A importância histórico-social das Redes Por Laura Olivieri Redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de causas afins. Estruturas flexíveis e estabelecidas horizontalmente, as dinâmicas de trabalho das redes supõem atuações colaborativas e se sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso organizacional para a estruturação social. A palavra rede é bem antiga e vem do latim retis, significando o entrelaçamento de fios com aberturas regulares que formam uma espécie de tecido. A partir da noção de entrelaçamento, malha e estrutura reticulada, a palavra rede foi ganhando novos significados ao longo dos tempos, passando a ser empregada em diferentes situações. O conceito de rede transformou-se, nas últimas duas décadas, em uma alternativa prática de organização, possibilitando processos capazes de responder às demandas de flexibilidade, conectividade e descentralização das esferas contemporâneas de atuação e articulação social. Paralelamente aos processos de globalização neo-liberal e, até mesmo, intrinsecamente aos movimentos dialéticos do próprio capitalismo, afirmavam-se, mundo afora, com a mesma intensidade da lógica dominante mas apenas sem o mesmo poder de mídia à época - fato que hoje está em modificação – movimentos locais, comunitários e de minorias como uma resposta muito clara de que a diversidade e as significações específicas existiam e reivindicavam um lugar no mundo, um topos. Essa consciência tópica manifesta-se em sentimentos de pertencimento comunitários e nacionalistas territorialidade e nação (com todas as dimensões orgânicas que o conceito de nação implica: história, cultura e limites geográficos) - mas também se identifica por identidades de grupos unidos por causas. Assim difusas territorialmente e identificadas por visões de mundo e valores alternativos, as pessoas se articulam socialmente e, para a conectividade e militância de seus movimentos, a internet se apresenta historicamente como um espaço privilegiado para a interação em rede. A internet pode ser considerada um importante meio de socialização e solidariedade horizontal se utilizada para a troca de informações e a articulação de movimentos resistentes e proponentes de ideologias, culturas e idéias alternativas para o mundo. As proposições de se criar ou desenvolver comunidades de significação – virtual ou presencialmente estabelecidas - são respostas aos limites organizacionais de uma realidade complexificada com a globalização, seus efeitos e sua dialética. Em épocas de desterritorializações, universalizações e neoliberalismos, uma espécie de contra cultura interna ao próprio sistema global, se afirma em torno de noções e valores históricos: comunidade, nação, diversidade, alteridade, humanismo, redes de colaboração, solidariedade, democracia, direitos econômicos, sociais e culturais (DESCs), etc. Filosoficamente essas características estão envoltas no princípio de imanência: os próprios sujeitos históricos organizam o porvir, a partir do exercício ativo de suas cidadanias. O advento de um ciberespaço aponta para essa realidade em construção. Por se encontrar constantemente em definição, o ciberespaço é propício ao desenvolvimento criativo de possibilidades. Segundo Pierre Lévy (1994), o ciberespaço é um fenômeno decorrente de demandas sociais historicamente datadas na crise de paradigmas da virada do século XX para o XXI. Nesse período de virada de século e de milênio, a sociedade civil potencializa sua organização em iniciativas, cujos atores envolvidos percebem a colaboração participativa como um meio eficaz de realizar transformações sociais. As instituições do terceiro setor têm procurado desenvolver ações conjuntas, operando nos níveis local, regional, nacional e internacional, contribuindo para uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, e a partir de diversas causas, a sociedade civil se organiza em redes para a troca de informações, articulação institucional e política e para a implementação de projetos comuns. As experiências têm demonstrado as vantagens e os resultados de ações articuladas e projetos desenvolvidos em parcerias e alianças. Segunda versão do texto escrito para a publicação impressa Manual de Redes Sociais e Internet do Centro de Direitos Humanos (www.cdh.org.br) Laura Olivieri coordena a área de Redes da RITS (Rede de Informações para o Terceiro Setor) – www.rits.org.br A legitimidade histórica dessa forma de atuação indica a afirmação de sujeitos conscientes de suas identidades e seus valores, em pró-atividade pelas causas sociais, transformando uma cultura globalizada ao léu pela “mão invisível” do mercado em uma cultura de cidadãos ativos, capazes de se responsabilizar pela construção coletiva de uma sociedade desejada e possível. Cidadania ativa, desenvolvimento de comunidades, estabelecimento de interconexões e redes colaborativas são fenômenos dinâmicos de uma sociedade em busca de novas formas de organização e expressão. Dessa forma, as redes apresentam uma solução viável e desejável aos cidadãos ativos e conscientes das necessidades de transformações do mundo. As redes possibilitam a articulação dos movimentos culturais e informacionais capazes de propor alternativas para a humanidade, fundamentadas em valores democráticos, como bem o demonstra o Fórum Social Mundial em suas três históricas edições. Iniciativas como o FSM potencializam concretamente cidadãos e organizações para a construção coletiva de um mundo melhor, evidenciando que a utopia a que os desejos transformadores eram historicamente relegados cedeu lugar ao topos social da democracia, atualizada a partir das (inter)ações em rede. Na terceira edição do FSM, que acontece agora em 2003 (de 23 a 28 de janeiro), em Porto Alegre, uma importante proposta vai se concretizar: a formação da Rede Social Mundial (RSM) que procurará interconectar as redes presentes no FSM. Assim, definindo-se como uma rede de redes alternativas à lógica neo-liberal, a RSM promete! 1 O crescimento dessa perspectiva da cidadania ativa e compartilhada também levou os brasileiros a elegerem um presidente que procurará desenvolver ainda mais essa potencialidade organizativa e propositiva dos movimentos sociais e governará em consonância com os interesses nacionais, representados em um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que, em torno de um novo contrato social, procurará articular uma rede de ações colaborativas em prol do desenvolvimento da Nação brasileira. Na prática, redes são comunidades de sentido, virtual ou presencialmente constituídas. E podem ter contornos nacionais, se compreendemos a Nação como uma grande comunidade. Uma comunidade é uma estrutura social estabelecida de forma orgânica, constituída a partir de dinâmicas coletivas e historicamente únicas. Sua própria experiência e cultura definem a identidade comunitária. A convivência entre os seus integrantes será definida a partir de pactos sociais ou padrões de relacionamento. Esse reconhecimento deve ser coletivo e será fundamental para os sentidos de pertencimento dos cidadãos e de desenvolvimento comunitário. O que se busca é o aprofundamento da democracia, em suas possibilidades e demandas de participação e colaboração das aspirações sociais e das organizações contemporâneas. Os cidadãos ativamente globalizados reivindicam formas mais diretas e ágeis de comunicação e interação. E isso é um posicionamento político. Referências bibliográficas: Comitê Gaúcho do Fórum Social Mundial (ABONG-RS, ATTAC-RS, CIVES-RS, CUT-RS, COMITÊ AFRO-RS, MST-RS). Proposta da Rede Social Mundial. Porto Alegre: texto original repassado à Rits pela facilitação nacional da RSM, 2003. Lévy, Pierre. A inteligência Coletiva. Por uma antropologia do Ciberespaço. São Paulo: 34 Letras, 1994. 1 A RSM é facilitada pelo comitê Gaúcho do FSM: ABONG-RS, ATTAC-RS, CIVES-RS, CUT-RS, COMITÊ AFRO-RS, MST-RS e terá suas proposições discutidas e legitimadas pelo público em seminário a ser realizado dias 24 e 25 de janeiro, durante o FSM, em Porto Alegre.