A sensação de sair do próprio corpo

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Quarta-feira, 25 outubro de 2006
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A sensação de sair do próprio corpo
Fernando Reinach*
Uma das sensações descritas por pessoas que passaram por situações
próximas à morte é a de 'sair do próprio corpo', como se percebessem
seu corpo sobre a cama enquanto seu espírito deixa o corpo. Nos filmes,
essa sensação é mostrada como um segundo corpo se separando do
primeiro, partindo para a eternidade.
Alguns pacientes psiquiátricos ou pessoas com doenças neurológicas
sentem a proximidade de outra pessoa sem que ela realmente exista e
até atribuem suas ações a esse ser virtual. Pessoas sadias muitas vezes
sentem a aproximação de outra pessoa, se viram e concluem que não
existe ninguém nas proximidades.
Agora um grupo de cientistas suíços descobriu uma área do cérebro
humano que, quando estimulada, provoca a ilusão de que existe uma
segunda pessoa muito próxima de nós.
A descoberta foi feita em uma paciente de 22 anos que sofria de
epilepsia. Muitos casos de epilepsia são resultantes de um foco de
'irritação' no cérebro. A partir do ponto em que está localizado o foco, se
espalha pelo cérebro uma onda de atividade elétrica que provoca os
surtos epiléticos.
Nos casos mais graves, quando o tratamento com remédios não surte
efeito, a solução é operar o paciente e remover o pequeno pedaço do
cérebro onde está o foco de irritação.
Técnicas modernas permitem que se localize exatamente o foco
epilético, o que possibilita a remoção de uma quantidade pequena de
tecido nervoso, de modo que os efeitos colaterais da operação sejam
mínimos.
Para garantir que nenhuma parte importante do cérebro seja retirada
junto com o foco da epilepsia, durante a operação, quando o cérebro já
está exposto, o paciente é despertado da anestesia. Nesse momento, o
cirurgião estimula a superfície do cérebro em volta da área que pretende
retirar e o paciente vai descrevendo o que sente. Esse mapeamento final
garante que somente o foco epilético seja removido. Como não há
receptores para dor no cérebro, o paciente não sente nada.
Foi numa operação assim, nessa paciente de 22 anos, que foi feita a
descoberta. Quando os médicos estimularam um ponto do hemisfério
esquerdo do cérebro, a paciente relatou que sentia uma outra pessoa
deitada por debaixo dela. Os médicos levantaram a cabeceira da cama, a
colocaram sentada e então repetiram o estímulo no mesmo ponto. Agora
a paciente relatou que a segunda 'pessoa' estava por trás dela e a
abraçava e que a sensação era muito desagradável. Finalmente pediram
para ela escrever algo em um papel enquanto estimulavam a região. A
paciente descreveu que a 'pessoa' a abraçava, interferia com sua escrita e
não a deixava ler o que escrevia. O foco epilético foi enfim removido e
a paciente está totalmente curada.
Os cientistas acreditam que essa área do cérebro está relacionada à
capacidade de perceber a presença de nosso próprio corpo e de separar o
que é nosso corpo e o que é o corpo de outra pessoa. A descoberta não
somente abre a possibilidade de compreendermos como nosso cérebro
separa o 'eu' do 'não eu', mas nos ajuda a explicar por que em certas
situações ocorre a ilusão de estarmos saindo de nosso próprio corpo.
Mais informações em Induction of an illusory shadow person, na
Nature, volume 443, página 287, de 2006.
*[email protected]
Biólogo
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