Biografia-Cronologia

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Biografia-Cronologia
Nascido na Paraíba, estudou no Liceu Paraibano e no Ginásio Pernambucano do
Recife. Mudou-se em 1939 para o Rio de Janeiro. No ano seguinte ingressou na Faculdade
Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo concluído o
bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais em 1944, no mesmo ano em que foi convocado
para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), servindo na Itália.
Em 1946, ingressou no curso de doutoramento em economia da Universidade de
Paris-Sorbonne, concluído em 1948 com uma tese sobre a economia brasileira no período
colonial. Retornou ao Brasil e trabalhou no DASP e na Fundação Getúlio Vargas.
Em 1949, mudou-se para Santiago do Chile, integrando a recém-criada Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas. Sob a direção do
economista argentino Raúl Prebisch, a CEPAL se tornaria naquele período um centro de
debates sobre os aspectos teóricos e históricos do desenvolvimento.
Na década de 1950, Furtado presidiu o Grupo Misto CEPAL-BNDES, que elaborou
um estudo sobre a economia brasileira que serviria de base para o Plano de Metas do governo
de Juscelino Kubitschek. Mais tarde, é convidado pelo professor Nicholas Kaldor ao King's
College da Universidade de Cambridge, Inglaterra, onde escreveu Formação Econômica do
Brasil, clássico da historiografia econômica brasileira.
Retornando ao Brasil, assumiu uma diretoria do BNDE e participou da criação, em
1959, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). "Formação
Econômica do Brasil", a mais consagrada obra de Celso Furtado, foi escrita nesse ano, no
mesmo período em que o autor ocupava o cargo de diretor do BNDE do governo de Juscelino
Kubitschek. Furtado já havia sido diretor da Divisão de Desenvolvimento da CEPAL por oito
anos (de 1949 a 1957), fator que orientou a metodologia e os objetivos da obra. Isto é, Furtado
procurou descrever a evolução da economia brasileira, dentro do paradigma latino-americano,
pela análise da estrutura produtiva de cada período histórico da sociedade brasileira (daí a
famosa denominação "estruturalista" para o pensamento cepalino em geral), dando ênfase em
conceitos analíticos especificamente cepalinos, tais como a visão da economia internacional
baseada nas relações entre países centrais, industrializados, e países periféricos, agrícolas.
Em 1962, no governo João Goulart, foi nomeado o primeiro Ministro do
Planejamento do Brasil, elaborando o Plano Trienal. Em 1963 retornou à superintendência da
SUDENE, criando e implantando a política de incentivos fiscais para investimentos na região.
Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Exilado,
mudou-se para o Chile e, mais tarde, para os Estados Unidos, onde seria pesquisador na
Universidade de Yale. Em 1965, mudou-se para a França, assumindo a cátedra de
3
Desenvolvimento Econômico da Universidade de Paris, permanecendo nos quadros da
Sorbonne por vinte anos. Na década de 1970 viajou a diferentes países seja em missão das
Nações Unidas, seja como conferencista ou professor-visitante.
Com a Anistia, em 1979, retornou à militância política no Brasil, que passou a
visitar com frequência. Conciliou esta atividade com suas tarefas acadêmicas como diretor de
pesquisas da Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Em 1981 filia-se ao
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em 1985 foi convidado participar da
Comissão do Plano de Ação do governo Tancredo Neves, e logo em seguida é nomeado
Embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Européia, mudando-se para Bruxelas.
De 1986 a 1988 foi ministro da Cultura do governo José Sarney, quando criou a primeira
legislação de incentivos fiscais à cultura. Nos anos seguintes, retomou a vida acadêmica e
participou de diferentes comissões internacionais. Foi eleito para a Academia Brasileira de
Letras em 1997. Faleceu no Rio de Janeiro, em 20 de novembro de 2004. No dia 25 de
setembro de 2009 foi inaugurada a Biblioteca Celso Furtado contendo os 7542 livros que
pertenceram ao autor.1
A Lógica Histórica de Celso Furtado
Formação Econômica do Brasil, tem um enfoque globalizante que impressiona
até a época atual, Celso Furtado é “o economista da teoria do desenvolvimento e da analise
econômica brasileira (...) [nestas] especialidades ele pensou sempre de forma independente
“usando o método histórico e não o lógico-dedutivo”2 Ele foi uns dos principais responsáveis,
principalmente, por transmitir uma importante lógica para a nossa história brasileira, sobre as
chaves para a permanência da obra, Celso Furtado disse aos autores de Conversas com
economistas brasileiros:
"A novidade que impressionou muita gente, inclusive na Europa, [Fernand
Braudel, um importante historiador, admirou-o muito por isso] foi que eu coloquei o país na
história global. O Brasil nasce como parte de um processo de desenvolvimento e expansão da
Europa. Essa ligação entre a formação da economia brasileira e o processo da economia
global era uma visão nova." 3
A teoria econômica que Celso Furtado foi aprendida em clássicos, dentre eles
Ricardo, Keynes e Marx. Tomando por base estes pensadores, mas mantendo-se independente
sem perder sua própria identidade, “ele tira de cada autor ou corrente o que é, a seu ver,
correto ou adaptável à realidade brasileira ou latino-americana”
4,
encabeçou um grupo
pensadores que formaram uma doutrina econômica influente na América Latina nas décadas
de 50 e 60 porque ofereciam uma interpretação para o desenvolvimento dos países que em
4
meados do século XX faziam a transição de formas pré-capitalismo ou mercantis para o
capitalismo industrial e apresentava a seus dirigentes uma estratégia coerente de
desenvolvimento.
Celso Furtado foi mais economista que historiador, pois procurou analisar a história
econômica brasileira ao invés de contá-la como simples história. Em Formação econômica do
Brasil, Furtado fez uma obra de história e de analise econômica com capacidade de “a partir
dos parcos dados disponíveis, deduzir as demais variáveis da economia e seu comportamento
dinâmico”, [ele nos apresentou os quadros do Brasil, mas de um ponto de vista de] “quem
não transforma a economia em meras abstrações, (...)[ele] a pensa como economia política
historicamente situada”.5
Da interpretação “furtadiana” dos ciclos econômicos brasileiros (a agricultura
tropical da cana-de-açúcar, a economia escravista mineira do ciclo do ouro, a transição para o
trabalho assalariado, com o fim da escravidão) emerge uma estrutura produtiva, caracterizada
pela convivência entre um setor de alta produtividade, ligado às exportações, e outro, o setor
de subsistência, de baixa produtividade. Essa dualidade impediu o crescimento do mercado
interno e respondeu pelas dificuldades do processo de desenvolvimento brasileiro, como a
baixa capacidade de investir, as recorrentes crises fiscais e do balanço de pagamentos e a
inflação. Para Celso Furtado a uma correta interpretação desse fenômeno exigia um novo
instrumental metodológico.
Quando analisa a dificuldade do país para se adaptar ao padrão-ouro, na fase da
transição do trabalho escravo para o assalariado, Furtado afirma que: "Esse problema não
preocupou os economistas europeus, que sempre teorizaram em matéria de comércio
internacional em termos de economias de grau de desenvolvimento mais ou menos similar,
com estruturas de produção não muito distintas e com coeficientes de importação
relativamente baixos." 6
Outra contribuição importante de Formação econômica do Brasil é a descrição da
gênese do processo de industrialização do país. Nos últimos capítulos do livro Furtado
demonstra que "a industrialização do Brasil dos anos 30 se fez sem política de
industrialização propriamente, [ela] (...) surgiu com Volta Redonda, muito tempo depois.
Houve industrialização, só que sem política. (...) [e isso foi possível pois houve a] (...) criação
de demanda efetiva, que decorria do grande pecado que era queimar café. Queimaram oitenta
milhões de sacas de café, e isso criou uma demanda efetiva que sustentou a economia." 7
Para demonstrar suas teses, Furtado recorreu a comparações com a economia norteamericana, o que resultou em conclusões consideradas surpreendentes, como o caso de que,
depois do “crack” da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, os Estados Unidos
5
continuaram afundando, enquanto Brasil crescia já a partir de 1932. Segundo Celso Furtado, o
Brasil "Não crescia como economia reflexa, mas por dinâmica própria. Inventei o conceito de
deslocamento do centro dinâmico. Isso fez com que muita gente compreendesse melhor o
Brasil, o que considero o lado mais sedutor do livro" 8
A crise de 1929 marca, para Furtado, o fim de uma fase da economia brasileira, a
partir da qual os investimentos se deslocam do setor exportador para setores do mercado
interno. Essa idéia de "deslocamento do centro dinâmico" transformou-se, em fato dado como
certo quando se análise da história econômica brasileira, “numa espécie de paradigma da
analise da história econômica brasileira da primeira metade do século 20”. 9
Método de Celso Furtado
Celso Furtado não foi um acadêmico tradicional. Com um perfil politicamente
engajado, Furtado usava seus textos como instrumento de sua luta e via na ação planejadora do
Estado o único caminho para o desenvolvimento econômico, que viria com a industrialização.
Esta crença inabalável de Celso Furtado na capacidade da razão de impor sua vontade sobre a
economia e a sociedade através do planejamento fez com que ele rejeitasse todo o tipo de
determinismo, fosse ele marxista ou neoclássico. Para ele o planejamento anularia ao máximo
a imprevisibilidade das decisões. Essa recusa do determinismo, inclusive o determinismo de
mercado, está relacionada à sua “convicção de fazia parte de uma elite intelectual, de uma
intelligentsia, que seria capaz de reformar o mundo”. [E isso ficou expresso em suas próprias
palavras: “Sentia-me acima dos condicionantes criados por minha inserção social estava
convencido de eu o desafio consistia em instalar um propósito social no usa dessa
liberdade”9.
Segundo Vera Cepêda, Celso Furtado permanecia preso ao argumento recorrente no
pensamento social brasileiro do século XX em que o “menosprezo às condições sociais em
prol da autonomia tecnocrática e cientifica poderia ser caminho fácil para a via
autoritária”10. Mas, Celso Furtado era defensor da existência de cobrança política, reforço da
opinião pública e defesa do marco legal da competição democrática, “elementos até então
tomados como deletérios à ordem social (...) Ao defender um projeto de desenvolvimento que
tenha o Estado como meio de transformação, mas a organização social como finalidade, (...)
Furtado transforma-se em um autor progressista”10, onde ele conecta a atividade econômica
com a modernização da sociedade.
No processo de expansão do capitalismo Vera Cepêda afirma que três foram às formas
assumidas pela dinâmica de “conectividade da atividade política com a modernização geral
da sociedade”, desde o núcleo erradicador do mercantilismo e depois das duas Revoluções
6
Industriais e sua incorporação com as “economias coloniais, implicando a existência
simultânea de economias desenvolvidas, (…) economias subdesenvolvidas, (…) e economias
da pobreza”. As condições de desenvolvimento em cada uma delas derivam tanto dos
elementos estruturais internos diferenciados quanto da lógica de seu funcionamento e não de
um estágio a ser superado.
O primeiro modelo é um sistema econômico capaz de uma dinâmica de
desenvolvimento auto-sustentado, onde a renovação tecnológica é impulsionado pelo
“singular perfil populacional diminuto que impede a formação de um exercito industrial de
reserva”. Este modelo forma os países com economias desenvolvidas que são sustentados
pelo mercado interno. O segundo modelo é “formado pela incorporação de territórios
coloniais com ênfase na exportação econômica e não na colonização”. Os países
enquadrados neste modelo, “transformam-se em apêndices da economia metropolitana no
modelo primário-exportador” e configuram o subdesenvolvimento de dois tipos: o
“subdesenvolvimento de grau superior” no qual “surgiu uma formação de um mercado
consumidor interno e de uma embrionária atividade industrial”, a partir da “dinâmica do pólo
mercantil-exportador”, e o “subdesenvolvimento de grau inferior” em que o enclave
econômico isolou radicalmente o setor moderno de seu mais vasto entorno pré-capitalista O
terceiro modelo, “o trágico”, é formado pelas “economias da pobreza”, que permanecem
fora da divisão internacional d trabalho e incapazes de produzirem suas “condições de
arranque”. Esta foi a tipologia desenvolvida e aprofundada por Celso Furtado para o caso
brasileiro, onde partindo “das condições ordinárias (…) e das brechas históricas das crises
mundiais, temas analisados em Formação econômica do Brasil”, ele pode analisar o processo
de surgimento de nossas “condições de arranque”.11
Furtado acreditava que nas democracias capitalistas os intelectuais podem se libertar
das ideologias e usar a sua liberdade para intervir de forma republicana no mundo, mesmo
sabendo que esta liberdade seria uma liberdade relativa, ele acreditava que ela poderia ser
socialmente condicionada de uma forma mais consciente desde que fosse acompanhada da
acrescida da “virtude da coragem” que era essencial para que nos momentos em que fosse
necessário, fosse também possível agir de uma forma socialmente condicionada e mais
consciente para intervir de forma republicana no mundo.
Muitos intelectuais se perguntam se talvez por causa desse engajamento ele nunca foi
aceito numa universidade brasileira, apesar de ter ministrado aulas em países como Inglaterra
(Cambridge), Estados Unidos (Harvard e Columbia) e Sorbonne onde se tornou professor de
carreira. Chegou a se candidatar a uma cátedra na Faculdade de Economia e Administração da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas o concurso ficou suspenso. Teve, porém,
7
importante participação executiva em diversos órgãos, como a CEPAL, berço da teoria
estruturalista, a SUDENE que ajudou a criar e da qual foi o primeiro superintendente. Como
técnico no Ministério do Planejamento, no governo João Goulart, introduziu no país
metodologias pioneiras de planejamento econômico, mas amargou o fracasso do Plano Trienal,
que ajudou a formular para este mesmo Governo. Voltou então à SUDENE, até que o Ato
Institucional nº. 1, em abril de 1964, cassou-lhe os direitos políticos. A frustração tomou conta
de Celso Furtado quando chega exilado ao Chile e percebe que a crença naquela uma feliz
conjuntura internacional que daria ao Brasil uma “brecha” no qual nossa economia
alcançasse uma mudança qualitativa histórica era uma ilusão. A sua esperança só encontraria
nova força em 1968, ano que se instalou a ditadura no país. Celso Furtado foi convidado pela
Câmara dos Deputados para apresentar sua visão do que poderia ser feito e ele escreve o
“Projeto para o Brasil”, no qual apresenta um projeto de retomada do desenvolvimento a
partir de um aumento da carga tributário e da poupança pública.
A Obra
Formação econômica do Brasil é um ensaio, uma tentativa de Celso Furtado de
analisar o processo de formação do Brasil levando em consideração características locais,
culturais e institucionais como um determinante do desempenho de cada economia e essa
metodologia está presente em vários documentos do CEPAL.
Principalmente depois da Segunda Guerra Mundial havia uma preocupação
constante sobre como fazer as certas economias avançassem rumo às mais avançadas.
Segundo Renato Baumann, em texto publicação no Correio Brasiliense “neste período há
uma ênfase no positivismo, no cientificismo, no planejamento para identificação de rumos e,
portanto, determinação de formas de intervenção do Estado”12 e Celso Furtado procurou usar
desta técnica de planejamento para sistematizar e nos mostrar sua visão metodológica mais
geral, observando que a teoria econômica deve ser ao mesmo tempo abstrata e histórica.
Formação econômica do Brasil foi organizada em cinco partes, Fundamentos
econômicos da ocupação territorial; Economia escravista de agricultura tropical, onde
analisa o complexo econômico no Nordeste; Economia escravista mineira, onde Furtado nos
mostra principalmente o deslocamento do Centro dinâmico para o Sul/Sudeste; Economia de
transição para trabalho assalariado, onde Celso Furtado identifica o centro dinâmico
moderno, desenvolve a questão do Subdesenvolvimento mais a questão regional e Economia
de transição para um sistema industrial, onde Furtado desenvolve sua Teoria do
Desenvolvimento.
O foco do livro é a questão do subdesenvolvimento na periferia latino-americana
8
Celso Furtado faz uma adaptação da visão estruturalista de Prebisch e outros fundadores desta
teoria cepalina para a aplicação na história brasileira, para isso ele usa também uma
linguagem bastante acessível e usa a formulação sobre a realidade como um instrumento da
luta política.
Ao iniciar o livro Celso furtado afirma que “ao escrevê-lo (...) teve em mira
apresentar um texto introdutório, acessível ao leitor sem formação técnica e de interesse para
as pessoas (...) desejosas de tomar um primeiro contato em forma ordenada com os
problemas econômicos do país”13. Com isso Furtado nos deixa claro que procura uma
interpretação do Brasil onde o futuro está sempre aberto.
Nas três primeiras partes do livro, Celso Furtado nos apresenta a prioridade
portuguesa na agricultura tropical. Ele nos mostra que a base empreitada pelos portugueses na
América era bastante frágil e que inexistência de qualquer comércio para controlar e na falta
de metais ou outros produtos para extrair ou pilhar, “A exploração econômica das terras
americanas deveria parecer, no século XVI, uma empresa completamente inviável. Os fretes
eram de tal forma elevada – em razão da insegurança do transporte a grandes distâncias –
que somente os produtos manufaturados e as chamadas especiarias do Oriente podiam
comportá-los”14 para os portugueses garantirem a posse das novas terras, seus esforços na
defesa das terras do Brasil deveriam ser coroados de êxito. E no longo processo de expansão
comercial européia, iniciada ainda no século XI, e que teve sua fase de apogeu durante o
século XV, este êxito foi o principal responsável por incluir o Brasil no sistema colonial. Esta
ligação necessária entre a colonização baseada na agricultura e o mercantilismo europeu
também foi assinalada por Caio Prado Jr. Que apontou como o verdadeiro “sentido” da
colonização brasileira, “uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga
feitoria,mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais
de um território virgem em proveito do comércio europeu”15, Celso Furtado no
desenvolvimento da obra nos mostra que esta situação condicionou a participação do Brasil
na Divisão Internacional do Trabalho, não só na fase colonial como na fase independente e
que este “sentido” da colonização brasileira ainda permanecerá na estrutura econômica atual
do Brasil que apesar de se montar uma economia industrial durante o século XX, ainda
continuara como exportador de riquezas naturais, por conta das teias que ainda o prendem a
estrutura econômica internacional.
Como contrapartida disto, Celso Furtado chama atenção para o tipo de
economia que se estruturou nos Estados Unidos, que diferentemente daqui, a ênfase da
colonização no povoamento, onde se verificou a organização de um inédito sistema
econômico quadrangular no Novo Mundo, integrando, pelo comércio, as colônias de
9
exploração antilhanas e as zonas de povoamento da América do Norte, o que permitiria,
inclusive, o desenvolvimento das “Treze Colônias”. Apesar de originariamente mais pobres
do que as colônias tropicais, as Colônias do Norte entraram no comércio com uma pauta mais
diversificada e de maior valor agregado, substituindo a Metrópole em seu campo exclusivo de
atuação. Em contrapartida, as economias tropicais da América, ou aquelas cuja base da
exploração era a extração de minérios, viram-se, desde o início, relegadas à exportação de um
ou dois artigos e obrigadas a importar tudo o que se relacionasse ao padrão europeu de
consumo. As restrições das metrópoles impediam até mesmo o aproveitamento de matériasprimas que eram encontradas em abundância nessas regiões. Ou seja, o desenvolvimento das
colônias inglesas da Nova Inglaterra só foi possível pois estas não se enquadraram nas teias
do Sistema Colonial e o que fez com que na América Latina futuramente fosse identificado
como subdesenvolvimento foi justamente o sucesso que o Sistema Colonial obteve aqui. O
modelo do latifúndio escravista exportador, não levou apenas à monocultura, mas
impossibilitou qualquer acúmulo de capitais na colônia. Era a essência do “pacto colonial”,
que tinha por pressuposto extrair da colônia o máximo do excedente econômico disponível.
Apesar dos elevados preços do açúcar, a renda disponível estava concentrada nas mãos de um
restrito número de senhores de engenhos, uma vez que a população branca era rarefeita em
relação aos indígenas e aos negros.
Celso Furtado nos mostra, além desta perspectiva histórica, que o resultado final do
ciclo canavieiro foi alguns focos de modernidade em meio a uma grande pobreza, uma
economia de subsistência muito grande, e uma baixa diversificação da estrutura produtiva: “o
setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa e a produtividade do setor
pecuário declinava à medida que [a expansão econômica nordestina crescia e] (...) refletia
apenas o crescimento do setor de subsistência, (...) Dessa forma, de sistema econômico de
alta produtividade a meados do século XVII, o Nordeste se foi transformando
progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o
necessário para subsistir. (...) A formação da população nordestina e da precária economia
de subsistência (...) estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande
empresa açucareira que possivelmente foi, em sua melhor época, o negocio ‘colonialagricola’ mais rentável de todos os tempos”16. Essa foi a nossa herança histórica, a qual ele
nos apresenta desde a primeira parte do livro e que de certa maneira sobrevive até hoje.
Passando para o ciclo do ouro Celso Furtado conclui mais ou menos a mesma
coisa: “Não havendo criado nas regiões mineiras formas permanentes de atividades
econômicas de subsistência – era natural que , com o declínio da produção de ouro, viesse
uma rápida e geral decadência (...) Uns poucos decênios foi o suficiente para que se
10
desarticulasse toda a economia da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispensando-se
grande parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados por uma vasta
região em que eram difíceis as comunidades e isolando-se em pequenos grupos uns dos
outros”17.
Quando Celso Furtado entra na quarta do livro que é a Economia de transição para
o trabalho assalariado, ele passa a discutir o ciclo do café, mas principalmente nos primeiros
capítulos, a dualidade da modernidade do trabalho assalariado convivendo com uma grande
economia de subsistência, que foi provocado pelo excedente de mão-de-obra disponível pelo
não uso do trabalho escravo e a industrialização que se deu nas condições de baixa
produtividade média (resultado da produtividade desigual dos dois setores da economia) e
baixa diversificação da estrutura produtiva. Um dos elementos mais importantes é, o já citado,
contraste com a economia dos Estados Unidos, onde Furtado nos apresenta um mercado
interno grande, baseado na pequena propriedade, e onde vai sendo gerada uma
industrialização que diversificava o aparelho produtivo.
Outro aspecto importante citado por Furtado, foi o impacto da crise cafeeira sobre a
economia nacional, a socialização de prejuízos e a insuficiência do modelo “Convênio de
Taubaté” A rentabilidade assegurada pelo Convênio fazia com que novos produtores
ingressassem no mercado, tanto no Brasil quanto no exterior, o que implicava no aumento da
safra a ser estocada e o que se transformou em problema estrutural, porque a política de
retenção de estoques dependia da liquidez internacional. Deste modo o afluxo de recursos
estrangeiros destinados à política de valorização criou uma situação de ilusão cambial e a
valorização do câmbio teve um impacto negativo sobre as atividades industriais internas, algo
que, numa economia como a brasileira Furtado mostrou que vinha se repetindo de maneira
cíclica ao longo das décadas. A crise que eclodiu em outubro de 1929 por conta do “Crack”
da Bolsa de Nova York levou consigo as bases da economia brasileira que caracterizava as
décadas iniciais do século XX. E uma vez quebrado o setor exportador, a economia nacional
parecia quebrar junto. Os prejuízos do setor cafeeiro foram socializados. No entanto, dada a
ruína da República Velha, decorrente da crise do modelo primário-exportador, a solução
encontrada pelo Governo Provisório de Vargas deveria ser moldada em novas bases.
A ruína que se abateu sobre as atividades ligadas a “agro-exportação” foi
generalizada. A contração dos mercados internacionais e a queda nos preços dela decorrente
levaram a economia brasileira a uma grave crise. Ela se abatia com maior intensidade sobre a
exportação de café. A crise neste setor, por conta de seu impacto em atividades domésticas,
tendia a agravar ainda mais situação. Não obstante, o setor cafeeiro já enfrentava suas
próprias dificuldades. Acúmulo de estoques invendáveis, baixa dos preços e contração do
11
crédito internacional, que antes financiava a política de retenção de estoques. Logo, o
problema da superprodução foi resolvido de maneira diferente.
A política do Conselho, posteriormente Departamento Nacional de Café, que
consistia na compra e queima dos excedentes e num rígido controle sobre a oferta, surtiu
efeito positivo sobre a economia em geral. Ao garantir a renda dos cafeicultores garantiu
também à renda dos setores domésticos a ele vinculado. Isto somado à expressiva queda na
capacidade de importar permitiu o florescimento de atividades industriais vinculadas à
substituição de importações.
“Dessa forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão
concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,
inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer
preconizado em qualquer dos países industrializados. (...) “Explica-se, assim, que já em 1933
tenha recomeçado a crescer a renda nacional no Brasil, quando nos EUA os primeiros sinais
de recuperação só se manifestam em 1934. Na verdade, no Brasil, em nenhum ano da crise
houve inversões líquidas negativas, fato que ocorreu nos EUA e como regra geral em todos os
países. (...) É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que
se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento
seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses
cafeeiros.”18
Aqui, neste raciocínio, Furtado deixa explicito sua análise acerca do papel do gasto
público como estimulador da demanda agregada. Em Formação econômica do Brasil
notamos uma reflexão sobre o impacto dessas políticas sobre a renda doméstica, da mesma
forma em que se estima o elevado custo de uma política de “livre mercado”. Apesar de
inconscientes, as políticas pós-revolução de 1930 foram responsáveis por uma mudança de
fundo na estrutura econômica brasileira. Pela primeira vez em 400 anos a dinâmica do
crescimento econômico deixou de ser o mercado externo. Processou-se, naquela época,
decorrente da crise estrutural do capitalismo liberal, o desenvolvimento “hacia adentro”
“O fator dinâmico principal nos anos que se seguem à, passa a ser, sem nenhuma
dúvida, o mercado interno. A produção industrial, que se destinava em sua totalidade ao
mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de menos de 10 por cento, e já em
1933 recupera o nível de 1929. A produção agrícola para o mercado interno supera com
igual rapidez os efeitos da crise. É evidente que, mantendo-se elevado o nível da procura e
represando-se uma maior parte dessa procura dentro do país, através do corte das
importações, as atividades ligadas ao mercado interno puderam manter, na maioria dos
casos, e em alguns aumentar, sua taxa de rentabilidade. Esse aumento da taxa de
12
rentabilidade se fazia concomitante com a queda dos lucros no setor ligado ao mercado
externo. Explica-se, portanto, a preocupação de desviar capitais de um para outro setor. As
atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas por seus maiores
lucros, mais ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam ou
desinvertiam no setor exportador.”19
Após a crise de 1929 foram criadas as condições para um longo e tortuoso processo
de industrialização, tema este abordado por Furtado em diversas obras dedicadas ao
desenvolvimento econômico, aos desequilíbrios regionais e às perspectivas da economia
brasileira.
Com tudo isso a ênfase do livro é a questão do subdesenvolvimento, Celso Furtado
desenvolve algo como uma "teoria do subdesenvolvimento na periferia latino-americana". O
livro é a forma mais acabada de uma coisa que começou 10 anos antes, onde Furtado parte da
sua tese de doutorado de 1948. Acrescentando-se aí o contato que teve com Prebisch, na Cepal,
e de onde interagiu com os fundadores da teoria estruturalista cepalina. Formação Econômica
do Brasil é a aplicação para a história brasileira da visão estruturalista. O truque de Celso
Furtado, o seu instrumento, é uma metodologia de aplicação à história do Brasil muito sólida,
um ensaio, toda uma literatura que descreve pontualmente um movimento da história, ele
obedeceu, com uma razoável fidelidade, a um movimento geral da história, de formação dessa
estrutura,
tendo
como
principal
forma
de
alinhavar
a
historia
a
questão
do
subdesenvolvimento.
O projeto “furtadiano” se destaca porque Furtado defendia que a força capaz de
reorientar as relações econômicas em direção ao desenvolvimento nasce do trabalho e que a
lógica combinada da aceitação do papel fundamental do consumo como base do crescimento
da economia nacional é acompanhada da regulação e a limitação da ação do capital. Para ele a
organização dos trabalhadores era um elemento fundamental para dinamizar a economia
nacional, tanto pela sua capacidade de expansão do tamanho do mercado consumidor interno
quanto pelo empurrão à incorporação de inovações tecnológicas em substituição à tática de
redução dos salários. A participação dos trabalhadores forçaria o capital a se renovar
constantemente, ao mesmo tempo em que a elevação dos salários seria o motor das atividades
industriais.
A questão do conflito é valorizada por Furtado em três direções: ela é o pilar da
mudança social; é a ferramenta que mina o poder dos setores atrasados que emperram o
processo de modernização e, por último, é parte essencial na produção da lógica de inovação
tecnológica que alimenta o ciclo da prosperidade e do desenvolvimento. Por outro lado, cabe
ao Estado cabe também, através das políticas econômicas, disciplinar o consumo pessoal do
13
capitalista e a lógica decisória do investimento com a criação das estatais nos setores
estratégicos e de infra-estrutura, a política de subsídios e investimentos alocados aos setores
privados mais necessitados e por mecanismos políticos de proteção do trabalho para que neste
movimento se redistribua efetivamente os ganhos do progresso técnico capazes de alavancar e
expandir o mercado consumidor interno.
Das teorias que emergiram nos anos 1950/1960, a proposta de Furtado é a única na
qual o cruzamento entre política e economia não assume um caráter meramente instrumental.
A democracia e a organização dos diversos “atores sociais é parte estrutural do
desenvolvimento econômico e do sonho do desenvolvimento nacional”. 20
Bibliografia:

FURTADO, Celso. Cronologia. In: Obra autobiográfica de Celso Furtado /
edição, Rosa Freire d'Aguia, Tomo I. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos e REGO, José Marcio (orgs). Método e
Paixão em Celso Furtado. In: A Grande Esperança em Celso Furtado: ensaios em
homenagem aos seus 80 anos. São Paulo: Editora 34, 2001.

BIDERMAN, Ciro, COZAC, Luis Felipe L. e REGO, José Marcio. Conversas
com Economistas Brasileiros. São Paulo, Editora 34, 1996. Entrevistas com Celso Furtado e
Luiz Carlos Bresser-Pereira.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1998.
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BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico Brasileiro: O Ciclo
ideológico do Desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
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CEPÊDA,Vera. O lugar da teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado no
pensamento político dos anos 50. In: BOTELHO, André e BASTOS, Elide Rugai e BÔAS,
Glaucia Villas (Orgs.). O Moderno em Questão: A década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro:
Topbooks, 2006.

BAUMANN,
Renato
e
BIESCHOWSKY,
Ricardo,
In:
CORREIO
BRASILIENSE, Entrevista publicada no Caderno Pensar: Brasília, sábado, 17 de fevereiro de
2007.
14
1 FURTADO, Celso. Cronologia. In: Obra autobiográfica de Celso Furtado / edição, Rosa Freire d'Aguia,
Tomo I. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p.9-14.
2 BRESSER-PEREIR, Luis Carlos. Método e Paixão em Celso Furtado. In: BRESSER-PEREIR, Luis
Carlos e REGO (Orgs.). A Grande Esperança em Celso Furtado: ensaios em homenagem aos seus 80 anos.
São Paulo: Editora 34, 2001, p. 19.
3 BIDERMAN, Ciro, COZAC, Luis Felipe L. e REGO, José Marcio. Conversas com Economistas
Brasileiros. 2a ed. São Paulo, Editora 34, 1996. Entrevistas com Celso Furtado e Luiz Carlos Bresser-Pereira.
p. 75.
4 BRESSER-PEREIR, Luis Carlos. Método e Paixão em Celso Furtado. In: BRESSER-PEREIR, Luis
Carlos e REGO (Orgs.). A Grande Esperança em Celso Furtado: ensaios em homenagem aos seus 80 anos.
São Paulo: Editora 34, 2001, p.21.
5 Idem. p. 30.
6 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 27 ed., 1998,
p. 156.
7 BIDERMAN, Ciro, COZAC, Luis Felipe L. e REGO, José Marcio. Conversas com Economistas Brasileiros.
2a ed. São Paulo, Editora 34, 1996. Entrevistas com Celso Furtado e Luiz Carlos Bresser-Pereira. p. 75.
8
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico Brasileiro: O Ciclo ideológico do
Desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto. 4 ed., 2000. p. 141.
9 BRESSER-PEREIR, Luis Carlos. Método e Paixão em Celso Furtado. In: BRESSER-PEREIR, Luis
Carlos e REGO (Orgs.). A Grande Esperança em Celso Furtado: ensaios em homenagem aos seus 80 anos.
São Paulo: Editora 34, 2001, p. 23
10 CEPÊDA,Vera. O lugar da teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado no pensamento político dos
anos 50. In: BOTELHO, André e BASTOS, Elide Rugai e BÔAS, Glaucia Villas (Orgs.). O Moderno em
Questão: A década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006, p. 373.
11 CEPÊDA,Vera. O lugar da teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado no pensamento político dos
anos 50. In: BOTELHO, André e BASTOS, Elide Rugai e BÔAS, Glaucia Villas (Orgs.). O Moderno em
Questão: A década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006, p. 374-376.
12 BAUMANN, Renato e BIESCHOWSKY, Ricardo, In: CORREIO BRASILIENSE,
Entrevista publicada no Caderno Pensar: Brasília, sábado, 17 de fevereiro de 2007.
13 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998. p. 1
14 Idem. p. 08
15 Caio Prado Junior. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1971. p. 31.
16 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998. p. 64.
17 Idem. p. 84-85.
18 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998. p. 192193.
19 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998. p. 198.
20 CEPÊDA,Vera. O lugar da teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado no pensamento político dos
anos 50. In: BOTELHO, André e BASTOS, Elide Rugai e BÔAS, Glaucia Villas (Orgs.). O Moderno em
Questão: A década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006. p. 382-384.
15
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