Avaliação Psicológica Aplicada ao Hospital Geral e Instituições de Saúde Profª. Guacyra Leal Principais funções da avaliação psicológica 1. Função diagnóstica: analisar as causas e a dinâmica das alterações psíquicas do paciente, identificando os quadros reativos ou patológicos. 2. Orientador de foco: seleção dos focos a serem trabalhados junto ao paciente através de uma abordagem breve. 3. Fornecimento de dados sobre a estrutura psicodinâmica da personalidade: levantar hipótese prognóstica da relação do indivíduo com o seu processo de adoecer e de tratamento (tendências biófilas ou necrófilas). Principais funções da avaliação psicológica 4. Instrumento de avaliação continuada: observações evolutivas da relação do paciente com sua doença e tratamento, mediante intercorrências internas e externas, que levam a pessoa resignificar sua doença. 5. História da pessoa: a coleta de dados sobre o paciente possibilita a compreensão dos conteúdos latentes e manifestos das queixas do paciente. 6. Função terapêutica: possibilita o paciente a verbalização, manifestação e reflexão sobre seu processo de vida. Avaliação psicológica hospitalar X Psicodiagnóstico tradicional Estado emocional geral do paciente • Identificação: JR, 38 anos, solteiro, homossexual, espírita, HIV +. • Auto-conceito: não se percebia vulnerável à infecção pelo HIV, por ter tido poucos parceiros sexuais, mas se considera muito capaz de lutar contra a doença. • Auto-estima: apresenta uma boa relação afetiva consigo mesmo, aliada a sua crença no espiritismo e na força divina. • Ansiedade: ansiedade regular reativa, associada ao impacto do diagnóstico, que não compromete suas atividades diárias, mas vem interferindo nas suas horas de sono. Estado emocional geral do paciente • Depressão: não apresenta sinais de depressão, identifica momentos de tristeza e medo quando encontra-se sozinho e sem ter com quem conversar sobre seu problema. • Informação sobre a doença: compreende que ser portador do vírus HIV é estar com Aids, desta forma interpreta que está doente, debilitado e logo irá morrer. • Informação sobre o tratamento: trouxe dúvidas quanto a necessidade do uso de medicações e o que pode ser feito para prolongar o início da terapia antiretroviral. Estado emocional geral do paciente • Relação com a doença: associa sua condição de portador do vírus HIV com sua homossexualidade. • Defesas predominantes: apresenta defesas positivas como tentativa de se reorganizar frente à patologia. • Ruptura psicótica: não verificou-se sinais de reações psicóticas. • Estrutura emocional básica: paciente apresenta uma estrutura emocional equilibrada, porém manifesta uma ansiedade reacional moderada, desencadeando sintomas psicossomáticos, como insônia e falta de apetite. Encontra-se aparentemente motivado com o tratamento e idealiza uma possível cura para sua patologia. Sequelas emocionais do paciente • Com acompanhamento anterior: primeira experiência de contato com um centro de saúde especializado e com a equipe multiprofissional, relata uma impressão positiva da assistência. • Com tratamento anterior: paciente assintomático e não faz uso de nenhum tipo de medicação controlada. • Com separações e abandonos: relembrou sua história de abandono quando recém-nascido, que foi deixado pela genitora na porta da casa de sua vizinha, quem assumiu sua maternidade. • Com perdas e óbitos: relatou o grande sofrimento diante da morte de sua mãe adotiva, e neste momento foi buscar apoio no espiritismo. Temperamento emocional observado • No momento o paciente encontra-se extrovertido de forma compensada, temperamento emocional identificado por ele mesmo como frequente no seu dia-a-dia. Sobretudo percebe-se com ansiedade além do normal, o que condiz com o contexto de sua patologia. Foi esclarecido que as intervenções psicológicas serão feitas com o objetivo de minimizar esta ansiedade, através do espaço oferecido para a sua fala. Postura frente à doença e a vida • Paciente assume no momento uma postura enérgica (tendência biófila – atraído pela vida) diante da vida, e compreende que seu diagnóstico é mais um desafio a ser enfrentado. Acredita na sua capacidade de administrar as dificuldades que possam aparecer, haja visto, já ter vivenciado momentos difíceis na vida, como o abandono pela genitora e o falecimento de sua mãe adotiva – “Quem já teve esta experiência é capaz de superar tudo.” (sic) Aspectos psicodinâmicos do adoecer • Negação: mecanismo de defesa associado ao medo, permitindo um mínimo de contato com a realidade da doença e com o tratamento. Necessária quando permite um tempo para a assimilação do diagnóstico, mas perigosa quando há uma recusa aos cuidados. • Barganha: paciente busca uma saída para seu sofrimento através da negociação, que na maioria das vezes é uma promessa religiosa. • Revolta: reação persecutória, onde o paciente atribui ao exterior a causa de seus sofrimentos, há uma manifestação da pulsão agressiva como a raiva, inconformismo e ressentimentos. Aspectos psicodinâmicos do adoecer • Depressão elaborativa: observa-se no paciente uma introspecção e angustia existencial, relacionadas com os questionamentos frente ao adoecer e a vida, sobretudo não há perca de interesse pelo mundo. • Desvinculação/Isolamento: perca de interesse pelas relações estabelecidas com amigos, familiares e o trabalho, os afetos estão reprimidos, o que pode levar a uma depressão involutiva. Aspectos psicodinâmicos do adoecer • Aceitação: compreensão real dos limites e possibilidades impostas pela doença, levando à participação no tratamento, através de questionamentos e busca de informação. • Ganho Secundário: conjunto de benefícios conscientes ou inconscientes, que passam a gerir a vida do paciente como forma de compensar o estar doente. – Conscientes: compensação social da doença (status de doente) – Inconsciente: a doença evita o contato com experiências de alta exigência. História do paciente com sua doença • Compreender como se instalou a doença na vida do paciente do ponto de vista somático, psíquico e relacional. – Como era o paciente antes de adoecer – Como foi descoberto o diagnóstico – Se houve algum fato marcante na vida da família ou do paciente antes ou depois do aparecimento da doença. – Se houve mudança no comportamento do paciente ou na dinâmica familiar após o aparecimento da doença. Dados Psicossociais • Coleta de dados do desenvolvimento psicológico do paciente referente à infância e a adolescência, e dos vínculos estabelecidos durante a vida adulta. • Dados sobre o contexto cultural dos grupos que esteve inserido no decorrer da vida, como: empregos, amigos e participação na comunidade. A entrevista psicológica clínica no hospital. • A entrevista clínica utilizada no contexto hospitalar, permite ao psicólogo a obtenção e a compreensão de informações que auxiliarão na intervenção terapêutica ou no encaminhamento: – Entrevista de enfoque psicanalista: não diretiva, envolvendo transferência e contratransferência, e a ênfase dada para a relação psicólogo-paciente é mais baseada no afeto do que no conhecimento. – Entrevista com enfoque nas relações interpessoais: diretiva, o entrevistador participa de forma ativa, através de uma relação mais cognitiva com paciente, permitindo a este uma compreensão de suas relações interpessoais. – Entrevista centrada no cliente: semidirigida, visando mais a pessoa do que os problemas apresentados; a direção da entrevista é tarefa do cliente baseada na sua realidade e na relação de afeto com o psicólogo. Romano, 2008 Objetivos da entrevista psicológica clínica: • Diagnóstica: coleta-se dados para terapêutica adequada para o caso. realizar uma indicação • Terapêutica: utiliza-se a interpretação com a finalidade de intervir em dificuldades apresentadas pelo paciente ao mesmo tempo em que se apreende as informações sobre o paciente. • Aconselhamento/ Informativa: colhem-se dados básicos sobre o paciente para que o psicólogo possa fornecer orientações. Etapas da avaliação psicológica • Etapa 1 – Triagem Psicológica Hospitalar: caracteriza-se pela visita a todos os leitos, para realizar uma breve avaliação e a triagem de pacientes com alterações de comportamento ou ajustamento. (Dias & Radomile, 2007 ). • Romano (2008), descreve aspectos fundamentais na primeira etapa da entrevista, são estes: – Identificar de onde surgiu a solicitação e o objetivo do encaminhamento – Se o paciente apropria-se da queixa como sendo sua, podendo ou não apresentar resistência; – Buscar informações com a equipe multiprofissional; – O começo do contato deve ser livre, não diretivo, no sentido de possibilitar a redução da ansiedade. Etapas da avaliação psicológica • Etapa 2 – Avaliação Psicológica Hospitalar: caracteriza-se por uma ampliação e maior especificação da etapa de triagem, de acordo com os aspectos cognitivos e afetivos apresentados pelo paciente. (Dias & Radomile, 2007). • Delimitar os focos relacionados com e para o evoluir da doença e dos procedimentos a ela vinculados. (Romano, 2008). • Adaptar os recursos e instrumentos conforme as necessidades e capacidades de cada paciente. (Romano, 2008). Etapas da avaliação psicológica • Etapa 3 – Acompanhamento Psicológico Hospitalar: após avaliação e sendo identificada a necessidade de acompanhamento, o paciente recebe atenção sistemática e focal, caracterizado por visitas regulares do psicólogo. (Dias & Radomile, 2007) • Romano (2008), salienta a importância do registro no prontuário, não só dos aspectos patológicos como também os aspectos sadios e os potenciais adaptativos do paciente. • O acompanhamento pode ser individualizado ou em grupos que atendam às necessidades dos pacientes, bem como ao espaço físico e a rotina dos atendimentos da unidade hospitalar. Etapas da avaliação psicológica • Etapa 4 – Comunicação dos resultados da avaliação: – Devolução das dificuldades e de perspectiva de soluções para o paciente e família; – Devolução ao profissional que fez a solicitação; – Deve ser o menos traumática possível, ressaltando os aspectos patológicos e sadios; – Encaminhamento caso necessário. Registro em prontuário de uma entrevista de aconselhamento/orientação • Antonia, 4 anos, foi encaminhada para o serviço de Psicologia devido suspeita de abuso sexual, mediante manifestação de condiloma, DST transmitida pelo vírus HPV. Segundo informação da mãe, foi relatado por Antonia, quando tinha 3 anos de idade, que haviam “mexido” no seu “bumbum”, foi questionada nesta ocasião, mas logo em seguida diz ter sido mentira, então não houve mais averiguações sobre o assunto. Durante o atendimento Antonia não apresentou sinais de sofrimento psíquico nem resistência ao atendimento individual com a psicóloga, demonstrando afetividade e solícita quando questionada, observou-se amorosidade na relação entre a criança e mãe, bem como desta com seus familiares. A genitora foi orientada sobre a importância de estar atenta ao comportamento da criança e suas relações intrafamiliar e na escola, bem como sobre a necessidade de informar ao Conselho Tutelar sobre a suspeita de abuso, encaminhada para orientações junto ao Serviço Social. Sequência dos dados no registro do prontuário: • • • • • • • Dados de identificação; Motivo do encaminhamento; História de vida e clínica sucintas; Recursos utilizados no processo diagnóstico (testes, desenhos,..) Parecer psicológico, incluindo os aspectos saudáveis; Prognóstico (condições emocionais, cognitivas e sociais) Encaminhamento. Importância do Protocolo de Atendimento. • Delimitar procedimentos de atendimento (avaliação e acompanhamento) e suas contribuições no contexto das instituições de saúde; • Instrumentalizar o profissional na sua área de atuação, independente de sua orientação teórica; • Contribuir para uma melhor inserção da psicologia nas instituições de saúde. Dias & Radomile, 2007. Benefícios dos protocolos de avaliação e acompanhamento. • Identificação da demanda atendida pelo serviço de psicologia; • Auto-avaliação do serviço de psicologia e uma devolutiva à instituição, acerca dos atendimentos oferecidos; • Gerenciamento de dados e elaboração de estatísticas quanto aos procedimentos e demandas. • IMPORTANTE: informações sigilosas, que eventualmente os pacientes possam vir a relatar, não são registradas nos prontuários, de modo a respeitar o sigilo e manter uma postura ética às demandas do paciente. Protocolos de atendimento: avaliações sobre a hospitalização do paciente. • Em pesquisa realizada com pacientes internados em hospital geral de uma cidade do interior de São Paulo, verificou-se os seguintes motivos de solicitação de atendimento psicológico: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Ansiedade Depressão Nervosismo Tristeza Paciente poliqueixoso Outros: problemas de relacionamento com a equipe, choro, paciente pouco falante, ausência de acompanhante e desejo de ir embora. (Dias & Radomile, 2007) Protocolos de atendimento: avaliações sobre a hospitalização do paciente. • Pacientes cuja família mostrou-se mais presentes durante o processo de hospitalização tenderam a avaliar a equipe de saúde mais positivamente, bem como apresentaram menor alteração cognitiva. (Dias & Radomile, 2007) • No que tange à integridade do afeto/humor do paciente, este apresentou correlação positiva significativa, mediante relacionamento interpessoal positivo com a equipe. (Dias & Radomile, 2007) Ao longo da construção do processo de avaliação e acompanhamento do paciente nas instituições de saúde, o elemento crucial não é o teste, roteiro de entrevista e a linha teórica, mas sim a sensibilidade clínica. Para desenvolvê-la, o psicólogo deve estar consciente do que acontece, explícita ou implicitamente durante todo o processo diagnóstico. Trabalho em Grupo: Parte I Introdução: descrever as potencialidades da doença em desencadear sofrimento psíquico e a importância do trabalho do psicólogo nesta unidade. Parte II Descrição da unidade: perfil dos pacientes, equipe multidisciplinar, rotina dos atendimentos Descrição do trabalho do psicólogo: atendimento individual, grupo, acompanhamento familiar ou da equipe de saúde. Parte III Construção do questionário de avaliação psicológica específico para o contexto da instituição de saúde.