superpotência

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1. A Nova Ordem Mundial
O que é uma ordem [geopolítica] mundial? Existe atualmente uma nova
ordem ou, como sugerem alguns, uma desordem? Quais são os traços
marcantes nesta nova (des)ordem internacional?
Esse tema é clássico na geografia política, na geopolítica, na ciência política
e nos estudos de relações internacionais. Um dos mais importantes (pelo
número de citações que recebeu e ainda recebe) teóricos a abordar esse
tema foi o geógrafo e geopolítico inglês Halford J. MacKinder, que produziu
várias obras sobre o assunto no final do século XIX e no início do século XX.
A idéia de uma ordem mundial pressupõe logicamente um espaço mundial
unificado, algo que só ocorreu a partir da expansão marítimo-comercial
européia (e capitalista) dos séculos XV e XVI. Daí os autores clássicos, em
especial aqueles do século XIX, terem cunhado a expressão "grande
potência" ou "potência mundial", indissociavelmente ligada à idéia de ordem
mundial. Esta normalmente é vista como uma situação de equilíbrio (sempre
instável ou provisório) de forças entre os Estados. (Afinal é o Estado quem
atua nas relações internacionais e executa tanto a diplomacia quanto a
guerra).
E como esses atores privilegiados no cenário global, os Estados, são
equivalentes apenas na teoria -- pois há alguns fraquíssimos, em termos de
economia, de população e de poderio militar, e alguns poucos outros
extremamente fortes --, o conceito de potências (médias ou regionais e
principalmente grandes ou mundiais) é essencial na medida em que
expressa algo que ajuda a definir ou a estabilizar a (des)ordem mundial.
Como assinalaram Norberto BOBBIO e Outros (Dicionário de Política, editora
Universidade de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado possui a sua
soberania ou poder supremo no interior de seu território, não estando
portanto submetido a nenhuma outra autoridade supraestatal, o que em tese
redundaria numa espécie de "anarquia internacional". Mas a existência das
grandes potências e a própria hierarquia entre os Estados introduz um
elemento estabilizador, uma "ordem" afinal, nessa situação em que não há
um poder global ou universal, isto é, acima das soberanias estatais.
É exatamente essa hierarquia que vai dos "grandes Estados" -- a(s)
grande(s) potência(s) -- até os "pequenos", esse sistema de países onde na
prática há o exercício do poder pela diplomacia (ou, no caso extremo, pela
força militar) e pelas relações cotidianas (comerciais, financeiras,
culturais...), o que se convencionou denominar ordem mundial. Por esse
motivo, via de regra se define uma ordem mundial pela presença de uma ou
mais grandes potências mundiais: ordem monopolar, bipolar, tripolar,
pentapolar, multipolar etc. Como podemos perceber, não se avança muito
quando se nega a idéia de uma (nova) ordem e se enfatiza o termo
desordem, pois toda ordem mundial é instável e plena de conflitos e de
guerras. Estas normalmente, salvo raras exceções, são explicáveis pela
lógica que preside a ordem mundial e, portanto, não a denegam. Podemos
dizer, assim, que o conceito de ordem mundial não é positivista (no sentido
de ordem = ausência de contestações e de conflitos) e sim, na falta de um
conceito melhor, dialético (no sentido de ordem = algo sempre instável e na
qual as disparidades, as tensões e os conflitos são "normais" ou inerentes).
A atual ordem internacional, nascida com a ruína da bipolaridade -- que foi o
mundo da guerra fria e das duas superpotências, que existiu de 1945 até
1989-91--, ainda suscita inúmeras controvérsias e costuma ser definida ora
como multipolar (por alguns, provavelmente a maioria dos especialistas), ora
como monopolar (por outros) ou ainda como uni-multipolar (por Huntington).
Aqueles que advogam a mono ou unipolaridade argumentam que existe uma
única superpotência militar, os Estados Unidos, e que a sua hegemonia
planetária é incontestável após o final da União Soviética. E aqueles que
defendem a idéia de uma multipolaridade não enfatizam tanto o poderio
militar e sim o econômico, que consideram como o mais importante nos dias
atuais. Eles sustentam que a União Européia já é uma potência econômica
tão ou até mais importante que os EUA -- e continua se expandir -- e tanto o
Japão (que logo deverá superar a sua crise) quanto a China (a economia que
mais cresce no mundo desde os anos 1990) também são economias
importantíssimas a nível planetário. Além disso, raciocinam, a Rússia ainda
é uma superpotência militar, apesar de sua economia fragilizada; a China
vem modernizando rapidamente o seu poderio militar; e as forças armadas
da Europa, em especial as da Alemanha, França, Itália e Reino Unido, tendem
a se unificar com o desenrolar da integração continental.
Até mesmo os momentos de crise (Guerra do Golfo, em 1991, conflitos na
Bósnia e no Kosovo, em 1993 e 1999, a luta contra o terrorismo, em 2001, e a
ocupação do Iraque, em 2003) são vistos sob diferentes perspectivas por
ambos os lados. Os que insistem na monopolaridade pensam que essas
crises exemplificam a hegemonia absoluta e sem concorrentes dos Estados
Unidos, enquanto que os que advogam a multipolaridade explicam que essa
superpotência em todos esses momentos críticos necessitou do
imprescindível apoio da Europa, em primeiro lugar, e até mesmo da ONU,
além de ter feito inúmeras concessões à Rússia e à China em troca do seu
suporte direto ou indireto nesses bombardeios contra o Iraque, contra a
Sérvia e contra o Afeganistão.
Mas, independentemente do fato de ser uni ou multipolar -- ou talvez unimultipolar, uma fórmula conciliatória que admite uma monopolaridade militar
(mesmo que provisória) e uma multipolaridade econômica --, a nova ordem
mundial possui outros importantes traços característicos: o avançar da
Terceira Revolução Industrial, ou revolução técnico-científica, e de uma
globalização capitalista junto com uma nova regionalização que lhe é
complementar, isto é, a formação de "blocos" ou mercados regionais. A
revolução técnico-científica redefine o mercado de trabalho (esvaziando os
setores secundário e primário e ao mesmo tempo exigindo cada vez mais
uma mão-de-obra qualificada e flexível) e reorganiza ou (re)produz o espaço
geográfico (com novos fatores sendo determinante para a alocação de
indústrias: não mais matérias primas e sim telecomunicações e/ou força de
trabalho qualificada, dentre outros). Ela é condição indispensável para a
globalização na medida em que esta não existe sem as novas tecnologias de
informática e de telecomunicações. Ela influi até mesmo na guerra, pois
permite a construção de armas "inteligentes", que destroem alvos
específicos sem ocasionar matanças indiscriminadas (e são mais precisas
que as armas de destruição em massa, o que significa que não é mais
necessário o transporte de grande quantidade delas) e torna as informações
algo estratégico para a supremacia militar. Esta última deixa de ser ligada ao
tamanho da população ou mesmo à quantidade de soldados (existe uma
tendência no sentido de haver menos militares, só que com maior
qualificação) e passa a depender da economia moderna, da tecnologia
avançada.
PARA SABER MAIS: Como sugestões de leituras sobre o tema, indicamos os seguintes
livros bastante acessíveis (e que contêm no final uma vasta bibliografia):
- Ascenção e queda das grandes potências, de Paul Kennedy (editora Campus, 1989).
Um exaustivo estudo sobre as "grandes potências mundiais" desde o século XVI até o
final dos anos 1980. Ele procura mostrar como era a ordem mundial em cada período e
dá uma ênfase especial à ordem bipolar de 1945 até 1989-91.
- A nova ordem mundial, de José William Vesentini (editora Ática, 1996). Um sucinto
texto paradidático sobre as razões da crise da bipolaridade e as características da nova
ordem
mundial
dos
anos
1990
e
do
início
do
século
XXI.
- Novas geopolíticas, de José William Vesentini (editora Contexto, 2000). Uma análise
crítica sobre as principais representações geopolíticas sobre o mundo pós-guerra fria: o
conflito de civilizações, a universalização da democracia liberal, a nova geoestratégia, o
mundo
visto
como
caos
ou
desordem,
etc.
- Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica global, de José William Vesentini (editora
Papirus, 2003). Um estudo sobre a pertinência (ou não) das categorias imperialismo e
império para a ordem internacional do início do século XXI, com novas reflexões sobre
as desigualdades internacionais e sobre a uni-multipolaridade das relações de poder no
espaço mundial.
Disponível em http://www.geocritica.hpg.ig.com.br/geopolitica04.htm. Acessado em
18.02.2004.
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