excelentísimo senhor doutor desembargador relator do

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
EXCELENTÍSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE
DEMERVAL LOBÃO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PIAUÍ, através da Promotora de Justiça que a esta subscreve, com endereço na
Rua Mato Grosso, 395, no Fórum local, onde recebe as intimações e com fulcro
legal nos artigos 127, 129, inciso II, ambos da Constituição da República, art. 32,
I da Lei 8.625/93, art. 36, IV, alínea “c” da Lei Complementar nº 12/93 (Lei
Orgânica Estadual do Ministério Público); art. 5º, II, 7º I, II e 18 da Lei 8.080/90
(Lei Orgânica do SUS), 2º, parágrafo único, alínea ‘d’, e nos dispositivos
pertinentes da Lei Federal n° 12.016/09, e com base nos inclusos documentos,
vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência impetrar:
MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR
em favor de GILMARA SATHYLA CARVALHEDO DE SOUSA, brasileira,
solteira, residente e domiciliada no Conjunto João da Mata, Q-01, Casa 15, na
cidade de Demerval Lobão/PI, contra ato atribuível à Secretária de Saúde do
Município de Demerval Lobão (Gestora do Sistema Único de Saúde no
município), enquanto autoridade responsável pela negativa de custeio do
fornecimento da fórmula alimentar SOYA DIET MULTI FIBER (atualmente
nominada NUTRISON SOYA MULTI FIBER), essencial ao tratamento da sua
patologia.
1
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
1 - DOS FATOS
O presente mandamus tem por objeto garantir à paciente o
fornecimento da fórmula alimentar SOYA DIET MULTIFIBER, conforme
prescrição médico-nutricional anexada aos autos.
O produto mudou de nome, passando a denominar-se
NUTRISON SOYA MULTI FIBER, porém com fórmula inalterada (documento
junto).
No presente caso, a paciente deverá fazer uso da alimentação
SOYA DIET MULTIFIBER (NUTRISON SOYA MULTI FIBER), prescrita
pela Dra. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO DE S. SANTOS (receita
nutricional), totalizando doze latas por mês, sendo tal uso contínuo, uma vez que
a paciente é portadora de paralisia cerebral, com hipotonia e ataxia generalizada e
necessita utilizar alimentação especial.
É preciso ressaltar que a substituída não tem condições de se
alimentar normalmente, utilizando sondas para tal desiderato.
Para dispensação da alimentação foi oficiada a SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE DE DEMERVAL LOBÃO para que esta fornecesse o
alimento, no entanto, em resposta ao oficio, a autoridade coatora negou a
dispensação requisitada, afirmando que “se a solicitação diz respeito a um
alimento e não medicamento, impossível é o fornecimento da Secretaria de
Saúde do alimento solicitado”, esquivando-se de forma clara de suas atribuições,
e desrespeitando a prescrição da profissional que é vinculada ao SUS, prestando
atendimento no CIES, onde, além da educação especial, os pacientes têm
acompanhamento médico e nutricional. Diz, ainda, a autoridade coatora que a
família da paciente tem renda familiar que permite a aquisição da fórmula
alimentar pleiteada, por ser a menor titular de benefício assistencial e o pai desta
motorista do município de Demerval Lobão.
É de se frisar que, embora o laudo nutricional encaminhado à
autoridade coatora quando da requisição ministerial apresentasse pequeno
equívoco quanto ao sobrenome da paciente (CARVALHO em vez de
CARVALHEDO), a Secretária Municipal de Saúde afirmou em sua resposta ao
Ministério Público ter pleno conhecimento do caso de GILMARA, além do que
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se apresenta, com esta petição, laudo nutricional datado de 07/04/2010, atestando
a necessidade da fórmula alimentar SOYA DIET MULTI FIBER (NUTRISON
SOYA MULTI FIBER) para o tratamento de GILMARA.
2 – DO RELATÓRIO MÉDICO
A Dra. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO DE S. SANTOS,
nutriocionista, assim define o quadro da paciente e a necessidade do alimento,
conforme o relatório acostado aos autos:
A paciente Gilmara Sathyla Carvalhedo de Sousa é portadora de
Paralisia Cerebral CID G80.9 com hipotonia e ataxia
generalizada. É totalmente dependente dos familiares.
Evoluindo com dificuldade com deglutição até mesmo de
líquidos e está com baixo peso para a idade. A mesma se
alimenta através de sonda gástrica e necessita para o seu
tratamento de um alimento de uso enteral que é SOYA DIET
MULTI FIBER sendo necessário 12 (doze) latas deste produto
para o mês.
Das palavras da profissional, depreende-se que este alimento,
que ora se pede, é de extrema necessidade para a paciente, sob pena de
agravamento do seu quadro e de ser-lhe ceifada a vida.
3 - PRELIMINARMENTE
3.1 DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO PARQUET
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação do
Ministério Público, atribui-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127);
ao mesmo tempo em que, dentre outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo
pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos nela assegurados, promovendo as necessárias medidas à sua garantia
(art. 129, inc.II).
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
E em se tratando de direito individual, o Ministério Público
detém legitimidade para propor ações que versem acerca de direitos
indisponíveis.
Neste sentido está a lição do mestre Luiz Guilherme Marinoni,
in verbis:
De fato, para que se justifique a intervenção do Ministério
Público na defesa de interesses individuais (ainda que
homogêneos), é necessário que estes se caracterizem como interesses
sociais ou individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF). Não é,
assim, qualquer direito individual (ainda que pertencente a várias
pessoas) que admite a tutela por via de ação coletiva proposta pelo
Ministério Público, mas apenas aqueles caracterizados por sua
relevância social ou por seu caráter indisponível. (grifei)1
Corroborando com tal entendimento, Hugo Nigro Mazzilli faz a
seguinte síntese:
É função institucional do Ministério Público zelar pelo
efetivo respeito: ... b) dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados na Constituição
relativa às ações e aos serviços de saúde...”
Como instrumento de atuação para obter essas finalidades, a Lei
Complementar nº 075/93 prevê o inquérito civil, a ação civil
pública ou outras ações, ... 2 (Grifo nosso).
Ou seja, o parquet pode defender direitos individuais, desde
que estes sejam indisponíveis. E como é de conhecimento de V. Exa, o direito
a saúde é, por excelência, indisponível, devendo o Poder Público prover de
todas as maneiras o seu acesso, da forma mais ampla possível.
Cabe destacar que tal procedimento encontra guarida na Lei nº
8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público),
que no art. 32, inciso I, comanda, in verbis:
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de
Conhecimento. 6 ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. pág. 732
1
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 3ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 1996. pg. 226-230,
2
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Art. 32 – Além de outras funções cometidas nas Constituições
Federal e Estadual, na Lei Orgânica e demais leis, compete aos
Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições:
I – impetrar HARBEAS CORPUS e MANDADO DE
SEGURANÇA e requerer correição parcial inclusive perante aos
Tribunais locais competentes. (Grifo nosso).
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça (pacificamente) também
vem se manifestando dessa maneira, ou seja, reconhecendo a natureza
indisponível do direito a saúde e, consequentemente, atribuindo legitimidade ao
órgão ministerial para defesa desse direito, com o fim de assegurar o
fornecimento de medicamentos, confira-se a respeito o seguinte aresto:
PROCESSUAL
CIVIL.
RECURSO
ESPECIAL.
ADMINISTRATIVO.
CONSTITUCIONAL.
AÇÃO
CAUTELAR INOMINADA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO
PARQUET. ART. 127 DA CF/88. DIREITO À SAÚDE.
1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses
transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais
homogêneos.
2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no
controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores
imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente,
coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos
interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de
interesses difusos referentes à probidade da administração pública,
nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação
Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como
instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por
cláusulas pétreas.
3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu
um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos
interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério
Público para o manejo dos mesmos.
4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final
do disposto no art. 127 da CF/1988, que o habilita a demandar em
prol de interesses indisponíveis.
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5. Sob esse enfoque a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a
incumbência de promover a defesa dos interesses individuais
indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições
previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade
institucional (CF/1988, arts. 127 e 129).
6. (...)
7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal é direito
indisponível, em função do bem comum, maior a proteger,
derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem
pública que regulam a matéria.
8. Outrossim, o art. 6.º do CPC configura a legalidade da
legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como
"substituição processual".
9. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ
admite ação individual acerca de direito indisponível capitaneada
pelo MP (Precedentes: REsp 688052 / RS, DJ 17.08.2006; REsp
822712 / RS, DJ 17.04.2006; REsp 819010 / SP, DJ 02.05.2006 ).
10. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade
ativa do Ministério Público Estadual. (grifei)3
Não há que se falar que demandas em favor dos necessitados
devem ser propostas somente pela defensoria pública, pois por ser
indisponível o direito a Saúde, pouco importa a classe social do interessado
para que o Ministério Público possa ingressar com a ação, porquanto a
saúde possui como um de seus fundamentos a assistência integral a todos
que dela necessitarem.
Desta forma, fica evidenciado que o parquet possui legitimidade
para oferecer demandas relacionadas ao fornecimento de medicamentos e outras
demandas relacionadas ao direito a saúde, uma vez que o direito a saúde é
indisponível não possuindo relevância a situação econômica do paciente.
3.2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA SECRETARIA DE SAÚDE DO
MUNICÍPIO DE DEMERVAL LOBÃO
3
STJ/ 1ª Turma. REsp. 817.710 - RS (2006/0027536-2).
Ministro Luiz Fux. Data do julgamento: 17/05/2007.
Rel.
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Não se desconhece que a teor da Lei Orgânica do Sistema Único
de Saúde (SUS) - Lei n.º 8.080/90 - as políticas públicas de saúde são
sistematizadas num complexo hierarquizado, mediante descentralização de ações.
Nesse contexto, as três esferas governamentais (União, Estados e
Municípios) possuem atribuições exclusivas, concorrentes e complementares.
A Lei n.º 8.080/90 define no art. 2º que “a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.”; e em seu artigo 6º, inciso I, alínea d,
que “Estão incluídas... no campo de atuação do Sistema Único de Saúde
(SUS)... assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”.
Não é outro o entendimento perfilhado pela Corte Suprema,
como se dessume do seguinte aresto colacionado:
EMENTA: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA
DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE
– FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER
CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º,
CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA
CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO
DIREITO À VIDA.
AI 486.816-AgR / RJ - O direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República
(art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por
cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público,
a quem incumbe formular – e implementar - políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive
àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a
todas as pessoas – representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que
seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao
problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que
por
censurável
omissão,
em
grave
comportamento
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
inconstitucional.
A
INTERPRETAÇÃO
DA
NORMA
PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM
PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. (...)
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS
CARENTES.
AI 486.816-AgR / RJ - O reconhecimento judicial da validade
jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a
pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República
(arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um
gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas,
especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a
consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.
Precedentes do STF’.”
No presente caso, claramente, ocorreu por parte da Secretaria
Municipal de Saúde, violação aos direitos constitucionalmente assegurados de
acessibilidade à saúde pública (art. 196, Constituição Federal)4 e de prioridade
absoluta no direito à vida e à saúde dos pacientes que necessitam da dispensação
do alimento SOYA DIET MULTIFIBER (NUTRISON SOYA MULTI FIBER),
consoante a solicitação da nutricionista do próprio SUS que assiste à paciente
que acorre a este órgão ministerial.
Por oportuno, a legitimidade da Secretaria Municipal de Saúde
realça-se quando o município de Demerval Lobão tem gestão do Sistema Único
de Saúde e, por atribuição da Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde, Lei nº
8080/90, no artigo 18, são atribuições básicas do gestor municipal do SUS,
dentre outras:
1. planejar, organizar, controlar e avaliar as ações do
município, organizando o SUS no âmbito municipal;
2. viabilizar o desenvolvimento de ações de Saúde
através de unidades estatais (próprias, estaduais ou
4
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
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federais) ou privadas ( contratadas ou conveniadas),
com prioridade para as entidades filantrópicas;
3. participar na constituição do SUS, avançando na
assunção das responsabilidades, de forma integrada e
harmônica com os demais sistemas municipais.
Portanto, é de competência da Secretaria Municipal de Saúde,
executora da política de saúde do município de Demerval Lobão, a
responsabilidade pelas ações e serviços de saúde no âmbito deste município.
Com substrato nos sólidos entendimentos jurisprudenciais
esposados pela Corte Constitucional, vislumbra-se que a relação jurídica entre o
Poder Público e jurisdicionado se aperfeiçoa com a simples negativa de
fornecimento do alimento necessário ao tratamento pelo primeiro (Município),
sendo desnecessária a presença de outros entes políticos – Estado e União – no
pólo passivo da demanda.
3.3. DA PRESENÇA DE DIREITO LIQUIDO E CERTO
O mandado de segurança é o remédio constitucional cuja
finalidade é reprimir lesão ou ameaça de lesão, por ato ou omissão de autoridade
pública ou de pessoa jurídica no exercício de função pública. Para tanto, o
impetrante deve possuir direito líquido e certo a obter uma resposta positiva por
parte do Poder Judiciário.
Para definir direito líquido e certo, é necessário se servir do
escólio de Hely Lopes Meirelles, in verbis:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua
existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no
momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para
ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em
norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua
aplicação ao impetrante.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
In caso, é patente a presença do direito líquido e certo, tendo em
vista que o direito pode ser comprovado de plano, conforme será demonstrado a
seguir.
O direito a saúde é assegurado, de forma plena, na Constituição
Federal de 88, entre os direitos sociais, art. 6º e art. 196 ss da CF, que asseguram,
através do SUS ou da iniciativa privada, o atendimento integral a todos aqueles
que necessitam de tratamento.
E a Lei 8.080/90 discriminou como o poder público deve atuar
para atender as demandas relacionadas à saúde, prevendo, assim como o fez a
CF, a assistência terapêutica integral no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde, bem como a gratuidade das ações e serviços prestados nesta área.
Percebe-se, desta forma, que a saúde é direito constitucional, referendado pela
Lei 8.080/90.
Ademais, requer-se, para a concessão do mandamus, a existência
de prova pré-constituída do direito vindicado e dos fatos que ensejam o pedido,
tal requisito também está explicitado no presente caso, pois o relatório médiconutricional acima citado e juntado aos autos demonstra a situação da paciente e a
necessidade da alimentação especial.
Foi juntada, ainda, a recusa da autoridade coatora em fornecer o
alimento necessário ao tratamento, atestando a manifesta ilegalidade do ato.
Portanto, o direito do impetrante é patente, pois advindo da Carta
Magna e da Legislação ordinária federal, tendo sido devidamente provada a
situação da paciente e a recusa arbitrária do Município em cumprir seu dever
constitucional.
4. DO MÉRITO
O Estado constitucional, em sua configuração inicial, surgiu com
a função de garantir direitos individuais, com uma postura eminentemente
negativa, ou seja, interviria só o necessário para que os indivíduos não tivessem
os seus direitos violados. Entretanto, com a instituição de direitos mais amplos o
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Estado deixou sua inércia para atuar de forma mais concretizadora de tais
direitos.
Entre esses principais direitos está o direito à saúde, garantido
pelo Poder Público, advindo da própria Carta Magna, que indica mecanismos
para satisfazer tal direito em face de eventual violação, sendo o Mandado de
Segurança um desses mecanismos.
A saúde está umbilicalmente ligada a outros vários princípios da
Constituição da República, como a dignidade da pessoa humana, cidadania e à
vida, devendo exigir por parte do Estado, proteção integral.
No caso em tela, a justificativa oferecida pela Secretaria
Municipal de Saúde de Demerval Lobão, por sua secretária, negando o
fornecimento da fórmula alimentar é insuficiente e totalmente desarrazoada,
pois apenas afirmou tratar-se de alimento, olvidando que a prescrição diz
ser o mesmo NECESSÁRIO AO TRATAMENTO, portanto de dispensação
obrigatória pelo SUS municipal, eis que assegurada aos usuários
ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA INTEGRAL, deixando a paciente (que é
paralitica) em total desassistência. Por outro lado, não é necessária a
carência de recursos para o atendimento TERAPÊUTICO integral previsto
na Lei n. 8080/90, eis que é princípio do SUS, nos termos do art. 7º, I,
universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência, ou seja, o SUS é para todos, independentemente da situação
econômica do paciente. Desarrazoado igualmente o argumento da
autoridade coatora de que a família da paciente tem condições de arcar com
o custo do alimento prescrito pela nutricionista. Ainda que assim não fosse,
conforme orçamentos em anexo, o valor a ser dispendido com a fórmula
alimentar necessária à paciente representa mais de 50% da renda familiar
da criança (segundo a autoridade coatora, correspondente a R$ 1.004,66 –
benefício assistencial mais a remuneração paterna) quando se sabe que há
uma série de outras necessidades básicas do ser humano, além da
alimentação, a serem atendidas, em especial quando se trata de pessoa com
deficiência grave.
O direito à saúde encontra assento constitucional, art. 196 e
ss, não sendo admissível que o não fornecimento de medicamentos ou
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
fórmulas alimentares necessárias ao tratamento pelo SUS possa levar a uma
situação de desamparo daquele que precise do fornecimento dos mesmos.
É preciso destacar que a negativa de direito relacionado à
saúde fere frontalmente o principio da dignidade da pessoa humana,
conforme se verifica a partir da conceituação do princípio esposada por
INGO WOLFGANG SARLET:
“qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e
da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos
e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável,
alem de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos.”
Ademais, a legislação infraconstitucional também assegura a
assistência terapêutica e farmacêutica como meio de preservar o direito à vida,
dispondo a Lei 8.080/90 em seu art. 6º que “art. 6º Estão incluídas ainda no
campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):I – a execução de
ações:(...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;”.
Nunca é demais lembrar que vigora, no âmbito do direito a saúde, o princípio do
atendimento integral pelo qual cabe ao Estado prestar a assistência, aos que
necessitam do SUS, da forma que melhor garanta o tratamento aos pacientes.
Neste sentido é o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal
de Justiça em analise de caso semelhante ao tratado nestes autos, in verbis:
ADMINISTRATIVO
MOLÉSTIA
GRAVE
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO –
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.
1. Esta Corte tem reconhecido que os portadores de moléstias
graves, que não tenham disponibilidade financeira para custear
o seu tratamento, têm o direito de receber gratuitamente do
Estado os medicamentos de comprovada necessidade.
Precedentes.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
(...)
4. In casu, não havendo prova documental de que o remédio
fornecido gratuitamente pela administração pública tenha a
mesma aplicação médica que o prescrito ao impetrante declarado hipossuficiente -, fica evidenciado o seu direito
líquido e certo de receber do Estado o remédio pretendido.
5. Recurso provido.5 (grifei)
PROCESSUAL
CIVIL.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
TRATAMENTO MÉDICO. MENOR CARENTE. DIREITO À
SAÚDE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA
RECONHECIDA.
1. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça
pacificou-se no sentido de que o Ministério Público tem
legitimidade para propor Ação Civil Pública visando à proteção
de direitos individuais indisponíveis do menor carente.
2. Agravo Regimental não provido.6
Desta forma, o pleito deve ser atendido em sua plenitude, para
conceder à paciente a fórmula alimentar (SOYA DIET MULTIFIBER –
NUTRISON SOYA MULTI FIBER), essencial ao seu tratamento, tendo em vista
o Poder Público ter se negado peremptoriamente a fornecê-la.
5. DO PEDIDO LIMINAR
O traço marcante do procedimento mandamental é a
possibilidade de concessão de medida liminar, encontrando-se previsão expressa
na Lei 12.016/09, em seu art. 7º, II, “Ao despachar a inicial o juiz ordenará: (...)
II - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando for houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da
medida, caso seja finalmente deferida(...)”.
5
RMS 17425 / MG R.O. EM MS 2003/0202733-4. Ministra Rel. ELIANA CALMON.2ª Turma.
DJ 22/11/2004 p. 293
6
AgRg no REsp 946973 / RJ.Ministro HERMAN BENJAMIN. 2ª Turma. DJe 19/12/2008
13
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
O artigo citado, em outras palavras, estabelece os dois
requisitos essenciais para a concessão da liminar, quais sejam, o periculum in
mora e o fumus boni iuris que estão fartamente provados neste caso.
O periculum in mora evidencia-se no fato de o tratamento ser
essencial para a correta alimentação da paciente, sob pena de piorar o seu quadro
clinico, uma vez que ela é paralitica e só consegue se alimentar através de
sondas, e com alimentação especial, devido a sua qualidade de pessoa com
deficiência.
Quanto ao fumus boni iuris, presença, de plano, do direito
invocado, pode ser verificado no fato de o fornecimento da fórmula alimentar
referida ser de responsabilidade do Município, atribuição advinda da
Constituição Federal e da Lei 8.080/90, que garantem assistência integral aos que
necessitarem do sistema público de saúde.
De fato, o referido dispositivo legal “destina-se a proteger o
direito violado ou que esteja sob iminente ameaça de violação, devendo o juiz,
liminarmente e inaudita altera parte, suspender o ato impugnado, caso sejam
relevantes os fundamentos do pedido e haja risco de que, não sendo adotada tal
providência, resulte ineficaz a decisão final...” (...) “Conceder uma liminar não é
uma liberalidade do juiz, assim como negá-la não é uma discrição sua.
Preenchidos os pressupostos legais, a liminar tem que ser deferida.” (Celso
Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 22. ed.,
Malheiros, São Paulo: 2007, p. 918).
Tal pleito deve ser deferido, tendo em vista que o item em
questão é de alto custo para o paciente – sendo de responsabilidade do
Município de Demerval Lobão, por sua Secretaria de Saúde, órgão gestor do
SUS providenciar sua aquisição –, e a fim de que seja evitado o dano
irreparável, salvaguardando o direito constitucional à vida, sob pena de o réu
incidir em responsabilidade civil, criminal e administrativa, fruto de seu descaso
e da inaplicação de políticas públicas de saúde eficientes.
Portanto, notória a relevância deste pleito, vez que do não
fornecimento imediato do alimento, em razão do ato impugnado, pode
fatalmente resultar a ineficácia da medida, se deferida somente ao final,
ocasionando prejuízos irrecuperáveis e irreversíveis à saúde desta paciente,
devido à gravidade do seu quadro clínico e sua tenra idade.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
6. PEDIDOS
Em face de todo o exposto, tendo o direito líquido e certo da
paciente sido postergado por ato da Autoridade Coatora susomencionada, cumpre
requerer a V. Exa.:
a) O deferimento do requesto liminar, posto que ambos os
fundamentos expressos no inciso II, do artigo 7º, da Lei nº 12.016/09 encontramse atendidos, sendo indispensável a viabilização em tempo hábil do alimento
SOYA DIET MULTI FIBER (NUTRISON SOYA MULTI FIBER) para
tratamento da patologia que acomete a substituída GILMARA SATHYLA
CARVALHEDO DE SOUSA, de acordo com o relatório nutricional, sob pena de
malferimento à saúde e conseqüente risco de vida da paciente;
b) Deferida a liminar, seja notificada a Autoridade Coatora
para adotar as providências necessárias ao fornecimento contínuo e ininterrupto
do alimento referido, devidamente prescrito pela profissional nutricionista,
através da Secretaria Municipal de Saúde, ressaltando que o não cumprimento
caracteriza a conduta descrita no art. 26 da Lei 12.016/09. Bem assim, para
prestar as informações que achar necessárias, bem como apresentar
mensalmente a este juízo a comprovação da entrega da fórmula alimentar
citada;
c) Seja dada ciência à Procuradoria do Município de
Demerval Lobão, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresso no feito, nos termos do disposto no art. 7º, III, da Lei
12.016/09.
d) O Ministério Público requer, ao final, seja concedido em
definitivo o direito pleiteado pela substituída, determinando que a Autoridade
Coatora, através da Secretaria Municipal de Saúde de Demerval Lobão, forneça
continuamente o alimento para a paciente, conforme prescrito pela profissional
que a assiste;
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e) Derradeiramente, levando-se em consideração a omissão
da Autoridade Coatora e antevendo a possibilidade desta de deixar de cumprir a
decisão judicial proferida na presente ação, este Órgão requer, nos moldes do
artigo 461, § § 3º e 4º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente à
espécie, seja imposta multa diária à autoridade impetrada, sem prejuízo das
sanções penais, civis e administrativas, eventualmente cabíveis, conforme o
disposto no artigo 461, § 5º, do CPC, em razão do possível descumprimento da
decisão judicial.
Atribui-se à presente causa, para efeitos meramente fiscais, o
valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 258, do CPC.
Termos em que pede
E espera deferimento.
Teresina, 08 de abril de 2010.
JANAÍNA ROSE RIBEIRO AGUIAR
Promotora de Justiça
ROL DE DOCUMENTOS ANEXOS:
01 – Reclamação formulada na Promotoria de Justiça;
02 - Identificação da paciente GILMARA SATHYLA
CARVALHEDO DE SOUSA;
03 – Laudos nutricionais;
04 – Requisição ministerial;
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05 – Recusa da autoridade coatora em fornecer a fórmula
alimentar à paciente;
06 – prova da mudança do nome da fórmula alimentar;
07 – orçamentos.
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