Alta do petróleo assusta cada vez menos o mundo

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Alta do petróleo assusta cada vez menos o mundo
O preço do petróleo, uma das principais fontes de energia do planeta, deixou de ser
um obstáculo ao crescimento econômico mundial. Apesar de a cotação do barril
acumular alta superior a 20% desde o início do ano — valorização que chegou a
30% há duas semanas — e do cenário tenso no Oriente Médio, não há nada no
horizonte que indique uma recessão provocada pela escalada de preços da
commodity (mercadoria) mais negociada do mundo. Pelo contrário, as projeções
para o desempenho da economia mundial permaneceram inalteradas, alheias à
elevação do petróleo e ao contínuo crescimento do consumo mundial (veja gráfico).
Além disso, as previsões indicam que o valor do barril do “ouro negro” deve cair ao
longo dos próximos anos, influenciado pelo desenvolvimento de energias
alternativas e pelo menor grau de especulação do mercado. A avaliação é de
analistas e consultores ouvidos pelo Correio.
Contrariando a opinião de muitos consultores, o professor da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) Giuseppe Bacocolli, especialista em petróleo, acredita que
há um erro em relacionar diretamente o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) dos países com um inevitável aumento da demanda por energia. Essa ligação
entre avanço econômico e consumo de petróleo nem sempre seria tão natural.
“Isso é verdade apenas dentro de alguns limites”, pondera Bacocolli. “A partir de
um certo nível do PIB, a correlação do aumento da riqueza com o consumo de
energia não existe mais.”
A distribuição de renda estaria mais relacionada com a demanda por energia do que
a riqueza em si do país. Estudo feito pela Shell International em 2001 já
comprovava a tese do especialista. Na análise feita pela produtora de petróleo,
quando o país possui um PIB per capita acima de US$ 25 mil, o crescimento da
economia exige apenas um pequeno acréscimo de energia. Este seria o caso dos
Estados Unidos, maior consumidor de combustível do mundo. Os americanos ficam
com um quarto de todo o petróleo produzido no mundo diariamente. Com uma
riqueza de US$ 12,36 trilhões e um PIB per capita de US$ 41,8 mil, a escalada de
preços da commodity não ameaça o padrão de vida dos EUA. O mesmo ocorre com
os países da Europa, com divisão de renda média acima de US$ 25 mil. “Nesses
casos, o aumento do petróleo dói no bolso, mas não é o fim do mundo”, pondera
Bacocolli.
A lógica usada no estudo da Shell é de que países ricos, com boa divisão de renda,
possibilitam o acesso a tecnologias que reduzem o impacto da elevação do custo da
energia. Infelizmente, esse não é o caso dos países em desenvolvimento, como o
Brasil. Com um PIB per capita de US$ 8,4 mil, o país está próximo da fase onde o
crescimento da demanda de energia começa a ficar mais devagar, uma vez que
atingiu um bom nível de industrialização. Muitos países estão nessa etapa, como a
própria China, que tem impressionado o mundo com o seu forte crescimento.
Pressão menor
Apesar de o mundo ainda ser completamente dependente do petróleo, a calmaria
deve se prolongar pelos próximos anos, diz a economista Fabiana Datri, analista do
setor de petróleo e energia da Consultoria Tendências. Para ela, o mais provável é
que os altos preços atuais não se sustentem por muito tempo, voltando ao patamar
de 2004, quando o barril era cotado abaixo dos US$ 50. “Não dá para dizer que a
economia mundial se descolou do petróleo, mas hoje em dia a pressão é muito
menor. Tudo aponta para um maior equilíbrio dos preços nos próximos anos”,
afirma.
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Fabiana ressalta que a estreita relação oferta-consumo irá se reverter, em função
da descoberta de novos poços de petróleo, do aperfeiçoamento dos modos de
extração e do incremento de fontes alternativas de energia, como o álcool e o
biodiesel. “O petróleo já não assusta tanto no curto prazo porque, no médio prazo,
espera-se uma readequação de cenário”, afirma. “Com isso, a demanda vai
desaquecer, pois muitos países passarão a substituir parte do petróleo consumido.”
O presidente da Câmara Brasileira de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires,
também aposta na diversificação como uma válvula para amortecer os picos no
preço do “ouro negro”. “Há um movimento de diversificação maior das matrizes
energéticas no mundo todo. No Brasil, por exemplo, a biomassa é algo que tem
capacidade de crescer da mesma forma que fomos pioneiros no álcool”, avalia.
Outro fator que têm reduzido o impacto da alta do petróleo é que alguns países,
principalmente na Europa, estão reduzindo de forma consciente a demanda por
energia. De acordo com cálculos do professor Bacocolli, em alguns casos a queda
chega perto de 10%, como no caso da Alemanha, com uma redução de 7% no ano
passado. Isso cria uma folga para que os demais países possam elevar sua
demanda sem pressionar a produção mundial.
Especulação diminui
Se, por um lado, a ameaça de um aumento mais forte das taxas de juros nos
Estados Unidos provocou nervosismo nos investidores e fez estragos em alguns
países, por outro, contribuiu para reduzir a especulação com os preços do petróleo,
diz o economista-chefe da Consultoria Austin Rating, Alex Agostini. “Os
especuladores tiveram que mudar suas estratégias, ante um possível aumento dos
juros nos EUA. Deixaram de aplicar em economias emergentes, como o Brasil, e
pararam de especular com o preço do petróleo”, afirma. “Por causa do forte
crescimento da China, o preço de muitas commodities (mercadorias) havia subido
fortemente. Agora, muitos investidores migraram para títulos norte-americanos, o
que tira o foco do petróleo.” Com isso, reforça Agostini, as oscilações de preço do
“óleo negro” não afetam mais o crescimento mundial.
Neste ano, o barril de petróleo chegou a ser negociado por quase US$ 80. Na
última sexta-feira, fechou cotado a US$ 69,15, valor 22% superior ao fechamento
de 31 de dezembro do ano passado, quando estava em US$ 56,71. Se comparado o
preço médio, a variação é um pouco maior: 23%. A cotação média de 2005 foi de
US$ 54,52. Neste ano, até julho, o preço médio foi de US$ 67, quase três vezes
mais do que o registrado em 2001, quando teve início uma tendência de alta no
mercado mundial.
Zona de conforto
Agostini lembra que, em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou suas
projeções atualizadas para o desempenho da economia mundial em 2006 — o
último relatório era de setembro de 2005. O organismo previu uma alta de 4,9% no
PIB mundial, contra 4,8% previstos há quase um ano. “Nesse período (setembroabril), o petróleo subiu de US$ 55 para US$ 65 e as previsões para o desempenho
das principais economistas mundiais não foram afetadas”, afirma. Para o Brasil, por
exemplo, o FMI manteve a previsão de 3,5%. Os dois maiores consumidores
individuais de petróleo também não devem ser afetados, segundo os economistas
do Fundo. Os Estados Unidos devem crescer 3,4% (a previsão anterior falava em
3,3%). A expectativa é de que o PIB chinês cresça 9,5%, contra 8,2% no relatório
de setembro — a China é responsável por 8,5% do consumo mundial de petróleo.
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O analista Jean-Paul Prates, da consultoria Expetro, acredita que a cotação do barril
de petróleo deve ficar estacionada em torno de US$ 60. “É um novo patamar, é
verdade, mas um patamar mais próximo de uma zona de conforto. Como a
economia mundial está crescendo, os países podem pagar mais por sua energia”,
avalia. Prates ressalta que o acesso a bens de consumo, como eletrodomésticos e
eletroeletrônicos, está mais fácil e barato. Em contrapartida, o gasto para custear a
energia vem subindo. “Uma coisa acaba compensando a outra. A escassez de
petróleo faz o mundo pagar cada vez mais caro para fazer funcionar engenhocas
que são cada vez mais baratas e acessíveis a toda a população. Será assim nos
próximos anos”, sentencia. (MM e MT)
Fonte
MAZZA, Mariana; TOKARSKI, Marcelo. Alta do petróleo assusta cada vez menos o
mundo. Correio Braziliense, [S.l.], 04 set. 2006.
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