A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais Eric A. Havelock, A Revolução da Escrita na Grécia e suas conseqüências culturais, UNESP, SP & Paz e Terra, RJ, 1996 pp. 84-86. Embora a transcrição fluente de testemunhos orais tenha sido o primeiro uso que se deu ao alfabeto, o propósito secundário que ele veio a cumprir foi historicamente o mais importante. O que o alfabeto efetivamente possibilitou foi prosa registrada e preservada em quantidade, causando uma revolução psicológica e epistemológica. Em qualquer cultura, é o pronunciamento importante e influente que se preserva. Na Grécia sem escrita, as condições de preservação eram mnemônicas, envolvendo o uso de ritmo verbal e musical. O alfabeto aboliu a necessidade de memorização, e portanto a de ritmo. Até então, o ritmo tinha imposto severas limitações ao arranjo verbal do que podia ser dito ou pensado. Mas o alfabeto permitiu que o pronunciamento fosse gravado num artefato, para ser lido quando fosse preciso. As energias mentais liberadas assim por essa economia de memória contribuíram para uma enorme expansão do conhecimento disponível ao cérebro humano. O avanço do conhecimento, humanístico ou cientifico, depende da capacidade humana de pensar sobre uma coisa inesperada: uma “idéia nova”. Um tal pensamento novo só alcança plena existência quando encarna em um enunciado novo, e um enunciado novo só realiza toda a sua potencialidade quando pode ser preservado. O alfabeto, encorajando a produção de enunciados insólitos, estimulou os pensamentos novos, que podiam ficar disponíveis em forma escrita, ser lidos e relidos, e assim irradiar sua influência entre leitores. Não é por acaso que culturas pré-alfabéticas sejam também pré-científicas, pré-filosóficas e pré-letradas. O poder do pronunciamento novo não se restringe ao científico. Cobre o espectro da experiência humana. Tornaram-se inventáveis novas maneiras de falar sobre a vida humana e portanto de pensar sobre ela, formas que só se fizeram lentamente possíveis quando vieram a ser escritas.