Mario Possas Sumário 4. Elementos de teoria evolucionária neoSchumpeteriana e alguns modelos macrodinâmicos Schumpeter (1943); Nelson, Winter (1982), caps. 1 e 2; Silverberg, Verspagen (1994); Silverberg, Lehnert (1994)(*); Possas (2002); Possas et al. (2004)(*); Possas, Dweck (2005); Dweck (2006)(*) 2 4. Elementos de teoria evolucionária neoSchumpeteriana e alguns modelos macrodinâmicos Mario Possas 4.1. Introdução à teoria Schumpeteriana da concorrência e da inovação; a explicação básica do ciclo No livro Capitalismo, Socialismo e Democracia (1943), Schumpeter finalmente introduz a concorrência para oferecer o contexto em que surgem as inovações, reconhecidas como fundamentais para a dinâmica capitalista (que prefere denominar “desenvolvimento”) desde seu livro Teoria do Desenvolvimento Econômico” (1911). 3 Mario Possas No livro Capitalismo, Socialismo e Democracia (1943), Schumpeter finalmente introduz a concorrência para dar o contexto em que surgem as inovações, fundamentais para a dinâmica capitalista (“desenvolvimento”) desde seu livro Teoria do Desenvolvimento Econômico (1911). A novidade é a ideia de concorrência como processo, não como um estado terminal de equilíbrio como até então (exceto em Marx, sua maior referência intelectual). A “concorrência Schumpeteriana” nada tem a ver com atomismo (grande número de ofertantes) de mercado, mas com uma interação entre empresas capaz de gerar mudanças estruturais – inovações, em sentido amplo - e dinamizar a economia. Ela é perfeitamente compatível com oligopólio - e até monopólio! (ameaça de entrada). 4 Mario Possas Em Schumpeter, não há lucro normal, logo tampouco extraordinário (o lucro normal é zero!). No capitalismo, os empresários, em busca de lucro, recorrem ao crédito (criação de poder de compra do nada) fornecido pelos capitalistas (bancos) a fim de investir em inovações – de produto, de processo, organizacional, novas matérias primas, novos mercados etc.:- em suma, qualquer mudança no espaço econômico que dê oportunidade de investimento lucrativo. A concorrência tem essa dimensão ativa de diferenciação, que é a principal, e não só a passiva, mais óbvia, de eliminação de diferenças (imitação, expansão da oferta, menor lucro), presente em todas as tradições da H.P.E. Não há tampouco qualquer referência a algum equilíbrio. 5 Mario Possas O efeito básico das inovações que emergem do processo de concorrência é a mudança estrutural, imanente à economia capitalista, dado o incentivo da busca pelo lucro. Mas tem consequências em dois níveis: o micro, em que as estruturas produtivas estão em constante mutação; e o macro - que nos interessa mais de perto aqui -, no qual inovações de maior porte (“major”) afastam a economia como um todo irreversivelmente de alguma posição inicial, produzindo o desenvolvimento e eventualmente ciclos econômicos. 6 Mario Possas A teoria do ciclo de Schumpeter baseia-se em inovações que se aglomeram (“clusters”) no tempo, geralmente interrelacionadas, e com capacidade de gerar efeitos econômicos relevantes (expansão da produção, renda etc.). É claro que a ocorrência de ciclos depende não só desse impulso inicial de grande porte e sua capacidade de difusão, mas da reversão da expansão econômica – a “onda secundária” - que o segue (implicitamente, trata-se de efeitos multiplicadores e aceleradores). O autor não consegue demonstrar isso; parece acreditar que “cessada a causa, cessa o efeito”. Logo, sua teoria do ciclo é inconsistente à luz do P.D.E. (no qual não acreditava!), pelo qual a “onda secundária” pode ser autossustentada, gerando per se expansão ou flutuações. 7 Mario Possas Ele teve a infelicidade de publicar o livro principal, Business Cycles (1939), em simultâneo ao artigo seminal de Harrod, e de não ter levado Keynes – menos ainda Kalecki, a quem menosprezava - a sério... Mas agora vem o esforço de síntese: que a explicação não baste para o ciclo convencional (decenal) não afasta sua validade para o ciclo longo (Kondratiev) – ou “onda longa”, conceito melhor por dispensar regularidades. É a tendência baseada em “fatores de desenvolvimento” de Kalecki! A complementaridade entre esses autores se oferece de forma gritante: Kalecki explica o ciclo pelo P.D.E. (interação multiplicador x investimento “tipo” acelerador) e Schumpeter explica a tendência de crescimento a longo prazo pela mudança estrutural baseada 8 em inovações lato sensu. Mario Possas Note-se que a tendência pode flutuar! Nada de “steady states” em Schumpeter (ou Keynes e Kalecki). Claro que o P.D.E. funciona o tempo todo, não só no ciclo, mas isso não nos impede de homenagear o insight de Schumpeter. Por fim, caberia a Keynes a unificação mais geral por sua “Teoria Geral do Capital” (sem esquecer Marx, aqui implícito). Os determinantes dicotômicos do investimento, familiares às teorias dinâmicas neo-Keynesianas e à própria lógica empresarial, ilustram bem a divisão complementar entre os outros dois autores: Kalecki corresponde ao investimento em ampliação de capacidade induzido pela demanda; Schumpeter corresponde ao investimento autônomo motivado pela 9 busca de inovações e modernização. A integração entre os dois componentes – voltamos a ela! – não é teórica, pois as motivações são claramente distintas, mas analítica e modelística. O esquema abaixo sintetiza a proposta de integração entre os três autores para uma teoria mais completa da dinâmica: Keynes: teoria geral da aplicação de capital Kalecki: teoria da instabilidade dinâmica (estrutura estável) → ciclo econômico Mario Possas Schumpeter: teoria da instabilidade estrutural (inovações) → tendência 10 Mario Possas 4.2. Bases do enfoque neo-Schumpeteriano evolucionário: Nelson & Winter Em seu livro clássico, N&W (1982), cap. 1 e 2, assumem explicitamente um enfoque evolucionário para a mudança econômica. Ele é também “neo-Schumpeteriano” porque a inspiração de Schumpeter é onipresente, em particular a ênfase na importância da concorrência e da inovação para a dinâmica industrial e a mudança estrutural. A proposta é relativamente ambiciosa, envolvendo uma crítica aos fundamentos da ortodoxia neoclássica e sua substituição, destacando-se os dois pilares essenciais: a maximização de lucros, substituída por rotinas e comportamento “satisficing” (Simon); e 11 o equilíbrio, substituído por trajetórias dinâmicas. Mario Possas Em lugar das premissas neoclássicas propõem uma abordagem baseada numa analogia com a evolução biológica, em que as firmas são os indivíduos, o mercado é o ambiente de seleção, a concorrência o processo seletivo, fatores competitivos os mecanismos de seleção, rotinas (ou, possivelmente, tecnologias) as unidades de replicação (os “genes”) e inovações são as mutações. A atividade seletiva efetuada pelas firmas e mercados é tratada pelo binômio busca (search) e seleção (selection). A busca segue a adoção de rotinas, que podem ser de três tipos básicos: operacionais, de investimento e de inovação. 12 Mario Possas A seleção ocorre essencialmente via mercado, mas pode se dar ou no mínimo ser influenciada por outras instituições (públicas ou privadas). O resultado é uma interação dinâmica que gera uma trajetória, com um feedback do ambiente de seleção para as decisões das empresas, a cada passo influenciadas pelos passos anteriores; decisões essas que frequentemente envolvem alguma inovação ou diferenciação no processo competitivo. Na essência, esse é um processo “evolutivo”, de tipo Schumpeteriano. Uma conclusão relevante é que as “configurações” competitivas resultantes – as “estruturas” industriais e de mercado, no jargão econômico comum – não são dadas, mas endógenas ao processo competitivo e inovativo. 13 Mario Possas As trajetórias das indústrias – e, por extensão, das economias capitalistas – devem, portanto, ser analisadas fora do equilíbrio. Esse é um contexto teórico em que a Economia se converte em sistema complexo evolutivo. A presença de não-linearidades, especialmente associadas ao progresso técnico e aos processos de aprendizagem, criam mecanismos de retornos crescentes dinâmicos e de path dependence, que geram instabilidade, reforçando o afastamento do equilíbrio e a indeterminação das trajetórias. Os desafios analíticos se aprofundam, requerendo nos casos menos simples o abandono de modelos com soluções analíticas (matemáticas) e recomendado o uso de modelos dinâmicos de simulação em computador. 14 Mario Possas 4.3. Modelos dinâmicos neoSchumpeterianos evolucionários A modelagem de simulação se desenvolveu amplamente no campo evolucionário neo-Schumpeteriano, no âmbito setorial, após a contribuição original de N&W. Entretanto, foram muito poucas as tentativas de modelar a economia como um todo, ou de incorporar a dimensão macrodinâmica aos modelos setoriais, estendendo-os. Entre outras, algumas tentativas iniciais nessa direção que podem ser mencionadas foram as de Silverberg & Verspagen (1994) e Silverberg & Lehnert (1994). O foco é sobre o crescimento econômico, considerando múltiplos agentes e aprendizado coletivo, que geram 15 crescimento endógeno. Mario Possas No nível micro, as firmas decidem os investimentos em P&D, influenciando o sucesso inovativo. As vantagens resultantes são temporárias, com difusão entre firmas. Na dimensão macro, porém, não há uma estrutura analítica definida, limitando-se a tratar a economia como um todo como uma agregação de firmas, sem especialização setorial e sem efeitos macroeconômicos típicos, de tipo multiplicador e acelerador. Só mais recentemente, no final dos anos 2000, começam a surgir modelos mais consistentes de simulação com integração micro-macrodinâmica. O artigo Possas & Dweck (2005), apresentado em separado, e a tese de Dweck (2006) ilustram essa nova 16 linha de investigação teórico-analítica.