5. 1815-1848 Restauração e Revolução Relações Internacionais Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni Fevereiro de 2013 O Congresso de Viena - 1815 • A grande marca da Restauração foi o Congresso de Viena • Ele se constituiu em uma conferência entre embaixadores das grandes potências europeias que teve lugar na capital austríaca, entre 1 de Outubro de 1814 e 9 de Junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior, bem como restaurar os respectivos tronos às famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão Bonaparte e firmar uma aliança entre os signatários. • Os termos de paz foram estabelecidos com a assinatura do Tratado de Paris (30 de Maio de 1814), no qual se estabeleciam as indenizações a pagar pela França aos países vencedores. • Mesmo diante do regresso ex-imperador Napoleão I do exílio, tendo reassumido o poder em França em Março de 1815, as discussões prosseguiram, concentradas em determinar a forma de toda a Europa depois das guerras napoleônicas. • O Ato Final do Congresso foi assinado a 9 de Junho de 1815, nove dias antes da derrota final de Napoleão na batalha de Waterloo. • Participaram Áustria, Prússia, Reino Unido, Rússia e França. • Inicialmente, os representantes das quatro potências vitoriosas esperavam excluir os franceses de participar nas negociações mais sérias, mas o Ministro Talleyrand conseguiu incluir-se nesses conselhos desde as primeiras semanas de negociações. • Momento de reação conservadora na Europa, articulado na presença de representantes dos diversos países vencedores de Napoleão, o objetivo declarado deste fórum era o de solucionar os problemas suscitados no continente desde a Revolução Francesa (1789) e as conquistas napoleônicas. Em linhas gerais pretendia-se: • Refazer o mapa político da Europa, recriando ou suprimindo Estados; • Restaurar o Antigo Regime, a ordem feudal e absolutista em todas as regiões afetadas pelos ideais liberalistas franceses desde 1789; • Restabelecer um equilíbrio europeu, procurando impedir que um único país fosse suficientemente forte (como a França o fora) para derrotar militarmente todos os demais países europeus unidos; • Restaurar as antigas monarquias depostas a partir de 1789. Sob o Princípio da Legitimidade, retornaram ao poder os Bragança em Portugal, os Bourbon na França (Luís XVIII) e na Espanha (Fernando VII), os Orange na Holanda, e os Sabóia no Piemonte. • Redistribuir os territórios conquistados pela França desde 1789 e punir com a perda de terras os aliados de Napoleão Bonaparte. Pelo Princípio das Compensações os maiores beneficiados foram as potências responsáveis pela vitória militar sobre a França: Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria. Para não desmembrar o território continental francês, essa potências obtiveram compensações territoriais em outras regiões. • O Congresso de Viena representou uma tentativa das forças conservadoras européias para deter o avanço do Liberalismo e do Nacionalismo de diversos povos (polacos, belgas, finlandeses, gregos e outros) que se encontravam dominados politicamente pelos impérios então existentes. Também serviu como um instrumento de contenção dos movimentos revolucionários liderados pela burguesia. • • O Tratado de Paris obrigou a França a pagar 700 milhões de francos em indenizações às nações anteriormente por ela ocupadas. • Seu território passou a ser controlado por exércitos aliados e sua marinha de guerra foi desativada . Suas fronteiras permaneceram as mesmas de 1789 . Luís XVIII, irmão de Luís XVI foi reconhecido como novo Rei A Santa Aliança • A Santa Aliança foi uma das conseqüências imediatas do Congresso de Viena. Ela surgiu por inspiração do Czar da Rússia Alexandre I, que teria sofrido influência da Baronesa de Krudener e de Nicolas Bergasse (antigo constituinte francês). • Ele propôs aos outros príncipes cristãos reunidos em Viena governarem seus países de acordo com os "preceitos da Justiça, Caridade Cristã e Paz" e a formação de um bloco de potências, cujas relações seriam reguladas pelas "elevadas verdades presentes na doutrina de Nosso Salvador". • Todavia, com a interferência do chanceler austríaco Metternich, a Santa Aliança foi apenas um instrumento da restauração monarquica. Foi escolhido o nome de Santa Aliança para designar esse bloco militar que durou até as revoluções européias de 1848. • O Direito de Intervenção foi defendido pelo ministro austríaco, Metternich, segundo o qual as nações européias interviriam onde quer que as monarquias estivessem ameaçadas ou onde fossem derrubadas. • A aliança visou a a manutenção dos tratados de 1815, tendo em vista reprimir as aspirações liberais e nacionalistas dos povos oprimidos. • Com uma forte aparência religiosa, onde transparecia a vontade de aplicar os princípios cristãos (amor, paz e justiça) à política, o acordo, além de contemplar a não agressão mútua, visava a continuidade de uma filosofia de absolutismo a prosseguir na gestão dos Estados, de forma a contrariar as sublevações que se estavam a fazer sentir da parte de setores populacionais que pretendiam uma política mais liberal e nacional. Em síntese, a Santa Aliança reduziu-se a um poderoso fator de manutenção de monarquias absolutistas na Europa. • Através da Santa Aliança, Áustria, Prússia e Rússia passaram a intervir em vários países europeus, combatendo os anseios de libertação nacional. Intervenções foram feitas em Nápoles e na Espanha pelos países integrantes desse órgão. • Como durante o domínio napoleônico ma Europa iniciara-se o processo de emancipação política das colônias ibéricas, a Santa Aliança tentou restabelecer o velho Pacto Colonial nesses países. • Só não teve sucesso devido à oposição da Inglaterra, que queria conservar a liberdade de comércio com a América, e dos Estados Unidos, que desejavam manter longe o absolutismo europeu, conforme previa a Doutrina Monroe. • Baseado nos princípios dessa doutrina, os EUA impediram a Santa Aliança de recolonizar os países americanos que se haviam tornado independentes. • A Revolução de 1830 na França contribuiu para abalar as bases da Santa Aliança e a de 1848 para torná-la definitivamente sem efeito. Na guerra de independência da Grécia, a Rússia apoiou os gregos, a Aústria e a Prússia não a apoiou e a Santa Aliança chegou ao fim. Conhecida como a "Primeira liga militar do mundo em tempo de paz". A grande transformação Karl Polanyi A civilização do século XIX se firmava em quatro instituições. • A primeira era o sistema de equilíbrio de poder que, durante um século, impediu a ocorrência de qualquer guerra prolongada e devastadora entre as Grandes Potencias. • A segunda era o padrão internacional do ouro que simbolizava uma organização única na economia mundial. • A terceira era o mercado auto-regulável, que produziu um bem –estar materia sem • precedentes. • A quarta era o estado liberal. • Após 1815, a mudança é súbita e completa. A repercussão da Revolução Francesa reforçou a maré montante da Revolução Industrial, estabelecendo os negócios pacíficos como um interesse universal. • Metternich (1773-1859, diplomata austríaco) proclamava que o que os povos da Europa desejavam não era a liberdade, mas a paz. Gentz chamava os patriotas de novos bárbaros. A Igreja e o trono iniciaram a desnacionalização da Europa. Seus argumentos encontravam apoio tanto na ferocidade das recentes formas populares de revolta, como no realce tremendo do valor da paz sob a economia nascente. • Os que apoiavam o novo "interesse pela paz" eram, como de hábito, aqueles que mais se beneficiavam com ela, isto é, aquele cartel de dinastias e feudalistas cujas posições patrimoniais eram ameaçadas pela onda revolucionária de patriotismo que avassalava o continente. • Desta forma, por um período aproximado de um terço de século, a Santa Aliança forneceu a força coerciva e o ímpeto ideológico necessário a uma política de paz atuante; seus exércitos percorriam a Europa em todas as direções, esmagando minorias e reprimindo maiorias. • De 1846 até cerca de 1871 - “um dos quartos de século mais confusos e atravancados à história européia” a paz foi estabelecida com menos segurança, enquanto a força declinante da reação enfrentava a crescente força da industrialização. No quarto de século que se segue à Guerra Franco-Prussiana, encontramos redivivo o interesse pela paz representado por aquela nova e poderosa entidade, o Concerto da Europa. A Era das Revoluções Eric Hobsbawm • Após 1815, a área do mundo conhecido era maior do que em qualquer época anterior e suas comunicações eram incrivelmente mais rápidas. • O sistema internacional que se desenvolve no meio século seguinte à queda de Napoleão teve várias características definidoras e permanentes. • A primeira foi a constante – e depois de 1840 espetacular – crescimento de uma economia global integrada, que incorporou um número crescente de nações e regiões num comércio e numa rede financeira transoceânica e transcontinental, tendo como centro a Europa ocidental e em particular a Grã-Bretanha. • A hegemonia britânica foi acompanhada de melhorias em grande escala nos transportes e comunicações, pela transferência de tecnologia industrial de uma região a outra, por um e por um imenso surto de produção manufaturada, abertura de novas fronteiras agrícolas e fontes de matérias primas. • A propagação das idéias de livre-mercado marca uma nova ordem internacional, muito diferente do século XVIII. Os custos da grande guerra 1793-1815 levou os conservadores e liberais a preferirem ao máximo possível a paz e a estabilidade, sustentados pelo Concerto da Europa e pelos tratados de livre-comércio. Há um crescimento sem precedentes da economia global. • O principal resultado da Revolução na França foi o de pôr fim à sociedade aristocrática. Não à "aristocracia", no sentido da hierarquia de status social distinguido por títulos ou outras marcas visíveis de exclusividade, e que muitas vezes se moldava no protótipo dessas hierarquias, a nobreza "de sangue". • A sociedade da França pósrevolucionária era burguesa em sua estrutura e em seus valores. Era a sociedade do parvenu, i.e., do homem que se fez por si mesmo, o self-made-man, embora isto não fosse completamente óbvio antes que o próprio país fosse governado pelos parvenus, i.e., antes que se tornasse republicano ou bonapartista. • Pode não parecer excessivamente revolucionário a nós que metade da nobreza francesa, em 1840, pertencesse a famílias da velha nobreza, mas, para os burgueses franceses contemporâneos, o fato de que a metade tinha sido gente do povo em 1789 era muito mais surpreendente, especialmente quando eles olhavam para as exclusivistas hierarquias sociais do resto da Europa continental. O advento do neocolonialismo • O domínio colonial na região chegou ao fim ao mesmo tempo em que a Inglaterra firmava-se como potência global hegemônica. Tal supremacia se deu não apenas pela exportação de produtos manufaturados - que iam de tecidos a bens de produção, artigos de luxo e de consumo duráveis -, mas também por outras variáveis. • O país dominava o comércio internacional, seus bancos funcionavam como agências financiadoras universais e a libra esterlina era conversível em todo o mundo. O padrão-ouro – o lastro metálico da moeda britânica – regulava o sistema monetário em escala planetária, subordinando economias aos desígnios dos financistas da City londrina. A evolução da sociedade internacional Adam Watson • De 1818 até o ano das revoluções (1848), as cinco grandes potências chegaram perto de funcionar como uma diretoria. Tinham uma solidariedade de fins: temiam os riscos que ameaçavam seu mundo. • A reconstrução da Europa partiu dos entendimentos entre Rússia e Inglaterra, e convinha aos dois Estados restabelecer a Áustria e a Prússia como grandes potências independentes, nominalmente iguais a eles próprios. Eles haviam entendido as vantagens da ordem e da tranqüilidade que o império de Napoleão havia trazido às grandes áreas da Europa que ele havia controlado. • A contradoutrina da legitimidade dinástica e o desejo prático de administrar o sistema pareceram aos estadistas, em Viena, justificar igualmente as intervenções ideológicas para reprimir tentativas revolucionárias de tomar o poder em qualquer Estado A era das revoluções Eric Hobsbawm • Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da História foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. • Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução européia generalizada tendo como modelo a francesa foi o objetivo supremo de todas as potencias que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a França. • Após mais de 20 anos de guerras e revoluções quase ininterruptas, os velhos regimes vitoriosos enfrentaram os problemas do estabelecimento e da preservação da paz, que foram particularmente difíceis e perigosos. • Foram inusitadamente bem sucedidos. De fato, não houve nenhuma guerra total na Europa, nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Criméia, em 1854-6. Na verdade, exceto pela Guerra da Criméia, não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências entre 1815 e 1914. Parêntesis (A Guerra da Crimeia foi um conflito que se estendeu de 1853 a 1856, na península da Crimeia (no mar Negro, ao sul da atual Ucrânia), no sul da Rússia e nos Bálcãs. Envolveu, de um lado o Império Russo e, de outro, uma coligação integrada pelo Reino Unido, a França, o Reino da Sardenha - formando a Aliança AngloFranco-Sarda - e o Império Otomano (atual Turquia). Esta coalizão, que contou ainda com o apoio do Império Austríaco, foi formada como reacção às pretensões expansionistas russas). • O mapa da Europa foi redelineado sem se levar em conta as aspirações dos povos ou os direitos dos inúmeros príncipes destituídos pelos franceses, mas com considerável atenção para o equilíbrio das cinco grandes potências que emergiam das guerras: a Rússia, a GrãBretanha, a França, a Áustria e a Prússia. • Destas, somente as três primeiras contavam. A Grã-Bretanha não tinha ambições territoriais no continente, embora preferisse manter o controle ou a sua mão protetora sobre assuntos de importância comercial e marítima. Europa, 1800 Europa, 1848 Europa, , 1800 • Os estadistas de 1815 foram bastante inteligentes para saber que nenhum acordo, não obstante quão cuidadosamente elaborado, resistiria com o correr do tempo à pressão das rivalidades estatais e das circunstâncias mutáveis. • Conseqüentemente, trataram de elaborar um mecanismo para a manutenção da paz - i.e. resolvendo todos os problemas maiores à medida que eles surgissem - por meio de congressos regulares. Claro, entendia-se que as cruciais decisões nesses congressos fossem tomadas pelas "grandes potências" (o próprio termo é uma invenção deste período.) • O "concerto da Europa" - outro termo que surgiu então não correspondia por exemplo a uma ONU, mas sim aos membros permanentes do seu Conselho de Segurança. Entretanto, os congressos regulares só foram mantidos por alguns anos - de 1818, quando a França foi oficialmente readmitida no concerto, até 1822. • Os ingleses estavam satisfeitos. Por volta de 1815, eles tinham obtido uma vitória mais completa do que qualquer outra potência em toda a história mundial, tendo emergido dos 20 anos de guerra com a França como a única economia industrializada, a única potência naval - em 1840 a marinha britânica tinha quase tantos navios quanto todas as outras marinhas reunidas - e virtualmente a única potência colonial do mundo. Nada parecia atrapalhar o único grande interesse expansionista da política externa britânica, a expansão do comércio e do investimento britânicos. • Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa, foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a primeira. Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848: • 1820-1824 : Espanha (1820); Nápoles (1820); Grécia (1821) • 1829-1834: Oeste da Europa, derrubada dos Bourbon na França. • A onda revolucionária de 1830 foi, portanto, um acontecimento muito mais sério do que a de 1820. Ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental. A classe governante dos próximos 50 anos seria a "grande burguesia" de banqueiros, grandes industriais e, às vezes, altos funcionários civis • Por trás destas grandes mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvolvimento social e econômico. Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos, 1830 determina um ponto crítico; de todas as datas entre 1789 e 1848, o ano de 1830 é o mais obviamente notável. Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos, na história das migrações humanas, tanto sociais quanto geográficas, e ainda na história das artes e da ideologia. • O mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo. • Não queremos dizer com isto que as revoluções de 1815-48 foram a simples obra de alguns agitadores descontentes, como os espiões e policiais do período - uma espécie muito utilizada - deviam informar a seus superiores. Elas ocorreram porque os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais inadequados, num período de rápida mudança social, para as condições políticas do continente, e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis. • Mas os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para dar ao descontentamento um objetivo específico, para transformar a intranquilidade em revolução, e acima de tudo para unir toda a Europa em um único movimento - ou, talvez fosse melhor dizer, corrente - de subversão. As independências da América Latina José Luís Fiori • “Depois dos Estados Unidos, os países latinoamericanos foram os primeiros estados que se formaram fora da Europa. Nasceram em bloco e quase simultaneamente, por razões ligadas à decadência dos impérios ibéricos e à expansão das novas potências que assumem a liderança do sistema mundial a partir dos séculos XVII e XVIII. • O reconhecimento de suas independências por parte destas novas potências passou por negociações que envolveram, invariavelmente, a assinatura de Tratados de Livre Comércio, primeiramente com a Inglaterra e mais tarde com os demais países europeus, e com os Estados Unidos. Como consequência, a América Latina se transformou no primeiro laboratório de experimentação da estratégia de “relacionamento não colonial com os territórios do novo mundo”, defendida por Adam Smith”. Imperialismo britânico Do ponto de vista da América Latina isso significou na prática a aceitação de uma hegemonia política, econômica e financeira externa por parte dos seus novos estados independentes. Hegemonia que os ingleses exerceram durante o século XIX e que depois cederam à sua ex-colônia norte-americana. • Esse segundo período, que vai das independências e da formação de novos Estados nacionais na região até a perda da hegemonia britânica, no início do século XX, pode ser classificada como etapa imperial As independências e a crise do sistema • O processo de independências na região tem origem na crise do Antigo Sistema Colonial. É seu próprio desenvolvimento que cria as bases de sua superação. • A América Latina rompeu com as metrópoles ibéricas entre 1810 e 1828, período que vai da independência Argentina à declaração de soberania do Uruguai. Nesses 18 anos, mudou totalmente a configuração geopolítica desta parte do mundo. Ciclo de rompimentos • Os rompimentos com as metrópoles fazem parte do ciclo histórico das guerras napoleônicas (1807-1815), no continente europeu. Com a invasão de Portugal e da Espanha pelas forças do general Junot, enfraqueceram-se as cadeias do domínio colonial, já abaladas pelo declínio econômico dos dois países. Combinado com condicionantes regionais, a separação das colônias se faz em um curto período de tempo. Tratava-se de uma crise sistêmica, como classificada pelo historiador Fernando Novais em Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1801). Dois fatores principais levaram o sistema à crise • Primeiro - A estrutura do sistema baseava-se na produção escravista e na concentração fundiária. A colônia tinha por objetivo fornecer artigos que a metrópole necessitava e oferecer mercado para manufaturados da metrópole. Por exemplo, o Brasil exportava cana de açúcar para Portugal e adquire manufaturados deste, garantindo fornecimento a preços baixos e adquirindo bens que geravam alta lucratividade para a metrópole. • Em dado momento, a dinâmica passa a ser disfuncional. Em determinadas situações, Portugal vai depender do capital estrangeiro, especialmente flamenco, para financiar a produção do açúcar e vai depender das praças de Antuérpia para escoar sua produção. • Assim a Holanda acaba por entrar na concorrência do açúcar e por terminar com o monopólio português. O exclusivo metropolitano é na prática questionado. • Segundo - A extrema concentração de terras e de renda, a realização das riquezas geradas na colônia apenas na metrópole e a inelasticidade do trabalho escravo travam o desenvolvimento do sistema, que já apresenta baixos índices de produtividade. Ele cresce, como notou Celso Furtado em Formação econômica do Brasil, extensivamente, isto é, por agregação de novas unidades e com a mesma composição de fatores. Mais ainda, ela não reinveste em escala crescente, apenas repõe e agrega, dilapidando a natureza. • Decorre disso, portanto, uma limitação ao crescimento da economia de mercado. • Como não havia meios de se reduzir os custos através do uso de novas tecnologias, a camada senhorial buscava reduzir ao mínimo o custo da mão de obra escrava. Assim, busca-se que o escravo tenha uma lavoura de subsistência dentro da própria unidade produtora para exportação. Esta produção se desenvolve à margem do mercado. • Assim, a demanda de manufaturas era reduzidíssimo. O desenvolvimento de um mercado interno fica travado Industrialismo e independência • Quando as economias metropolitanas se desenvolvem, no bojo da Revolução Industrial, potencializando a atividade produtiva, aumentando da produção e da oferta, passam a exigir nas colônias a ampliação das faixas de consumo, não apenas das camadas superiores da sociedade. Isso só seria possível com a generalização das relações mercantis. • Tais tensões geradas no interior do próprio sistema e por conta de seu próprio desenvolvimento criam as bases de sua crise irreversível. • O exclusivo metropolitano impedia o escoamento da oferta de produtos britânicos para as colônias ibéricas. Assim, o industrialismo britânico passa a ter interesses diretos na remoção das metrópoles intermediárias. “É neste contexto que se gera (...) a campanha inglesa contra o tráfico negreiro, que era a forma indireta de atacar o antigo sistema colonial no seu cerne; o que entra em crise é, pois, o próprio sistema colonial como um todo”, aponta Novais. Formação dos Estados • A primeira metade do século XIX está marcada pela independência e pela formação dos Estados Nacionais. Na América espanhola, seus pólos de irradiação foram Buenos Aires, Caracas e Cidade do México. Nas duas primeiras regiões, um rápido desenvolvimento no final do século XVIII, aliada à deterioração do domínio espanhol fortaleceu os movimentos independentistas. Celso Furtado em A economia latino americana • “A estruturação dos Estados nacionais ocorreu de forma acidentada em quase toda a América Latina. As elites liberais que lideraram ou apoiaram os movimentos de independência em Buenos Aires ou em Caracas não estavam em condições de organizar sistemas de poder capazes de substituir as antigas metrópoles. Ao mesmo tempo, havia permanentes tensões de autonomização regional. Na ausência de vínculos políticos mais significativos, o localismo político tendia a prevalecer”. Fragmentação • “Rompidos os vínculos com a metrópole, por toda parte o poder tendeu-se a deslocar-se para a classe dos senhores de terra. A estruturação dos novos Estados foi condicionada por dois fatores: a inexistência de interdependência real entre os senhores da terra, que se ligariam uns aos outros ou se submeteriam a um dentre eles em função da luta pelo poder; a ação da oligarquia urbana, que manteria contatos com o exterior e exploraria toda a possibilidade de expansão do intercambio externo ao qual iriam se vinculando segmentos do setor rural”. A Revolução de 1830 • Afetou toda a Europa e oeste da Rússia. Na Europa a derrubada dos Bourbons na França estimulou várias revoluções. A Bélgica obteve sua independência da Holanda. Esta é a marca da derrota definitva do poder absolutista na Europa Ocidental. • É o ascenso da grande burguesia financeira e industrial ao poder. A revolução de 1830 determina o surgimento da clase operária como força politica na GB e na França e dos movimentos nacionalistas em boa parte do continente. Havia vários modelos semelhantes, embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797. • Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815: 1. O liberal moderado (ou, em termos sociais, o da classe média superior e da aristocracia liberal), 2. O democrata radical (ou, em termos sociais, o da classe média inferior, parte dos novos industriais, intelectuais e pequena nobreza descontente) e 3. O socialista (ou, em termos sociais, dos "trabalhadores pobres" ou das novas classes operárias industriais). • As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente. Elas foram os primeiros produtos de um período geral de aguda e disseminada intranquilidade econômica e social e de rápidas transformações. Dois principais resultados seguiram-se a isto. • O primeiro foi que a política de massa e a revolução de massa, com base no modelo de 1789, mais uma vez tornaram-se possíveis, e a dependência exclusiva das irmandades secretas, portanto, menos necessária. Os Bourbon foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular devida à depressão econômica. Cidade sempre agitada pela atividade de massa, Paris em julho de 1830 mostrava as barricadas surgindo em maior número e em mais lugares do que em qualquer época anterior ou posterior. • O segundo resultado foi que, com o progresso do capitalismo, "o povo" e os "trabalhadores pobres" - i.e. os homens que construíram as barricadas - podiam ser cada vez mais identificados com o novo proletariado industrial como "a classe operária". Portanto, um movimento revolucionário proletário-socialista passou a existir. • Mudanças - 1789 a 1848 • A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial - e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla - tinha iniciado uma "explosão" sem precedentes, que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos. Visto que poucos países, antes do século XIX, tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo, sendo os existentes de pouca confiança, não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período; mas foi certamente um aumento sem precedentes e maior (exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados, como a Rússia) nas áreas economicamente mais avançadas. • O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia. • A segunda maior mudança foi nas comunicações. Segundo consenso geral, as ferrovias estavam apenas na infância em 1848, embora já fossem de considerável importância prática na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Bélgica, na França e na Alemanha. • O que foi mais relevante, depois de 1830 - o ponto-chave que o historiador de nosso período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular -, é que o ritmo de mudança social e econômica acelerou-se visível e rapidamente. • Entre 1815 e 1848, nenhum observador consciente podia negar que a situação dos trabalhadores pobres era assustadora. E já em 1840 esses observadores eram muitos e advertiam que tal situação piorava cada vez mais. • Sem dúvida, a verdadeira pobreza era pior no campo, e especialmente entre os trabalhadores assalariados que não possuíam propriedades, os trabalhadores rurais domésticos, e, é claro, entre os camponeses pobres ou entre os que viviam da terra infértil. A partir de 1830, as revoltas se multiplicam pela Europa. Na França, a restauração da monarquia e da dinastia dos Bourbon não havia sido suficiente para Carlos X, que tentou reintroduzir o absolutismo e alguns dos privilégios de que gozava a nobreza no Antigo Regime. • A publicação das ordenações conservadoras, em julho daquele ano, que dissolvia a Assembléia de maioria liberal (burguesa), modificava o sistema eleitoral e estabelecia medidas de censura prévia à imprensa, motivou a insurgência da burguesia e de grande parte da população, que depôs o rei e entregou o trono a Luís Felipe, nobre da família Orleans, de tendências liberais. • A revolta liberal na França repercutiu por toda a Europa e o seu exemplo motivou a rebelião da burguesia da Bélgica. A Itália também se convulsionou em 1831-32, quando a sociedade secreta dos carbonários obteve sucesso ao proclamar a república nos Estados Pontificiais (ou Estados Papais, vasta porção territorial sob comando da Igreja entre 756 e 1870), movimento revertido pela intervenção da Áustria. • A Europa viveu um estado de crise latente entre 1815 e 1848, com agravamento de problemas econômicos e sociais, além das disputas entre liberais (burgueses) e conservadores (absolutistas). • A situação mostrou-se insustentável mesmo na França, que avançou depois da Revolução de 1830 para uma forma de governo constitucional. • Neste ano, subiu ao poder Luís Filipe I (1773 – 1850), último rei da França (1830 a 1848). Ficou conhecido como o "Rei Burguês" ou "Rei Cidadão". • Luís Filipe pronunciou-se a favor dos ideais revolução de 1789 e, em 1790, uniu-se aos radicais nas fileiras jacobinas. • O seu reinado foi uma monarquia constitucional, mas ele era, sobretudo, favorável à burguesia numa época em que a França começava a sua Revolução Industrial. A Monarquia de Julho, como seu reinado muitas vezes é designado, representa a implantação na França de um novo regime de aberta inspiração liberal que acabou com as formas mais anacrônicas da monarquia absoluta. • Com o agravamento das tensões, seu governo desgastou-se rapidamente. • Em 1848, a oposição, formada por republicanos e socialistas e engrossada por segmentos populares tomou as ruas em fevereiro para reclamar reformas políticas, conseguindo destituir o monarca. • O governo provisório, formado no vácuo de poder que se formou proclamou a república, aboliu a censura, pôs fim ao voto censitário (apenas 3% da população votava, pois o direito era limitado pela renda) e formulou políticas de compensação social, como a regulamentação da jornada de trabalho, a legalização dos sindicatos operários, além de convocar uma Assembléia Constituinte. • A tensão não se desfez e explodiram novas reivindicações apenas quatro meses depois, quando, sob a liderança dos socialistas, a classe operária protestou vigorosamente contra a insuficiência das medidas adotadas e, particularmente, contra o fechamento das oficinas nacionais de distribuição de alimentos. • Após três dias de lutas nas ruas, o movimento foi sufocado pelas forças de segurança, deixando um saldo de dois mil mortos e feridos. Barricadas de Paris durante a revolução de 1848. Fotos de Hippolyte Bayard e Thibault.. Barricadas na rua Saint-Maur, Paris, 1848 O massacre dos bulevares Vitor Hugo (1802-85) • De repente uma janela, dando diretamente para o inferno, foi aberta com violência. Estivesse Dante observando através das trevas, e teria reconhecido o oitavo círculo de seu poema no fatídico bulevar Montmartre. Um espetáculo horrendo - Paris nas garras de Bonaparte! • Os homens armados, amontoados no bulevar, foram tomados por um súbito frenesi. Não eram mais homens, mas sim demônios. Para eles não havia mais uma bandeira, nem lei, humanidade ou país. • A matança do bulevar Montmartre foi um crime sem finalidade, ao qual nenhum motivo poderia ser atribuído. E no entanto uma razão, e uma razão muito terrível, existia. Vamos dizer qual era. Existem duas poderosas forças no Estado - a lei e o povo. Um homem assassina a lei. Ele vê aproximar-se a hora de pagar, e não há mais nada a fazer senão assassinar o povo. • Louis Bonaparte alcançou essa glória, e ao mesmo tempo chegou ao ápice de sua infâmia. Vamos contar como ele fez isso, e lembrar o que a história não viu - o assassinato de um povo por um homem! • Subitamente, a um dado sinal disparado de um mosquete - não importa onde ou por quem abriu-se um fogo mortal de metralha contra a multidão. A metralha é em si mesma uma multidão; é morte a granel. Não se sabe de onde vem ou para onde vai; mata, e continua. • E, no entanto, possui uma espécie de alma. Age premeditadamente e executa um plano. O movimento foi inesperado. Foi como um punhado de raios e trovões arremessados sobre o povo. Nada poderia ser mais fácil. Possuía toda a simplicidade da solução de um quebracabeças. A metralha aniquilou o populacho. • Em um instante havia uma série de assassinatos estendendo-se por cerca de quatrocentos metros ao longo do bulevar. Onze canhões destruíram o Hotel Sallandrouze. Um tiro atingiu diretamente vinte e oito casas. Os Banhos de Jouvence foram perfurados. Um quarteirão inteiro de Paris transformou-se em um cenário aterrorizante. O ar estava cheio de gritos de angústia. • Morte, morte repentina, estava por todos os lados. Ninguém esperava nada. Havia gente caindo por todos os lados. • Ninguém escapava. Os mosquetes e pistolas eram usados em todas as direções. O Ano Novo estava se aproximando, e havia lojas cheias de presentes. • Uma criança de 13 anos, voando diante do fogo dos soldados, refugiou-se numa loja da Árcade Sauveur, e escondeu-se debaixo de uma pilha de brinquedos. Foi agarrada e massacrada, enquanto os assassinos abriam as feridas com seus sabres. Contou-me uma mulher: "Podíamos ouvir os gritos da pequena criatura por toda a arcada". • O 75º Regimento da Linha tomou a barricada da Porte Saint-Denis. Não houve resistência, somente carnificina posteriormente. • Uma mulher que vinha correndo com todas as suas forças, o cabelo desgrenhado e os braços esticados para frente, voava pela rue Poissonière, gritando: "Eles estão nos matando! Estão nos matando!" • (...) • Cheguei ao bulevar. A cena era indescritível. Eu vi este crime. Eu vi esta tragédia, esta carnificina. Eu vi esta cega correnteza de morte, e os corpos de pessoas assassinadas caindo ao meu lado, e é por esta razão que posso assinar este livro como testemunha ocular. As eleições • Em dezembro de 1848, os franceses foram às urnas para eleger seu primeiro presidente da República. O vencedor foi Luís Napoleão, sobrinho do Imperador, que conseguiu seduzir o eleitorado com a mística da liderança de seu nome e com a promessa de que conseguiria reprimir as rebeliões operárias futuras. • Com o agravamento das tensões, em dezembro de 1851, Luís Bonaparte dá um golpe de Estado e abole a República, restaurando a monarquia. Proclama-se Napoleão III, rei dos franceses. • Acabava melancolicamente o grande ciclo revolucionário francês iniciado em 1789, com ramificações por toda a Europa e parte do mundo. • A Revolução de 1830 na França contribuiu para abalar as bases da Santa Aliança e a de 1848 para torná-la definitivamente sem efeito. Na guerra de independência da Grécia, a Rússia apoiou os gregos, a Aústria e a Prússia não a apoiou e a Santa Aliança chegou ao fim. Conhecida como a "Primeira liga militar do mundo em tempo de paz". • A revolução de 1830 introduziu constituições moderadamente liberais - antidemocráticas mas também claramente antiaristocráticas - nos principais Estados da Europa Ocidental. Sem dúvida, havia acordos, impostos pelo temor de uma revolução de massa, que iria além das moderadas aspirações da classe média. • Estes acordos deixaram as classes proprietárias de terras super-representadas no governo, como na Grã-Bretanha, e grandes parcelas das novas classes médias - e especialmente das industriais mais dinâmicas sem representação, como na França. Ainda assim, foram acordos que decisivamente inclinaram a balança política para o lado das classes médias. • O movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre. Ela não deve ser confundida com a mera reação coletiva contra o sofrimento intolerável, que ocorreu em outros momentos da história, nem sequer com a. prática da greve e outras formas de militância que se tornaram características da classe trabalhadora. Estes acontecimentos também têm sua própria história que começa muito antes da revolução industrial. O verdadeiramente novo no movimento operário do princípio do século XIX era a consciência de classe e a ambição de classe. Os "pobres" não mais se defrontavam com os "ricos". 1848 • A Revolução de 1848 – protagonizada pela primeira vez majoritariamente pelos trabalhadores – aparece como primeira revolução moderna européia, que combinou maior promessa, maior extensão, maior extensão, maior sucesso inicial imediato e o mais rápido e retumbante fracasso. • Entre 1830 e 1850 o proletariado francês cresceu substancialmente. Em Lyon esta classe protagonizou mesmo alguns levantamentos, que foram, todavia, duramente reprimidos pelas autoridades. Depois destes levantamentos populares surgiram um pouco por toda a França sociedades secretas constituídas por operários, ligadas ao movimento republicano e ao movimento do socialismo utópico. • Dá-se o nome de Revoluções de 1848 à série de revoluções na Europa central e ocidental que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, crises econômicas, falta de representação política das classes médias e nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias européias, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. • Também chamadas de Primavera dos Povos , tais revoluções, de caráter liberal democrático e nacionalista, foram iniciadas por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das práticas capitalistas. • Em 1848, influenciada pelo liberalismo, pelo nacionalismo, pelo socialismo e em meio a uma conjuntura de crise econômica (na agricultura e na Superprodução capitalista), eclodiu uma revolta e o Rei Luís Filipe de Órleans abdicou do trono. Era a “primavera dos povos”. No dia 23 de abril, ocorreu a primeira eleição na Europa com sufrágio universal masculino, que elegeu Luís Napoleão. • Os anos de 1845 e 1846 foram de péssimas colheitas, desencadeando uma crise agrícola em todo o continente. A crise agrícola iniciou-se em Flandres e na Irlanda, com as péssimas colheitas de batatas. • Na Europa ocidental, a má colheita de trigo desencadeou em 1846 uma série de revoltas camponesas. Essa crise desencadeou uma alta vertiginosa do custo de vida, atirou à miséria grandes setores da população rural e reduziu drasticamente a sua capacidade de consumo de produtos manufaturados. • A crise se agravou atingindo a indústria e as finanças. A crise, naturalmente, não teve caráter uniforme e atingiu de forma diferente cada região. Foi predominantemente industrial na Inglaterra e na França, mas sobretudo agricola na Irlanda e na Itália. • Centenas de milhares de insatisfeitos com o desemprego, mas sem um programa político claro, descobriram que queriam derrubar o governo do rei Luís Filipe, de seus ministros e de todo o sistema econômico que os enriquecia às custas dos trabalhadores. • No dia seguinte, o centro de Paris estava cheio de barricadas que assustaram os burgueses moderados da oposição. Na fuzilaria morreram cerca de 500 pessoas. Os cadáveres foram colocados em carros iluminados por tochas e desfilaram pelo centro de Paris, alimentando a insurreição, dando início a uma luta aberta que se estendeu por toda Paris. Soldados da Guarda Nacional, enviados para reprimir os manifestantes, uniram-se a elas. • O governo ensaiou oferecer reformas para controlar a rebelião que aumentava de proporções, mas já era tarde. Na manhã do dia 24, quando inspecionava as tropas, o rei foi vaiado por elas. Os insurrectos controlavam os arsenais. À tarde, já corriam proclamações republicanas. Incapaz de reagir, a Luís Filipe só restava abdicar o trono. O parlamento dissolveu-se. A Monarquia de Julho tinha sido destronada e nascia a Segunda República (1848-1852). • Os grandes burgueses moderados da oposição estavam exasperados. O que mais temiam estava nas ruas: a revolução social dos pobres. As ruas de Paris eram tomadas por um contingente de 40 á 50 mil manifestantes, sendo muitos mortos e 15 mil presos. • O Governo provisório convocou eleições, as quais deram vitória aos candidatos da burguesia e dos latifundiários. Em 25 de Fevereiro foi implantada a Segunda República, em resultado de uma expressiva manifestação; todavia, esta não veio a corresponder às aspirações dos operários que reclamavam uma reforma social. • O sufrágio universal masculino foi estabelecido e por proposta dos socialistas, foi reduzida a jornada de trabalho de 12 para 10 horas diárias. Por pressão dos operários e socialistas, foram criadas as Oficinas Nacionais (ateliers nationaux) - fábricas com capital estatal e dirigidas por operários, destinadas a aliviar a crise econômica e o desemprego, que logo se tornaram improdutivas e custosas, aumentando o déficit público - e a Comissão de Luxemburgo, cujo objetivo era a preparação de projetos de legislação social e a arbitragem de conflitos de trabalho. Reação • A inexperiência política do governo não satisfazia nem as reivindicações dos mais radicais nem as inquietações dos mais conservadores. Mas era principalmente a crise econômica que agravava a inquietude de todos os operários. • A falta de mercados para vender seus produtos, o aumento dos impostos, o marasmo econômico, aliado às agitações políticas e à fraqueza e hesitação do governo, provocavam pesadelos no mundo dos negócios. • Diante do "perigo vermelho", a burguesia se preparou. Em 23 e 24 de abril de 1848, ocorreram eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte. O Governo Provisório cessou as suas funções e deu lugar a uma comissão executiva de cinco membros • Os socialistas e os republicanos concorriam, mas faltava-lhes organização em nível nacional e sua influência estava quase que restrita a Paris. • Já o Partido da Ordem, que representava todos os homens preocupados com a defesa da propriedade, tinha influência nacional, pois se apoiava nos notáveis das cidades e aldeias rurais da França, um imenso país de camponeses. O Partido da Ordem elegeu 700 deputados, alguns favoráveis à monarquia e outros republicanos moderados. Os republicanos radicais e os socialistas não conseguiram eleger nem 100 deputados • Dominada pelo Partido da Ordem, a Constituinte passou a combater as ideias socialistas. Desempregados e sem meios de sustento, os operários revoltaram-se espontaneamente levantando barricadas e dispostos a enfrentar o novo poder estabelecido e controlado pela burguesia. • Esta revolução teve significativas repercussões no resto da Europa. A crise econômica européia ajudou a Revolução de 1848 a expandir-se pela Europa, atingindo também um dos esteios do Absolutismo, a Áustria, onde o Chanceler Metternich foi obrigado a renunciar. Até mesmo o Brasil pôde sentir os efeitos da onda revolucionária das barricadas francesas, que inspiraria os rebeldes pernambucanos na Revolução Praieira. • O ideal predominante nos demais países europeus onde houve revolução não foi o liberalismo, mas sim o nacionalismo. Os revolucionários desses países queriam libertar seus povos da dominação estrangeira imposta pelas decisões do Congresso de Viena. • A burguesia apercebera-se dos perigos das revoluções, tomando consciência de que seus anseios políticos poderiam ser alcançados pela via do sufrágio universal, evitando conflitos e sublevações. Assim, a revolução de 1848 foi o movimento que posicionou definitivamente burguesia e proletariado em campos opostos, o que marcaria profundamente os embates políticos vindouros. • Ainda em 1848, os governos da Prússia e outros Estados germânicos atendem algumas reivindicações sociais por reformas e as forças liberais ganham espaço para convocar uma Assembléia Nacional. • Em 1849, é aprovada a criação de uma Federação de Estados alemães, que teria um único parlamento nacional e cuja coroa caberia a Frederico Guilherme, da dinastia dos Hohenzollern. Com pressões absolutistas da Áustria, há um recuo e a Assembléia é dissolvida. A primeira tentativa de unificação da Alemanha fracassa. • A Áustria ainda dominada pelo que restava do Império Habsburgo controlava com mão de ferro um território formado por múltiplas nacionalidades. • Em 1848, vários movimentos revolucionários eclodiram por todo o Império, a começar por Viena. Outras partes também se levantam, como a Boêmia (Tchecos), a Hungria e parte da Itália. • Embora tenham fracassado, as revoluções alemãs e italianas de 1848 prepararam o terreno para a unificação desses países, que foi realizada entre 1861 e 1871. A Áustria, por sua vez, teve que acatar, desde 1867, o compromisso de reconhecimento da soberania húngara. O 18 Brumário de Luís Bonaparte Karl Marx (1851-52) • Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. • Caussidière por Danton, Luís Blanc por Robespierre, a Montanha de 1845-1851 pela Montanha de 1793-1795, o sobrinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre nas circunstâncias que acompanham a segunda edição do Dezoito Brumário! • Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. • A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. • No umbral da Revolução de Fevereiro, a república social apareceu como uma frase, como uma profecia. • Nas jornadas de junho de 1848 foi afogada no sangue do proletariado de Paris, mas ronda os subseqüentes atos da peça como um fantasma. A república democrática anuncia o seu advento. A 13 de junho de 1849 é dispersada juntamente com sua pequena burguesia, que se pôs em fuga, mas que na corrida se vangloria com redobrada arrogância. A república parlamentar, juntamente com a burguesia, apossa-se de todo o cenário; goza a vida em toda a sua plenitude, mas o 2 de dezembro de 1851 a enterra sob o acompanhamento do grito de agonia dos monarquistas coligados:"Viva a República!" • A burguesia francesa rebelou-se contra o domínio do proletariado trabalhador; levou ao poder o lúmpen proletariado tendo à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro. A burguesia conservava a França resfolegando de pavor ante os futuros terrores da anarquia vermelha; • Bonaparte descontou para ela esse futuro quando, a 4 de dezembro, fez com que o exército da ordem, inspirado pela aguardente, fuzilasse em suas janelas os eminentes burgueses do Bulevar Montmartre e do Bulevar des Italiens. A burguesia fez a apoteose da espada; a espada a domina. Destruiu a imprensa revolucionária; sua própria imprensa foi destruída. Colocou as reuniões populares sob a vigilância da polícia; seus salões estão sob a Guarda Nacional democrática; sua própria Guarda Nacional foi dissolvida. Impôs o estado de sítio; o estado de sítio foi-lhe imposto. • Assim como os Bourbons representavam a grande propriedade territorial e os Orléans a dinastia do dinheiro, os Bonapartes são a dinastia dos camponeses, ou seja, da massa do povo francês. • Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condições semelhantes mas sem estabelecerem relações multiformes entre si. Seu modo de produção os isola uns dos outros, em vez de criar entre eles um intercâmbio mútuo. Esse isolamento é agravado pelo mau sistema de comunicações existente na França e pela pobreza dos camponeses. Seu campo de produção, a pequena propriedade, não permite qualquer divisão do trabalho para o cultivo, nenhuma aplicação de métodos científicos e, portanto, nenhuma diversidade de desenvolvimento, nenhuma variedade de talento, nenhuma riqueza de relações sociais. • Não podem representar-se, têm que ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol ou a chuva. • É preciso que fique bem claro. A dinastia de Bonaparte representa não o camponês revolucionário, mas o conservador; não o camponês que luta para escapar às condições de sua existência social, a pequena propriedade, mas antes o camponês que quer consolidar sua propriedade; não a população rural que, ligada à das cidades, quer derrubar a velha ordem de coisas por meio de seus próprios esforços, mas, pelo contrário, aqueles que, presos por essa velha ordem em um isolamento embrutecedor, querem ver-se a si próprios e suas propriedades salvos e beneficiados pelo fantasma do Império. • Bonaparte representa não o esclarecimento, mas a superstição do camponês; não o seu bom-senso, mas o seu preconceito; não o seu futuro, mas o seu passado • Evidentemente a burguesia não tinha agora outro jeito senão eleger Bonaparte. • (...) • A indústria e o comércio, e, portanto, os negócios da classe média, deverão prosperar em estilo de estufa sob o governo forte. São feitas inúmeras concessões ferroviárias. Mas o lúmpen proletariado bonapartista tem que enriquecer. • Impelido pelas exigências contraditórias de sua situação e estando ao mesmo tempo, como um prestidigitador, ante a necessidade de manter os olhares do público fixados sobre ele, como substituto de Napoleão, por meio de surpresas constantes, isto é, ante a necessidade de executar diariamente um golpe de Estado em miniatura, • Bonaparte lança a confusão em toda a economia burguesa, viola tudo que parecia inviolável à Revolução de 1848, torna alguns tolerantes em face da revolução, outros desejosos de revolução, e produz uma verdadeira anarquia em nome da ordem, ao mesmo tempo que despoja de seu halo toda a máquina do Estado, profana-a e torna-a ao mesmo tempo desprezível e ridícula. 18 Brumário Prefácio de Engels à edição de 1885 • A França é o país em que as lutas históricas de classes sempre foram levadas mais do que em nenhum outro lugar ao seu termo decisivo e onde, portanto, as formas políticas mutáveis dentro das quais se movem estas lutas de classes e nas quais se assumem os seus resultados, adquirem os contornos mais acusados. • Centro do feudalismo na Idade Média e país modelo da monarquia unitária de estados [ou ordens sociais – standische] desde o Renascimento a França demoliu o feudalismo na grande revolução e fundou a dominação pura da burguesia sob uma forma clássica como nenhum outro país da Europa. Também a luta do proletariado cada vez mais vigoroso contra a burguesia dominante reveste aqui uma forma aguda, desconhecida noutras partes. • Esta foi a razão por que Marx não só estudava com especial predilecção a história passada francesa, mas também seguia em todos os seus pormenores a história em curso, reunindo os materiais para os empregar posteriormente, e portanto nunca se via surpreendido pelos acontecimentos.