CELSO FURTADO FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL TERCEIRA PARTE Economia escravista mineira SÉCULO XVIII Marina Toma, Wilker Nóbrega CAPÍTULO XIII POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS Fins do século XVII • Colônia sul-americana se empobrecia • Da agricultura tropical não se poderia esperar outro milagre similar ao do açucar Em Portugal, compreende-se que a única saída estava na descoberta de metais preciosos Para a busca do minério necessitava de conhecimentos técnicos ajuda técnica da Metrópole O enfraquecimento e estado pobreza que se encontravam a Metrópole e a colônia explica a rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro. - Emigração em massa de Piratininga - Do nordeste recursos (mão-de-obra escrava) - Grande corrente migratória de Portugal para o Brasil medidas para dificultar o fluxo migratório - A população colonial de origem européia decuplicou no século da mineração. A forma de organização do trabalho permite aos escravos a compra da sua liberdade. Com a estagnação da economia açucareira começa-se a avolumar uma sub-classe de homens livres sem possibilidade de ascensão social e, em certas épocas chegou a ser um problema. Na economia mineira, as possibilidades de um homem livre com iniciativa eram maiores. Se os recursos não lhe permitiam financiar o próprio sustento, podia trabalhar como faiscador. Se tiver sorte, em pouco tempo ascenderia à posição de empresário. A mineração não permitia uma ligação com a terra, a vida de uma lavra era algo incerto. A empresa se organizava de modo a poder se deslocar em tempo relativamente curto. Na etapa inicial da mineração a lucratividade foi maior e a excessiva concentração de recursos nos trabalhos de mineração conduzia a dificuldades e abastecimento. A fome acompanhava a riqueza nas regiões do ouro. A elevação dos preços de alimentos e de animais de transporte constitui o mecanismo de irradiação de benefícios econômicos da mineração. O gado no sul: - baixa rentabilidade - subsistia à custa das exportações de couro Passa por uma revolução valorização O gado do nordeste: - queda de mercado com a decadência da economia açucareira tende-se a deslocar para o mercado mineiro - o deslocamento teria que acarretar a elevação dos preços que pagavam os engenhos Provocou fortes reações oficiais e tentativas de interdição. Região mineira: localizada distante do litoral; dispersa em região montanhosa e; a quase inexistência de abastecimento local de alimentos. Tudo contribuía para que o sistema de transporte desempenhasse um papel básico no funcionamento da economia. Criou-se um grande mercado para animais de carga. Considerando a procura de gado para corte e de muares para transporte, a economia mineira constitui, no século XVIII, um mercado de proporções superiores ao da economia açucareira. A região rio-grandense, onde a criação de mulas se desenvolveu foi integrada no conjunto da economia brasileira. No nordeste, onde se partiu de um vazio econômico para a formação de uma economia pecuária dependente da açucareira, no sul, a pecuária preexistiu à mineração. No Rio Grande e Mato Grosso já existia uma economia pecuária rudimentar de onde saía alguma exportação de couro. Essas regiões viviam independentemente e tenderiam a desenvolver-se em um regime de subsistência, sem vínculos de solidariedade e econômica que se articulasse. A economia mineira abriu um novo ciclo de desenvolvimento para todas. Elevou a rentabilidade da atividade pecuária nas regiões: umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras os principais mercados consumidores. CAPÍTULO XIV - FLUXO DA RENDA A base geográfica da economia mineira estava entre a Serra da Mantiqueira, no atual estado de Minas Gerais, e a região de Cuiabá, passado por Goiás. A exportação do ouro cresceu em toda metade do século e alcançou seu ponto máximo em 1760; apresentava potencialidades muito maiores do que a açucareira. A renda estava muito menos concentrada; a população dispersa em um território grande, reunida em grupos urbanos e semi-urbanos; a grande distância entre a região e os portos; tornava a região mais propícia ao desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado interno. O desenvolvimento endógeno foi praticamente nulo. Não houve desenvolvimento em atividades manufatureiras. Causa principal: incapacidade técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras. Faltou ao Brasil a transferência inicial de uma técnica que os imigrantes não conheciam. A primeira condição para que o Brasil tivesse algum desenvolvimento manufatureiro, teria de ser o próprio desenvolvimento manufatureiro de Portugal. Cabe ao ouro do Brasil parte da responsabilidade pelo atraso relativo que teve Portugal. Se o ouro criou condições favoráveis ao desenvolvimento endógeno da colônia, dificultou o aproveitamento dessas condições ao entorpecer o desenvolvimento manufatureiro da Metrópole. Tratado de Methuen (27/12/1703): Pelos seus termos, os portugueses se comprometiam a consumir os têxteis britânicos e, em contrapartida, os britânicos, os vinhos de Portugal. O acordo de Methuen é um ponto de referência na análise do desenvolvimento de Portugal e do Brasil. Ao prolongar a decadência das exportações de açúcar e ao reduzir a capacidade de importar, tem início um período de instalação de manufaturas em Portugal. A partir de 1684, o país consegui abolir as importações de tecidos. Esse acordo concede aos vinhos portugueses, no mercado inglês, uma redução de 1/3 do imposto pago pelos vinhos franceses e, Portugal retirava o embargo às importações de tecidos ingleses. Reduzido o valor das exportações de vinhos, o desequilíbrio da balança comercial com a Inglaterra tenderia a agravar-se provocando desvalorização da moeda e outras dificuldades para o país. É provável que surgisse uma reação, restaurandose a política protecionista. Portugal não podia pagar com vinhos os tecidos que consumia. Ocorre que o ouro do Brasil começa a afluir quando entra em vigor o referido acordo. Criam-se condições para que o acordo funcionasse, permitindo-lhe operar como mecanismo de redução do efeito multiplicador do ouro sobre o nível de atividade econômica em Portugal. O ouro do Brasil teve um efeito tanto mais positivo quanto o estímulo por ele criado se concentrou no país que estava melhor aparelhado. A Inglaterra foi o país da Europa que antecedeu à revolução industrial, uma política de fomento manufatureiro. Encontrou na economia luso-brasileira um mercado em rápida expansão. Suas exportações eram saldadas em ouro, o que contribuiu à economia inglesa uma excepcional flexibilidade para operar no mercado europeu. A Inglaterra encontrou condições de saldar o seu comércio de materiais de construção e outras matérias-primas que recebia do norte da Europa com manufaturas. A economia inglesa adquiriu maior flexibilidade e tendeu a concentrar suas inversões no setor manufatureiro, que era o mais indicado para uma evolução tecnológica. Recebendo a maior parte do ouro que se produzia no mundo, os bancos ingleses reforçaram sua posição, operando-se a transferência do centro financeiro da Europa de Amsterdã para Londres. As entradas do ouro do Brasil em Londres permitiu uma substancial acumulação de reservas metálicas, sem as quais a Grã-Bretanha dificilmente poderia ter atravessado as guerras napoleônicas.