Um novo mundo • O homem sempre refletiu sobre sua existência e sua relação com a sociedade; • Anthropos – homem; • Lógos – conhecimento; • Antropologia como ciência do homem – séc. XVIII; Diferença entre homem e natureza • Aplica-se ao homem o método utilizado pela biologia e pela física; • Até este momento: pensamento mitológico, teológico, filosófico, artístico sobre o homem; • Antropologia – olhar científico sobre o homem; • Estatuto de sujeito da ciência → objeto da ciência; • Europa - a descoberta do outro, daquele que é estranho a nossa cultura e que precisa ser conhecido e explicado; • Legitimidade da Antropologia X outras disciplinas: séc. XIX devido a atribuição de objetos empíricos autônomos: “Primitivos” (não são inferiores, mas são os primeiros); Exteriores às áreas de civilização européias ou norteamericanas. • Séc. XIX: dualidade radical entre observador e seu objeto (física, história-tempo, antropologia-distância geográfica); • Sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos: – Sociedades de dimensões restritas; – Que tiveram poucos contatos com grupos vizinhos; – Cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação à nossa; – Nas quais há menor especialização das atividades e funções sociais; • Chamadas sociedades simples – permitirão a compreensão (numa situação de laboratório) das sociedades complexas; • Objeto da Antropologia – estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental; • Séc XX – elaboração de ferramentas de investigação para coleta direta no campo das observações e informações; Povos tradicionais estudados: • Os papua-melanésios da Nova Guiné e o Kula (Bronislaw Malinowski); • Os balineses e a briga de galos (Clifford Geertz); • Os kualkiults do Alasca e seu sistema de trocas (Marcel Mauss); • Sociedades indígenas brasileiras: bororo, timbira, xavante, yanomami. Crise antropológica - identidade • Com o massacre dos povos primitivos irá a antropologia desaparecer? 1. Antropólogo aceita e se volta para outras ciências humanas (sociologia comparada); Outra área de investigação: camponês (selvagem de dentro, deixado de lado pelos outros ramos das ciências); Afirmação da especificidade de sua prática sem objeto empírico constituído (selvagem, camponês), mas através de uma abordagem epistemológica constituinte. 2. 3. A Antropologia é um olhar, um enfoque. Enfoque: • Estudo do homem inteiro; • O estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas. Abordagem antropológica: • Trata-se de uma abordagem integrativa que objetive as múltiplas dimensões do homem em sociedade; • Existem 5 áreas da antropologia que estão interligadas: • Antropologia biológica; Estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no tempo e espaço. Influência dos valores culturais e a maturação do indivíduo. Genética das populações (inato e adquirido). Ciências da vida e Ciências Humanas. • Antropologia pré-histórica: estudo do homem através dos vestígios materiais deixados no solo. Arqueologia. Reconstrução das sociedades. Trabalho de campo. • Antropologia linguística: estudo dos dialetos. Estudo das novas técnicas de comunicação. Categorias psicoafetivas e psicocognitivas. Expressão do mundo. Interpretação de saberes. • Antropologia psicológica: estudo dos processos e funcionamento do psiquismo humano. Compreensão do indivíduo e depois a totalidade. • Antropologia social e cultural (etnografia): tudo o que constitui a sociedade – seus modos de produção econômica, suas técnicas, organização política e jurídica, sistemas de parentesco, sistemas de conhecimento, crenças religiosas, língua, psicologia, criações artísticas. O Homem e sua diversidade • Antropologia – estudo de todas as sociedades e culturas humanas; • A distância com relação à nossa sociedade nos permite uma descoberta: aquilo que tomávamos como natural em nós é cultural; o que era evidente era excessivamente problemático; • Necessidade na estranhamento; formação antropológica: • Perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo; • Experiência da alteridade e a elaboração desta experiência permite a visão do que jamais imaginaríamos devido à falta de atenção sobre o que é habitual, familiar, cotidiano; • Resultado: comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não são naturais; • Conhecimento antropológico da nossa cultura necessariamente pelo conhecimento das outras culturas. passa • Ponto de vista antropológico: o que caracteriza o homem é sua aptidão infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversos; • O que há de comum nos homens: a capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimentos, instituições; • O que é natural na espécie humana: aptidão à variação cultural; • A diferença é a grande riqueza do humano; • Antropologia foi e será sempre a ciência da diferença, entendida como diversidade cultural; • Não há desigualdade de culturas. Não há grupo melhor ou pior; • Desigualdade: forma perversa de lidar com a diferença; • Igualdade X identificação: confundir igualdade com idêntico é tão limitador quanto acreditar em superioridade de um grupo; • Discriminatório porque valorizo o outro naquilo em que ele se parece comigo; Desafio antropológico: • Respeitar a diferença, sem transformá-la em desigualdade, e reivindicar a igualdade de respeito e direitos, sem atrelá-los a identidade do mesmo. Marcos para uma história do pensamento antropológico A pré-história da antropologia A descoberta das diferenças pelos viajantes do séc. XVI • Origens da reflexão antropológica: contemporânea à descoberta do Novo Mundo; • Além das terras, o europeu encontrou seus habitantes; • Principais fontes das primeiras observações e discursos sobre povos “distantes”: – Literatura de viagem: André Thevet, As singularidades da França Antártica (1556); Jean de Lery, A história de uma viagem feita na terra do Brasil (1558); – Relatórios dos missionários: “Relações” dos jesuítas; • Como lidar com a diferença? – Aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humanidade? • Critério religioso: o selvagem tem uma alma? Dupla resposta ideológica (não-científica): recusa do estranho x fascinação pelo estranho; Inferioridade x superioridade do índio; natureza x cultura; bom selvagem x mau selvagem; • Bartolomeu de Las Casas (1474-1566): Àqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa (...) Esses povos igualavam ou até superavam muitas nações do mundo conhecidas como policiadas e razoáveis, e não eram inferiores a nenhuma delas. Assim, igualavam-se aos gregos e os romanos, e, até, em alguns de seus costumes, os superavam. Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do mundo, senão todas, foram muito pervertidas, irracionais e depravadas (...) (apud Laplantine, p. 38-39); • Juan Ginés de Sepúlveda (1489-1565): Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em força física, aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. E é justo e útil que sejam servos, e vemos isso sancionado pela própria lei divina. Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a bárbarie e se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude (...) (apud Laplantine, p. 39); A figura do mau selvagem e do bom civilizado • A diversidade humana quase sempre apareceu como uma aberração que precisava ser justificada; • Diferenças interpretadas como desiguldade, como distinção hierárquica; – gregos x bárbaros; – civilizados x naturais ou selvagens; – civilizados x primitivos; – desenvolvidos x subdesenvolvidos; • Critérios para a atribuição de estatuto humano aos índios (séc. XVI): – Critério religioso (pode ser convertido ao cristianismo?); – Aparência física (nudez /pele escura/ sem pelos); – Comportamentos alimentares (comer carne crua); – Inteligência tal como manifestada na linguagem (língua incompreensível); Discurso que define o outro através das “ausências”, do signo da “falta” • Povos – – – – – – – – – – – sem moral; sem religião; sem lei; sem escrita; sem estado; sem consciência; sem razão; sem objetivos; sem arte; sem passado; sem futuro; Selvagem como inverso do civilizado • Cornelius de Pauw (1739-1799), Pesquisas sobre os americanos ou relatos interessantes para servir à história da espécie humana; – Reflexões sobre os índios da América do Norte; – A influência da natureza é total, negativa; é o clima que embrutece o espírito do índio; – Degradação moral: insensíveis, preguiçosos, covardes; Enfim, os californianos vegetam mais do que vivem, e somos tentados a recusar-lhe uma alma. (apud Laplantine, p. 43); Selvagem como inverso do civilizado • Hegel (1770-1831), Introdução à filosofia da história; • A África é a forma mais inferior dentro da infrahumanidade; • Povos da África: – Estão no estado de natureza; – Incapazes de alcançar a história e a consciência de si; – Ferozes, selvageria em estado bruto, comercializam carne humana, etc; – “O ‘negro’ nem mesmo se vê atribuir o estatuto de vegetal. ‘Ele cai’, escreve Hegel, ‘para o nível de uma coisa, de um objeto sem valor” (Laplantine, p. 46); A figura do bom selvagem e do mau civilizado • Aquilo que era visto como vazio passa a ser considerado como pleno; • Inversão do menos para o mais; • O caráter de ausência desses povos não é uma desvantagem; • Par do discurso idêntico: sujeito (o civilizado) e seu objeto (o natural); Séc. XV/XVI As pessoas estão nuas, são bonitas, de pele escura, de corpo elegante... Nenhum possui qualquer coisa que seja, pois tudo é colocado em comum. E os homens tomam por mulheres aquelas que lhes agradam, sejam sua mãe, sua irmã, ou sua amiga, entre as quais eles não fazem diferença... Eles vivem cinquenta anos. E não tem governo (Américo Vespúcio apud Laplantine, p. 47); Eles são muito mansos e ignorantes do que é o mal, eles não sabem se matar uns aos outros (...) Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor (Cristóvão Colombo, apud Laplantine, p. 47); Jean de Léry (1534-1611) Montaigne (1533-1592) Condillac (1715-1780) - Iluminismo Nós que nos consideramos instruídos, precisaríamos ir entre os povos mais ignorantes, para aprender destes o começo de nossas descobertas: pois é sobretudo desse começo que precisaríamos: ignoramo-lo porque deixamos há tempo de ser os discípulos da natureza (apud Laplantine, p.49); • índigena como ser puro, ingênuo no seu estado natural x civilização européia degradada, corrompida; • Deslocamento do fascínio em relação aos índios para o fascínio em relação aos habitantes da Oceania, dos mares do sul: Samoa, Ilhas Marquises, Ilha de Páscoa, Taiti; • Atualidade do discurso que exalta romanticamente as virtudes dos “selvagens”; • Imaginário da viagem; desejo de existir em algum lugar uma sociedade de felicidade e acolhimento, um paraíso em oposição às rotinas impessoais da sociedade industrial; • Tema foi a motivação para a obra de muitos antropólogos; Um dos refúgios fora dessa prisão mecânica da cultura é o estudo das formas primitivas da vida humana, tais como existem ainda nas sociedades longínquas do globo. A antropologia, para mim, pelo menos, era uma fuga romântica para longe de nossa cultura uniformizada (Malinowski apud Laplantine, p. 51); • “Essencialização” do índio; desconsideração da diversidade existente no interior das próprias populações indígenas; • Oscilação das representações da alteridade entre dois pólos; alteridade fantasmática, sem muita relação com a realidade; • O outro é apenas um suporte do nosso imaginário; não é o outro considerado em si mesmo, nos seus próprios termos; • um pretexto mobilizado para a exploração econômica, militarismo, conversão religiosa, emoção estética...; Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele (Laplantine, p. 52) O século XVIII: a invenção do conceito de homem • Séc XIV ao XVI (Renascimento): com a exploração de continentes geográficos, temos a primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem. Saber préantropológico, não científico; • Séc. XVII: Cogito cartesiano, idéia de razão, e exclusão, enquanto anormais, daqueles que não se enquadram dentro da lógica da racionalidade predominante (louco, criança, selvagem...). Objeto menor de estudos; • Séc. XVIII: constituição de um projeto antropológico, saber positivo (e não especulativo) sobre o homem; Projeto antropológico • Pressupostos para a sua constituição: 1) Construção de um certo número de conceitos: homem entendido não apenas enquanto sujeito do conhecimeto, mas também objeto do saber (introdução da dicotomia sujeito-objeto relativamente ao próprio ser humano); 2) Constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e sim de observação: consideração do homem em sua existência concreta, determinação de seu organismo, relações de produção, linguagem, instituições, etc. Positividade de um saber empírico; O homem pensado em sua existência concreta; 3) Consituição de uma problemática essencial: a da diferença. Ruptura com o pensamento do mesmo. Reconhecimento da existência de várias formas de humanidade; 4) Método de observação e análise (método indutivo): estudo observacional de grupos sociais concretos com vistas à elaboração de princípios e leis gerais (particular geral); Projeto de conhecimento positivo do homem: ruptura com o humanismo renascentista e com o racionalismo do XVII século XVI Natureza dos observados Século XVIII objetos Investigação cosmográfica Investigação etnográfica (céu, terra, fauna, flora, (costumes, hábitos, modos homem em sua dimensão de pensar) física) Antropologia cultural e social Saber Foco no objeto de estudo; Foco no modo de estudo: Curiosidades; organização como coletar? Como de museus; coletar analisar o que foi coletado?; interpretar Quem fazia a pesquisa Viajantes, missionários Filósofos + observação (científica); Sociedade Observadores (moralistas, médicos; viajantes; esclarecida 1799-1805: dos do Homem naturalistas, Referências • Esta apresentação, com circulação interna e para fins exclusivamente didáticos, foi elaborada a partir de seleção das seguintes fontes, a quem cabem os créditos pelas informações aqui veiculadas: • Uglar, Andrea. Aula 1 – Apresentação do curso. • Berger, Mirela. Breve histórico da antropologia – Cronistas e viajantes. Disponível em: http://www.minosoft.com.br/mirela/download/breve_hist orico_da_antropologia2.pdf. Acesso em: 08 de agosto de 2010. • Laplantine, François. “Marcos para uma história do pensamento antropológico”. In: ______. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 37-62.