Impacto de macropredadores sobre a estrutura da meiofauna e macrofauna de marismas de Spartina alterniflora no Sistema Estuarino de Laguna (SC) Jorjana Dias Rodini* & Sérgio A. Netto** * Aluno de graduação do Curso de Ciências Biológicas da UNISUL ** Coordenador do Laboratório de Ciências Marinhas de Laguna Resumo As marismas, formações de vegetação halófita que se desenvolvem em áreas estuarinas de baixa energia, são consideradas importantes áreas criação e reprodução de peixes e crustáceos. A grande concentração destes macropredadores vágeis possivelmente exerce forte pressão de predação sobre meiofauna e macrofuna. Neste estudo testou-se experimentalmente a hipótese de que a predação por macropredadores afeta a estrutura da meiofauna e macrofauna em uma marisma do Sistema Estuarino de Laguna, SC. A análise dos efeitos da predação foi avaliada através do processo de recolonização em uma marisma. A sucessão em sedimentos defaunados dentro do interior de gaiolas de exclusão foi comparada com aquela em sedimentos defaunados sem gaiolas e com amostras controle não defaunadas. Os resultados mostraram que as variáveis do sedimento (granulometria, teores de matéria orgânica e biomassa microfitobêntica) não variaram entre os tratamentos indicando um baixo efeito dos artefatos experimentais no resultado do experimento. A análise dos dois componentes da fauna bêntica mostrou que a predação foi dependente do componente analisado. A meiofauna não mostrou efeitos da predação. Já os resultados das análises para os dados da macrofauna, em particular a multivariada, indicaram diferenças entre os tratamentos e sugeriram que a predação controla a estrutura da macrofauna no interior das marismas. Palavras-chave: Predação; marismas; meiofauna; macrofauna. 1 Introdução As marismas são formações de gramíneas halófitas com comportamento herbáceo, que colonizam substratos costeiros abrigados (Beeftink, 1977). Os bancos de marismas afetam e são afetadas por seu entorno, constituindo como um complexo de hábitats vegetados. Além de propiciar a manutenção das margens, impedindo a erosão, as marismas atuam nos processos de formação e decomposição da matéria orgânica, influenciando na ciclagem de nutrientes e gerando detritos que podem contribuir decisivamente para a formação da base da cadeia alimentar estuarina (Adam, 1990). A maioria dos trabalhos que analisaram a composição e distribuição da fauna bêntica associada a marismas no sudeste e sul do Brasil, abordou especialmente a macrofauna (e.g. Flynn et al., 1996; Bemvenuti, 1987; Lana & Guiss, 1992; Lana & Netto, 1997; 1999). Os únicos estudos que analisaram a composição da meiofauna de marismas nestas áreas são os de Ozório et al. (1999) e Rosa & Bemvenuti (2005). Uma comparação dos resultados dos trabalhos ao longo da costa SE e S do Brasil parece sugerir duas situações contrastantes. De um lado, mais ao norte, as marismas afetariam a fauna positivamente (maior riqueza e densidade do que em áreas não vegetadas adjacentes). As diferentes densidades de colmos e folhas, bem como os valores de biomassa aérea viva e morta das marismas, propiciam o desenvolvimento de uma rica e densa epifauna (Netto & Lana, 1999). Além disso, a abundância da infauna é também fortemente relacionada com os valores de biomassa subterrânea das marismas, pois proveriam refúgio para os organismos ou suporte para tubos (Lana & Guis, 1992). De outro lado, no extremo sul do Brasil, os trabalhos indicam que a fauna bêntica, em especial a infauna, é negativamente afetada pelas marismas, embora a epifauna sedentária possa ser abundante (Bemvenuti, 1987). Segundo Osório et al. (1999) e Rosa & Bemvenuti (2005) a presença de raízes e rimos poderiam inibir ou interferir o desenvolvimento da meiofauna no interior das marismas. É possível que a diferença no papel desempenhado pelas marismas na estruturação da fauna bêntica destas áreas esteja relacionada com as condições hidrodinâmicas locais, que por sua vez determinariam o maior ou menor acesso e de predadores no interior das marismas. Enquanto as regiões mais ao norte, sujeitas a uma maior influência de marés, restringiriam o acesso de predadores a poucas horas, ao sul, a baixa amplitude das marés astronômicas associada e a forte influência da pluviosidade e da ação dos ventos no nível d’água, originam planos entremarés irregularmente inundados que tendem a permanecer submersos por longos períodos. Deste modo, durante a longa submersão, o acesso de predadores especialmente peixes juvenis e crustáceos de grande mobilidade que buscam as marismas 2 como área de proteção, seria facilitada e poderia afetar negativamente estrutura da fauna bêntica. Este estudo tem como objetivo testar a hipótese de que a predação por macropredadores afeta a estrutura da meiofauna e macrofauna em uma marisma do Sistema Estuarino de Laguna, SC. A análise dos efeitos da predação será avaliada através do processo de recolonização em uma marisma. A sucessão em sedimentos defaunados dentro do interior de gaiolas de exclusão será comparada com aquela em sedimentos defaunados sem gaiolas e com amostras controle não defaunadas. Métodos Os experimentos foram realizados em uma marisma da ilha das Pedras, Lagoa de Santo Antônio, Sistema Estuarino de Laguna, SC. Para a montagem dos experimentos, amostras de sedimento de 15 cm de diâmetro por 25 de profundidade foram coletadas, armazenados em sacos plásticos, congelados e descongelas pelo menos 3 vezes. Amostras do sedimento defaunado foram tomadas e analisadas em microscópio para verificar a completa defaunação (ausência de fauna). No dia da montagem do experimento (D0; novembro de 2008), as amostras defaunadas com tela (amostras defaunadas no interior de tubos de PVC com perfurações laterais e recobertas na superfície e na lateral por tela de 1 mm de abertura) e sem tela (amostras defaunadas no interior de tubos de PVC com perfurações laterais e sem tela) foram colocadas aleatoriamente na área de estudo em buracos cavados com as dimensões da unidade amostral. As amostras foram distribuídas ao longo de um mesmo nível de maré dentro da marisma (cerca de 10 metros da franja marisma-linha d´água). As amostras foram marcadas com estacas e as amostragens realizadas por sorteio, sem reposição. A partir da instalação do experimento (D0) foram realizadas coletas após 15 dias (Figura 1B). Neste dia foram tomadas 4 amostras para a para o microfitobentos (2 cm de diâmetro e 2 de altura), para a meiofauna (5 cm de diâmetro e 5 de altura) e macrofauna (15 cm de diâmetro por 20 de altura). Para monitorar as características das granulométricas e os teores de matéria orgânica das áreas defaunadas foram ainda tomadas 4 amostras para sedimentos (5 cm diâmetro x 5 cm altura). Em paralelo, serão tomadas o mesmo número de amostras controle para cada um dos componentes do bentos, igualmente aleatorizadas e retiradas em área adjacente aos sedimentos defaunados. As amostras biológicas e de sedimento foram processadas de acordo com os métodos descritos em Fonseca & Netto (2006). 3 A significância das diferenças nos descritores da fauna entre os três tratamentos foram testadas através de uma análise de variância uni-fatorial (ANOVA; Quinn & Keough, 2002). Os dados da fauna foram ordenados através da análise proximidade (nMDS “Non-metric MultiDimensional Scaling”). A significância das diferenças da estrutura multivariada fauna foi testada através da análise ANOSIM (Clarke & Warwick, 1993). Resultados e Discussão Teores médios de sedimentos finos foram de 30 % e não variaram significativamente entre os tratamentos (p>0,05). Do mesmo modo, teores de matéria orgânica (média de 6%) e concentração de clorofila a nos sedimentos (média de 13 mg.cm-3) também não variaram significativamente entre os 3 tratamentos (p>0,05). Estes resultados sugerem um baixo efeito dos artefatos no resultado do experimento na escala de tempo analisada. Os Nematoda compreenderam de 90% da fauna e as análises foram focadas apenas neste grupo. Foram identificados 35 gêneros de Nematoda com densidades totais médias de 360 inds.10 cm-2. Dichromadora, Terschillingia e Anoplostoma foram os gêneros numericamente dominantes, compreendendo cerca de 57 % da fauna coletada. Todos os descritores derivados dos dados de Nematoda variaram significativamente entre os tratamentos (p<0,05). O número de espécies, número estimado de espécie e a densidade foram maiores nos controles. No entanto, não foram detectadas diferenças entre os tratamentos tubo e tela (Fig. 1; Tabela 1). Meiofauna Macrofauna 24 20 S S 16 12 8 4 Tubo Tela Controle 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Tubo Tela Controle 4 60 Densidade/m2 Densidade/ 10cm2 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 50 40 30 20 10 0 Tubo Tela Controle Tubo Tela Controle Figura 1. Valores médios e intervalo de confiança (95%) do número de espécies (S) e densidade da meiofauna e macrofauna entre tratamentos. Para a macrofauna foram identificados 13 taxa com densidades médias total de 1269 inds.m-2. Os organismos numericamente dominantes foram Oligochaeta (50% da macrofauna coletada) e os poliquetas Capitella sp. (13%) e Laeonereis acuta (11%). Ao contrário da meiofauna, nenhum dos descritores univariados diferiu significativamente entre os tratamentos (p>0,05), ainda que os valores médios dos descritores nas amostras controle tenham sido maiores (Fig. 1; Tabela 1). Com relação aos organismos numericamente dominantes, apenas Capitella foi significativamente maior nos controles do que nos demais tratamentos. A análise de proximidade (nMDS) da meiofauna mostrou uma nítida distinção apenas entre as amostras controle e dos demais tratamentos (Fig. 2). A análise ANOSIM confirmou que a meiofauna das amostras do tubo e tela não diferiu significativamente das demais, apenas o controle. Já para os dados da macrofauna, a análise mostrou que os tratamentos tubo e tela foram diferentes (Fig. 2). Os resultados da análise ANOSIM confirmaram que os tratamentos tudo e tela diferiram significativamente, mas a macrofauna entre tubo/ controle e tela/controle não diferiram (p>0,05). Meiofauna Macrofauna 5 Figura 2. Análise de proximidade dos dados derivados da meiofauna e macrofauna nos tratamentos controle (), tubo () e tela (). Valores de stress de ambas as análises menor que 0,1. Neste estudo, a macrofauna mostrou uma maior velocidade recolonização das amostras defaunadas do que a meiofauna. Dada a elevada densidade da meiofauna em comparação coma macrofauna na área (mais de 360 mil inds.m-2 da meiofauna contra 1269 inds.m-2 da macrofauna) este resultado surpreende. A defaunação pode ser considerada como uma perturbação extrema, onde toda a fauna é morta. Quinze dias após a recolocação dos sedimentos defaunados em campo, nenhum dos descritores da macrofauna (com exceção de Capitella sp.) nos tratamentos diferiu significativamente dos controles. Por outro lado, todos os descritores da meiofauna foram menores nos tratamentos que sofreram defaunação. A recolonização de áreas defaunadas possivelmente depende de dois fatores principais, as estratégias reprodutivas a e capacidade de locomoção da fauna (Widdecombe & Austen, 2001). A meiofauna e macrofauna diferem claramente em ambos os aspectos. Enquanto a meiofauna se reproduz continuamente e não possui formas larvais, a macrofauna usualmente tem picos reprodutivos sazonais e possui forma larval (Warwick et al., 2006). Neste estudo, a maior parte organismos macrobênticos que colonizou os sedimentos defaunados, em especial os oligoquetas, foram constituídos de formas adultas, sugerindo que capacidade de locomoção foi o fator determinante. A mobilidade relativa de adultos da meiofauna, em particular Nematoda, é muito menor do que a maior parte dos organismos da macrofauna, explicando assim a rápida recolonização das amostras defaunadas pela macrofauna em um ambiente caracterizado por uma baixa dinâmica ambiental. A exclusão da epifauna vágil e macropredadores através de experimentos usualmente resulta em um aumento da meiofauna e macrofauna no interior dos artefatos (Ólafsson & Moore, 1990). Neste estudo, diferenças entre os tratamentos entre sedimento defaunado com e sem tela formam detectadas apenas para a macrofauna através das análises multivariadas. Assim estes resultados sugerem que, na escala de tempo analisada, os macropredadores e epifauna vágil de regulariam a composição e densidade da macrofauna na marisma. Em síntese os resultados deste estudo mostraram que a pressão da predação no interior nas marismas de S. alterniflora é dependente do componente bêntico analisado. É possível que numa escala de tempo maior, a pressão de macropredadores exercida sobre a macrofauna desencadeie um efeito em cascata, o que poderia também as densidades populacionais da meiofauna. 6 Referências Adam, P., 1990. Saltmarsh ecology. Cambridge University Press, New York, 461 pp. Beeftink, W. G. 1977. The coastal salt marshes of western and northern Europe: an ecological and phytosociological approach. In: Chapman V (eds) Wetland coastal ecosystems. Elsev. Amsterdam, p 109–155. Bemvenuti, C.E. 1987. Macrofauna bentônica da região estuarial da Lagoa dos Patos, RS, Brasil. Anais do Simpósio sobre Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste Brasileira. Publicação ACIESP 54-l, Cananéia, SP, Brasil, 1: 428-459. Bemvenuti, C.E. 1987a. Predation effects on a benthic community in estuarine soft sediments. Atlântica, Rio Grande, 9 (1): 5-32. Clarke, K.R. & Warwick, R. 1993. Changes in marine communities: an approach to statistical analyses and interpretation. Natural Environment Research Council, UK, p. 144. Flynn, M. N., A. S. Tararam & Y.Wakabara, 1996. Effects of habitat complexity on the structure of macrobenthic associations in a Spartina alterniflora marsh. Rev. Bras. Oceanogr. 44: 9-21. Lana, P. C. & Guiss, C. 1992. 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