Declaração Comunitária do Rio por ocasião do 3º Fórum de Parceiros da Stop TB Rio de Janeiro, março de 2009 Nós, membros da sociedade civil e, em especial as pessoas infectadas e afetadas pela TB, assim como aquelas engajadas na luta contra esta doença, publicamos esta Declaração para chamar a atenção para os seguintes fatos: embora seja curável, a TB mata anualmente quase dois milhões de pessoas no mundo inteiro. A maioria dos programas de TB espera que a pessoa com tuberculose venha até a clínica ser examinado para a doença. Este método passivo de busca de casos atrasa o diagnóstico e permite à TB se disseminar na comunidade. A ferramenta de diagnóstico mais largamente utilizada, o exame de escarro (esputo) direto, detecta apenas 45-65% dos casos de TB, de modo que, mesmo quando os pacientes são submetidos aos testes de TB, é possível que eles não recebam um diagnóstico preciso ou rápido. Este método não é eficiente na detecção da TB ativa em pacientes com tuberculose extrapulmonar, naqueles co-infectados com o HIV (com micobactérias insuficientes ou inexistentes no escarro), e seu uso é limitado na detecção da TB entre crianças, algumas das comunidades sob grande risco de morte devida à TB. A TBMR/XR está aumentando e recebendo respostas inadequadas ou inapropriadas. O diagnóstico da tuberculose resistente a drogas múltiplas (TBMR ou MDR em inglês) e da TB extensivamente resistente a drogas (TBXR ou XDR) requer tecnologias até mais sofisticadas do que a TB comum. A espera demorada pelos resultados dos testes é uma grande preocupação e afeta diretamente a mortalidade (especialmente entre pacientes co-infectados com HIV) e a qualidade do tratamento que é oferecido. As drogas de segunda linha utilizadas contra a tuberculose resistente a drogas múltiplas e a extensivamente resistente a drogas devem ser tomadas por um longo período, são altamente tóxicas e podem causar diversos efeitos colaterais graves, inclusive hepatite, depressão, alucinações e tonteiras. Em 2007, menos de 1% dos casos estimados de TBMR foram tratados de acordo com as diretrizes da OMS, utilizando as ferramentas de diagnóstico e as drogas disponíveis para o tratamento da TB MDR/XDR. A hospitalização obrigatória e o tratamento sob internação da TB sobrecarregam ainda mais o sistema de saúde e não é necessariamente o tratamento mais efetivo para a TB, e muito menos para a TBMR. Programas de agentes comunitários de saúde em diversos países evidenciaram melhores resultados de tratamento, são econômicos e facilitam o acesso a serviços fundamentais. Apesar desta evidência, pouquíssimos programas nacionais de TB adotaram os modelos como norma para o tratamento da TB e da TBMR. As respostas à co-infecção de TB/HIV continuam demasiado fracas. Embora a TB continue a ser a principal causa de morte entre as pessoas com HIV e aids, as diretrizes da OMS para a colaboração/integração dos serviços de TB e HIV-DST/aids não têm sido implementadas consistentemente, especialmente as que objetivam reduzir a carga de TB entre as pessoas infectadas com HIV: o nos últimos 15 anos, novos casos de TB mais do que triplicaram em países com elevadas prevalências de HIV. Em um determinado ano, as pessoas que vivem com HIV/aids tem probabilidade 50 vezes maior de desenvolver a TB ativa, comparadas aos indivíduos HIV-negativos. o embora os testes e exames para TB possam detectar com rapidez e economia o risco de TB entre pessoas com HIV, consta que apenas 630.000 pessoas (cerca de 2%) dentre as que vivem com o HIV foram examinadas para a TB em 2007. o apesar da evidência de que a terapia preventiva com a isoniazida (TPI) possa reduzir em 60 a 80% a incidência de TB entre as pessoas com o HIV, apenas 0,1% das pessoas qualificadas a recorrer à IPT receberam esta terapia salvadora. o alguns medicamentos utilizados contra a TB interagem com o tratamento antiHIV, acarretando efeitos colaterais graves nos pacientes co-infectados com o HIV, que precisam ser adequadamente monitorados e supervisionados. o embora as condições dos serviços de saúde representem um risco redobrado de transmissão da TB aos seus funcionários, poucas instalações na área de saúde implementaram medidas simples de controle de infecção para proteger os funcionários de saúde e os pacientes. Os recursos financeiros e os compromissos continuam insuficientes. Dados mais recentes disponíveis sobre os recursos que são alocados para os programas de combate à tuberculose (US$ 3 bilhões, em 2009) e pesquisa (US$ 483 milhões, em 2007) são absolutamente insuficientes, se comparados aos US$ 5 bilhões necessários aos programas, em 2009, e os US$ 2 bilhões para a pesquisa, em 2007. De acordo com os níveis atuais de financiamento, as metas estabelecidas pelo Plano Global de Combate à TB (2006-2015) não serão cumpridas até 2015. É necessário que os doadores internacionais e os governos nacionais invistam em novos diagnósticos, vacinas e tratamentos, que comecem a lidar com o sofrimento e com a ameaça crescente da TB. São poucas as respostas com base em direitos, enquanto que as necessidades dos mais marginalizados continuam a ser ignoradas. Embora o respeito pelos direitos humanos e a promoção de saúde pública sejam mais eficientes quando atuam conjuntamente, os programas de combate à TB e, especialmente à TBMR, não têm se esforçado por obter um equilíbrio ideal entre os dois. Além disso, serviços e assistência acessíveis e de qualidade aos mais vulneráveis e marginalizados socialmente, inclusive privados da liberdade, usuários de drogas, refugiados e trabalhadores migrantes, não são disponibilizados ou são extremamente limitados. Continua fraca a participação efetiva da sociedade civil no desenvolvimento e na implementação de políticas e de programas. As contribuições e perspectivas da sociedade civil quanto à TB continuam relativamente ausentes da maior parte da defesa de interesses em recursos, políticas, programas e tomada de decisões, especialmente no nível do país. Em vista da situação atual, recomendamos aos governos, doadores e influenciadores de políticas globais, pesquisadores e ativistas simpatizantes da sociedade civil que: ajam com sentido de urgência e se aliem com diferentes parceiros para criar e implementar planos nacionais coerentes que contenham metas claras, para exibir uma resposta consistente à TB; invistam os US$ 44 bilhões necessários ao controle da TB entre 2009 e 2015, cumprindo na íntegra a promessa do Plano Global, e pelo menos mais US$ 2 bilhões anuais para a pesquisa em TB, urgente e não abordada pelo plano. tornem o tratamento comunitário, o apoio de agentes comunitários de saúde, inclusive para a TBMR, assim como a busca ativa de casos de TB, componentes fundamentais para uma resposta efetiva à TB. Embora todos nós devamos nos envolver no combate à TB, também acreditamos que diferentes instituições e parceiros tenham responsabilidades específicas. Neste sentido, insistimos para que os governos, doadores, agências financiadoras, programas nacionais, pesquisadores, agências, entidades e programas internacionais (OMS, a Stop TB Partnership e o UNAIDS, respectivamente), assim como organizações e entidades de comunidades de pessoas infectadas/afetadas pela TB, dêem atenção urgente às seguintes áreas: Desenvolvimento e implementação de políticas e programas Os governos deverão garantir que a abordagem “centrada no paciente”, que respeite os direitos humanos, seja o princípio orientador básico em todos os esforços de assistência à TB. Os profissionais da área de saúde, prestadores de serviços e as organizações da sociedade civil deverão garantir que os princípios dispostos no Estatuto do Paciente para o Tratamento da Tuberculose sejam respeitados, a fim de reduzir o estigma e combater a discriminação. Os programas nacionais de combate à TB deverão implementar o algoritmo da OMS para diagnosticar a TB extra-pulmonar e em exames negativos de escarro, assim como expandir o acesso a testes de culturas e sensibilidade às drogas. Os programas nacionais de combate à TB deverão estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil para determinar ativamente os casos de TB na comunidade, evitando a sua transmissão e as mortes devidas a falhas no seu diagnóstico. Os programas nacionais de combate à TB e às (DST) HIV/aids deverão colaborar para que, até 2015, se obtenha o acesso universal a serviços em TB/HIV, em consonância com o Plano Global e com as metas do UNAIDS. Os programas nacionais de combate à aids deverão assumir a sua responsabilidade, garantindo que cada pessoa com HIV seja regularmente examinada para a TB e receba tratamento e/ou prevenção, conforme o caso, e que cada clínica de aids adote medidas de controle da infecção para reduzir a transmissão de TB. A Stop TB Partnership e a OMS deverão assumir uma liderança mais proeminente para catalisar recursos, assim como fornecer orientação aos países quanto às políticas e suporte técnico para lidar com os desafios no controle da TB, inclusive infraestrutura laboratorial, DOTS comunitária, co-infecção de TB/HIV e TBMR. Os programas nacionais de combate à TB deverão adotar a recomendação do Conselho do Fundo Global que insta os países a encaminhar propostas para expansão da capacidade laboratorial e da gestão comunitária dos casos de TBMR/XR. Os programas nacionais de combate à TB e à HIV/aids deverão adotar a recomendação do Conselho do Fundo Global, incluindo e implementando intervenções de combate à TB contundentes e significativas nas propostas vinculadas a HIV/AIDS e intervenções de combate ao HIV/AIDS nas propostas vinculadas à TB. Os doadores deverão fornecer imediatamente novas garantias para suprir a lacuna de US$ 5 bilhões no Fundo Global para a AIDS, TB e Malária, o maior financiador externo em TB, e para garantir a realização da prometida expansão dos programas. Os doadores deverão colaborar com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e com a Stop TB Partnership para harmonizar os seus indicadores, monitoramento e estruturas de avaliação, visando reduzir a carga sobre os recebedores de financiamentos. Pesquisa e novas ferramentas de diagnóstico Os pesquisadores deverão desenvolver parcerias buscando resultados imediatos, para garantir o melhor uso das ferramentas disponíveis, e para desenvolver e defender os direitos de financiamento para uma pauta abrangente de pesquisas que leve em consideração as necessidades específicas de pacientes pediátricos de TB, pacientes coinfectados com o HIV e outras co-morbidades comuns, como a hepatite C. Drogas menos tóxicas e mais potentes são urgentemente necessárias para abreviar a duração do tratamento e lidar com a TBMR, bem como uma nova e mais eficiente vacina que previna todos os tipos de TB e seja segura para as pessoas vivendo com HIV e aids. Os pesquisadores deverão priorizar o desenvolvimento de novas ferramentas diagnósticas que possam proporcionar um diagnóstico mais rápido e preciso da TB em casos de baciloscopias positivas, de baciloscopias negativas e de TBMR, inclusive diagnósticos apropriados às crianças, pacientes co-infectados com o HIV e para utilização em condições de poucos recursos. Existe uma necessidade extrema de novas ferramentas diagnósticas que sejam simples, confiáveis e adaptáveis às condições locais. Os pesquisadores, financiadores e os programas nacionais de combate à TB deverão trabalhar em conjunto para reforçar a infraestrutura de pesquisa nos países com elevadas cargas de TB, garantindo a capacidade adequada de conduzir pesquisas para desenvolver novas ferramentas e aprender sobre as melhores estratégias de implementação das ferramentas existentes. Os gestores e financiadores deverão garantir que as novas ferramentas diagnósticas, vacinas e drogas desenvolvidas sejam disponibilizadas e acessíveis nos países mais necessitados. Participação da sociedade civil As agências das Nações Unidas, doadores e governos deverão encorajar e apoiar a participação da sociedade civil em fórums nacionais e internacionais, e promover membros capacitados das comunidades como atores-chave e defensores de uma efetiva resposta contra a tuberculose. Este apoio precisará incluir capacitação e financiamento dos membros da sociedade civil, de modo que eles participem plenamente das decisões e logrem a devida representação de suas comunidades na definição das providências a serem tomadas para a resposta ao combate à TB. As pessoas com HIV e outras comunidades que forem particularmente afetadas pela TB deverão se informar sobre os seus direitos e responsabilidades, conforme a descrição que consta do Estatuto do Paciente para o Tratamento da Tuberculose, e aprimorar o nosso conhecimento sobre a ciência, pesquisa e políticas, para que possamos participar plenamente do programa de TB e da formulação de políticas de controle. Os programas nacionais de combate à TB deverão delinear com clareza o papel da sociedade civil nos esforços para o controle da TB em seus planos nacionais. Os pesquisadores deverão aglutinar o conhecimento e o poder de ativismo das comunidades, especialmente sobre a pesquisa que está sendo realizada, para defender os interesses em recursos para a pesquisa, e transformar as descobertas em programas e políticas palpáveis. A sociedade civil deverá desempenhar um papel fundamental para representar os interesses das pessoas afetadas na mobilização de recursos, com o propósito de atingir as metas do Plano Global e do Fundo Global, que foram fundamentais para fornecer recursos para o controle da TB em países com elevada carga de TB. CHAMADA COMUNITÁRIA À AÇÃO PARA O CONTROLE GLOBAL DA TUBERCULOSE E ASSISTÊNCIA AO PACIENTE REUNIÃO MINISTERIAL DE PAÍSES COM ELEVADA PREVALÊNCIA DE TBMR/XR, PEQUIM, CHINA 1-3 ABRIL 2009 A tuberculose resistente a drogas múltiplas (TBMR) e extensivamente resistente a drogas (TBXR) ameaça reverter as conquistas feitas pelos programas de TB e aids. Os altos níveis de mortalidade entre as pessoas com HIV devido à TBMR/XR exigem atenção especial, para que se evite e se trate devidamente a tuberculose resistente a drogas na população. O controle da infecção e a detecção precoce de casos deverão ser implementados para evitar e detectar a TB entre as pessoas com o HIV. Deve-se priorizar o apoio ao tratamento, para encorajar a sua conclusão. Os participantes da sociedade civil presentes no 3º Fórum de Parceiros para o Combate à TB no Rio de Janeiro recomendam aos participantes desta reunião incluir os seguintes itens nos planos de ação desenvolvidos nos níveis de grupo e país: garantir que os testes diagnósticos e tratamentos necessários para a TB resistente a drogas sejam acessíveis sempre que se detectarem casos da TBMR/XR. Apoiar o desenvolvimento e a garantia de acesso a novas ferramentas diagnósticas que possam ser utilizadas no local de tratamento, regimes de tratamento comprovadamente efetivos em crianças, e compatíveis com os medicamentos para o HIV, bem como novas vacinas que protejam contra todas as formas de tuberculose e seja segura para as pessoas vivendo com HIV e aids. investir, entre 2009 e 2015, pelo menos os US$ 270 milhões anuais necessários para expandir a capacidade laboratorial, proporcionando acesso universal a testes de cultura e suscetibilidade a drogas, e desenvolvendo indicadores laboratoriais nacionais e regionais para medir o progresso. tornar econômico o cuidado comunitário da TBMR, que, de acordo com evidências, leva a melhores resultados de tratamento, e facilitar o acesso a serviços críticos, uma norma nos seus programas nacionais de combate à TBMR. a hospitalização obrigatória não deverá continuar a ser a resposta primária no tratamento da TB MDR, já que ela sobrecarrega ainda mais o sistema de saúde, viola os direitos dos pacientes e não garante o tratamento adequado e de qualidade, ou o seu sucesso. garantir que todos os pacientes de TB, inclusive os mais marginalizados na sociedade, possam receber um tratamento que garanta o seu êxito e respeite os seus direitos humanos.