um dos direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com
o não-fornecimento, pelo SUS, de tratamento clínico e cirúrgico: à vida. Aliás, configura-se
com tal negativa, a subsunção ao tipo penal do artigo 135, do Código Penal – OMISSÃO
DE SOCORRO – na modalidade qualificada prevista no parágrafo único, caso demonstrada
a lesão corporal de natureza grave, quando não no tipo da lesão corporal grave, ou
gravíssima, conforme venha o paciente a sofrer prejuízos oriundos da falta do referido
tratamento.
III – A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os
artigos 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o artigo 196 dispõe que:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
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outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação".
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura
direito fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e
econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata
mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em
desfavor das liberdades individuais. Neste sentido, Alexandre de Moraes, trazendo excerto
de Acórdão do STF, preleciona que:
“Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem
histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.
Como destaca Celso de Mello:
‘enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio
da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas –
acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que
materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas
as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade’ (STF –
Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,
17-11-1995, p. 39.206)” (grifo acrescido)1 1.
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de
exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação,
habitação, trabalho, etc.
Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido no artigo 1°, inciso III,
da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do
Brasil.
Daniel Sarmento, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de
Interesses na Constituição”, assevera que:
“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos
jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado
como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o
Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a
pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento
jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua
dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado
Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário
del Derecho es el valor próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo
1
1
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45.
8
que es igual, el imperativo de respecto a la persona humana.
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro
axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento
jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de
relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. A
despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o
princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema
constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano 
razão última do Direito e do Estado” (grifo acrescido) 2.
Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu
preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Nesse sentido, a Lei n.º 8.212/91 dispõe
que:
“Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito
relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
(...)
Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua
organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:
a) acesso universal e igualitário;
b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e
hierarquizada, integrados em sistema único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;” (grifos
acrescidos).
Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da
Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de
“assegurar o direito relativo à saúde”.
A Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:
“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de
outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
(...)
)
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59.
9
Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e
indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único
de Saúde – SUS.” (grifos acrescidos).
O artigo 7° da citada lei estabelece que as ações e serviços públicos que
integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198, da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios:
“Art. 7° (...)
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e
contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos
para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie;
(...)
XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de
serviços de assistência à saúde da população”. (grifo acrescido).
Verifica-se, dessarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único
de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um
conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
É dever do Sistema Único de Saúde fornecer a obrigatória conjugação de
recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população, de
modo a prover os doentes com os meios existentes e eficazes para seu tratamento.
No mesmo sentido é a orientação da NOAS-SUS n.º 01/2002, editada pela
PORTARIA GM/373, de 27/2/2002, e resultante de negociação firmada pelos gestores de
saúde de todos os níveis federativos, tendo sido previamente aprovada pela COMISSÃO
INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT e pelo CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE –
CNS, contando ainda com as contribuições do CONSELHO DE SECRETÁRIOS
ESTADUAIS DE SAÚDE – CONASS e pelo CONSELHO NACIONAL DE
SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE – CONASEMS.
A nota introdutória (verdadeira exposição de motivos) da NOAS-SUS n.º
01/2002 reconhece que, desde a publicação da NOAS-SUS n.º 01/2001 (26/1/2001),
“FORAM IDENTIFICADOS ENTRAVES NA OPERACIONALIZAÇÃO DE
DETERMINADOS ITENS, DECORRENTES DAS DIFICULDADES PARA
ESTABELECER O COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS
10
AOS SUS E ASSEGURAR A TOTALIDADE DA GESTÃO MUNICIPAL NAS SEDES
DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS, BEM COMO DA FRAGILIDADE PARA
EXPLICITAÇÃO DOS MECANISMOS NECESSÁRIOS À EFETIVAÇÃO DA GESTÃO
ESTADUAL PARA AS REFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS”.
Reconhece a nota introdutória que “NESTE SENTIDO, A COMISSÃO
INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT, EM REUNIÃO REALIZADA EM 22/11/2001,
FIRMOU ACORDO CONTEMPLANDO PROPOSTAS REFERENTES AO COMANDO
ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA
COMPLEXIDADE E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DOS ESTADOS SOBRE AS
REFERÊNCIAS MUNICIPAIS.”
Em decorrência, a NOAS-SUS n.º 01/2002 traça como estratégia principal
de hierarquização dos serviços de saúde, na busca de maior equidade, o estabelecimento de
um PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO, mediante a elaboração de um Plano Diretor de
Regionalização – PDR.
O item 3 da norma preconiza que:
“O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de
assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microregiões e
módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de
mecanismos e fluxos de referências e contra-referência intermunicipais, OBJETIVANDO
GARANTIR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA E O ACESSO DA POPULAÇÃO AOS
SERVIÇOS E AÇÕES DE SAÚDE DE ACORDO COM SUAS NECESSIDADES.” (grifos
acrescidos).
Apregoa, ainda, a norma, o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde, o
mais próximo possível de sua residência, bem como “o acesso de todos os cidadãos aos
serviços necessários à resolução de seus problemas de saúde, em qualquer nível de atenção,
diretamente ou mediante o estabelecimento de compromissos entre gestores para o atendimento de
referências intermunicipais” (grifos acrescidos).
Após fornecer os conceitos-chaves a serem utilizados na implantação dos
PDR’s no item 5, a NOAS estabelece, no item 6.1.1, alínea b, que “ o PDR deve contemplar a
perspectiva de redistribuição geográfica de recursos tecnológicos e humanos, explicitando o
desenho futuro e desejado da regionalização estadual, prevendo os investimentos necessários para
a conformação destas novas regiões/microregiões e módulos assistenciais, observando assim a
diretriz de possibilitar o acesso do cidadão a todas as ações e serviços necessários para a
resolução de seus problemas de saúde, o mais próximo possível de sua residência.” (grifos
acrescidos).
Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA
COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a NOAS, no item 23, fixa o elenco de atribuições do
Ministério da Saúde:
“1.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO
SUS
23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta
11
complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições:
a – definição de normas nacionais;
b – controle do cadastro nacional de prestadores de serviços;
c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de
cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde;
d – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população
pelo SUS;
e – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população
pelo SUS;
f – estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime
diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços;
g – definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências
interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta
Complexidade;
h – formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços
prestados;
i – financiamento das ações.”
No item 23.1, exsurge, de forma inequívoca, a responsabilidade solidária da
União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e
das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos
procedimentos de alta complexidade, verbis :
“23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de
responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do
Distrito Federal.”
Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a
regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão
Plena do Sistema Municipal:
“25.1. A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade
do gestor municipal, quando o município encontra-se na condição de gestão plena do sistema
municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais condições.”
Em norma dirigente (conceito de José Joaquim Gomes Canotilho), de
conteúdo programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que:
“26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de
acordo com Portaria do Ministério da Saúde.
27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio
da assistência de alta complexidade para cada estado.”
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O item 44.2 da NOAS admite expressamente a contratação de serviços na
rede privada sempre que não estiverem disponíveis na rede pública, ou mesmo quando,
ainda que existentes na rede pública, sejam insuficientes para o atendimento da população:
“44.2. O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem
pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas
administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores Bipartite,
quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população”.
Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde,
que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde,
abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos,
passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade.
Por último, no caso concreto, deve-se ressaltar que efetivamente restou
maculada a garantia constitucional da Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que
se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado
pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade
Social), Seção II.
A exigência de uma prestação de serviços de qualidade, na seara da saúde
pública, implica coordenação de esforços, porque conjuntos, das entidades públicas federal,
estadual e municipal, com o fim de bem promover a prestação de serviços médicos e
hospitalares em prol da coletividade.
Assim, diante dos fatos já relatados, a Ação Civil Pública é o instrumento jurídico
dotado de eficácia e legitimidade para promover a responsabilização dos entes políticos
envolvidos, obtendo do Poder Judiciário o provimento jurisdicional que assegure ao cidadão
seu direito ao tratamento médico-hospitalar que esteja a carecer.
IV - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A competência da Justiça Federal vem disciplinada no artigo 109 da
Constituição Federal de 1988:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de
falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho;
(...)
“§ 2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção
judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou
fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no
Distrito Federal”.
Os recursos destinados ao tratamento médico são provenientes do Sistema
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Único de Saúde, de cujo financiamento participam, dentre outras fontes, a União Federal, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.
195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”.
A Lei n.º 8.080/90 estabeleceu, também, que:
“Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o
inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de
governo pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.”
Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do
financiamento do SUS, repassa ao Estado do Piauí e ao Município de Teresina recursos para
a finalidade apontada.
Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos
termos do artigo 109, I, da CF/88, a competência da Justiça Federal para o processamento e
julgamento da presente demanda.
V - A LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS
A legitimidade passiva dos réus, União Federal, Estado do Piauí e
Município de Teresina, decorre, inicialmente, da Constituição Federal:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
A Lei n.º 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão
do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:
“Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o
inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de
governo pelos seguintes órgãos:
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I - no âmbit o da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente” (grifo acrescido).
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem,
contudo, perder sua unicidade, de modo que de qualquer de seus gestores podem/devem ser
exigidas as “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde
pública.
Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional da
Assistência à Saúde – NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre
o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos
procedimentos de alta complexidade, ela também determina, como já dito, que “a regulação
dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o
município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de
responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”.
Até mesmo porque a União, em cumprimento do seu dever de participar do
financiamento do SUS, repassa ao Estado do Piauí e ao Município de Teresina recursos
financeiros para a finalidade apontada.
Da jurisprudência, por seu turno, sobre o dever constitucionalmente
imposto a cada um dos entes federativos de garantir e promover a saúde, extrai-se do
Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela
que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação’. A referência,
contida no preceito, a ‘Estado’ mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados
propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao
Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n° 195, com recursos do
orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e
serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção
única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata,
considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se-me como fato incontroverso, porquanto
registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de se fornecer
os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto alegre surge com
responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da
implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por
outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o
custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto
visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam –se do Estado
(gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança
pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É
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hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária
segura e com o mínio de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação
da dignidade do homem.(...)” (Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS)
(grifos acrescidos).
Os demandados, portanto, como integrantes e gestores do Sistema Único de
Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma vez que a decisão postulada projetará
efeitos diretos sobre suas respectivas esferas jurídicas.
VI – A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
A norma do artigo 127, da Constituição Federal, prescreve que ao
Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional, compete a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Estabelecido este vetor, dispõe em seguida:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II – Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia.
III - promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e
coletivos”.
Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte
incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de defesa do patrimônio
público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual
homogêneo de relevância social.
Em harmonia com a Carta Federal, preceitua a Lei Complementar n.º 75/93,
que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:
“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
(...)
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de
relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos
serviços de saúde e à educação.
(...)
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
(...)
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c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos,
relativos às comunidades indígenas, à família, á criança, ao adolescente, ao
idoso, às minorias étnicas e ao consumidor.”
Dessarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a
defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde,
exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure aos portadores de
enfermidade de alta complexidade o recebimento de todo tratamento clínico e cirúrgico, a
critério dos médicos do SUS, que se fizerem necessários.
O direito à saúde, além de ser direito individual fundamental, é direito
social (art. 6° da Constituição Federal), reconhecendo a doutrina, ainda, a existência do
direito coletivo ou mesmo difuso à saúde pública. Além disso, a partir da relevância social
atribuída aos serviços de saúde no art. 197 da Constituição Federal, o Ministério Público
Federal tem legitimidade para o ajuizamento de ação individual ou coletiva que busque
garantir a prestação do serviço nos moldes estabelecidos na Constituição, conforme art. 129,
II e III, da Constituição Federal. E, na tutela coletiva da saúde pública, o Ministério Público
Federal pode referir e formular requerimentos em relação a situações individuais
paradigmas, incluídas na tutela pretendida em relação ao tipo de serviço oferecido a todos.
Nesse sentido, inúmeros são os julgados do Superior Tribunal de Justiça e
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que assentam a legitimidade do Ministério
Público para a propositura de ação coletiva que busca tutela do direito à saúde, em moldes
semelhantes à presente (STJ, 6ª T., REsp 1998.00422595/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJU
1°/07/2002, p. 410; e TRF4R, 3ª T., AI 2003.04.01.041369-9/SC, Rel. Des. Federal Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz, DJU 21/01/2004). O próprio Supremo Tribunal Federal no
voto do Relator, Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento do agravo regimental no
RE 273.834-4/RS, assenta a legitimidade do Ministério Público para buscar a tutela do
direito à saúde, em face da relevância pública atribuída na Constituição Federal às ações e
serviços de saúde."
A Constituição Federal delineou o novo perfil do Ministério Público,
outorgando-lhe a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis. Na presente ação, o Ministério Público Federal protege o
direito à saúde, o que a princípio caracteriza um direito difuso.
VII - A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Dispõe o artigo 273 do CPC que:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu”. (grifos acrescidos).
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Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela pelo fato de estarem
caracterizados, ao lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os pressupostos
autorizadores de sua concessão, a saber:
“Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela
antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo
demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o
fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de
tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o
julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se
torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.
Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência de direito do
autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois
outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos,
bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do
direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.
Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória
porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o
risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273,
I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente
considerado pela doutrina como pressuposto da concessão da tutela jurisdicional
de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas
também em sua outra espécie: a tutela cautelar)”. (CÂMARA, Alexandre, Lições
de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1).
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado,
consubstancia-se no princípio constituicional do acesso univesal à saúde. que demonstram,
de forma inequívoca, que os cidadãos brasileiros que necessitam de
atendimento/acompanhamento por médicos especialistas no Estado do Piauí,
independentemente do Estado de origem dos mesmos, direito constitucional que vem sendo
sistematicamente negado pelo SUS.
O periculum in mora é notório e gritante, e decorre do risco da ocorrência
de seqüelas irreversíveis à saúde dos pacientes, inclusive a morte, em decorrência da falta
do tratamento médico adequado.
Ademais, consistindo o pedido de antecipação de tutela em um atuar
positivo do Estado, está-se diante de uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de
prestar o tratamento médico necessário, suficiente e adequado aos pacientes. Posto isto, é de
aplicação, também, o art. 461 do CPC, quanto ao cabimento de “providências que assegurem
o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Destarte, tendo em vista a gravidade e urgência do caso, impõe-se a
determinação das medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou para a obtenção
do resultado prático equivalente, qual seja, o amplo e irrestrito acesso aos serviços médicos
necessários, com seu integral e efetivo tratamento, aos pacientes que necessitem de
procedimentos médicos de alta complexidade, nos termos da prescrição médica, qualquer
que seja o Estado de origem do cidadão.
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Da mesma forma que deve ser autorizado o acesso aos serviços médicos de
cidadãos brasileiros de qualquer Estado de origem, é consectário lógico também que a
União Federal tem a obrigação de responder financeiramente por tais pacientes, ressarcindo
ao Estado do Piauí os valores decorrentes desses serviços médicos em pacientes de outros
Estados.
Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da antecipação
do provimento jurisdicional encontram-se presentes. Em razão do exposto, o Ministério
Público Federal requer a Vossa Excelência:
a notificação da UNIÃO FEDERAL, na pessoa de seu representante
legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do artigo 2°, da Lei n.º 8.437/92, sobre a
presente ação;
a notificação do ESTADO DO PIAUÍ, na pessoa de seu representante legal
para, querendo, pronunciar-se, nos termos do artigo 2°, da Lei n.º 8.437/92, sobre a presente
ação;
a notificação do MUNICÍPIO DE TERESINA, na pessoa de seu
representante legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do artigo 2°, da Lei n.º
8.437/92, sobre a presente ação;
a concessão da antecipação de tutela, a fim de que seja determinado
à UNIÃO, ao ESTADO DO PIAUÍ e ao MUNICÍPIO DE TERESINA, de forma
solidária, o amplo e irrestrito acesso dos usuários do SUS aos serviços de saúde necessários,
especialmente os procedimentos médicos de alta complexidade, com seu integral e efetivo
tratamento, independentemente da oferta dos serviços em seu Estado de origem, cessando o
caráter discriminatório da Portaria n° 39/2006 do Ministério da Saúde;
a concessão de antecipação de tutela, a fim de determinar especificamente à
UNIÃO o ressarcimento dos valores financeiros necessários ao Estado do Piauí e ao
Município de Teresina para arcar com o tratamento médico dos cidadãos brasileiros que
tenham origem (moradia) em outro Estado da Federação.
VII – DOS PEDIDOS PROCESSUAIS E DO PEDIDO FINAL
Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem
requerer a Vossa Excelência:
a) a citação dos entes demandados, na pessoa de seus representantes legais,
para, querendo, contestarem a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos, sob
pena de revelia;
b) a confirmação/, por sentença definitiva de mérito, de todos os pedidos de
antecipação de tutela;
c) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em
vista do disposto no artigo 18, da Lei n.° 7.347/85;
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d) a juntada da documentação anexa (procedimentos administrativos que
tramitaram no MPF), protestando ainda por todas as provas admitidas em juízo, que se
fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Termos em que se pede deferimento.
Teresina, 14 de maio de 2008.
TRANVANVAN DA SILVA FEITOSA
Procurador da República
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