Efeito da mudança climática em comunidades bênticas da Lagoa Mirim (Sistema Estuarino de Laguna, SC). André Menegotto Domingos*; Sérgio Netto** * Aluno de graduação do Curso de Ciências Biológicas da UNISUL ** Coordenador do Laboratório de Ciências Marinhas de Laguna Resumo As mudanças climáticas e suas conseqüências catastróficas geram grandes especulações em relação aos seus efeitos tanto sobre a vida humana quanto sobre os ecossistemas como os conhecemos. De acordo com o último relatório do IPCC a temperatura do Planeta está subindo e este evento pode acarretar severas alterações nos padrões de chuva que acabam por influenciar na vazão dos rios e, conseqüentemente, no aporte de matéria orgânica nos estuários, o que pode afetar significativamente a macrofauna bêntica. Deste modo, este trabalho buscou compreender os possíveis impactos das mudanças climáticas nas comunidades macrobênticas da Lagoa Mirim, no Sistema Estuarino de Laguna. Para esse estudo foram definidos 15 pontos amostrais escolhidos aleatoriamente ao longo da Lagoa. Os resultados mostraram que este ecossistema possui uma diferenciação entre regiões leste e oeste, definida por valores de matéria orgânica e riqueza de espécies. Os grupos funcionais dominantes foram detritívoros e raspadores. Esses primeiros possuíram maior redundância funcional e alta densidade, quando comparados com outras guildas. A baixa redundância funcional das demais guildas reflete a suscetibilidade do ambiente as possíveis perturbações causadas por extremos climáticos. Palavras-chave: Mudanças climáticas; macrofauna; Lagoa Mirim. Introdução Muito debatidas atualmente, as mudanças climáticas e suas conseqüências catastróficas geram grandes especulações em relação aos seus efeitos tanto sobre a vida humana quanto sobre os ecossistemas como os conhecemos. De acordo com o último relatório do IPCC (2007), a temperatura do Planeta já subiu aproximadamente 0.74°C nos últimos 100 anos. Essa elevação na temperatura da Terra pode gerar sérias mudanças ambientais como o aumento do nível do mar e ocorrência de eventos extremos, além de alterar a distribuição das espécies, assim como as estruturas e funções dos ecossistemas. Este evento global de caráter natural vem sendo acelerado pelo homem após a revolução industrial, e o ritmo no qual ocorrem essas mudanças pouco permite às espécies se adaptarem as novas condições de clima e alterações de habitat. Apesar de o efeito ser global, os impactos destas mudanças podem variar regionalmente (IPCC, 2007). Essa variabilidade, assim como características locais dão a certas regiões uma maior ou menor previsibilidade destas mudanças, sendo que no sul do Brasil é estimada uma previsibilidade média, no qual se espera um incremento sazonal de chuvas com ocorrências em extremos, ou seja, períodos intensos de chuvas e de secas (Marengo, 2006). Essa intensificação das chuvas tem como conseqüência, uma maior vazão dos rios, o que gera um maior transporte de sedimento e descarga de matéria orgânica nas regiões estuarinas. O incremento de matéria orgânica tem grandes conseqüências para a macrofauna bêntica, como perda de diversidade e aumento de densidade de espécies oportunistas (Pearson & Rosenberg, 1978), além de, junto ao maior aporte de nutrientes, propiciar condições de eutrofização que acabam elevando o grau de hipoxia do ecossistema, deixando-o pobre em oxigênio (Kaiser et al, 2005). Valgas (2009), levantou a possibilidade do impacto das alterações climáticas sobre as relações negativas entre Spartina alterniflora e Typha domingensis no Sistema Estuarino de Laguna e a conseqüência deste impacto para a macrofauna bêntica associada a essas vegetações. Contudo, pouco se sabe sobre o efeito das mudanças climáticas sobre as comunidades bênticas. Sendo assim, este trabalho objetiva-se a analisar os atributos estruturais e funcionais das comunidades macrobênticas da Lagoa Mirim, no Sistema Estuarino de Laguna, sul de Santa Catarina, e avaliar os possíveis impactos das mudanças climáticas nestas comunidades. Materiais e métodos Devido à dificuldade de separar eventos de chuvas intensas de outras variáveis, como ventos e frentes frias, por exemplo, optou-se por outras medidas que tornassem possível predizer o provável impacto das mudanças climáticas nas comunidades macrobênticas da Lagoa Mirim. A Lagoa Mirim, sul do estado de Santa Catarina, é a mais interna das três lagoas que compõem Sistema Estuarino de Laguna. As amostragens foram realizadas no mês de agosto de 2008, em 15 pontos sublitorais distribuídos aleatoriamente ao longo da Lagoa (Figura 1). Em cada ponto foram tomadas três amostras para análise da macrofauna (corer de PVC de 15 cm de diâmetro por 10 cm de altura), além de três amostras para análise de sedimento e teores de matéria orgânica. As amostras foram coletadas em profundidades entre 1 metro e 2,5 metros através de mergulho autônomo. Em cada ponto foram registrados, ainda, os parâmetros físico-químicos da água com um multiparâmetro YSI. Figura 1: Mapa da Lagoa Mirim com a distribuição dos pontos amostrais. Em laboratório as amostras de macrofauna foram fixadas com formalina 4%, lavadas em peneiras de 1mm e 0,5mm e conservadas e álcool 70%. A triagem foi realizada em um microscópio estereoscópio onde a fauna foi identificada e quantificada. Teores de matéria orgânica foram determinados por combustão (550°C por 1hora). Para análise dos dados foram utilizadas técnicas estatísticas univariadas. Os descritores univariados para a fauna foram número de espécies (S), densidade(N) e diversidade de Shannon (log’e). Os grupos funcionais foram definidos em guildas de acordo com publicações de Gross et al. (2008), Lana & Guiss (1991), Bonsdorff & Pearson (1999) e Akoumianaki & Nicolaidou (2006). Os taxa sobre o qual não há informações precisas sobre suas alimentações foram classificados como “guilda desconhecida”. Testes para diferenciar a estrutura e guildas da macrofauna, assim como matéria orgânica e dados físico-químicos do ambiente foram realizados utilizando o one-way ANOVA através do software Statisca 7.0. Resultados e discussão Os valores de salinidade variaram entre um valor mínimo de 2,23, na desembocadura do Rio D’Una, e máximo de 17,17, próximo ao limite com a Lagoa Imaruí, formando assim, um gradiente salino. Os teores de matéria orgânica foram significativamente diferentes entre os pontos e, mais ainda, os resultados mostraram uma clara diferenciação da Lagoa em duas regiões distintas: a região oeste, onde os valores de matéria orgânica no sedimento foram sempre maiores (máximo 9.8%); e a região leste, com valores sempre menores (mínimo 0.5%) (Gráfico 1). Essa diferenciação, contudo, segue a mesma tendência do sedimento que, como observado em campo, possui uma composição mais fina na primeira região e arenosa na segunda. Porcentagem de matéria orgânica 12 10 8 6 4 2 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Ponto amostral Gráfico 1: Porcentagem de matéria orgânica no sedimento por ponto amostral da Lagoa Mirim. A riqueza de espécies também mostrou uma diferença significativa entre os pontos amostrais e entre as mesmas regiões leste e oeste da Lagoa. Os maiores valores de riqueza ocorreram na região leste (junto aos menores valores de matéria orgânica) (Gráfico 2). Esta região caracterizada por menores valores de matéria orgânica e presença de sedimentos mais arenosos é contínua ao cordão arenoso que margeia a porção leste do Sistema Estuarino de Laguna. Por outro lado, é na porção oeste onde predominam os sedimentos finos que são carreados através do rio D´Una. 12 11 10 Riqueza 9 8 7 6 5 4 3 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Ponto amostral Gráfico 2: Riqueza de espécies por ponto amostral da Lagoa Mirim. Os valores de densidade e diversidade também diferiram significativamente entre os pontos amostrais, porém não foi possível observar qualquer tipo de relação com o gradiente salino ou outras variáveis do sedimento. Dentre os 18 grupos taxonômicos identificados para a macrofauna na Lagoa Mirim, os organismos dominantes foram o ostracoda Cyprideis sp., o gastrópoda Heleobia australis e o pelecípoda Erodona mactroides. Já dentre os grupos funcionais os dominantes foram detritívoros e raspadores que correspondem à mesma tendência espacial de Cyprideis e Heleobia australis, respectivamente. Os carnívoros tiveram maiores densidades nos pontos da Lagoa com menor porcentagem de matéria orgânica. Aronson e Blacke (2001), afirmaram que mudanças climáticas possuem graves conseqüências na relação predador-presa. Na Lagoa Mirim os predadores foram constituídos por poliquetas infaunais, organismos altamente prejudicados pelo alto hidrodinamismo (Simonini, 2004). Com o esperado aumento de vazão do Rio D’Una, assim como de outros rios da região sul do Brasil, podem ser prejudicados tanto os predadores infaunais como os filtradores. Estes últimos não estiveram associados, na Lagoa Mirim, a locais de menor ou maior concentração de matéria orgânica, mas mesmo espécies com tolerância a presença de matéria orgânica, são afetadas por processo de perturbação (Widdicombe & Austen, 2001), assim, a longo prazo, o fluxo de material em suspensão pode entupir os sifões destes organismos. Para finalizar, é importante frisar que estes eventos de intensas chuvas serão extremos. Deste modo, o impacto das chuvas será periódico, com um intervalo de secas quando, possivelmente, acontecerão processos de sucessões ecológicas que serão interrompidas com o início do próximo período de fortes chuvas. Conclusão É possível concluir que as variações climáticas esperadas determinarão severas mudanças tanto nos aspectos estruturais quanto funcionais da macrofauna bêntica da Lagoa Mirim, principalmente em sua porção oeste. A baixa resistência de certas guildas as mudanças climáticas, assim como sua baixa redundância funcional, permitem estimar uma baixa diversidade e um domínio de detritívoros, especialmente oportunistas, com possíveis conseqüências no fluxo de energia e matéria desse ecossistema. Além disso, a alternação periódica entre intensas chuvas e secas, levará a um constante processo de sucessão que será interrompido pela perturbação das fortes descargas dos rios sempre que os períodos de constantes chuvas intensificarem-se novamente. Referências bibliográficas Akoumianaki, I. & Nicolaidou, A. Spatial variability and dynamics of macrobenthos in a Mediterranean delta front area: The role of physical processes. Journal of Sea Research. 2007. 57: 47–64. Aronson, R.B. & Blake, D.B. Global Climate Change and the Origin of Modern Benthic Communities in Antarctica. Amer. Zool. 2001. 41: 27–39. Bonsdorff, E. & Pearson, T. H. 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