INTRODUÇÃO À DESPATRIMONIALIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES André Couto e Gama Acadêmico do Curso de Direito da PUCMG – Coração eucarístico Monitor de Direito Civil Orientador: Prof. Dr. César Fiuza A monografia aqui apresentada pretende delinear as questões básicas do desenvolvimento histórico, econômico e social as quais consubstanciam o atual Direito das Obrigações. O levantamento histórico se fez necessário uma vez que a linha metodológica adotada recai sobre elementos que, há muito tempo, foram abordados por juristas e filósofos. A questão econômica identifica a pesquisa voltada para a compreensão dos diversos paradigmas os quais recaem sobre a construção do Direito, sua adaptação e sua reconstrução. Neste sentido, necessário se torna a proposta de uma teoria que tenha por fim a pretensão de apresentar um fundamento jurídico-epistemológico para o debate crítico da relação creditícia. A idéia de um estabelecimento crítico-teórico se faz necessária visto que, no início desse séc. XXI, ainda predominam idéias de autores que percebem os fundamentos do Direito sob postura ideológica em detrimento das posições científicas. Desta feita, defendem o direcionamento do Direito através de ideais cujas raízes não podem ser alvo de críticas. Assim, o presente trabalho intelectual visa sintetizar uma linha de pesquisa baseada na doutrina civilística romano-germânica, através do devido respaldo no pensamento marxista e frankfurniano e, mais tarde, debatê-la com a hermenêutica constitucional. 6 O percurso histórico do Direito das Obrigações aqui evidenciado objetiva a fundamentação de suas raízes, o direcionamento atual do Direito como um todo e o “desenvolvimento” sócio-econômico da humanidade. Entretanto, esses objetivos não passam de pilares para a sustentação da finalidade desse estudo, qual seja, a apresentação da teoria da Despatrimonialização do Direito das Obrigações. Para tanto, a monografia foi dividida em seis capítulos, segundo a linha cronológica dos principais eventos da história, culminando na mudança de paradigma observada no séc. XX e no início do séc. XXI (assunto pertinente ao último capítulo). 7 CAPÍTULO 1 - RELAÇÕES JURÍDICAS ROMANAS Um esboço histórico Este capítulo tem por objetivo apontar as bases do surgimento do Direito Contratual entre os romanos através de uma reconstrução histórica. Neste contexto, procura-se a melhor compreensão das mudanças que resultaram na alteração dos paradigmas do Direito moderno. A história interna de Roma, na ótica do Direito Privado (instituições de direito romano), representa o verdadeiro enfoque desta primeira parte do estudo. Contudo, esta não será limite absoluto, visto que a história externa baseia-se nas diferentes formas de governo presenciadas entre os romanos1. Neste sentido, iniciam-se as questões de forma ampla, evidenciando o período real, a sua substituição pela república e demais sistemas, e gradualmente, o estudo passa completamente para o plano interno. Todavia, certa explicação torna-se necessária quanto à primeira fase da história romana. A Realeza, a qual vingou das origens da cidade até o ano de 510 a.C., apresenta-se repleta de controvérsias. Pouco é certo. As perspectivas variam, tornando necessário ir mais adiante na sua história para comprovar a existência de uma sociedade primitiva voltada para a figura de um rei. A República Romana, a seu turno, era controlada por uma magistratura, encabeçada por dois cônsules. No início, e dentre outras competências, os cônsules exerciam funções religiosas que, mais tarde, passaram para o Rex Sacrorum. Neste ponto, constata-se uma provável herança real. A existência da Realeza torna-se mais evidente com a figura do interrex na República. Ademais, consta desta época um 1 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 01. 8 calendário que, consoante Moreira Alves, registra dias entendidos como lícitos à convocação de comícios pelo rei (quando rex comitiauui fas)2. Assim, a fase real passa a ser considerada e a ela atribuem-se peculiaridades comuns a todos os povos primitivos que aspiram reger-se, isto é, que anseiam por uma vida em sociedade devidamente regularizada. Miguel Reale, segundo sua ótica, elucida a questão: “O homem não apenas existe, mas coexiste, ou seja, vive necessariamente em companhia de outros homens. Em virtude do fato fundamental da coexistência, estabelecem os indivíduos entre si relações de coordenação, de subordinação, de integração, ou de outra natureza, relações essas que não ocorrem sem o concomitante aparecimento de regras de organização e conduta”3. O autor aponta certa motivação e necessidade próprias do homem na coexistência humana. Entretanto, o pensamento de que o nascedouro de uma estrutura complexa como a sociedade pode ser indicado pela natureza é cercado de críticas. Portanto, os questionamentos acerca do surgimento das sociedades não constará dos objetivos deste capítulo, muito embora saiba-se das conquistas do pensamento marxista nas hipóteses do surgimento das sociedades. Assim, tratam-se das peculiaridades mencionadas das sociedades pré-estabelecidas. Fala-se da fonte costumeira do Direito. Neste sentido, a sociedade romana já se apresentava de forma complexa, embora em sua estrutura jurídica não 2 3 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 08. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p. 23. 9 se constatava órgãos legiferantes, e sim uma receptividade das práticas pela geração nova transmitidas por seus antepassados4. Do início da história interna de Roma, cronologicamente situado na Realeza, datou as leis rígidas, ilustradas pelo ius civile papirianum. Foram compiladas por Sexto Papírio, mas atribuídas em quase sua totalidade a Rômulo, Numa Pompílio e Tulo Hostílio. Estas leis nada mais eram que regras costumeiras de caráter religioso. 1.1 - O DIREITO COMO FENÔMENO DE ORDEM SAGRADA O Direito, como fenômeno de ordem sagrada, foi, sem dúvida, o principal pilar da configuração da cultura romana5. Sofrendo a devida transformação ao longo dos séculos, de geração em geração, expandiu-se, lançando raízes em todo o mundo. O costume, juntamente com a Lei, foi fonte do Direito a partir da República. Ulpiano caracterizava costume como sendo “o consentimento tácito de um povo, envelhecido por longo hábito”. Diferentemente do costume, baseado numa observância constante da norma (usus) e na compreensão de que, quando eleitas, funcionam como Lei (opinio necessitatis), a Lei não resulta do acordo geral, e sim da sua imposição pelo rei. A lex é apresentada aos comícios populares os quais, ou a aceitavam ou a rejeitavam, mas nunca iniciavam o processo. A iniciativa era sempre real. Aceitada a Lex, tornava-se obrigatória logo que ratificada pelo Senado. A jurisprudência estabelecida entre 753 a.C. e 510 a.C. era caracterizada por um formalismo rigoroso, que acarretou em sua monopolização por parte dos pontífices6. Estes eram os únicos que, por muito tempo, possuíam o conhecimento da forma adequada de celebrar contratos ou intentar ações judiciais. Neste ponto, pode-se visualizar o Direito como instrumento de dominação e exploração de 4 5 6 JÚNIOR, j. Cretella. Curso de Direito Romano. p. 36. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 56. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 124. 10 classe7. A exacerbação formal da época real era tamanha, que aceitava-se apenas termos pré-estipulados, não se fazendo concessões, nem mesmo a sinônimos ou derivados8. Este extremismo é ilustrado nas Instituições de Gaio, que apontam para a perda de demanda para aquele que, ao pleitear perdas e danos contra quem lhe cortara videiras, não usou o termo arbores, e sim o termo específico da ação, vites (videiras) 9 . Nestes termos, a possibilidade de formular pedidos que obedeciam paulatinamente às exigências de forma ficava reduzida a uma minoria monopolista do aparato legal. Outra característica deste Direito é o materialismo. Este põe de lado a vontade de quem pratica o ato para ressaltar, novamente, a observância da forma. Traz, então, a possibilidade legal da existência de uma obrigação contraída por coação ou dolo, visto não se tratar a questão do direito material de suma pertinência nestes tempos. 1.2 – A LEI DAS XII TÁBUAS COMO NORMA ESCRITA O valor histórico e social da Lei das XII Tábuas pode ser comparado com a importância da Magna Carta e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Foi a partir dela que o Direito não mais se limitou ao privilégio dos nobres e patrícios, estendendo-se aos plebeus10. Foi mais relevante, entretanto, pelo fato de ser norma escrita. As XII Tábuas regulavam os chamamentos a juízo, julgamentos e furtos, direitos de crédito, pátrio poder e casamento, heranças e tutelas, propriedade e 7 8 9 10 Este conceito representa uma retomada ao projeto original da teoria de Marx e Engels no que concerne ao Estado. Para mais informações sobre o pensamento marxista, ver ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. O Processo Político no Brasil / Estados e Classes Sociais. 1999. P. 26. O formalismo nesse período leva à compreensão de que a Lei não se valorizava pelo conteúdo ou princípio de ordem moral que carregava, mas sim pela redação que unia as palavras que lhe davam forma. Assim, o Direito era levado ad litteram et verbum (ao pé das letras e das palavras). Gai Institutionum Commentarii Quattuor- Livro de inestimável valor para o estudo do Direito Romano clássico, sobretudo ao que concerne às ações da Lei (legis actiones). Quanto ao exemplo, vide Institutas de Gaio (IV, 11). MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 38, 68, 193. JÚNIOR, j. Cretella. Curso de Direito Romano. p. 42. Ademais, MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 14. 11 posse, delitos, direitos prediais, Direito Público, e Direito Sacro. Nota-se, aqui, uma expansão sem precedentes, à época, das relações jurídicas. Agora, era senso comum e não privilégio de poucos, embora o diploma civil e criminal tenha conseguido relutante aprovação dos comícios. Esta codificação romana é prova irrefutável da capacidade da plebe, como povo, de manifestar-se politicamente. Percebe-se, através do exposto, a semelhança entre plebe e o proletariado do séc. XIX, descrito por Marx, como uma nova força política engajada em uma luta pela emancipação11. Outra referência do Direito nesta época (Realeza e república) é o Ius Civile. Trata-se do resultado da interpretação dos jurisconsultos romanos, partindo de preceitos das normas costumeiras e da Lei das XII Tábuas. Esta jurisprudência caracterizava-se por técnicas jurídicas de interpretação puramente literal, de adaptação a mudanças e exigências da sociedade. Assim, encontramos no Direito pré-clássico romano o surgimento do negócio jurídico decorrente de adaptação social12 (as necessidades emanadas pela sociedade recebiam atenção no sentido de serem elas regularizadas e defendidas por Lei). Ilustra-se pela adoção primitiva, em que, por via da in iure cessio, poder-se-ia reivindicar a propriedade, havendo silêncio do alienante. A in iure cessio decorre da rei vindicatio, regra que permitia que o proprietário reavisse a posse da coisa que lhe fora arrebatada 13 . Neste sentido, denota-se a adaptação através da ramificação da rei vindicatio em in iure cessio. Na prática, a jurisprudência romana limitava-se a regular matérias de grande importância, tornando necessária, assim, a utilização de instrumentos jurídicos que a completassem14. Era exercida por jurados, em sua maioria constituída por leigos, os 11 12 13 14 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. O Processo Político no Brasil / Estados e Classes Sociais. 1999. p 27. Neste momento, a redação das Leis trazia diretamente a proteção aos cidadãos romanos. Entretanto, tendo o Direito Romano origem divina, as leis tinham caráter imutável. O surgimento de novas não revogavam as antigas por motivo religioso, por mais antagônicas que fossem. As grandes adaptações sociais ocorreram com a desvinculação da religião e direito (Direito Clássico Romano). Consistia em um modo primitivo de aquisição de propriedade que ocorria por meio reivindicatório diante do magistrado. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 69. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 57. 12 quais utilizavam um Direito cuja forma ainda não se apresentava como proposições jurídicas materiais. Conseqüentemente, não foi possível a formulação de um sistema de teorias capaz de preencher os espaços deixados por uma jurisprudência desenvolvida para corresponder a um enfoque regulativo geral. 1.3 - OS PRIMÓRDIOS DA TEORIA JURÍDICA EM ROMA No Alto Império (27 a.C. - 284 d.C.), com o desenvolvimento do Concilio Imperial e seus jurisconsultos, viu-se possível a formação de uma teoria jurídica, ainda desconhecida para a época15. Integrantes, então, da mais alta instância judicante do Império, os jurisconsultos, através dos responsa, iniciaram uma teoria jurídica entre os romanos. Embora, no começo, não houvesse grandes argumentos, baseando qualquer desenvolvimento em premissas e conclusões, além de respaldar quaisquer decisões no fato de serem afirmadas por personalidades reconhecidas pela sociedade, os responsa acabaram por aparecer em forma escrita, com principia e regulae desenvolvidos. Assim, ficou cada vez mais comum o aparecimento de recursos e instrumentos técnicos que desenvolviam o Direito em sua retórica, gramática, filosofia, entre outros. Os jurisconsultos romanos não utilizavam abstrações em suas teorias. Apesar disso, conquistaram muitos progressos no campo do Direito. Passaram a distinguir as personae (pessoas), as res (coisas) e as actiones (ações), mas não o direito objetivo do subjetivo. O motivo é justamente o desuso da abstração. Na concepção da época, as instituições jurídicas objetivas englobavam o direito subjetivo (as atribuições jurídicas das pessoas pertenciam às res). 15 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 57. 13 A doutrina clássica oferta de forma mais relevante duas concepções quanto aos direitos reais, quais sejam, as realistas e as personalistas. Sobressaiu-se, entretanto, apenas a segunda, com duas vertentes principais. A teoria de Ihering, contemplada pelo ordenamento jurídico brasileiro, satisfaz aos anseios práticos, embora a justificativa desses direitos seja melhor compreendida através de Savigny16. Segundo a teoria subjetivista, os direitos reais representam-se por uma relação entre o titular e os não-titulares de um direito sobre certa coisa 17 . Caracteriza-se por um dever de abstenção (negativo) da coletividade para com o sujeito. Assim, o titular exerce sobre a coisa um poder direto, restando a todas as demais pessoas a obrigação de não obstacularisar o exercício desse direito entendido por iura in re. Por outro lado, os direitos obrigacionais ou creditícios (também conhecidos por direitos pessoais) têm na figura do titular aquele que atua sobre uma pessoa, que é o devedor, o qual lhe deve prestar uma obrigação economicamente apreciável. Entretanto, a concepção dos juristas romanos com relação aos direitos reais e direitos pessoais se dava apenas no campo processual18. A actio in rem (ação real) é erga omnes. Neste caso, o réu somente é conhecido quando ocorre a violação do direito subjetivo, pois todos são incumbidos do dever de abstenção. A actio in personam apresenta como réu a pessoa a qual se colocou entre o autor e a coisa, onde a ação se apresenta voltada para determinada pessoa. Assim, as partes, perante o pretor, expunham o problema para que delimitasse ele o objeto, os sujeitos e os fatos do litígio. Era a chamada litis contestatio (delimitação da lide). A partir daí, a demanda era entregue a um árbitro escolhido pelas partes litigantes, juntamente com uma fórmula, um procedimento a ser usado pelo árbitro para chegar a uma decisão. Este foi conhecido como período formular, dando espaço, mais tarde, a uma nova 16 17 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 29, 32. DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro; Vol. VI. p. 9. Fica pertinente salientar, consoante a autora, que não houve no Direito Romano clássico uma teoria estabelecida para os direitos reais. A criação dos direitos reais, no seio de Roma, veio como manifestação de poder e não de direito. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 258. 14 época, na qual a figura do pretor passou a exercer novas atribuições, como apontar ele próprio os devidos árbitros, visando evitar conflitos e fraudes nos processos. O conceito de obligatio aparece, nas fontes de Direito, em dois textos, os quais a definem com relação à pessoa do devedor e quanto a seu objeto. Do primeiro extrai-se o seguinte conceito: A obrigação é um vínculo jurídico pelo qual estamos obrigados a pagar alguma coisa, segundo o Direito de nossa cidade (“Obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstrigimur alicuius solvendae rei secundum nostrae civitatis iura”)19. O seguinte caracteriza a essência da obrigação como obrigar alguém a dar, fazer ou prestar alguma coisa: “Obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel praestandum”20. Podemos dizer que, desde o período pré-clássico até fins do século passado, o conceito de obligatio manteve-se intacto aos olhos dos juristas. Para eles, a obrigação sempre se tratou de um vínculo jurídico que forçava o devedor a realizar uma prestação de conteúdo econômico em favor de outrem. No século XIX, com base na tese de Brinz, vemos o desdobramento da obrigação em dois elementos: o 19 20 Classificação Clássica de obligatio, apenas criticada por alguns romanistas. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 3. “A essência da obrigação não consiste em nos tornar proprietários ou em nos fazer adquirir uma servidão, mas em obrigar alguém a nos dar, fazer ou prestar alguma coisa”. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 2. 15 debitum (Schuld) e a obligatio (Haftung). O primeiro, débito, existe desde o nascimento da obrigação, caracterizando já a parte não-coativa. O Segundo, a responsabilidade, aparece posteriormente, representando a parte coercitiva que força o devedor ao adimplemento21. 1.4 - A OBRIGAÇÃO PESSOAL E A OBRIGAÇÃO REAL Embora muito se diga sobre o Direito Romano e quão evoluído era, muitos pontos se mostraram primitivos, aos olhos modernos. É o caso da obligatio personae, que coexistiu lado a lado com a obligatio rei (conforme salientado no capítulo anterior). Na obligatio personae, durante muito tempo, era o próprio corpo do devedor que deveria responder pelo débito 22 . A evolução intelectual veio a deslocar a responsabilidade do corpo do devedor para seu patrimônio 23. Com isso, tanto a obligatio rei quanto a obligatio personae passaram a dividir um só conceito, sendo este o de que uma pessoa deve satisfazer ao credor por meio de uma prestação24. Deste ponto, pode-se observar uma falha no conceito, visto que, pode ele caracterizar tanto o direito das obrigações quanto o direito subjetivo. Isto é, são ambas faculdades normatizadas pelo direito objetivo, o qual concede a alguém o poder de exigir certa atitude de outrem. A história vem a explicar o motivo da compreensão tradicional que havia no Direito Romano, o qual inseria a obrigação como ramificação do direito subjetivo: mesmo antes da existência de um Estado Romano, as gentes já recorriam ao delictum 21 22 23 24 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 4. Segundo Brinz, a obligatio não tinha caráter de dever jurídico. O que era relevante era a responsabilidade do debitum. Apontava como objeto da obrigação não a prestação, e sim o corpo do devedor, entendendo ser este responsável pelo inadimplemento do dever. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 4. Sobre a descoisificação da pessoa do devedor, vide cap. 2, p. 11. Tanto a tese de Brinz quanto a teoria de Perozzi, seguem este sentido. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 6. 16 para resolver desavenças. Embora bastante primitivo, o delito já gerava direito. Significava que o ofensor ficaria sujeito à vingança da vítima. Mais tarde, a vingança foi substituída pelo pacto, um acordo entre as partes, apresentando, agora, um caráter indenizatório. Assim, historicamente, entendeu-se a obrigação como uma derivação do contrato. Embora seja de comum conhecimento que o surgimento do contrato foi responsável pela separação da barbárie da civilização, nesses tempos primitivos, a celebração do pacto era constituída, também, no oferecimento à vítima pelo ofensor de um terceiro como forma de garantia do suposto cumprimento devido. Assim, não ocorrendo cumprimento, seria o terceiro responsabilizado. Mais tarde, a obligatio (responsabilidade atribuída, até então, ao terceiro) passou para a pessoa do ofensor, juntando-se ao debitum. 1.5 – A ESPECIFICIDADE DAS AÇÕES DO DIREITO ROMANO As relações jurídicas romanas passaram por intermináveis processos de humanização ao longo dos vários séculos da existência de sua sociedade. Convém, aqui, delimitar a idéia de humanização, visto sua vasta gama semântico-ideológica. Trata-se, no presente texto, e segundo a definição de humanismo de Rocco Caporalle, da evolução das concepções sociais tendo por centro o homem como valor25. Este processo evolutivo atuou de forma bastante nítida no que diz respeito ao direito subjetivo. Inicialmente, ao direito subjetivo permitia-se o amplo amparo da defesa privada. À medida que o Estado ia se desenvolvendo, ia também restringindo a defesa privada, de modo a passar do direito primitivo ao clássico romano, permitindo-a apenas em algumas hipóteses. A legítima defesa, do princípio uim ui 25 A Filosofia da época romana pode ser delimitada como período helenístico, último período da Filosofia antiga que durou do séc. III a.C. ao VI d.C.. Esta ciência ocupava-se com a ética e as questões do conhecimento humano, e principalmente, com as relações dos homens e Natureza com Deus. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. p. 34. O homem como epicentro de valor ainda não era tratado durante esta época, embora ocorresse certos desenvolvimentos sociais neste sentido. 17 repellere licet, era uma delas, como ainda é nos tempos atuais. Outra é a autodefesa privada ativa, a qual, consoante os exemplos de José Carlos Moreira Alves, permitia ao proprietário expulsar de seu imóvel aqueles animais alheios ou pessoas que tivessem nele ingressado oculta ou violentamente; ou, ainda, recorrer à força, se necessário, para recuperar o que fosse seu por direito, retido na posse de outrem26. Mais tarde, nos períodos pós-clássico e Justinianeu, manteve-se a legítima defesa, mas limitou-se severamente a autodefesa privada ativa. Aqui fica implícito, portanto, o papel fundamental da ação na tutela do direito subjetivo. Contudo, convém salientar a diferença entre a ação romana e a que conhecemos. Naqueles tempos, o que imperava não era a actio e sim as actiones. Isso devido ao fato de cada direito possuir sua determinada ação específica, significando, portanto, que eram típicas em sua maioria (pois haviam ações genéricas). Tinham o hábito de encarar primeiramente o aspecto processual do direito, deixando para segunda análise o seu lado material. Assim, enquanto se pode dizer tratar o direito atual um sistema de direitos subjetivos, o de Roma se caracterizava por um sistema de ações. 26 O princípio uim ui repellere licet possui o significado de ser lícito repelir a força pela força. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 181, 182. 18 CAPÍTULO 2 - A PATRIMONIALIZAÇÃO DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL A Humanização das Relações Obrigacionais O capítulo segundo visa a continuação da exposição da história interna e externa de Roma, aprofundando-se na positivação de sua estrutura econômica. O objetivo é demonstrar como os meios de produção representam um dos direcionadores da legislação. Neste sentido, busca-se, na relação obrigacional, observar o vínculo patrimonial que proporciona ao credor a possibilidade de executar a pessoa do devedor. O Império Romano foi, sem dúvida, alvo das maiores evoluções sociais. Os romanos presenciaram o começo e o fim de sua monarquia, o avanço para a República, a ascensão e queda do Império e a chegada da Idade Média, sempre com conquistas de grande relevância e em diferentes campos para seu tempo. De grande valia foi, dentre os inúmeros feitos romanos, sua jurisprudência 27 . Aqui se caracteriza uma sociedade empenhada em adaptar-se através da regência do Direito. Justamente neste sentido que o Direito como instrumento contribui para a adaptação do homem ao meio em que vive, isto é, na relação humana com a sociedade. 2.1 - A COISIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS NA TEORIA CLÁSSICA Nos pilares do Direito Romano encontram-se as relações reais. Através da Teoria Clássica tem-se a idéia de que estas relações ocorriam entre o titular e a 27 Iurisprudentia era, para os romanos, a ciência do Direito. Definiam como a notícia das coisas divinas e humanas, ciência do justo e do injusto. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. I. p. 78. 19 coisa28. Desta maneira, observam-se os Direitos Reais como a relação jurídica entre o titular do bem e o próprio bem. Apoiando-se neste conceito, encontrava-se o Direito das Obrigações da época. Pode-se dizer que a obligatio romana, em seu fundamento, apresentava-se com objetivos patrimoniais extremamente exacerbados, visto que podemos extrair da obligatio personae o direito de se considerar como patrimônio, inclusive, a pessoa do devedor (assunto este tratado no capítulo anterior, p. 9). Assim, era o corpo do devedor que estava sujeito a responder pelo débito. Com isso, através da obligatio rei, o credor possuía direito de exigir como débito o devedor (cuja premissa baseava-se no fato de que a coisa empenhada responde pelo débito). Essa coisificação do devedor imperou durante longas datas, gerou incontáveis injustiças, mas gerou questões as quais, com o acréscimo da laicização do Direito29, culminaram na edição da Lex Poetelia Papiria. Foram as leis Poetelia Papiria e Vallia as responsáveis pela abolição do nexum (nó), vínculo responsável por amarrar a própria pessoa do devedor a seu respectivo credor (Tábua III da Lei Decenviral)30. Neste ponto fica claro que o desejo romano de humanizar suas relações conquista uma grande vitória, a qual levou ao desuso de muitas teses em vigência até então. A de Brinz é uma delas. Ele entendia que não havia distinção no Direito Romano entre direito real (o qual, caso violado, implicaria utilização de actiones in rem) e pessoal. Entretanto, afirmou que a obligatio não possuía caráter de dever jurídico, mas sim de responsabilidade31. Este conceito apontava no objeto da obrigação o corpo do devedor, e não, como foi visto, a prestação. 28 29 30 31 DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. p. 3. O antigo Direito Romano e a religião não eram diferenciados. O motivo era que apenas os sacerdotes conheciam as formas rituais e as interpretavam. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 85. LIMA, J. B. de Souza - As mais antigas normas de Direito. p. 46. Tábua 3, parte 6a - “Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se assim quiser o credor”. Consoante Brinz, o objeto da prestação seria, primeiramente, o corpo do devedor, e depois, o devedor como sendo sujeito de um patrimônio (pessoa econômica). MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. p. 4. 20 Assim, foi em 326 a.C. que se viu pela primeira vez a preocupação com o bem-estar do devedor. Foi um grande passo, como já dito, em direção a um Direito mais humano. Entende-se, entretanto, compreender a Lex Poetelia Papiria, apenas com uma das grandes inovações da época. Incompleta por não oferecer ao devedor o direito de autodefesa, culminou, por volta de um século mais tarde, na edição da Lex Vallia, a qual supriu esta falha32. Pode-se afirmar que o que decorreu da implementação das Leis em tópico não foi, certamente, a despatrimonialização do Direito Romano. Pode-se dizer, inclusive, que o Direito Romano era tão patrimonializado que havia forte coisificação da pessoa do devedor, o que vingou até a edição das Leis referidas anteriormente. Desta forma, representaram estas Leis a sistematização da jurisprudência através da positivação dos costumes. Esta sim foi a verdadeira vitória trazida por estas Leis. Não se pode dizer que os romanos chegaram a conhecer a despatrimonialização do Direito das Obrigações, pois o centro destas relações sempre foi, para eles, o patrimônio. A personalização não viria nesta época. Embora revolucionários em muitos aspectos, sua sociedade necessitaria maior desenvolvimento, o que foi obstacularizado por inumeráveis invasões bárbaras as quais levaram à sua extinção. 2.2 – O INSTITUTO DA POSSE COMO ESTRUTURA ECONÔMICA E REGULADORA O Ius Romanum, com a ampliação do ius honorarium e a rica floração do período clássico até a codificação, primou sempre pelo respeito à posse, assim como sua garantia por via dos interditos e a devida proteção pelas “ações em que esses se 32 A Lex Poetelia Papiria representou o começo da perda do caráter pessoal da execução. A lex Vallia traz a possibilidade de o devedor, em certos casos, defender-se sem a incidência do vindex. 21 converteram, embora conservassem a designação de interdicta” 33 . Esse respeito pode ser ilustrado pelos diversos princípios que fazem da posse, segundo Caio Mário, “um complexo jurídico extraordinariamente desenvolvido no Corpus Iuri Civilis”, e com respaldo em Lafayette, “a parte mais sistemática e profunda daquele direito”34. Consoante Karl Marx, as relações econômicas no Império Romano, “na época de seu perfeito desenvolvimento”, não apresentavam como elemento dominante o sistema monetário. O que representou verdadeiramente essas relações foram os impostos e as entregas em produtos 35 . Conseqüentemente, a economia na antigüidade mais culta (tanto gregos quanto romanos), voltava-se para a relação obrigacional calcada nas relações de produção direcionadas, de forma geral, para a agricultura. O gênero de trabalho apresenta-se determinado pela demanda social, fixando os trabalhadores no campo, valorizando a propriedade, a posse e o patrimônio. Essa produção acaba por determinar as demais, apontando a situação de relevância patrimonial a ser seguida. Assim, a agricultura “é uma luz universal de que se embebem todas as cores, e que as modifica em sua particularidade... é um éter especial, que determina o peso específico de todas as coisas emprestando relevo a seu modo de ser”36. Deste modo, pode-se entender que Roma foi responsável pela gênese de inumeráveis aparatos e instrumentos jurídicos, de um Direito calcado na estrutura social e na realização vitoriosa de autoreger-se segundo leis escritas e quase sempre de aplicação coletiva. Pode-se ressaltar, dentre outras conquistas, a progressão das 33 34 35 36 Neste sentido, têm-se Interdictas como Decretos, isto é, sentença do pretor. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 27. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 27. Em Roma, o desenvolvimento completo do sistema do dinheiro concretizou-se, unicamente, no exército. Jamais alcançou a totalidade do trabalho. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; O Rendimento e suas Fontes; A Economia Vulgar / Intr. Jacob Gorender; Trad. Edgard Malagodi - p. 16. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; O Rendimento e suas Fontes; A Economia Vulgar / Intr. Jacob Gorender; Trad. Edgard Malagodi - p. 18. 22 relações jurídicas entre os romanos, que partiu de costumes primitivíssimos de épocas anteriores à formação de Roma, mais tarde sofrendo uma desvinculação da religião, passando, então, por constantes reformulações no intuito de caminhar cada vez mais junto à realidade social, ética e jurídica de seu povo. Regulado, então, o significado de patrimônio, isto é, delimitando a res aos bens economicamente apreciáveis de determinada pessoa e descoisificando a pessoa do devedor, os jurisprudentes romanos encontraram seu maior desenvolvimento neste assunto. Neste caminho, tem-se como resultado a compreensão de que os romanos foram pródigos na ciência do Direito em detrimento às demais ciências, como, a título de exemplo, a Filosofia. Esta última ciência, tão difundida entre os gregos (os quais criaram o vocábulo filosofia), é responsável pela corrente humanista que repudiou a expressão “o homem é fim em si mesmo”, lançando-se a estudar as questões lógico-metódicas, percebendo certas idéias que envolvem a vida humana e, conseqüentemente, a humanização 37 . Pode-se afirmar que, quanto aos estudos filosóficos, a pouca expressão romana só não foi maior devido a Marco Túlio Cícero38. O intercâmbio em Atenas deste constitucionalista serviu para ensinar-lhe a filosofia grega, sobretudo à luz dos ideais aristotélicos, e aprimorar-lhe a retórica. Os novos conhecimentos renderam-lhe em sua meia-idade a obra De Legibus, praticamente o único escrito romano realmente extenso sobre filosofia legal. Seu retorno à pátria possibilitou certa projeção da união dos saberes greco-romanos. Contudo, tanto entre os pensadores gregos como entre os romanos, pode-se afirmar que na antigüidade nunca chegaram a conhecer a despatrimonialização do Direito das Obrigações. 37 38 A Filosofia Grega conteve certa incidência em Roma, embora bastante sucinta. Diz-se que, principalmente, os Estóicos foram responsáveis por essa influência. GAVAZZONI, Aluísio. História do Direito. p. 52. O grande problema da época era que não podia haver ocupação direta com a política por parte dos filósofos romanos. Estes, voltavam seus estudos e indagações para explicar, sobretudo, a Natureza, o homem e a relação entre ambos e entre ambos com a Divindade. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. p. 43. MORRIS, Clarence. Os Grandes Filósofos do Direito: p. 32. 23 CAPÍTULO 3 - DIREITO MEDIEVAL Do período das trevas à adoção do Direito Romano A transição ocorrida entre a idade antiga e média com relação ao direito foi de pouca expressão. O motivo foram 12 séculos de constantes evoluções jurídicas por parte dos romanos, os quais, ao final, presentearam o mundo com um conjunto de leis e princípios jurídicos eficazes e consistentes. Desta maneira, as sociedades medievais, diferentemente dos seus ancestrais, partiram de uma base já amadurecida ao longo de séculos, e incorporaram à esta base seus costumes39. As populações latinizadas eram aquelas que apresentavam mais nitidamente a herança do ius civile 40 . Adotando o princípio da personalidade do direito, estas civilizações impediram o esquecimento do direito romano41. O princípio em questão concede ao indivíduo o direito de viver de acordo com as regras jurídicas de seu próprio povo onde quer que se encontre. Havia também, neste período, outro direito que predominou, principalmente, ao norte do antigo império, mais precisamente, próximo às fronteiras germânicas: o direito germânico. Este é visto, pelos historiadores, como um dos sistemas jurídicos de maior destaque dentre aqueles encontrados na Europa, durante os séculos VI a XII, na Alta Idade Média 42 . Pode-se citar, a título de exemplo, outros sistemas 39 40 41 42 Os povos bárbaros, oriundos de diversas partes do continente europeu (sobretudo do norte), introduziram novos costumes e estimularam as próprias regiões invadidas a se afirmarem como unidades políticas independentes. Faziam parte desses povos os germanos, eslavos, godos, entre outros. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 68. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 196. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 18, 167. Este princípio é de grande importância quando ocorre a coabitação de povos em um mesmo lugar. A história nos traz soluções para a situação: ou o vencedor impõe o seu Direito aos vencidos (províncias belga de 1795 a 1814 tiveram o Direito Francês imposto), ou deixa que os vencidos sigam com seu próprio Direito (como ocorreu com os indígenas em grande parte da África nos séculos XIX e XX). GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 131. 24 jurídicos da época os quais não se encontravam na esfera de influência do direito romano: o direito muçulmano, bizantino, dos povos eslavos, dentre outros. O feudalismo presenciou a utilização do Edito de Teodorico na Itália, a Lei Romana dos Burgúndios e a Lei Romana dos Visigodos como fontes do direito no início desta época 43 . Com o passar dos tempos, o feudalismo desenvolve-se, encontrando o seu ápice nos séculos X, XI e XII, com a constante perda de poder real em contraposição ao fortalecimento da nobreza44. 3.1 – A RELAÇÃO JURÍDICA FEUDAL O poder judicial passa, neste momento, das mãos da realeza para as mãos dos diversos suseranos. Assim, nota-se uma mudança nas relações jurídicas, as quais passam a se restringir quase que integralmente às relações entre feudos (senhores) e vassalagem (servos)45. Importa salientar que a fonte primária do Direito nesta época passa a ser o costume, visto que, durante os séculos X e XI, não se tem conhecimento de quaisquer escritos jurídicos. É fácil concluir que durante mais de dois séculos e, numa constância cada vez maior, os senhores feudais corporificaram a figura da lei46. Este corpo composto de normas jurídicas, que era o Direito Feudal, desenvolveu-se durante quatro séculos sem qualquer intervenção de outras legislações de valor significativo47. Assim, para que um vassalo fosse aceito dentro do feudo ou, ainda, 43 44 45 46 47 Apenas a Lex romana Visigothorum obteve influência duradoura no Ocidente. Consistia em instruções bastante sumárias para uso dos juízes, mas sem grande ordem. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 170. Da mesma forma, NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. p. 163. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 188. Sobre o motivo que transformou de forma radical a Europa e que ofereceu as bases para o Feudalismo, têm-se o abandono dos grandes centros urbanos, pelas pessoas, devido à incapacidade da garantia de segurança pelos reis e a constante insegurança gerada pelas invasões. Provocou, neste sentido, a retirada em massa dos cidadãos para refúgio em torno dos grandes proprietários de terras. Ocorreu a adoção do princípio da Territorialidade em detrimento ao princípio da Personalidade do Direito. As instituições feudais se apresentavam nas formas de vassalagem e feudo, de modo geral. O vassalo representava o homem “livre”, pactuado ao senhor por um contrato solene o qual o submetia a seu poder. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 189. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. p. 159. 25 tivesse o desejo de manter-se nele, deveria acatar às regras de relação senhor-servo que houvesse. Estas regras eram reguladas pelos tribunais senhoriais, os quais possuíam jurisdição sobre todos os vassalos que se encontrassem no feudo. O declínio legislativo apontado tem fonte não somente no fim do Império, mas também na concepção pouco desenvolvida dos povos germânicos, os quais lançavam-se a quaisquer ferramentas para manter fixos os princípios do Direito, nunca os desenvolvendo ou os adaptando às mudanças sociais que o tempo proporcionou. Para eles, os princípios eram eternos e deveriam ser respeitados como fonte de direção para as decisões a serem tomadas, nunca sendo permitida a manipulação pelas autoridades destes preceitos básicos48. O que ocorria era a adaptação social às normas legais. O período da Alta Idade Média possui uma grande distinção, quanto à legislação, quando comparado ao período imperial romano. Em Roma procurava-se, na medida das limitações de seu povo, normatizar os atos jurídicos tanto quanto possível. Em contrapartida, na idade medieval levava-se a importância da jurisdição para um plano secundário, culminando em retrocesso no que diz respeito à relação jurídica. As conquistas romanas desta esfera, como tratados de Direito e ensino profissional do Direito, foram, durante muitos séculos, deixadas em total esquecimento. Pode-se destacar, a título de exemplo, a descentralização jurídica representada por sistemas de jurisdições locais e o desaparecimento do processo de apelação49. Representa, assim, uma regressão intelectual no campo do Direito, em que os juízes, profissionais de outrora, dão lugar a juízes ocasionais sem formação 48 49 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 66. Nesta época eram os senhores feudais que estavam revestidos de jurisdição. Sofrendo grande pressão por parte da Igreja, passaram a aplicar o Direito Canônico no julgamento de litígios. Desta maneira, e nas palavras de Foucault, “na medida em que a contestação judiciária assegurava a circulação dos bens, o direito de ordenar e controlar essa contestação judiciária, por ser um meio de acumular riquezas, foi confiscado pelos mais ricos e poderosos”. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 228, 229. 26 jurídica50. Os casos não mais se resolviam em processo extra ordinem, como no fim do Império. O tratamento dado aos casos era a exposição pública somada à forte participação do povo com poder de veredito. Logo, as autoridades apenas mediavam a disputa travada entre as partes, sem quase qualquer utilização documental, ratificando, ao final, a parte vitoriosa51. O envolvimento da Igreja, nesta época, é outro ponto de especial relevância. Autoridades lançavam-se sempre que preciso aos poderes divinos e de ordem sobrenatural para a solução de litígios. Quando não suficientes fossem as provas racionais e mesmo as já citadas irracionais, havia sempre a possibilidade de duelo entre as partes litigantes52. 3.2 – A FUNÇÃO PATRIMONIALIZANTE DA ECONOMIA FEUDAL A influência do feudalismo no Estado Medieval foi de grande importância para a sua caracterização patrimonial. Consoante Dalmo de Abreu, foi devido às constantes guerras e invasões que o desenvolvimento do comércio se retraiu de maneira significativa. Conseqüentemente, a posse de terras valorizou-se de maneira sem precedentes, visto ser o lugar mais seguro de tirar os meios de subsistência. Neste sentido, a propriedade passou a ser o centro de dependência da vida social. O resultado foi um desenvolvimento de um sistema administrativo de poder e uma organização militar ligados de forma direta à situação patrimonial 53. Marx, segundo sua própria ótica, apontava a questão para a submissão das províncias romanas aos “bárbaros” germânicos. Estes, ao contrário do que a noção tradicional afirma, em nenhum período viveram exclusivamente de pilhagens. A agricultura já 50 51 52 53 Os tribunais da Idade Média, sobretudo os do reino dos francos, em nada se assemelhavam aos do Império Romano. CAENEGEM, R. C. van. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. p. 35. “O casos... eram expostos publicamente, ao ar livre, perto de um local sagrado, talvez uma montanha, árvore ou fonte...” onde “o povo participava ativamente da administração da justiça e expressava sua concordância com o veredito proposto”. CAENEGEM, R. C. van. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. p. 36. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 191. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 69. 27 caracterizava um sistema de produção tradicional calcada na servidão antes mesmo das invasões. 54 Neste sentido, tanto os povos que se escondiam por detrás de muralhas, quanto aqueles subjugados militarmente, acabavam voltando o sistema econômico para a agricultura. A imposição vinha, ou através da manutenção da liberdade aparente, ou através da imposição do povo conquistador ao conquistado. Ademais, foi na Baixa Idade Média que se notou o início do processo da criação dos Direitos dos Estados Modernos55. O século XIII presenciou o regresso e reforço do poder real por parte dos reis da França e da Inglaterra, e de alguns grandes senhores de terra. Desta maneira, em cada um destes lugares surgiu um sistema jurídico próprio, com base nos costumes de cada região somado às legislações e decisões reais ou senhoriais e ao Direito Romano e Canônico56. É certo que as instituições e mesmo a “justiça” processual medieval, durante os séculos que vingaram, cometeram grandes atrocidades. Eram manipulados e pervertidos de modo a acompanhar os passos daqueles detentores de riqueza e poder. Deste modo, torna-se evidente que as relações jurídicas da época eram calcadas na dominação e subjugação de uma classe a outra. Neste sentido, fica claro o por quê do declínio das condições de vida vassala da época, visto que o cumprimento das leis não era obrigação, na prática, de todos. 54 55 56 MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; O Rendimento e suas Fontes; A Economia Vulgar / Intr. Jacob Gorender; Trad. Edgard Malagodi. p. 12, 13. O Estado Medieval era caracterizado pelo cristianismo, pelas invasões dos bárbaros e pelo feudalismo. As formações políticas dessa época representavam um fracionamento exacerbado do poder e uma fraca noção de autoridade. Entretanto, foram os motivos para que os povos aspirassem por uma unidade. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 66. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 144, 145. 28 3.3 – A MAGNA CARTA COMO CONTENÇÃO DO TOTALITARISMO E A CONSAGRAÇÃO DA PATRIMONIALIZAÇÃO Pode-se afirmar que o feudalismo sofreu seu primeiro obstáculo quando o mundo deparou-se com a Magna Carta, imposição da burguesia a João Sem Terra, em 121557. A partir daí o rei passou a respeitar como obrigação os direitos da Igreja, assim como aqueles direitos já tradicionais dos nobres e burgueses. A relação jurídica dentro dos burgos adentra uma nova era. Não mais era admissível às autoridades prender os camponeses sem a observância de julgamento previsto em lei. Nasce o direito à restituição, prevendo, apenas, a devolução daqueles bens ilegalmente tomados. A partir de então, pode-se perceber traços bem definidos de desenvolvimento jurídico que atravessou séculos até épocas atuais. Exemplo seria o bicameralismo inglês58, processo que se iniciou no fim do feudalismo, indo até o nascimento do parlamentarismo. Compreende esta época, como as antepassadas, e ao que concerne à relação patrimonial, um tempo onde as relações obrigacionais apontam para o patrimônio. Quanto a isto nada mudou. A prova está contida na Magna Carta59, instrumento jurídico que representa, talvez, a maior conquista normativa da Idade Média. O documento em questão era dividido em 67 artigos, sendo que apenas 12 beneficiavam diretamente o povo60. Neste sentido, a promulgação serviu de forma predominante para documentar a conduta do rei João Sem Terra em face do clero, 57 58 59 60 Nasceu da revolta inglesa dos prelados, barões e burgueses contra o Rei. GAVAZZONI, Aluísio. História do Direito. p. 79. Composição parlamentar a qual ressurge mais tarde em várias constituições do séc. XIX. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 304. A era de opressão iniciada por João sem Terra, rei da Inglaterra, culminou em descumprimentos e atritos em relação aos ideais da Igreja. A situação gerou a revolta por parte dos barões e do clero, os quais trataram de “apresentar” ao rei o documento. Este foi outorgado em 15 de junho de 1215. LIMA, J. B. de Souza. As mais antigas normas de Direito. p. 68. ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos - p. 156. 29 nobreza e burguesia, detentores de terras e verdadeiros beneficiados. Desta feita, o ideal econômico voltado para o patrimônio manteve-se sem qualquer alteração, perpetuando-se a coisificação dos vassalos (verdadeiro retrocesso aos primórdios das relações romanas), os quais eram considerados parte do solo em que “mourejavam como o gado em cujos estábulos viviam”61. Outra questão da mais alta pertinência levanta novamente a relevância da Igreja para manter o ideal das relações de cunho patrimonial. O desenvolvimento da Filosofia medieval se deu entre os séc. VIII e XIV, sobretudo aos olhos da Igreja romana. Essa escolástica era limitada aos temas como a diferença e separação entre infinito, corporificado na figura de Deus, e finito, mundo e homem 62 . O direcionamento imposto pela Igreja ocorreu para evitar críticas políticas sobre suas ações. Este norte era de tamanha rigidez que teólogos como Tomás de Aquino lançavam-se a estudar furtivamente as idéias de Aristóteles (consolidadas há quinze séculos de seu tempo)63. A explicação é simples: a Igreja era a grande proprietária de terras da Idade Média. Era de grande relevância para a mesma que o poder e as terras continuassem fortemente coligados. Neste sentido, pode-se afirmar que, por toda a Idade Média, a posse ocupou “a mais relevante função social, e sua proteção reclamou maior atividade do aparelho judiciário64”. Finalmente, têm-se o fim da Idade Média marcado pela luta entre a figura do papa e Imperadores. Estes recusavam-se a submeter-se aos poderes da Igreja, enquanto aquele pretendia não somente os assuntos de ordem espiritual, como os de ordem temporal. O resultado foi a afirmação da supremacia absoluta dos monarcas 61 62 63 64 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos - p. 158. Outra direção da escolástica foi diferenciar a razão da fé. Para os filósofos da época, a razão sempre se subordinava à fé. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia . p. 45. MORRIS, Clarence. Os Grandes Filósofos do Direito: p. 49. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 28. 30 na ordem temporal, com o nascimento do Estado Moderno 65 . Para esta teoria servem-se 65 os doutrinadores do modelo Westfaliano DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 66. de Estado. 31 CAPÍTULO 4 - O DIREITO NA ÉPOCA RENASCENTISTA O renascimento da Ciência do Direito Com o sistema feudal em estado de extinção, surgiu a necessidade de uma teoria do Estado, da Nação e de sua organização. Assim, finda a Idade Média e iniciado o Renascimento, o Direito Europeu apresentava-se mais completo, sistematizado e na forma escrita, comparado aos Direitos locais dos feudos. Nota-se, nesta passagem histórica, a forte presença das universidades, sobretudo a partir do século XII66. O estudo do Direito passa a ser, quase de forma unânime, baseado no Direito Romano, corporificado no Corpus Iuris Civilis 67 . Naquele momento de dissolução do feudalismo tornou-se possível a teoria contratual de governo, sobretudo através do desenvolvimento desta por Hugo Grócio68. O Estado tornou possível, num primeiro momento, a institucionalização de processos jurisdicionais e a imposição do Direito, os quais antecedem os partidos em litígio e se encontram acima deles. Num outro momento, o Estado apenas se consubstancia na hierarquia de cargos e funções legitimando-se, nestas circunstâncias, através da forma jurídica do exercício administrativo do poder69. 66 67 68 69 A base de aspiração às universidades foi, sem dúvida, o cristianismo. A idéia de que os homens valiam diferentemente fica superada, surgindo, então, uma afirmação de igualdade (embora considerando-se temporariamente desgarrados aqueles que ainda não fossem cristãos). DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 66./ Ademais, ressurge o interesse pelo Direito Romano no final do século XI, por intermédio da Escola de Bolonha (glosadores). O estudo baseava-se, principalmente, nos textos das épocas clássicas e bizantinas. Assim, já no séc. XII (onde realmente pôde-se constatar o renascimento do Direito Romano), surgiu a Escola de Orleãns, a qual produziu uma renovação do método dos romanistas, a Escola dos Pós-glosadores, dentre outras. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 342 a 344. O renascimento do Direito Romano começou a partir do século XII, primeiramente na Itália, seguindo para França, Alemanha, Espanha, Polônia e, em menos incidência, Inglaterra. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 130, 203. Convém salientar que foram os Glosadores que, retomando a idéia romana de resolução de conflitos da vida social, racionalizaram a jurisprudência européia. O objetivo primordial desses estudiosos era, realmente, demonstrar a racionalidade do Direito Romano no âmbito teórico e dogmático. MORRIS, Clarence. Os Grandes Filósofos do Direito: p. 75. HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Vol I, p. 103. 32 Renasce a Ciência do Direito através da análise dos textos compilados de forma racional 70 , tendenciando a uma revolução não só jurídica, como política, econômica e social. O individualismo e o liberalismo ganham mais força nesta concepção jurídica. A relação jurídica da época moderna não difere em muito da que prevaleceu em Roma. Os grandes reinados, necessitando urgentemente de regras devido à retomada do poder que os favoreceu ao fim da Idade Média, aproveitaram as compilações romanas as quais representavam, talvez, a sistematização de leis de mais fácil acesso e mais rápida efetividade. Mesmo tendo ocorrido a adoção do Direito Romano de forma plena, os legisladores cuidaram por aprimorá-lo. De mesma forma, os juristas canônicos do final da Idade Média desenvolveram terminologia que recebeu forte influência do Direito Romano, objetivando sua propagação e utilização de forma mais imediata na Igreja71. Nota-se, também, a herança fortemente patrimonial, em que o não cumprimento de sentença acarretava diretamente penas de pagamento de grandes somas em dinheiro72. A fonte do Direito continua sendo o costume, somando-se a este a lei escrita. A grande diferença ocorreu na imposição da redação oficial73. A natureza do Direito Consuetudinário sofreu diretamente sua conseqüência, visto que, uma vez em pauta, o costume não precisava ser provado pelas partes. Muito pelo contrário, era proibida qualquer contestação, o que gerou alguns problemas de grande relevância no que diz respeito à relação jurídica: o “desenvolvimento” da civilização ficava atado aos 70 71 72 73 Trata-se de verdadeiro renascimento intelectual, visto a retomada de interesses dos campos do pensamento filosófico. A legitimidade da razão contribuiu para o recebimento da herança jurídica clássica através de fatores filosófico-ideológicos. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 207. Outro motivo que tornou necessária a aplicação do Direito Romano Clássico foi o grande surto mercantil dos séc. XIII e XIV. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. p. 209. Nesta época, houve forte adoção de arbitragens nos processos, sistema jurídico encorajado, principalmente, pelo direito canônico. O motivo baseava-se na esmagadora maioria de ações judiciais que findavam antes do julgamento. O uso da arbitragem dentro e fora da Igreja já era uma realidade no séc. XII. Neste sentido, a sentença dos árbitros deveria ser seguida sem questionamento, levando a severas penas monetário-patrimoniais. HESPANHA, Antônio. Justiça e Litigiosidade / História e Prospectiva. p. 173. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 280. 33 ideais imutáveis que não acompanhavam as mudanças intelectuais decorridas de séculos. Apresentava o Direito Consuetudinário apenas a possibilidade do governante de interpretá-lo ou completá-lo, mas nunca o extinguir. Com a constante redação dos Direitos Consuetudinários, obteve-se uma gama de legislações as quais solidificaram as Leis da época. Neste sentido, a lei passa a ser mais relevante que o costume. Motivado pela grande atividade legislativa que ocorreu neste período da história, sobretudo no século XIII, os soberanos lançaram-se a intervir autoritariamente na esfera jurídica, levando à revogação de costumes visando introduzir novas regras de Direito74. O papel dos parlamentos foi imprescindível ao desenvolvimento legislativo a partir do século XVI por controlar a atividade legislativa de competência do rei. Assim, qualquer projeto de lei deveria, antes de se tornar lei, passar pela avaliação parlamentar. Vale ressaltar a diversidade de leis criadas nesta época relativa ao casamento, sucessão hereditária por testamento, entre outras75. 4.1 – A HUMANIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA NO RENASCIMENTO É notória a tentativa de humanização do Direito a partir da época moderna. Ainda não existia, como ferramenta legal de proteção ao réu, a apelação, mas já era possível a transferência de um tribunal a outro, antes de prolatada a sentença 76. Também era permitida a anulação de sentença de certo tribunal caso, posteriormente, houvesse vitória noutro, por tornar as sentenças contraditórias 77 . Neste passo, 74 75 76 77 Ocorre reforço do poder real, sobretudo na França, Inglaterra, Sicília e Península Ibérica, dentre os séculos XII e XIII. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 291. Tanto o Parlamento, quanto as Cortes e Estados aumentaram sua contribuição na elaboração de leis já nos séculos XIV e XV. No séc. XVIII o Parlamento legifera praticamente sozinho. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa. p. 302. HESPANHA, Antônio.Justiça e Litigiosidade / História e Prospectiva. p. 201. HESPANHA, Antônio. Justiça e Litigiosidade / História e Prospectiva. p. 201. 34 percebe-se como o instituto da coisa julgada material é recente nas sociedades78, visto que sua prerrogativa consiste na “indiscutibilidade da existência da vontade concreta da lei, afirmada na sentença”79. Neste sentido, requisito para a coisa julgada é a decisão que não mais admite recurso. Conseqüentemente, não existindo forma de apelação, não há coisa julgada. Pode-se admitir, entretanto, que a própria possibilidade da oferta de idêntica ação em diferentes juízos, no fito de concretizar a pretensão, corresponde à apelação (embora sem as características contemporâneas). Desta forma, exatamente por desprover-se dos pressupostos atuais, pode-se estender a ação de forma apenas limitada à quantidade dos tribunais. O Renascimento trouxe para a História a popularização dos ideais do humanismo, compreendendo o início do surgimento do homem moderno a partir da união dos valores grego e romano80. Ainda assim, o desenvolvimento efetivo de despatrimonialização do Direito das Obrigações se encontrava distante de começar, visto que a idéia de cumprimento da obrigação contraída, para o direito aqui tratado, estava à frente dos ideais de defesa da pessoa corporificada no devedor. Até o séc. XVII, a economia trazia a idéia de que a riqueza era criada unicamente para o Estado, sendo o poder deste medido por essa riqueza81. Assim, o anseio por riqueza dos Estados Modernos molda a produção a qual, em contrapartida, molda o próprio Estado, num círculo interminável. A riqueza, como objeto de maior relevância, é representada pelo patrimônio. Conseqüentemente representa o patrimônio o Estado. A presença e solidificação do paradigma Liberal no Renascimento é exatamente o ponto de partida 78 79 80 A sentença, no momento atual da história contemporânea, como via de regra, faz coisa julgada material. Corresponde à eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença de mérito. Isso implica em não haver possibilidade de recurso. Gabriel de Resende Filho em ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Concordata.. p. 113. A Filosofia da Renascença é marcada pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos. Uma das três grandes linhas de pensamento da Renascença foi originária dos pensadores florentinos, os quais possuíam como grande valor a vida ativa, isto é, a política. Urgiam pela liberdade política que havia antes do império eclesiástico. CHAUI, Marilena.Convite à Filosofia. p. 46. 35 para a discussão em torno da questão do adimplemento contratual. Neste sentido, da mesma forma que o paradigma Liberal obstaculariza a despatrimonialização, também oferece a base para seu surgimento através de novas propostas intelectuais a serem oferecidas ao final do séc. XVII. 81 MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; O Rendimento e suas Fontes; A Economia Vulgar / Intr. Jacob Gorender; Trad. Edgard Malagodi. p. 19. 36 CAPÍTULO 5 - O DIREITO DO SÉCULO XVIII O surgimento das bases para o fundamento da Despatrimonialização Inicia-se na história do Direito um período conhecido pelas codificações (influência do pensamento jurídico da Escola do Direito Natural), pelo Princípio da Soberania Nacional (de elaboração basicamente inglesa e francesa) e pelos direitos subjetivos do cidadão. O predomínio do costume como principal fonte do Direito perde expressivo espaço para as legislações82. A desigualdade gerada pela falta de leis no passado, sobretudo na época feudal, é fortemente enfraquecida pela regulamentação de direitos e deveres através de leis escritas. A tradição de escrever e reformar costumes para assegurar o Direito quase não existia, visto que no século XVIII os costumes já eram totalmente estáveis, salvo poucas exceções. O Direito apresenta-se, assim, na forma estatal83. Deste modo, o século das luzes apresenta um fundamento revolucionário e nunca antes aplicado no que concerne às relações jurídicas, criando os alicerces necessários para fundamentar a despatrimonialização do Direito das Obrigações: soberania do povo, separação dos poderes, direito do homem, direito natural, direitos subjetivos inalienáveis, intervenção mínima, personalidade, individualização, proporcionalidade de penas, devido processo legal, igualdade perante a Lei84, dentre outros tantos que surgiram juntamente com o liberalismo. Embora isto tudo consista na base para a mudança do enfoque das relações jurídicas, convém salientar que a individualização representa a própria 82 83 84 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 302. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 131. Os últimos vestígios do feudalismo desaparecem nesta época, devido aos novos ideais, os textos de constituições e as leis. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 131. 37 patrimonialização. De essência bastante rígida, a individualização permitia ao credor que exigisse do devedor o pagamento da dívida, sem preocupar-se (ou o Estado – intervenção mínima) com as conseqüências da execução 85 . Nestes passos, e lembrando que o período em questão foi repleto de guerras, pessoas encontravam-se em estado de miséria do dia para a noite. O que era realmente visado era o efetivo pagamento. Assim, com o seu cumprimento, as conseqüências eram, na maioria das vezes, a perda das condições básicas de dignidade humana. Sendo assim, nascem, no século XVIII, pontos que despertam o interesse de acadêmicos na resolução da questão até então tratada muito mais de maneira econômica do que social. O desenvolvimento intelectual do século em questão produziu meios para a compreensão da importância da pessoa humana. Através deste progresso do conhecimento, entendeu-se ser de grande valia a criação de normas com a finalidade de proteger aqueles direitos primários do homem, sem os quais desfigurar-se-ia a nova forma da soberania da nação86. 5.1 – A ESCOLA DE DIREITO NATURAL E A LAICIZAÇÃO JURÍDICA Certo é afirmar ter sido criada base para sustentar a passagem do foco do Direito das Obrigações do patrimônio para a pessoa. Entretanto, nada ocorreu neste sentido. O mérito desta época está, no que diz respeito à despatrimonialização, tão-somente no surgimento e desenvolvimento de ideais, os quais abririam caminho para novas e futuras possibilidades jurídicas. Pode-se dizer que o berço destes ideais estava quase que integralmente centrado na moderna Escola do Direito Natural. 85 86 A ideologia da época levava ao entendimento de que, deixando atuar a livre concorrência, a busca do lucro máximo acabaria por promover o bem-estar social (Adam Smith- 1723 a 1790). VASCONSELOS, Marco Antônio. Fundamentos de Economia. p. 16. A origem da soberania já existia na Idade Média através da relação entre soberano e súdito. Com o tempo, o Renascimento adapta este poder, outrora baseada na posse de terras, para um poder disciplinar (mais contínuo e permanente). FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 177, 178. 38 Nesta escola foi concebido o entendimento de que certas normas de caráter básico deveriam ser imperativamente aceitas e respeitadas por todos os homens, assim como por todos os Estados civilizados87. A ideologia, neste sentido, era adotada para impor a ordem. As justificativas das criações normativas vinham sempre na forma de discursos pregando a necessidade inerente e natural do homem de buscar certas regras para regularizar o convívio social. Foi desta forma que o Direito Natural justificou a origem do Estado e, dentre outras, da propriedade. Houve, também, a criação de obras que expunham um sistema desvinculado dos dogmas apresentados pela Igreja, os quais fundavam-se na dedução e observação (obras de cunho racional) 88 . Estas obras contribuíram em muito na modernização do Direito, sobretudo quando criticavam a tortura judicial e a “caçada às bruxas”. Um dos objetivos mais relevantes da Escola do Direito Natural foi, sem dúvida, acabar com as restrições sofridas pela jurisprudência impostas pela autoridade antiga. Desta maneira, surgiu a possibilidade de, por via jurisprudencial, e em alguns poucos casos, unificar o Direito. Neste compasso, jurisdições inferiores receberam constantes influências para a interpretação de certas leis. Estas influências não deveriam necessariamente ser seguidas, nem tampouco descartadas sistematicamente. A atuação jurisdicional permitiu, juntamente com a legislativa, separar o delito do pecado. A fundamentação era categoricamente baseada nas críticas à utilização de tortura, desencadeando inúmeras teses humanistas as quais culminaram nos direitos humanos e direitos e garantias fundamentais. A incidência das codificações engendrou a base para garantias como a liberdade e a responsabilidade individual, além de combater discriminações e derrubar barreiras nos feudos. Foi somente através das codificações modernas que se 87 88 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. p. 171, 172. A Filosofia moderna, que vai do séc. XVII aos meados de séc. XVIII, tem por princípio do estudo a reflexão, isto é, o ponto de partida se dá pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. p. 47. 39 consolidou a certeza e a clareza do Direito, apresentando, assim, um aspecto mais humano. De grande importância para o estudo da despatrimonialização do Direito das Obrigações são as obras do século XVIII. A compreensão de que certos direitos devem ser respeitados e garantidos permitiu que as relações jurídicas se humanizassem, levando ao seguinte questionamento, a ser respondido nos séculos seguintes: deveriam os direitos básicos ser preservados acima de outros direitos, deveres e obrigações? Esta pergunta suscita várias questões. Questões as quais aguardaram a devida resposta a ser formulada pelos futuros herdeiros das conquistas intelectuais do Século das Luzes, mais precisamente, no final do século XX e início do XXI. Deve-se entender que as evoluções e conquistas de novas concepções fazem parte de processos de conhecimento demorados, os quais necessitam de tempo para ser acolhidos no mundo jurídico. Portanto, nascem os meios para assegurar um novo caminho calcado na segurança dos direitos do indivíduo, protegendo-os da injustiça das normas obscuras de outros tempos. Contudo, estas medidas ainda necessitariam de abrochar em maturidade, que apenas viria com um decurso prolongado do tempo, para que desse por iniciado o processo de despatrimonialização do Direito das Obrigações. 40 CAPÍTULO 6 - A MUDANÇA DE PARADIGMA DO SÉCULO XX A Despatrimonialização do Direito das Obrigações A Revolução Industrial veio para redefinir muitos pontos em relação ao Direito Contratual. Somada a outras revoluções, como a Francesa, a Revolução Industrial serviu como base para a solidificação do Estado Social, apesar de ter instalado, em primeiro momento, o Estado Liberal. Os princípios individualistas do liberalismo eram levados até as últimas conseqüências pelo Estado89. O resultado foram grupos de indivíduos caracterizados apenas por sua força de trabalho 90 . Conseqüentemente, os desníveis sociais aumentaram significativamente, levando ao aumento e fortificação do proletariado com força política91. Mais tarde eclodiu a Revolução Russa, em 1917, para conscientizar o mundo da necessidade de garantias para assegurar ao trabalhador um nível de vida conforme a obediência do princípio da dignidade humana. Este caminho foi primeiro introduzido pelo Estado Socialista, o qual defendia a idéia de que aqueles indivíduos 89 90 91 Adam Smith (1723-1790) foi o precursor da moderna Teoria Econômica, sendo verdadeiro pai do Liberalismo. Através de sua obra A Riqueza das Nações, Smith pregava que, deixando atuar a livre concorrência, uma “mão invisível” levaria a sociedade à perfeição. VASCONSELOS, Marco Antônio. Fundamentos de Economia. p. 16. De maneira individual os capitalistas operaram e operam no mercado (visto ser o liberalismo fenômeno que caracteriza a Europa na Idade Moderna), mediante a posse efetiva das propriedades particulares, garantida por um Estado neutro. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. II p. 694, 695. (Liberalismo e civilização moderna V.B.) O laissez-faire levava a ser considerado como a causa da riqueza das nações o trabalho humano (teoria do Valor do Trabalho). Apontava sempre para a divisão do trabalho, em que deveria haver especialização dos trabalhadores. VASCONSELOS, Marco Antônio. Fundamentos de Economia. p. 16. Marx e Engels já afirmavam a questão do surgimento do proletariado como uma nova força política engajada em uma luta pela emancipação. Foi nesses termos que Engels afirmou que esta nova classe, fruto da Revolução Industrial, seria o instrumento de transformação revolucionária para o comunismo. GUIMARÃES, Maria Elizabeth. O Processo Político no Brasil. p. 27. 41 que nada tivessem a conservar (direitos) eram os que mais necessitavam do amparo estatal92. Deve-se entender que o período tratado iniciou-se com traços fortes de desigualdade. O proletariado sentia todo o peso da abstenção estatal de base liberal. Conseqüentemente, essa classe viu-se numa situação de elevadíssimo desemprego. Neste sentido, aqueles que tinham a oportunidade de trabalhar aceitavam quase qualquer situação de trabalho. A preocupação quanto à preservação da dignidade do proletariado apenas existia numa forma não oficial. Esta crise social levou ao Manifesto de essência puramente socialista, o qual promulgou a jornada de trabalho de oito horas. 6.1 - A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA A DESPATRIMONIALIZAÇÃO Das revoluções e movimentos socialistas surgiram práticas muito recentes da história do Direito. A preocupação em criar e respeitar princípios voltados para a igualdade, paridade e isonomia das relações começam a receber mais atenção. Neste sentido, e sob uma carga realista forte, houve o acolhimento de preceitos fundamentais em diversos textos constitucionais. Isto porque a tendência conservadora dos legisladores e chefes de governo foi sendo adaptada à realidade social de forma lenta, durante décadas. A idéia de preceitos fundamentais, embora represente verdadeira conquista da humanidade, recebeu fortes críticas hermenêuticas. A tendência contemporânea, sobretudo à luz da Escola de Frankfurt, 92 A proposição de que a produção e a distribuição devem ser organizadas tendo por escopo maior os objetivos sociais representa base para a maioria absoluta de teses de cunho socialista. Neste sentido, a proposição que indica os pilares econômicos também aponta o sentido da legislação. Assim, a planificação era considerada como necessidade primordial do socialismo através da direção centralizada e organizada tanto da economia como da política e do direito. Consoante Kardelj, “o socialismo não pode ser edificado na fome, pois, ao contrário, somente pode efetivar-se mediante a igualação gradual na abundância, cuja base material deve, preliminarmente, ser criada”. ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Idéias Políticas. p. 196, 197, 316. 42 traz os princípios constitucionais como direitos, não preceitos. Isso porque houve uma postura ideologizante do “progresso” das conquistas revolucionárias, verdadeira barreira à democracia. Sendo assim, através da hermenêutica como “teoria ou filosofia da interpretação dos sentidos” 93 , têm-se os princípios constitucionais entendidos também como normas de forma a “operarem ativamente no ordenamento ao condicionarem a leitura das regras, sua contextualização e interrelações”94. Foram as conquistas destas revoluções sociais e intelectuais que propiciaram ao legislador do final do século XX e início do XXI compreender a importância de proteger, muitas vezes acima de direitos, deveres e obrigações, aqueles Direitos fundamentais conquistados pelas revoluções históricas de cunho social. Pode-se dizer que a fonte de maior expressão dos Direitos fundamentais surgiu em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esses Direitos vêm sendo tratados independentemente de qualquer vontade 95 , inerentes à natureza humana, de forma que nada poderia, legitimamente, impedir sua concretização. Nota-se, neste sentido, a forte carga jusnaturalista96 na justificativa dos direitos de reivindicação social. As normas (fruto destas exigências) ficam, assim, pervertidas em ideologia. Desta feita, entende-se a justificativa da proteção de preceitos fundamentais como opressivo. Entretanto, é de extrema necessidade a existência de leis protetoras e asseguradoras da promoção do cidadão. O que fica em questão é sua justificativa de “ser”. O modelo capitalista força, de maneira lógica, o aparelho 93 93 94 95 96 Ver cap. 6.3, p. 38 para maiores informações quanto à questão da democracia, sua definição e sua efetivação. O sentido de hermenêutica em sua forma contemporânea e como está apresentada é de Joseph Bleicher, e se divide em teoria hermenêutica, filosofia hermenêutica e hermenêutica crítica. LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos Continuados de Teoria do Processo. p. 118. A observação do prof. Menelick de Carvalho Neto traz a questão da sobreposição constitucional aos demais ramos jurídicos, levando as demais normas ao direcionamento segundo a Carta Brasileira de 1988. LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos Continuados de Teoria do Processo. p. 119. LIMA, J. B. de Souza. As mais antigas normas de Direito. p. 119 e Seg. A critica ao emprego na ciência do jusnaturalismo pode ser expressada pela seguinte passagem: “no trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade”. ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 21. 43 econômico à “enquadrar o indivíduo de maneira tão pouco representativa da verdadeira qualidade dos homens quanto o valor o é dos objetos de uso” 97. Neste sentido, os Direitos fundamentais devem fornecer obstáculos ao sistema econômico de modo a garantir a descoisificação do cidadão. Isto é, seu pilar existencial calca-se no modelo da economia vigente, de modo que tenderá à perenidade enquanto não surgirem mudanças nos sistemas adotados. Ocorrendo modificações substanciais, há necessidade de novas adoções normativas, desmistificando a relevância de preceitos. Justificada a questão dos Direitos fundamentais, segue-se a importância para a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações da Declaração Universal dos Direitos do Homem: fica proclamado que todo homem tem direito à segurança social e à realização dos direitos econômicos, culturais e sociais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade (art. 22). Ocorre a tentativa de regulamentação dos aspectos negativos do mercado através da restrição e do disciplinamento. Neste ponto, pode-se visualizar certa tendência à despatrimonialização. O individualismo caracterizado por uma patrimonialização exacerbada abre espaço para o surgimento do Estado Social, fruto da Revolução Industrial. Trata-se da passagem do paradigma liberal do contrato, evidenciando o princípio da autonomia da vontade (única fonte geradora de direitos e obrigações), para o paradigma social do contrato, utilizando-se do princípio da autonomia da vontade somado ao da imperatividade. Desta forma, tem-se, num primeiro momento, um Estado caracterizado apenas por garantir as regras estipuladas pela vontade das partes contratantes (verdadeira retomada ao dispositivo romano calcado na exigência de que os pactos devem ser observados, mantidos e cumpridos - Pacta Sunt Servanda). Assim, as partes criam leis entre elas através da vontade98. 97 98 ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 40. Ademais, deve-se primar por aparelhos legais de contenção do capitalismo, quais sejam, os Direitos fundamentais. Na medida em que os contratos são igualados à Lei, a qual possui o poder de impor condutas universais e coativas, iguala-se da mesma forma o poder. RUGGIERO, Roberto de – Instituições de Direito Civil – p 345. 44 6.2 – PACTA SUNT SERVANDA NA ÓTICA DA ESCOLA DE FRANKFURT Muitas vezes, estas leis formadas pelos contratantes por intermédio do princípio da autonomia da vontade sobrepõem-se à própria Lei devido à “ausência” do Estado. Diante da afirmação da “vontade” de contrair obrigações, severas críticas são tecidas contra o ideal de liberdade de escolhas que calcam a abstinência Estatal quanto aos contratos. A idéia da satisfação de “necessidades” apresenta-se internalizada nos indivíduos através da cultura e dos veículos de comunicação os quais indicam os comportamentos estabelecidos como “únicos naturais, decentes e racionais”99. O comportamento desses indivíduos é decidido pela “mercadoria dos valores” provida pelo aparelho econômico. Theodor Adorno, ícone da primeira geração de pensadores da teoria crítica social da Escola de Frankfurt, exemplifica a questão da liberdade aparente através dos empresários “que acaba por revelar sua natureza compulsiva nas lutas e acordos a que não conseguem escapar” 100. Isto é, a imposição pela divisão do trabalho é alimentada pelos homens e, de certa forma, eles próprios a constituem101. Pode-se observar a figura de Marx por detrás dessa linha de pensamento. Justamente na afirmação (irônica) de que o capital é “uma relação natural, universal e eterna”102 que Marx primeiramente discutiu o círculo vicioso que se forma à partir dos atos dos indivíduos voltados para a economia. Desta feita, ocorre uma servidão do homem para com a economia, justificando a crítica à liberdade. Essa falsa liberdade representa, justamente, o ideal escondido por trás do 99 100 101 102 Ademais, o princípio da Autonomia da Vontade, nesta época, era visto como solução social e econômica, sendo tratado, na maioria das vezes, como Lei suprema no que concerne o Direito Contratual. ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 40. ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 49. ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 41. Ademais, Adorno aponta que o trabalho social dos indivíduos se encontra envolvido por um mediatismo do princípio do eu na economia burguesa (sendo este a restituição do capital aumentado para um lado da relação e a força para um excedente de trabalho para o outro lado). MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. p 5. 45 Pacta Sunt Servanda. O fato de se contrair obrigações não deve ser entendido como simples opção. Não há opção, mas direcionamento proveniente de um forte controle social fruto de uma herança autoconservadora. Assim, as relações de direito são criadas pela forma de produção vigente, representando verdadeira união orgânica entre uma e outra 103 . Neste sentido, têm-se o contrato como ligação entre o comportamento direcionado do indivíduo e o sistema de produção. Apresenta-se como uma ferramenta necessária e indispensável para a efetiva inclusão social imposta pela economia, não apenas fazendo parte imprescindível da “finalidade social”, mas representando, ele próprio, uma imposição. Mais tarde, a concepção de contrato, antes fundada no individualismo, abriu espaço para a concepção coletivizada, isto é, solidificava-se a idéia de função social dos contratos104. Neste momento, passou-se a reconhecê-lo como algo de interesse da sociedade. Importava não somente a manifestação da vontade de maneira consensual, mas os efeitos que seriam criados na sociedade. Assim, o dispositivo romano de observação irrefutável do cumprimento dos contratos (Pacta Sunt Servanda) recebe uma obstacularização, qual seja, uma imposição social de direcionamento de sua formulação, interpretação e observação. 6.3 – A DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTO PARA A DESPATRIMONIALIZAÇÃO 103 104 MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. p 6. Não mais importa que os contratos sejam fruto da vontade das partes. No momento do Estado Social, entende-se que esta vontade deva ser somada imprescindivelmente ao interesse da coletividade. Desta feita, havendo contrato seguindo este paradigma, têm-se a sociedade interessada no devido adimplemento da obrigação. 46 A democracia como base jurídica não representa, necessariamente, pressuposto para o Estado de Direito e o Estado Social. Porém, Habermas pontua que, através dos direitos liberais ofertados pela história, calcados na posição social do proprietário privado, entende-se a possibilidade de ser, sob pontos de vista funcionais, a institucionalização de um sistema econômico dirigido pelo mercado, e, sob a ótica normativa, como “a garantia de determinadas liberdades subjetivas privadas”. Quanto aos direitos sociais, sob a luz dos direcionamentos funcionais, significam a instalação de burocracias do Estado do bem-estar social, ao passo que, sob o prisma normativo, eles “garantem pretensões compensatórias para uma distribuição justa da riqueza social”105. Assim, Habermas demonstra, através das definições alhures, que tanto as liberdades subjetivas como as garantias sociais podem ser compreendidas como fundamento jurídico para a autonomia social que, por sua vez, possibilita a efetivação da defesa de direitos políticos. Deduz-se, então, que não configuram contextos necessários, e sim empíricos. Esse empirismo propiciou, através do contínuo respaldo realista após a Segunda Grande Guerra, a adoção de regimes que visavam atender à realidade vivida. Desta maneira, o Estado Social cedeu lugar para o Estado Democrático de Direito, cujas raízes já podiam ser evidenciadas no século XVIII. Entende-se melhor a mudança ocorrida quando se examina a questão da democracia. Esta, no âmbito jurídico, traz a idéia de liberdade e igualdade de direitos somada à liberdade e igualdade de oportunidades 106 . Implica diretamente na afirmação de valores fundamentais da pessoa humana, além da observância de uma organização e funcionamento do Estado “tendo em vista a proteção daqueles valores”107. Assim, é 105 106 107 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Vol I, p. 109. Todas as espécies de Democracia têm em comum o escopo último de prover as condições para o pleno e livre desenvolvimento das capacidades humanas, essenciais a todos os membros da sociedade. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p. 329 (Democracia formal e Democracia substancial v.b.). DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. 1998. p. 145. 47 implícita a questão da exigência de certos padrões de vida. É no Estado Democrático de Direito que a dignidade humana é verdadeiramente estabelecida nas bases constitucionais. A preocupação em defender aqueles direitos considerados como fonte para uma vida digna recebeu dos legisladores uma atenção especial. Na promulgação da Constituição da República de 1988, fica bastante clara esta posição. Logo no art. 1o a dignidade da pessoa humana e a cidadania são vistas como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em última análise, a Democracia, sobretudo sob a ótica legal (positivada), representa a defesa de três grandes grupos de princípios. Estes são conhecidos tanto na doutrina quanto nas normas positivadas como o direito de locomoção, o direito de expressão e o direito de reunião. Destes três grupos os seus respectivos desenvolvimentos consubstanciam os Direitos políticos com que consolida-se a idéia do sistema político democrático (art. 5º, IV, V, VI, VIII, IX, XV e XVI da Constituição Federal de 1988). Obstacularizado qualquer desses princípios, desconfirma-se a democracia. A prova desta tese apresenta-se inserida na história brasileira, de março de 1964 a março de 1979, quando consolidou-se a ditadura militar pela deposição de João Goulart. A exacerbação da coerção Estatal e o desrespeito rotineiro aos direitos fundamentais e democráticos levaram os constituintes da presente Carta Fundamental a solidificar no texto constitucional o repúdio a qualquer forma de impedimento do exercício da cidadania e da promoção do cidadão. O intuito dos legisladores foi, justamente, evitar a propagação dos ideais que prevaleceram por quase duas décadas, onde a divergência de opiniões era tratada como “atentado contra a pátria”, as reuniões de partidos oposicionistas como atos de “subversão”, entre tantos outros abusos. Parson, através de seu estudo do sistema da sociedade moderna, apresenta ótica mais minuciosa quanto à questão. Aponta a revolução educacional como síntese, em termos, dos temas das revoluções industrial e democráticas, 48 proporcionando o conceito de “igualdade de oportunidades e igualdade de cidadania”108. Por intermédio desta idéia, têm-se a possibilidade de os indivíduos socializados afirmarem-se na qualidade de sujeitos. Consequentemente, fica a necessidade da expansão dos direitos dos cidadãos como referência empírica, objetivando, além de estabelecer a possibilidade da participação política no processo democrático da formação da opinião e da vontade, a defesa da promoção do cidadão através da igualdade de chances de formação. Com este pensamento, as bases criadas no século XVIII foram desenvolvendo-se até os tempos presentes, tornando, assim, possível falar em despatrimonialização do Direito das Obrigações. Nota-se, em certos aspectos, a inversão do núcleo do Direito das Obrigações Contratuais, do patrimônio para a pessoa do devedor. O maior interesse neste momento deixa de ser a execução da dívida propriamente dita. A proteção de uma situação de vida que permita exercer a cidadania e mantenha intacta a dignidade humana passa a ser prioridade para sociedade e governantes. 6.4 – A LEGISLAÇÃO CALCADA NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Embora a idéia de Estado Democrático de Direito tenha sido abordada exaustivamente tanto por este texto quanto por outros, cumpre ressaltar que a idéia deste paradigma apresenta-se em vias de construção. A legislação maior não o define, mas o impõe como direção para toda a ramificação jurídica específica. Nesta direção algumas medidas e tendências legislativas cujos pilares são a defesa dos direitos de ordem elementar através de normas e propostas de natureza despatrimonializante fazem-se presente no meio de leis mais antigas, regidas por 108 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Vol I, p. 107. 49 outros paradigmas. Primeiramente, tem-se as sugestões ao substitutivo da Lei de Falências109. A adaptação da Lei Falimentar é discutida para proteger a continuação da empresa em crise. A base do argumento é simples: a empresa que fale gera desemprego e insegurança econômica. Havendo um administrador judicial que tenha por responsabilidade a administração dos bens do devedor ou o auxílio ao devedor com o mesmo fim, durante o tempo de reestruturação, protege-se a economia do País e garantem-se empregos. É notória a mudança de esferas, de patrimônio para a pessoa. A sugestão de proteger, primeiramente, o meio que certa pessoa possui para garantir o sustento, isto é, o emprego, mostra que a insolvência de dívidas vem sendo considerada problema secundário no Direito das Obrigações Contratuais. O motivo vem em ordem Constitucional, como já salientado anteriormente. Neste passo, o cidadão que não possui forma de sustento, encontrando-se desempregado, recai num estado de grandes dificuldades para exercer a cidadania. O papel do Estado é justamente facilitar e garantir este direito, através da intervenção do Ministério Público, proporcionando um mercado mais estável e seguro. A defesa dos direitos básicos do sistema Democrático do Estado de Direito, protegido pela Constituição Federal, representa, verdadeiramente, a despatrimonialização do Direito das Obrigações. Neste sentido, aos operadores do Direito coube a formulação de normas legais para evidenciar essa proteção. Destacam-se, atualmente, tanto jurisprudência quanto leis pertinentes ao assunto. A Lei número 8.009, de 29 de março de 1990110 possui especial relevância pois, a partir de sua promulgação, têm-se dispositivos concernentes à impenhorabilidade do bem de família. Desta feita, fica preservado acima de dívidas civis, comerciais, fiscais, previdenciárias, entre poucas exceções, o imóvel residencial próprio da entidade 109 110 www.apriori.com.br/artigos/falimentar/064.htm 28/06/2001. BRASIL. Lei No 8.009, de 29 de março de 1990. WWW.senado.gov.br. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Oferece, entretanto, exceção à regra, visto o disposto no seu art. 3 o, apontando, dentre outras a serem tratadas posteriormente, a questão da hipoteca. 50 familiar. Esta lei demonstra o esforço em preservar o teto que protege o cidadão. Há interesse em evitar a marginalização e garantir um mínimo de estrutura familiar, qual seja, a moradia. Outro obstáculo que a referida lei procurou contornar é o problema gerado pela falta de endereço próprio. A preocupação ocorre porque, não havendo local de residência para informar, criam-se, de forma direta, obstruções ao exercício da cidadania. O parágrafo único da mencionada Lei 8.009 vai mais longe, determinando a impenhorabilidade não somente do imóvel sobre o qual se encontra a construção, plantações e benfeitorias, mas dos equipamentos de qualquer natureza (inclusive os de uso profissional) e móveis quitados que guarnecem o imóvel. A explicação recai, da mesma forma, no Direito Constitucional. Aparelhos como televisão e rádio possuem a função de informar sobre os acontecimentos da sociedade. Desta forma, o cidadão toma conhecimento do que acontece ao seu redor, recebendo a chance de utilizar-se ou não desta informação ou, inclusive, discordar e tentar impor seu diferente ponto de vista. Privando a pessoa daqueles veículos de informação, obstruem-se seus direitos. Quanto à jurisprudência, caracterizada por um conjunto de decisões uniformes e constantes dos Tribunais111, no que diz respeito à despatrimonialização, resultam da sua aplicação casos semelhantes àqueles relatados acima sob a vigilância da Lei 8.009. Entende-se certo a afirmação de que o juiz tem como função aplicar o Direito e não o criar, além de julgar caso concreto cuja decisão não pode ter valor de norma geral. Entretanto, a jurisprudência é considerada fonte do Direito por influir na produção de sentenças, além de, sob certa forma, impor uma nova concepção dos institutos jurídicos ao legislador, o qual, quando houver formulação para expedição de leis, trate-os segundo orientação jurisprudencial. Neste ponto é pertinente mencionar o seguinte aforismo: “É melhor ter o conhecimento dos julgados do que das previsões da Lei”. Isto é, a reflexão de 111 No decurso dos séculos XIX, XX e XXI o papel da jurisprudência tem sido crescente e constante, realizando uma uniformidade real na interpretação das leis e uma adaptação constante às realidades da vida social. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 505. 51 natureza prática exposta indica a grande relevância da jurisprudência, fundamentando (juntamente com o que já foi tratado) as exemplificações posteriores a serem versadas no presente texto. Fica então a pergunta: poderia o devedor simplesmente e, em qualquer caso, deixar de cumprir com um contrato fruto de sua vontade? A resposta é, logicamente, negativa. A dívida persiste, apenas não se admitindo a execução destes itens, móveis e imóveis, já mencionados. No entanto, a referida Lei comporta certas exceções, como a aceitação da penhora pelo credor de pensão alimentícia, pela execução da hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real, dentre outros. Aqui, a teoria da boa fé contratual é bastante utilizada, excluindo-se da proteção da lei em epígrafe aquelas pessoas que adquirem imóvel como produto de crime, ou aquelas que, por entenderem-se insolventes, adquirem de má-fé imóvel mais valioso com o objetivo de transferir a residência familiar. Ao final, temos a defesa daquele imóvel utilizado para a moradia familiar que obedece a teoria da boa fé. Havendo mais de um imóvel, será impenhorável aquele de menor preço ou aquele registrado para este fim no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil de 1916. Incluído no capítulo concernente aos bens de família (Capítulo V – do Bem de Família), o artigo em questão nos traz a seguinte redação: “É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio”. O novo Código Civil, resultado da Lei 10.406/2002, mudou a redação do dispositivo, além de transferi-lo para o art. 1.715: 52 “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”. Como complemento à nova redação, temos o parágrafo único do art. 1.715: “No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos de dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz”. O Tribunal da Quarta Região já oferece jurisprudência quanto à impenhorabilidade dos móveis que guarnecem a residência do devedor, baseando seu julgamento na Lei 8.009, de 1990112. Mais recentemente, a Lei número 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 113 traz novos parâmetros para diminuir o problema do acesso ao exercício da cidadania: quaisquer atos necessários para capacitar o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da Constituição Brasileira, serão gratuitos. O que se entende por todos estes esforços do legislador é a tentativa de alcançar uma sociedade onde ao indivíduo são oferecidas diferentes proteções aos seus Direitos fundamentais. O indivíduo sem residência não é cidadão pois não possui as ferramentas para exercer seu papel na sociedade. Encontra-se 112 113 Acórdão proferido pelo tribunal da Quarta Região. Processo 91.04.23644-0. WWW.trf4.gov.br. BRASIL. Lei No 9.265, de 12 de fevereiro de 1996. Regulamenta o inciso LXXVII do art. 5 o da Constituição, dispondo sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania. Ficam, assim, resguardados direitos constitucionais como, além dos já expostos, aqueles que visem garantias individuais e a defesa do interesse público, através de requerimentos ou petições de ordem gratuita. 53 marginalizado. De forma semelhante ocorre com o indivíduo desprovido de educação escolar ou emprego114. Grandes feitos foram proporcionados pela criação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor115. Este, criado para facilitar o cumprimento do art. 5 o da Constituição Federal, demonstra a atual tendência na adoção de um novo modelo de interpretação do Direito das Obrigações. O art. 6o desta Lei, ao apresentar os direitos básicos do consumidor, determina a modificação de todas as cláusulas que constem do contrato e que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (a esta última, evidencia-se a teoria da imprevisão, a ser discutida posteriormente). Desta maneira, o contrato já não se rege pela autonomia da vontade ou pela propriedade individual, mas por princípios fundados na pessoa humana, assim como na possibilidade de sua promoção diante do atual modelo de Estado116. Neste passo, entende-se que, para a sociedade, as dignidades social, política e econômica do cidadão passam a importar mais que a satisfação de certos créditos. Isto é, a solvência de uma dívida que acarrete diretamente na perda das dignidades acima mencionadas é vista como um pagamento caro demais, portanto, desproporcional. 114 115 116 Quanto ao emprego, a Constituição Federal não afirma haver a necessidade de ser empregado para ser cidadão. Entretanto, consoante Adorno e Horkheimer, há uma situação complexa criada pela modelação das possibilidades pela produção de mercadoria que se pode comprar no mercado. Neste sentido, os autores indicam que o sistema de mercado (ditado pelo capital) é verdadeiro obstáculo à liberdade. A vida em sociedade exige conformidade com o sistema econômico. Segundo esses clássicos da Escola de Frankfurt, “estar excluído do trabalho, na situação dada, também significa mutilação, tanto para os desempregados, quanto para os que estão no polo social oposto”. Portanto, embora a Carta de 88 não aponte para a necessidade do emprego para que se exerça a cidadania, entende-se haver, verdadeiramente, exclusão social. ADORNO, Theodor W.. Dialética do Esclarecimento. 1985. p. 27, 35. O desejo por analisar o comportamento do consumidor em profundidade já ocorria no séc. XIX, através dos estudos de Alfred Marshall. O estudo baseava-se na questão de satisfação do consumidor e da maximização dos lucros por parte do produtor. VASCONSELOS, Marco Antônio. Fundamentos de Economia. p. 18. Entretanto, a idéia de o Estado defender o polo hiposuficiente corporificado na pessoa do consumidor ainda estava por vir. O paradigma do Estado Democrático de Direito pode ser observado nas bases da Constituição Federal de 1988. O mesmo não se pode dizer quanto à base do Código de Defesa do Consumidor. Este, segue o paradigma do Estado Social. Entretanto, no que diz respeito à relação contratual, estes dois paradigmas seguem semelhantes caminhos, quais sejam, os expostos anteriormente. 54 6.5 – A NATUREZA DESPATRIMONIALIZANTE DA TEORIA DA IMPREVISÃO Destarte, nota-se certa semelhança entre a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações e a cláusula rebus sic stantibus. O ponto comum de congruência é, exatamente, sopesar o ônus do adimplemento, verificando qual o ideal a seguir em determinada situação. Neste compasso, temos, consoante Roberto de Ruggiero, o subentendimento de que sempre haverá cláusula rebus sic stantibus: “quando uma alteração mais ou menos profunda se verifique mais tarde no estado de fato existente ou tido em conta pelos contraentes no momento do acordo...” podendo “...o obrigado invocar a rescisão do contrato que para ele se tornou excessivamente gravoso”117. Será subentendida a idéia pois a cláusula em evidência não foi introduzida nos códigos pelos compiladores dos códigos civis brasileiro de 1916 e francês, mas abraçada amplamente pela doutrina. Apenas com o advento do código civil de 2002 que houve o devido acolhimento da teoria da imprevisão. Está contido no art. 317 do Livro I (Do Direito das Obrigações) 118 . A grande diferença entre a teoria da imprevisão (cláusula rebus sic stantibus) e a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações está no fato de a última defender o devedor através dos 117 118 RUGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Vol. III. p. 350. Código Civil de 2002, art. 317: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”. 55 Direitos Constitucionais, isto é, prima pelo uso do Direito Civil apenas após garantido os direitos básicos do cidadão. 6.6- A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE RECONSTRUÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES A questão constitucional merece especial atenção. A Carta de 1988, base para toda legislação brasileira, apresenta-se regida pelo paradigma do Estado Democrático de Direito. Neste sentido, fica o entendimento de que as raízes deste paradigma alcançam todos os demais ramos do Direito. Entretanto, há forte incidência de outros paradigmas de Estado em diferentes matérias legais no país. Desta feita, fica problematizada a questão, onde as matérias legislativas deveriam comportar-se segundo a Lei maior. Contudo, a dialética entre Estado Liberal e Estado Social apresenta-se de forma muito mais evidente. Este conflito de princípios está presente em todos os ramos do Direito, sendo responsável por uma forte instabilidade de certezas. A melhor exemplificação desta dualidade está, na Ciência jurídica brasileira, contida no Código de Defesa do Consumidor e no Direito do Trabalho em contraposição ao Código Civil. A Consolidação das Leis Trabalhistas representa, talvez, o ápice da obediência aos preceitos do Estado Social, onde o intervencionismo estatal é extremamente forte119. Entretanto, há uma tendência dos últimos tempos (devido ao neoliberalismo) de flexibilizar a CLT. Neste ponto, tem-se uma tendência do ponto de vista do Estado Liberal. No que diz respeito à despatrimonialização do Direito das Obrigações, é notória a necessidade de se fixar e cumprir as bases do Estado Democrático de Direito, em detrimento dos ideais 119 A intervenção estatal vem de forma a defender certa classe social que se encontra constantemente como o lado hiposuficiente da relação jurídica. São os casos do trabalhador e do consumidor. 56 liberais120. Infelizmente, não foi com o advento do Novo Código Civil que houve melhoramento no sentido democrático. Seu projeto iniciou-se em 1972, antes da promulgação da Constituição de 1988. Desta feita, mesmo considerando as muitas emendas surgidas ao longo dos anos, tem-se uma compilação de leis baseadas no liberalismo econômico, já bastante ultrapassada. Isto porque os legisladores da época ainda desconheciam as muitas e recentes modificações legislativas, como o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a própria Constituição Federal de 1988. Pertinente é esclarecer tratar-se a teoria da despatrimonialização de um desenvolvimento dos ideais surgidos juntamente com a gênese do Direito, primando pela paz social e pela proteção dos Direitos fundamentais estabelecidos constitucionalmente. A passagem do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito trouxe mudanças fundamentais para o Direito. Teorias como a Autonomia da Vontade passaram a receber diferentes interpretações, visto seu surgimento advindo do Código Napoleônico121 (extremamente liberal, abstendo o Estado do contrato) e adentrando os ideais intervencionistas estatais provenientes das lutas sociais 122 . Todavia mantiveram suas respectivas essências, recebendo, atualmente, corporificação no art. 5o da Constituição Federal brasileira, cuja redação apresenta-se nestes termos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. É a vontade de contrair obrigações com o direcionamento devido 120 121 122 O governo defendido pelo sistema do Estado Democrático de Direito é aquele em que o povo toma as decisões compreendidas como importantes e que dizem respeito às políticas públicas. Essas decisões não devem ser feitas de modo esporádico e sim pautando-se aos princípios de legalidade de cunho permanente. Deve-se salientar que o paradigma do Estado Democrático de Direito pode ser presenciado, salvo poucas exceções, na Carta Magna. Foi fruto da revolução Francesa, com o intuito de realizar uma unanimidade legislativa, isto é, a fusão do Direito Romano com o Direito costumeiro. Apresenta-se com forte tendência individualista, por isso é considerado extremamente burguês. Foram a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e a Revolução Francesa os três grandes movimentos político-sociais que trouxeram para o plano prático os princípios intervencionistas protetores. Esses princípios foram imortalizados pelo Bill of Rights inglês, a Declaração de Independência das 13 colônias americanas e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de ordem francesa, mas de cunho universal. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. p. 147 57 e sujeita à intervenção do Estado. Nunca poder-se-ia indagar que a teoria em epígrafe afirma que o cumprimento dos contratos ocorre subordinado à vontade do devedor. Assim, não se fala em não-pagamento, mas nas conseqüências do adimplemento, visto que o credor tem o direito de ver realizado pelo devedor (ou seu representante) a obrigação contraída por livre convenção das partes. Para tanto, o credor dispõe de uma gama de instrumentos legais para garantir seus direitos. O Novo Código Civil traz, em seu art. 313, a base para o reclame do que lhe é devido123. Desta maneira, a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações traz o respeito aos direitos do credor vinculado à escolha mais humana da forma de adimplemento a ser sentenciada (observando o princípio da eqüidade124), de modo a assegurar, ao último, a manutenção dos direitos fundamentais de dignidade e cidadania, entre outros. Neste compasso, entende-se necessário que, ao julgar, o juiz continue aplicando o Direito, mas de um modo subordinado às garantias fundamentais de ordem Constitucional, visando assegurar uma sentença justa para ambos, credor e devedor. 123 124 “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”- Código civil de 2002, art.313, Título III, Cap. I Seção III. A antiga redação (Código Civil de 1916) era “o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa” (art. 863). Trata-se da apreciação, de um julgamento justo feito através do respeito à igualdade de direito de cada indivíduo, que independe da lei positiva, mas de um sentido do que se considera justo, tendo em vista as causas e intenções. Miguel Reale relembra Aristóteles quando trata de normas de eqüidade: “para o autor da Ética a Nicômaco, a eqüidade é uma forma de justiça, ou melhor, é a justiça mesma em um de seus momentos, no momento decisivo de sua aplicação ao caso concreto. A eqüidade para Aristóteles é a justiça do caso concreto, enquanto adaptada, “adjustada” à particularidade de cada fato ocorrente”. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p. 122, 123./ Ademais, a expressão de uso romano Aequitas condicionum significa, justamente, a igualdade das condições que prima o princípio em evidência. 58 CONCLUSÃO O Direito Civil-Constitucional A humanidade, de Aristóteles a Benjamin N. Cardozo, sempre acompanhou o espírito crítico das revoluções intelectuais. A oferta de teorias e seus diferentes fundamentos representa assunto que se desdobra na história. A proposição de uma nova idéia ou a reforma de uma já existente costuma ser o norte daqueles que se identificam com os valores científicos da pesquisa. Para estes, apenas através da 59 comunicação e interação das propostas é que, realmente, consolida-se a ciência. Neste sentido, a verdadeira questão das discussões específicas tende a sumariar seu conteúdo, possibilitando restringir as pretensões em poucas linhas, viabilizando críticas e comentários. Foi nesses termos que os grandes filósofos do Direito direcionaram a apresentação de seus escritos, e assim pretende-se nesta conclusão. Submetida a esta tese, a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações consubstancia a inversão do núcleo gravitacional do patrimônio para o ser humano como ser social, livre, igual em oportunidades e cidadania. A possibilidade evidenciou-se através de uma análise histórica das situações sociais e relações do Direito de caráter creditício (entre credor e devedor), a qual ofertou uma fundamentação da situação jurídica que culminou na adoção do Código de Defesa do Consumidor no ano de 1990. Assim, a análise das mudanças de paradigmas no Direito Romano, no Direito Medieval e no Direito Moderno, até a Revolução Industrial possibilitou o entendimento de desenvolvimentos distintos dentro da Ciência Jurídica. No que concerne o Direito das Obrigações, obra-prima da legislação romana, poucas mudanças ocorreram da antigüidade à contemporaneidade. A força dos diversos fatores sócio-econômicos se estenderam pela história e possibilitaram a herança deste instituto na atualidade. Entretanto, se por um lado a ótica civilistica manteve-se praticamente estática aos novos ideais ofertados, o movimento constitucionalista vêm apresentando um desenvolvimento constante promovido através do intercâmbio com as demais ramificações jurídicas especializadas. Assim, o pouco que as mudanças e revoluções afetaram a positivação dos institutos creditícios foi contrabalançado pelo significativo desenvolvimento dos ideais democráticos. Justamente nessa conexão é que se funda a teoria em epígrafe. A idéia baseia-se na limitação da economia através da efetividade dos Direito-garantias constitucionais. Assim, o Direito Privado, como todas as demais ramificações constitucionais, deve 60 primar pela garantia democrática através da observação dos critérios estabelecidos pelo constituinte da Carta de 1988. As matérias pertinentes ao Direito, sobretudo as do Direito Civil, foram examinadas à luz da hermenêutica voltada para os princípios constitucionais. Justifica-se, assim, o repúdio a específicos sistemas romanos adotados pelo ordenamento maior brasileiro. A abordagem interpretativa do paradigma do Estado Democrático de Direito como início dos debates jurídicos aponta severas críticas ao acolhimento de dispositivos como, dentre outros, o Pacta Sunt Servanda. Assim, o Código Civil, promulgado em 1916, foi estudado sob a ótica da Constituição Federal de 1988, visto ser fundamentado na doutrina liberal do início do século XIX. A autonomia da vontade e a propriedade privada, defendidas e aplicadas há séculos, abrem espaço para o paradigma que pode ser, talvez, o de maior abordagem humanista já visto, qual seja, o Estado Social. Contudo, tanto este quanto aquela não apresentam os ideais referentes ao paradigma do Estado Democrático de Direito, verdadeira aspiração das vontades sociais do século XXI. A questão se estabelece, num momento final, no choque de ideais que trazem, de um lado, o Código Civil de 1916 (baseado na interpretação da autonomia da vontade e propriedade privada segundo bases liberais dos séculos XVIII e XIX), e de outro, a Carta de 88 (fundamentada na dignidade da pessoa humana calcada na democracia). Fica, aqui, o conflito entre patrimonialização e despatrimonialização. Quanto a esta divergência, pouco mudou em relação à adoção do novo Código Civil, de 2002, devido ao fato de ter sido este criado antes mesmo da promulgação do Constituição de 1988, como já foi devidamente tratado. Entende-se, por todo o exposto, que os Direito-garantias fundamentais são a base de nosso ordenamento jurídico. Com a constitucionalização do Direito, todas as normas são postas de acordo com e abaixo hierarquicamente à Constituição Federal. Justamente através desta hierarquia é que a tese assim se confirma, restando o ponto de maior relevância 61 do presente texto apontar o uso de forma preferencial desses direitos (de ordem constitucional) em detrimento aos outros. O cerceamento da liberdade de ação em benefício de uma pessoa (determinada ou determinável) com que se figura a obrigação passa a constituir conceito inaceitável para as aspirações presentes no séc. XXI. Deve-se, primeiramente, garantir meios para a promoção do indivíduo somada à proteção da dignidade da pessoa humana para que, num outro momento, faça-se cumprir as demais normas jurídicas. Por conseguinte, o núcleo das relações de ordem creditícia passa a relevar, em primeiro plano, as figuras processuais e, num momento posterior, o adimplemento obrigacional. Trata-se do sentido pelo qual o sistema democrático condiciona a legislação, representando condição da mais alta prioridade para a harmonia legal. O entendimento doutrinário oferece sempre a primazia do gênero sobre a espécie. Neste sentido, se uma norma da mais alta hierarquia impõe um direcionamento, haverá subordinação para o caminho apontado. Havendo desobediência, no que concerne ao Direito, entende-se a aplicação de revogação expressa daqueles princípios pela Carta Constitucional. Em qualquer tempo, desde a história antiga à contemporânea, a razoabilidade da ciência pouco apontou para a legislação ou decisões judiciais. Seu sentido menos ideológico sempre foi o estudo da sociedade, de sua história e economia. A idéia de “desenvolvimento” do Direito que não releva objetivamente essa tese está fadada a severas críticas por formar bases ideológicas, afirmativas irrefutáveis ou verdades absolutas. Desta feita, a teoria da despatrimonialização do Direito das Obrigações oferece base argumentativa para viabilizar aos “operadores do Direito” meios consistentes de interpretação calcados nos princípios do Direito Constitucional, objetivando, em última análise, obstacularizar, através da efetividade dos Direito-garantias, o desenvolvimento pleno da economia que se dá através da restrição da personalidade do devedor. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução Guido Antônio de Almeida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1985. 254 p. ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Concordata. 19ª ed, revisada e atualizada. São Paulo. Saraiva, 2001. 559 p. ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 6a ed. São Paulo: Ícone, 1995. 301 p. 63 ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Idéias Políticas. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1987. 357 p. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 8a ed. Brasília, DF. UNB, 1995. 2 v. BRASIL. Código Civil. Lei número 3.071, de 1o de Janeiro de 1916. Organizador Yussef Said Cahali. 4a ed. Atualizada e Ampliada. São Paulo: RT, 2002. BRASIL. Novo Código Civil : Lei 10.406/2002. Texto comparado: código civil de 2002, código civil de 1916 / Sílvio de Salvo Veloso, organizador. São Paulo: Atlas, 2002. BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor: Lei número 8.078, de 11 de setembro de 1990. 12a ed. Atualizada e aumentada. São Paulo. Saraiva, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil .Promulgada em 5 de outubro de 1988/ organização, revisão, atualização e índice por Geraldo Magela Alves e Equipe. Rio de janeiro: Forense, 2000. CAENEGEM, R. C. van. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. 1a ed. São Paulo. Martins Fontes, 1995. 252p. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 6a ed. São Paulo. Ática S.A, 1995. 440 p. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral Do Estado. 20a ed. São Paulo. Saraiva, 1998. 307 p. DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro. 17a ed. Volume VI. São Paulo: Saraiva, 2002. 543 p. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito, técnica, decisão, dominação. 2a ed. São Paulo. Atlas, 1994. 368 p. FIUZA, César. Direito Civil. Curso Completo. 3a ed. Belo Horizonte. Del Rey, 2000. 704 p. GAVAZZONI, Aluísio. História do Direito. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1999. 150 p. 64 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 3a ed. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. 813 p. HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 1997. 2 vol. HESPANHA, Antônio. Justiça e Litigiosidade/ História e Prospectiva. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. 560 p. JÚNIOR, J. Cretella. Curso de Direito Romano. 23a ed. Rio de Janeiro. Forense, 2000. 486 p. LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos Continuados de Teoria do Processo/ Coordenador Rosemiro Pereira Leal. Porto Alegre. Síntese, 2000. 188 p. LIMA, J. B. de Souza. As mais antigas normas de Direito. 2a ed. Rio de Janeiro. Forense, 1983. 225 p. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; O Rendimento e suas Fontes; A Economia Vulgar / Intr. Jacob Gorender; Trad. Edgard Malagodi. São Paulo. Abril Cultural, 1982. 242 p. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. 6a ed. Rio de Janeiro. Forense, 2000. 2 v. MORRIS, Clarence. Os Grandes Filósofos do Direito: Leituras Escolhidas em Direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo. Martins Fontes, 2002. 549 p. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 3a ed. Revista e aumentada. Rio de Janeiro. Forense, 1984. 279 p. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 17a ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. Vol. IV. 303 p. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24a ed. 2a Tiragem. São Paulo. Saraiva, 1999. 393 p. ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. O Processo Político no Brasil / Estados e Classes Sociais. Belo Horizonte. Del Rey, 1999. 269 p. 65 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Volume III, 1a ed. Trad. Paulo Capitanio. Atualizado por Paulo Roberto Benasse. Campinas. Bookseller, 1999, 860 p. SANCHEZ, Galo. Historia Del Derecho. 8a ed. Madrid. Réus, 1952. 194p. VASCONSELOS, Marco Antônio, GARCIA, Manoel. Fundamentos de Economia. São Paulo. Saraiva, 1999. 240 p. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 2a ed. Belo Horizonte. Del Rey, 2001. 431p.