Alvin Toffler: 3ª onda é única opção para o Brasil O mundo está vivendo uma terceira onda de revoluções culturais e tecnológicas, e um dos possíveis resultados das mudanças que estão acontecendo no momento pode ser o aumento da desigualdade em países como o Brasil. É o que afirma o economista americano Alvin Toffler, um dos mais renomados futurólogos do planeta, autor de best sellers como A terceira onda e O choque do futuro, que venderam milhões de exemplares em todo o mundo. Mas Toffler alerta que os países que querem reduzir a pobreza no futuro não têm outra opção além de se adaptar à revolução em curso, por meio de investimentos em tecnologia, mas também em fatores mais básicos, como a educação e a alimentação das crianças. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista dada por Alvin Toffler à BBC Brasil. BBC Brasil: O senhor tem escrito que estamos vivendo uma terceira onda de mudanças tecnológicas, políticas e culturais, e que essa nova onda já chegou a países como o Brasil, a Índia e a China. Como se podem identificar os efeitos dessas mudanças no dia-a-dia das pessoas, por exemplo, no Brasil? Alvin Toffler: No caso do Brasil, por exemplo, eu acredito que existam, na verdade, três países diferentes. Há o Brasil da primeira onda, em que as pessoas trabalham na terra da forma que seus ancestrais faziam há centenas de anos, produzindo só o necessário para sobreviver. O Brasil da segunda onda é visto em São Paulo e em várias outras regiões do país, com grande urbanização, muitas indústrias, engarrafamentos e poluição. E também é possível encontrar no Brasil, de uma forma ainda incipiente, uma parte da sociedade que já vive a terceira onda. São pessoas que estão na Internet, usam computadores de forma rotineira e têm empregos que exigem um conhecimento cada vez mais sofisticado. O Brasil é um país heterogêneo, cultural e racialmente, e hoje também comporta três estruturas econômicas diferentes. BBC Brasil: Mas a maioria das pessoas gostaria de fazer parte da parte mais avançada do país. O que se pode fazer para que todos tenham acesso à terceira onda? Toffler: Bom, o Brasil já tem alguns milhões de usuários da Internet e um programa de difusão da rede bem desenvolvido. Existem esforços no sentido de reduzir as desigualdades no acesso às novas tecnologias, e isso em vários níveis de governo. Mas é bastante difícil. Dada a situação da economia global, essas iniciativas podem se desacelerar. Até nos Estados Unidos isso vem acontecendo. Mas não se pode parar. A passagem para a terceira onda é um processo de longo prazo, muito profundo, e não vai se interromper de uma hora para outra. Quem pensa que a nova economia vai terminar por causa da queda das bolsas de valores está enganado. Isso é exatamente o que aconteceu na Revolução Industrial, há 200 anos. Dizer que a nova economia terminou é como se, na Inglaterra do século XVIII, alguém decretasse que a Revolução Industrial havia acabado porque algumas indústrias têxteis haviam ido à falência em Manchester. Mas, na verdade, ela só estava começando, e hoje é assim também. Muitos países estão avançando, com velocidades diferentes, e haverá alguns retrocessos, mas é para frente que o mundo precisa andar se quiser acabar com a pobreza. BBC Brasil: Um problema bastante típico do Brasil e outros países em desenvolvimento é o da desigualdade. A terceira onda, baseada no conhecimento, 1 não pode aumentar a distância entre os privilegiados e os marginalizados? Toffler: Sim, isso pode acontecer. Mas não há esperanças de acabar com a pobreza em um país sem esse tipo de avanço tecnológico e econômico. BBC Brasil: Mas que medidas os governos podem tomar para reduzir a desigualdade na nova economia? Toffler: Bom, cada país é um caso diferente. Quando estive no Brasil, muitos anos atrás, o presidente José Sarney planejava gastar milhões de dólares na construção de uma ferrovia que ligaria o norte ao sul do país. Eu disse na época que não era uma boa idéia. Outras coisas eram mais importantes. Era melhor usar o dinheiro para alimentar as crianças e desenvolver a agricultura para o consumo doméstico. Outra parte poderia ser usada para melhorar a educação. Uma pequena parte deveria ser destinada ao desenvolvimento da tecnologia para a terceira onda. A única esperança de escapar da miséria é habilitar as pessoas para que elas produzam mais, e isso só vai acontecer com a difusão do conhecimento. É a isso que essa nova revolução se refere. Você precisa ser capaz de aplicar em atividades econômicas métodos inovadores e que aumentem a produtividade. Por exemplo, o Brasil não é o único país que tem as três ondas. A China também. Eu encontrei alguns dos líderes do governo chinês por diversas vezes. Na primeira vez, eles me disseram que tinham 900 milhões de camponeses da primeira onda, uns 200 milhões de trabalhadores na segunda onda, e 10 milhões de pessoas já na terceira onda. Usaram uma linguagem semelhante à que eu e minha equipe usamos. Eu acredito que o Brasil está em uma situação melhor que os chineses, mas a China é liderada por pessoas que entendem a importância da tecnologia e da economia baseada no conhecimento. Eles têm problemas gigantescos, e não se sabe se vão ter sucesso, mas seus líderes atuais estão muito conscientes da necessidade de desenvolver o setor de sua economia que está integrado à sociedade de informação. BBC Brasil: Então o Estado precisa assumir uma nova função em algumas partes dos países em desenvolvimento, mas, em grande medida, precisa continuar fazendo coisas que são sua função já há vários anos, como garantir alimentação, educação e saúde para todos... Toffler: Em primeiro lugar, é preciso que as pessoas se alimentem. Eu lembro ter tido esse tipo de conversa no Brasil. Se as crianças sofrem de desnutrição, seus cérebros não vão funcionar direito no futuro. Também é preciso buscar o desenvolvimento econômico por meio de estratégias mais tradicionais – encarar as brigas sobre comércio e outros temas assim. Mas também deve-se investir no potencial dos jovens mais capazes de que um país dispõe, e eles devem se integrar aos setores que lideram a economia global. No tempo do ex-presidente José Sarney, eu aconselhei que o governo brasileiro investisse pequenas quantias de dinheiro em áreas de tecnologia de ponta fora do Brasil, como nas empresas de informática do Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou em áreas que produzem conhecimento de alta qualidade em biotecnologia. Deveria fazer pequenos investimentos e enviar cientistas e engenheiros brasileiros para esses lugares. Mesmo se o investimento não gerasse grandes lucros, pelo menos esses profissionais voltariam ao Brasil com conhecimentos que poderiam ser usados de forma mais avançada no país. Veja o caso das empresas farmacêuticas, com as quais o Brasil tem essa polêmica sobre o pagamento de direitos de propriedade intelectual. Eu acho que o país 2 deveria pagar por esses direitos. Mas não há motivo que impeça que o dinheiro pago a essas empresas volte ao Brasil para ser investido em centros de pesquisa, em escolas que preparariam os jovens para os temas que dizem respeito à indústria farmacêutica ou à bioquímica. A biotecnologia será uma enorme indústria no futuro. A saúde das próximas gerações vai depender do que será criado pela associação da biotecnologia com a informática. Este é um campo ainda no começo. O Brasil tem uma ampla biodiversidade e pode se valer de muitas oportunidades na área de biotecnologia. Ignorar um tema desses porque há problemas no presente é um sério erro, se você está preocupado com o futuro. BBC Brasil: O que os países em desenvolvimento podem fazer para ter um papel nessa nova fase da revolução que o senhor prevê – a associação da genética com a informática? Toffler: Uma coisa que já sabemos é que pesquisas em biotecnologia são bem mais baratas do que o desenvolvimento de programas espaciais – que são maravilhosos, mas muito caros. Mesmo investimentos no setor siderúrgico, por exemplo, são bastante elevados. As novas tecnologias que estão sendo geradas por pesquisas no campo biotecnológico são comparativamente baratas. Esta é uma oportunidade especial para países como o Brasil. O que se deve fazer é aproveitar oportunidades para trabalhar junto com países mais desenvolvidos ou mesmo com outros países latino-americanos. Nada impede a criação de um consórcio latino-americano para a biotecnologia. É claro que esse tipo de iniciativa é complicada pelas enormes pressões dos problemas imediatos enfrentados pelos países em desenvolvimento. Mas não fazer essas coisas é garantir a continuidade da pobreza. 3