Faz-te ao largo! 1º Momento - Sair do porto Pensarmos num porto, é uma realidade tão próxima de nós, que não temos dificuldade em entender o porquê da sua existência. Será um lugar onde os navios podem ancorar; onde se pode embarcar ou desembarcar; assim como ser um lugar de refúgio, de abrigo ou de descanso. Quando olhamos para o porto, encontramos barcos seguros e tranquilos; longe dos perigos e dos enigmas do alto mar. É o nosso primeiro chamamento, uma vida que se sente segura nos braços dos pais, avós, familiares. Tal como o porto seguro. O que nos acolhe, nos agarra e nos faz sentir seguros, isto é, livre de perigos e riscos, onde reina a confiança, tranquilidade, e amparo. Como vimos no filme, é esta nossa barca, onde nascemos. Pergunto-vos e pergunto-me, podemos ficar por aqui? O nosso barco deve permanecer no porto seguro? Ou não estaremos nós chamados a desembarcar, isto é, a "tirar a corrente"? Acreditamos que as nossas barcas foram feitas para enfrentar os mares, caso contrário, de que seriam úteis? Olhando para cada um de nós, para a nossa vida, vemos que nós próprios somos um projecto de vida, e só assim tem sentido enfrentar os desafios. Ao nosso redor vemos alguns barcos que não partem, e passam toda a sua vida nesse porto seguro, incapazes de rasgar horizontes e de se abrir ao mistério. Porquê não abrir-se e não dar o salto? Será por medos, receios, deficiências, afectividades, incertezas, dúvidas? Será por falta de coragem? Quantas vezes deixam para trás estas correntes? Os nossos portos seguros? Quereremos dizer como 1900 - «Eu volto sempre atrás»? Ficar preso a um barco inutilizado, é deixar-se corroer pela ferrugem, é ver o 1 fim de tudo. Acabamos sem coragem para viver, refugiados numa solidão imensa. Onde há espaço para o outro? Leva-me a pensar que faz eco ainda em nós aquela frase: «não foi o que viu, foi o que não viu [...]» que impediu o 1900 de dar o salto tremendo. É o desafio do alto mar. Quem não gosta de sentir o som das ondas, o barulho das gaivotas, não é longínquo... está mesmo aqui. Mas queremos permanecer aqui? Bem acomodados nesta casa, ou queremos viver o que sentimos. Navegar é uma aventura apaixonante mas tem o seu esforço, e que empenho pomos nós na nossa vida? Sonhar até pode ser muito bom e agradável, mas não basta. A nossa vida está a concretizar-se, queremos crescer ou permanecer crianças? O projecto de cada um de nós significa sair dos sonhos... enveredar numa rota e percorrer uma meta a alcançar. É olhar para o mapa, para o nosso mapa. E que rota tem sido a nossa vida, a nossa missão? Estamos presentes em tantos actos, tantas dinâmicas, tantos projectos... remetendo para o outro. Isso é bom, mas e eu, nós. Que ajudamos o outro a percorrer um caminho rebelde, como faço quando enfrento as minhas próprias ondas? Onde o mar está rebelde? Onde o oceano assusta? Queremos nós enfrentar este mar? Se não queremos, também não queremos viver. Só enfrentando este apelo e chamamento à missão, podemos aprender a navegar, assim como aprender a viver. Aprender a lutar, é aprender a sair do porto seguro. 2º Momento - Saber Viver Quando contemplamos um navio, vemos um conjunto de peças, muitas peças... e cada uma tem a sua função. Todas elas são importantes, e todas têm um nome. E quando me contemplo, o que vejo? Conheço a minha vida em pormenor? O que navega, não se aventura sem ter algum conhecimento ou sem antes perguntar a quem é experiente. Os pescadores sabem o desafio que correm sempre 2 que saem do porto seguro, pois o mar não perdoa distracções. Falar de sorte e de acaso, na vida não tem sentido. Antes da aventura, da viagem precisamos de nos preparar estruturalmente, para conseguir enfrentar os ventos e as tempestades. A nós, como está a nossa estrutura? Os barrotes? O motor? Precisamos que a nossa vida tenha uma estrutura sólida e integral para conseguir responder aos desafios e resistir a muitos obstáculos, principalmente hoje, nestes dias e séculos. Por onde oriento a minha vida, a minha viagem? Quem é o que me guia? Qual bússola, GPS, mapa? Não basta ter uma ferramenta, é preciso entende-la. Assim, conseguirei fazer-me ao largo e cumprir a meta. Quantas vezes deixam a bússola? Esquecemos o que nos orienta? 3º Momento - A grande viagem A determinado momento do filme, 1900 afirma: «perdemos muito tempo a perguntar o porquê?». Que acham? Urge fazer-se ao largo, e não é mais que a urgência de partir, é o desafio lançado. Partindo, não se pode voltar atrás. É a coragem para sair do barco, do "meu barco", do "meu ventre". É o próprio risco de viver. E quem corre este risco pode falhar, mas não escapar. Quando os aviões pairam sobre nós, deixam rasto, e que perdura durante algum tempo. Não deixa de marcar. Também no mar, vemos o barco a traçar os seus riscos, a rasgar as águas, a escrever a sua própria história. Se ontem fazendo o nosso check-in, vimos o tempo passar tão depressa e poucas páginas para o descrever significam que todos nós escrevemos uma história, uma história de vida. Para o 1900, a sua história prendia-se à música, e por isso dizia convicto: «A minha música vai comigo/ não vai a lado nenhum sem mim». É uma história única e irredutível. É uma história indivisa e irrepetível. Não falta nela o vento, o que vento que sopra onde quer e empurra a grande 3 vela é ela a bandeira da esperança. No contexto bíblico, o vento é sinal do Espírito Santo, força de Deus, que nos leva a arriscar, a ir mais além. Resulta a importância do Timoneiro, o chefe que guia a embarcação. Ele deve estar atento, de olhos bem abertos, atento à bússola, aos pontos de referência. Também nós precisamos na nossa vida de um timoneiro. O navegante fala pela rádio, e é esse rádio que assegura a ligação com a terra: é a voz do mar; as vozes que chegam ao coração confortam, encorajam. Na vida comunicamos com Deus. E essa comunicação é pela oração. Como andará a nossa comunicação? A nossa oração? Não andaremos a falar de Deus, sem falar com Deus? É que um pequeno erro no trajecto, na rota pode ser fatal, ser uma tragédia. Por isso estamos aqui todos nesta partilha para fazer o ponto de situação. Olhamos para a sociedade e «não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecidas, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal e doentia. [..] Isto é tudo uma questão de obesidade mental.» Não é demais fazer este ponto de situação que nos ajuda se for preciso, a corrigir a rota, e não é caminho fácil mas doloroso. As grandes decisões a tomar são um grande grito. Precisamos de conversão, de fazer inversão de marcha. Onde o mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos, mas precisa sobretudo de dieta mental. É intenso. É um grande grito! À vida imensa! 4º Momento: Reagir aos insucessos Nem sempre se pode fugir aos naufrágios, aos fracassos. Quem de nós ainda não teve momentos de incompreensão, engano, ódio, egoísmo, inveja, desânimo, frustração, desespero [...]. Isto tudo ajuda a compreender as decisões de fundo de vida. Temos em nós, um navegante com feridas, e por isso é preciso curar estas e partir de novo. Quanto do nosso viver é uma revolta permanente contra a resignação? 4 Parece que tudo que fazemos, é utopia, e perante o mundo de hoje, como nos diz um economista João Neves, não podemos deixar de meditar nestas palavras: «A cada passo ouvimos recomendações sobre saúde, alimentação e ambiente, multiplicam-se os produtos dietéticos, actividades saudáveis, locais sem fumo. Ao mesmo tempo todos passam horas a absorver lixo mental na televisão, computador, livros e revistas. Filmes boçais, sites infames, programas idiotas, revistas escabrosas, videojogos obscenos, séries imbecis constituem a dieta intelectual dos cidadãos, tão conscientes da sua saúde física.» E nós? Passamos horas a absorver o quê? É evidente que muito do que fazemos e vivemos está rodeado do que se pode afirmar uma descida ao abismo espiritual. 5º Momento: Fazer e ser comunidade Quem anda em alto mar, não se pode refugiar no individual, no egocentrismo. O alto mar exige trabalho em grupo. Pertinentes são as palavras de um antropólogo catedrático chamado Andrew Oitke, e que nos alerta para as dificuldades de fazer e ser comunidade, expressando assim: «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. os cozinheiros desta magna fast food intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores de informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. os telejornais e telenovelas são os hamburguers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.» Não será que nos deixamos inundar por isto? Se já antes dizia que todas as peças do barco têm uma função, todavia devem ser sentidas no seu todo. Mas para funcionarem plenamente é necessário não deixar entrar no nosso coração muito do 5 que é a sociedade de hoje. O mesmo acontece com cada um de nós que vai nesse barco, tornamo-nos um só corpo. Aqui, formamos um todo. É próprio da nossa vivência, pois viver une as pessoas, e faz de todos uma família. Vale citar a última encíclica do Papa Bento XVI e perceber o nosso centro: só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento. É a consciência do Amor indestrutível de Deus que nos sustenta no fadigoso e exaltante compromisso a favor da justiça, do desenvolvimento dos povos, por entre êxitos e fracassos, na busca incessante de ordenamentos rectos para as realidades humanas. Espero que já nos sintamos assim. Caminhando juntos, onde o fazer e viver em comunidade exige união, fraternidade e cooperação. Uma só frase chega: «Viver é amar». 6º Momento: O já e o ainda-não, rumos de eternidade com Deus Já paira sobre nós o pôr-do-sol [se houver sol], reflexos do último dia, que na verdade é o primeiro. Na realidade, começamos sempre num dinamismo de «pessoas novas». É a festa que acontece porque se alcança a meta. Navegar, como viver, é uma caminhada ao largo. É fazermo-nos ao largo. Onde Deus espera pelos homens. É não ter medo. Pois o Amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de todos [Bento XVI, DCI 78]. Aliás, escutar a mensagem do Evangelho é pensar numa exigência em duplo sentido: por um, fazermo-nos ao alto mar é não ficar pela superficialidade, materialidade, é pois fazer a diferença; e por outro, cada um de nós chamados a perceber este sentido do chamamento como discípulos, uma pesca milagrosa: a pesca da Verdade e a Confiança. A procura de um desenvolvimento autêntico. Todos nós somos sujeitos da nossa própria existência, e ao mesmo tempo somos de Deus: «quer o mundo, quer a vida, quer o presente, quer 6 o futuro, tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1Cor 3, 22-23) 7º Momento: Missão Por isso, podemos compreender o sentido de fazer-se ao largo como o abandonar a solidão. Ou se preferirmos, como dizia 1900: «cada um com a sua música». Mas quando sentimos a sua música, sentimos uma história de vida, é o contar de uma história concreta de vida. Mas esta história não se constrói sozinha, por mais que queiramos é impossível. E se para Deus nada é impossível, para os cristãos como nós só temos razão de fazer-nos ao largo com Jesus. Se antes do relato do chamamento dos discípulos, Ele estava sozinho, pois a sua Palavra e milagres se referiam apenas a ele próprio. A partir deste momento encontra-se acompanhado pelos discípulos. Quando lemos a passagem bíblica não conseguimos perceber o porquê daqueles discípulos: Simão, Tiago e João... mas hoje mudem os nomes: Pedro, Ondina, Sérgio, Anita, Jorge, Patrícia, João, João Santos, Eliane, Graciete, Paulo, Cláudia... Hoje somos nós que acompanhamos Jesus. E por isso fica a pergunta: mas qual é a função dos discípulos? Melhor, qual é a sua missão? Podemos distinguir em duas: Seguirem Jesus e serem Pescadores de Homens. Não passa a minha vida por identificar-me com estes princípios? Está aqui centrada em Lc 5,1-11, toda a actividade de Pedro e da Igreja. E nós hoje, como somos esse testemunho, onde Deus actua por meio de nós, somos aqueles que escutam e cumprem a sua Palavra? Não podemos ficar presos aos possíveis perigos da água, do mundo... mas fortalecidos por Cristo. A nossa pesca e o nosso testemunho são vida. Vida imensa. Por isso a ordem de Cristo é particularmente actual para o nosso tempo, no qual se difunde uma certa mentalidade que favorece a falta de compromisso pessoal face às dificuldades. É preciso abrir o coração para que a sua graça possa agir entre nós, e por isso, dê frutos na nossa vida, testemunho. 7 Abrir o coração a Cristo é compreender não só o mistério da própria existência, mas também da nossa própria vocação. Assim, hoje somos chamados a fazer-nos ao largo para ? 1) Ser mensageiros e enviados de Jesus; 2) Avivar a nossa consciência de missão; 3) Perante a aparente inutilidade da missão, a missão é grande e ela permanece. Não é tanto uma realização baseada em previsões, mas na força e presença do Espírito. 4) Promover um desenvolvimento autêntico; 5) Estar abertos à oração, ao dom de Deus em nós: «Senhor, ensina-nos a orar» Lc 11,1. 6) Confiar na Palavra de Cristo. 7) Ser santos. Mais importante: tornar visível o rosto de Cristo. Para reflexão: As Bem-aventuranças | Mt 5, 1-12 ou Lc 6, 20-26 8