O Papanicolau nas adolescentes: desmistificando controvérsias Denise Leite Maia Monteiro Prof. Adjunto da FCM-UERJ (Rio de Janeiro – RJ) Prof. Titular da UNIFESO (Teresópolis – RJ) Doutorado e Mestrado – Área: Saúde da Criança e da Mulher – IFF/FIOCRUZ (RJ) Secretária da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Infanto Puberal da FEBRASGO Vice-Presidente da Região Sudeste da SOGIA-BR Não há conflitos de interesse para esta apresentação Há 76 anos, a citopatologia periódica se mantem como o método de rastreio do CA colo útero mais adotado. (WHO, 2010) Incidência do Câncer de Colo de Útero por Estados Estimativa 2016 INCA Percentual de casos novos: 5,7% = 16.340 casos Risco estimado de 15,85/100.000 Colo do útero: terceira causa de câncer nas mulheres Incidência por 100 mil mulheres Estados onde o Câncer de colo do útero é neoplasia feminina mais frequente Incidência do CA do colo do útero : - 1º mais incidente na Região Norte (23,97/100 mil)., - 2º nas Regiões Centro-Oeste (20,72/100 mil) e Nordeste (19,49/100 mil), - 3º na Região Sudeste (11,30/100 mil) e - 4º na Região Sul (15,17 /100 mil). 17. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. 2011. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2013. O que é feito para prevenir? Prevenção secundária - Papanicolaou cels. esfoliadas Superficial (5 ou 6 camadas) Intermediária (cerca 8 camadas) parabasal (2 camadas) basal (1 camada) Prevenção primária • Condom masculino e feminino • Vacinas contra o HPV Citologia convencional Adenocarcinomas: podem ser Inacessíveis à escova endocervical 12 Carcinomas de células escamosas : geralmente acessíveis à coleta para Papanicolaou . Adaptada a partir da referência 5. • • • • 12 Representam 15–25% de todos os canceres do colo uterino1 São mais agressivos2 15 Representam a maioria dos cânceres em 3,4 mulheres jovens HPVs 16, 18 e 45 responsáveis por > 90% dos adenocarcinomas 1. YOUNG, JL. et al. Cervical adenocarcinoma in situ: the predictive value of conization margin status. Am J Obstet Gynecol, 197: 195.e1-195.e8, 2007. 2. HILDESHEIM, A. et al. Risk factors for rapid-onset cervical cancer. Am J Obstet Gynecol, 180: 571-7, 1999. 3. HADJIMICHAEL, O. et al. Histologic and clinical characteristics associated with rapidly progressive invasive cervical cancer: a preliminary report from the Yale Cancer Control Research Unit. Yale J Biol Med, 62: 345-50, 1989.. 4. SIGURDSSON, K. et al. Is it rational to start population-based cervical cancer screening at or soon after age 20? Analysis of time trends in preinvasive and invasive diseases. Eur J Cancer, 43: 769-74, 2007 5. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Falando sobre câncer do colo do útero. Rio de Janeiro: MS/INCA, 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/falando_cancer_colo_utero.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2013. Citologia em meio líquido Desvantagens (meio líquido) Vantagens: - 100% do material é enviado - Redução de amostras insatisfatórias - É possível realizar o teste DNA-HPV na mesma amostra • Técnica mais cara, • Não mais sensível ou mais específica do que a citologia convencional para detecção de HSIL ou lesão mais grave, • Não há diferença nas taxas de incidência e mortalidade por CA do colo uterino em relação à convencional. Arbyn et al. (2008) Genótipo do HPV Proporção de câncer cervical atribuído a cada tipo de HPV oncogênico 16 16 18 18 45 45 31 31 33 33 53.5% 70.7% 77.4% 80.3% 82.9% 85.2% 87.4% 88.8% 53,5 17,2 6,7 2,9 2,6 52 2,3 58 2,2 35 1,4 59 1,3 56 1,2 51 1,0 39 0,7 68 0,6 73 0,5 82 0,3 Other 1,2 4,4 X 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Casos de cancer do colo uterino e os genótipos mais freqüentes de HPV (%) MUÑOZ N et al. Int J Cancer; 111: 278, 2004 Desenvolvimento da lesão intra-epitelial escamosa cervical (SIL) • 95% das SILs se desenvolvem a partir da ZT Prevenção do Ca cervical EUA (Impacto do Papanicolaou + vacinação) 100 80 60 40 20 0 apenas vacina Pap test Vacina + Pap test Os melhores programas podem reduzir a incidência do CA de colo uterino em 80%. Se associada à estratégia de prevenção primária, poderemos chegar a ~100%. Lowy DR, Schiller JT. Prophylactic human papillomavirus vaccines. J Clin Invest 2005; 116:1167-73 Risco cumulativo de infecção pelo HPV no colo do útero em adolescentes do sexo feminino com apenas um parceiro sexual1 70 N= 242 60 50 40 30 20 10 0 0 12 24 36 45 Meses desde a primeira relação sexual Adaptado de Collins e cols.1 60 Risco cumulativo de infecção pelo HPV (%) Risco cumulativo de infecção pelo HPV (%) Risco de aquisição do HPV após a iniciação sexual Estudo em estudantes universitárias2 70 60 N= 603 40 20 0 0 4 8 12 16 24 24 2836 36 404844 52 60 Meses desde a primeira relação sexual Adaptado de Winer e cols.2 1. Collins S, Mazloomzadeh S, Winter H et al. BJOG 2002;109:96–98. 2. Winer RL, Lee S-K, Hughes JP, Adam DE, Kiviat NB, Koutsky LA. Genital human papillomavirus infection: Incidence and risk factors in a cohort of female university students. Am J Epidemiol 2003;157:218–226, com permissão da Oxford University Press. Incidência de citologia alterada / ano de atividade sexual Em 5 anos, a probabilidade de ocorrência de alt. citológica foi de 40% Monteiro et al. Cad. Saúde Pública. 2009; 25 (5):1113-22. Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero - 2ª edição (2016) • Trata-se da revisão e atualização da 1ª edição, publicada em 2011, que foi resultado da revisão, atualização e ampliação do segmento de: • Recomendações da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas publicada em 2006. Qual é o principal objetivo do rastreio? • Detectar e tratar as lesões de alto grau, visando prevenir o potencial de progressão para o carcinoma invasor. • Ação final: reduzir a mortalidade do câncer do colo uterino 4 Ministério da Saúde. Coordenação de Programas de Prevenção e Controle de Câncer (ProOnco). Instituto Nacional do Câncer (INCA). 2016. Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero População-alvo • Virgo – não rastrear • ♀ <25 anos – sem impacto na redução da incidência ou da mortalidade por CA colo do útero (pq incid. é baixa). • Perde-se apenas 1% de redução da incidência cumulativa do CA colo do útero. • Brasil, 2007 a 2011: 26.249 casos CA invasor, 259 em ♀ até 24 anos (= 0,99% dos casos e 0,56% dos óbitos). • Brasil, 2013: Entre 1.301.210 exames citopatológicos em ♀ <24 anos - 0,17% resultado de HSIL e 0,006% câncer ou HSIL não podendo excluir microinvasão. IARC. British Medical Journal, 1986. BRASIL. Ministério da Saúde (SISCOLO). Disponível em: <http://w3.data sus.gov.br/siscam/index.php>. Justificativa para não rastrear adolescentes e jovens • Inglaterra: Iniciar rastreamento aos 20 anos → sobretratamento e modesto benefício. Para prevenir 1 caso de CA invasor necessário realizar de 12.500 a 40.000 exames entre 20 e 24 anos e tratar 900 mulheres com NIC2 (evidência moderada). • Canadá: não houve associação entre rastreamento do CA do colo e redução da mortalidade em ♀ < 30 anos (evidência mod). • O CA do colo diagnosticado em ♀ muito jovens é mais agressivo e inclui tipos histológicos mais raros do que entre 25-29 anos. • Citologia HSIL em ♀ < 25 anos corresponde + freq/ à NIC II do que a NIC III (evidência moderada). Comportamento ≈ LSIL, com significativas taxas de regressão espontânea (evidência mod.). • Tratamento de lesões precursoras em jovens - associado a ↑ morbidade obstétrica e neonatal como parto prematuro (evidência alta). • Impacto psíquico do diagnóstico de uma IST em jovens sobre a autoimagem e a sexualidade. DATASUS – Citologias em adolescentes (2013-2015) Total de citologias 2013/15: - adolescentes: 869.129 - 20 a 24 anos: 1.341.822 Biopsias do colo uterino em adolescentes (2013-2015) Citologias com resultado de CA colo Biopsias com resultado SIL e CA colo = 26 Biopsias do colo uterino de 20 a 24 anos (2013-2015) Citologias com resultado de CA colo Biopsias com resultado SIL e CA colo = 47 Evolução da SIL • Após dois anos: Grupo seguimento citológico: • Regressão (ASCUS 91%, LSIL 63,6%, HSIL 50%), Moscicki & Cox (2010): história natural da NIC2 em adolescentes se compara à da NIC1, com 60% de regressão (B). Monteiro et al. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2010; 23:230-6. Conclusões Início mais precoce do rastreio (<25 anos) • Aumento de diagnósticos de LSIL (lesões não precursoras - apenas manifestação citológica da infecção pelo HPV) • Aumenta nº colposcopias, procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários • Baixa incidência do carcinoma invasor • Regressão de NIC2 na adolescente – até 60% em 3 anos Observações sobre mulheres até 24 anos • Apesar da faixa etária até 24 anos não ser prioridade no rastreamento do câncer do colo do útero, existem recomendações, que visam a orientar os profissionais como proceder quando receberem mulheres com diagnóstico citológico alterado, evitando procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários ou iatrogênicos. • As diretrizes são recomendações e a conduta individual do profissional deve se basear no bom senso. Recomendações em casos de citologias alteradas Conduta na LSIL e ASC-US Revisão diretrizes MS (2016) Em mulheres de até 20 24 anos anos Revisão diretrizes MS (2016) Repetir citopatologia em 12 meses 3 anos Revisão diretrizes MS (2016) Se novo exame normal: reiniciar rastreamento aos 25 anos Referir para colposcopia: •Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx se houver persistência deste diagnóstico A xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx qualquer momento, caso apresentem citologia citopatológico por 24 meses (B) ou com alterações mais graves (A). • a qualquer momento, caso apresentem citologia com alterações (D). Métodos excisionais nãomais estão graves indicados antes dos 25 anos (D). Justificativa: LSIL são manifestações clínicas do HPV e apresentam natureza transitória. Revisão das diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero (MS/INCA, 2016) Conduta na ASC-H Revisão diretrizes MS (2016) 24 anos anos Em mulheres de até 20 Colposcopia • Achados negativos ou menores: seguimento citológico com intervalo de 12 meses (A). A partir dos anos, seguimento com Em 25 adultas, citologia de 6/6 meses. • Achados colposcópicos maiores: biópsia. Conduta de acordo com o resultado histopatológico (A). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero (MS/INCA, 2016) Conduta na HSIL Em mulheres de até 24 anos Colposcopiaimediata Achado menor: citologia anual por 2 anos Achado maior: BIOPSIA Biopsiaimediata • NIC I – repetir citologia com 6 meses • NIC II - cito e colposcopia 6/6m por 2 anos. Caso não possa ser assegurado o seguimento: TRATAR Após esse período, se persistir a lesão, optar pelo tratamento excisional ou destrutivo (B). • NIC III - seguimento cito + colpo 6/6m por 2 anos (nas mulheres até 20 anos). Entre 21 e 24 anos, tratamento excisional (EZT) ou destrutivo, mas seguimento por dois anos ou até completar 25 anos também é aceitável (B). Importante! Natureza transitória da infecção por HPV Possibilidade de regressão espontânea da SIL em adolescentes Raridade do câncer nesta idade. Estes achados ratificam as recomendações para condutas mais conservadoras na adolescência, evitando-se cirurgias sobre o colo uterino podem risco de PP e outras complicações obstétricas Koshiol et al. Am J Epidemiol 2008;168:123–37 Moscicki et al. Am J Obstet Gynecol. 2007; 97: 41.e1-141.e6. Moore et al. J Adol Health 2005; 37: S3–S9 Resultados obstétricos pós-tratamento de NIC Metanálise: 27 artigos Parto pré-termo (<37s) Baixo peso Conização a frio RR= 2,59 IC 95% (1,80–3,72) 2,53 IC95% (1,19–5,36) Cesárea: 3,17 (1,07-9,40) LLETZ 1,70 (1,24–2,35) 1,82 (1,093,06) RPMO: 2,69 (1,62-4,46) Conização a laser 1,71 (0,93–3,14) Precaução no tratamento de mulheres jovens com NIC Kyrgiou et al. Obstetric outcomes after conservative treatment for intraepithelial or early invasive cervical lesions: systematic review and meta-analysis. Lancet 2006; 367: 489–98