1930:Redefinições da República Discutir esta temática — 1930: redefinições da República — pressupõe alargar as possibilidades de reflexão, saindo dos marcos da chamada “revolução de 1930”, embora dificilmente se poderia ignorá-la. Porém, convém lembrar que esse assunto não tem despertado nos últimos tempos, tanto interesse ao pesquisador da história do século XX que parece se contentar em reproduzir o debate que se consagrou sobre o golpe de 1930, também qualificado por Edgar de Decca de “revolução do vencedor”. 1930 : redefinições da República O debate no campo da História aparece polarizado entre as abordagens de Boris Fausto em A revolução de 1930. Historiografia e História (3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1975) e Edgar de Decca, em O silêncio dos vencidos (São Paulo: Brasiliense, 1987). 1930 – redefinições da República Porém, há certo consenso entre os especialistas que a tomada do poder pelos integrantes da Aliança Liberal implicou a redefinição do modelo político até então vigente, o que não significa convergência na qualificação do que resultou desse processo. Francisco Weffort, um dos intérpretes desse período(1978), afirma que ao deslocar a situação de mando das mãos dos cafeicultores paulistas e [seus aliados] mineiros, para novos grupos, tal situação provocou uma longa crise de hegemonia que se desdobrou até 1930 –redefinições da República como uma decorrência da ausência de projetos, de qualquer uma das facções ou classes, capazes de aglutinar as diversas forças políticas da nação para gerir os seus destinos. Esse vazio de poder foi resolvido pelo Estado que passou a ser o árbitro das disputas dos vários grupos ou classes, a partir de um pacto político implícito, conhecido como “Estado de compromisso”. - WEFFORT, F. O populismo na política brasileira. (In: O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978). 1930- redefinições da República Com isso, foi possível a emergência do populismo na política brasileira, fenômeno classificado por esse autor — um dos formuladores de tal tese —, como a expressão do período de crise da oligarquia e do liberalismo, e do processo de democratização do Estado que teve de se apoiar sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional da ditadura Vargas (1937-1945), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes de massas da democracia do após guerra. Análise de Weffort sobre 1930 • Tal fenômeno, para o cientista político, foi também uma das manifestações das debilidades políticas dos grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir à oligarquia nas funções de domínio político. E foi, sobretudo, a expressão mais completa da emergência das classes populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial e da necessidade de incorporação das massas ao jogo político, expressa por alguns dos novos grupos dominantes. WEFFORT - 1930 • O populismo, diz o autor, foi caracterizado muito mais como fenômeno de natureza pessoal, do que pelas suas qualidades social e política. Em decorrência de mudanças bruscas de alguns de seus líderes, o populismo foi, em alguns momentos, qualificado como uma espécie de “oportunismo essencial” de alguns líderes, uma desmedida ambição de poder associada a uma quase ilimitada capacidade de manipulação de massas. WEFFORT –análise sobre1930 • Para o autor, essa visão foi identificada nas análises de alguns líderes liberais e, também, de esquerda. Mas, pensa Weffort que o populismo foi, sem dúvida, manipulação de massas, mas a manipulação nunca foi absoluta. Se o fosse, estaríamos obrigados a aceitar a visão liberal elitista que, em última instância, vê no populismo uma espécie de aberração da história alimentada pela emocionalidade das massas, e pela falta de princípios dos líderes. WEFFORT –análise sobre1930 • Tal análise pressupõe a aceitação de 1930 como um processo revolucionário, traduzido nas transformações que passam a ocorrer na sociedade brasileira como um todo, pela falta de projetos próprios de grupos alternativos para substituir a oligarquia desalojada do poder. Em outras palavras, o populismo como estilo de governo, ou como política de massas, só pode ser entendido no contexto que se abre com a revolução de 30. WEFFORT –análise sobre1930 • Essa abordagem implica vários desdobramentos, entre eles admitir que as disputas pelo poder se circunscrevem aos limites das elites, pouco interferindo as classes populares, a não ser como uma ameaça velada, já que não participou do processo que conduziu à destituição de Washington Luiz das funções de governo. Análise de Boris Fausto sobre 1930 • Essa interpretação sofre pequenos deslocamentos no livro A Revolução de 1930: Historiografia e História, de Boris Fausto, produzido quase simultaneamente às reflexões de F. Weffort. O autor passa em revista as análises sobre esse momento de deposição do governo de W. Luiz, identificando os grupos e suas articulações com as forças políticas atuantes na conjuntura, que poderão se constituir em base de sustentação do novo governo. Análise de Boris Fausto sobre 1930 • Fausto endossa, igualmente, o papel preponderante dos militares nesse processo e a ação mediadora do Estado, para acomodar os diferentes interesses dos grupos sociais presentes na conjuntura, entres a burguesia industrial e trabalhadores. • O autor examina a efetiva participação da burguesia industrial de um lado e a classe operária, do outro, concluindo que ambas estiveram ausentes da cena brasileira, por não terem quaisquer projetos para a nação ou se constituírem enquanto classes, com interesses próprios. Análise de Boris Fausto sobre 1930 • Para Boris Fausto, “não se trata de apontar a inexistência de oposição de fundo, do ponto de vista econômico, entre a burguesia agrária e a burguesia industrial, mas de acentuar que as perspectivas transitórias de investimento que oferecia a atividade industrial, impediram a formação de um grupo social estável, dotado de coesão interna, capaz de oferecer um programa político que tivesse em vista os seus interesses: a rigor, existiam atividades industriais, porém não se pode falar na existência de uma burguesia industrial”(FAUSTO, 1995, p. 232). Análise de Boris Fausto sobre 1930: o papel da classe operária • Papel similar, para Boris Fausto, desempenha a classe operária nesse processo revolucionário. Para o autor, “ela aparece mais como um problema do que propriamente como personagem”. Ela se fez presente na conjuntura, em decorrência da crise de 1929, que gera uma série de greves nos grandes centros, tendo por objetivo a luta contra o desemprego e a defesa dos níveis de salários. Análise de Boris Fausto sobre 1930 • E certamente, o proletariado não interveio na revolução enquanto classe; sua “reduzida vanguarda” se manteve alheia ao movimento, criticando-o, embora entre a massa de trabalhadores houvesse clara simpatia em relação aos revolucionários. • O papel das classes médias • Diferentemente desses grupos, a trajetória das classes médias urbanas foi diferente. Análise de Boris Fausto sobre 1930: o papel das classes médias • Elas se mostraram ao longo da década de 20, descontentes por se verem marginalizadas da vida política do país em decorrência da fraude eleitoral que impedia o acesso ao poder dos candidatos que se opunham ao núcleo dominante. • Boris Fausto observa que suas demandas poderiam aproximá-las dos tenentes que lutavam pela moralização da vida pública, exigindo reformas no judiciário e na educação. Análise de Boris Fausto sobre 1930: o papel das classes médias • Porém, isso não ocorreu, talvez em decorrência de sua ideologia oscilante resultante da dependência em relação aos grupos dominantes, o que impôs limites a sua ação; em decorrência desses limites, suas críticas se voltam para um ideário limitado, como o voto secreto, a moralização da política, mas que não se convertem em um projeto mais amplo, que fosse capaz de aglutinar todos os setores da sociedade. Análise de Boris Fausto sobre 1930 • A partir desse diagnóstico Fausto conclui que a revolução de 1930 se precipita a partir da “aliança temporária entre as facções burguesas não vinculadas ao café, as classes médias e o setor militar tenentista”. Mas, ela não é expressão de uma luta de classes, nem mesmo de uma “divisão pura” de facções burguesas, entre um setor agrário e um setor industrial. Abordagens de Fausto e Decca • Fausto conclui que a revolução de 1930 se precipita a partir da “aliança temporária entre as facções burguesas não vinculadas ao café, as classes médias e o setor militar tenentista”. Mas, ela não é expressão de uma luta de classes, nem mesmo de uma “divisão pura” de facções burguesas, entre um setor agrário e um setor industrial. • Nas abordagens O silêncio dos vencidos, de Edgar de Decca e a Teia do fato, de Carlos Alberto Vesentini, os autores questionam a “revolução de 1930” e insistem que o momento do confronto entre os projetos distintos para o país — da burguesia industrial e seus aliados (PD) e dos trabalhadores (expressos pelo PC do B) — ocorreu em 1928/29 e foi derrotado. Portanto, 1930 > é o momento de instituição da memória do vencedor. Outras abordagens • Contrapondo-se às abordagens vigentes surgem os trabalhos O silêncio dos vencidos, de Edgar de Decca e a Teia do fato, de Carlos Alberto Vesentini. Os autores questionam a “revolução de 1930”, insistindo que o momento do confronto entre os projetos distintos para o país — da burguesia industrial e seus aliados (Partido Democrático) e dos trabalhadores (expressos pelo PC do B) — ocorreu em 1928/29 e foi derrotado. Para esses autores, 1930 é o momento de instituição da memória do vencedor. Outras abordagens • A análise da revolução de 1930 também passou por outros enfoques que a caracterizaram de uma revolução pelo alto ou “via prussiana”, “bonapartista”, etc, mas que pouco se diferenciam das análises de Fausto e Weffort, por convergirem para a caracterização de um Estado que se coloca acima das classes. Outras abordagens • Analisando essas abordagens sob outro ângulo, os críticos da versão do Estado-sujeito — expressa nas teses do "estado de compromisso", da "via prussiana", "bonapartista" ou "autonomia relativa do Estado" frente às classes, que aparecem nas análises de vários autores que abordam o período — colocam em xeque o próprio campo conceitual que orienta as explicações sobre 1930. Outras abordagens • Marilena Chauí, por exemplo, em Apontamentos para uma crítica a Ação Integralista Brasileira, publicado em 1978, e por K. Munakata, no livreto A Legislação Trabalhista no Brasil, de 1981 discutem respectivamente os conceitos de “hegemonia” e “estado de compromisso”. Outras abordagens: Marilena Chauí • A filósofa Marilena Chauí, entre outras questões apontadas em relação à literatura especializada sobre o período, coloca em dúvida se é possível a existência de uma “crise de hegemonia” tal qual é caracterizada pelos autores F. Weffort/B. Fausto, para o período de 1930 a 1964. Em sua interpretação, há uma leitura equivocada do próprio conceito de hegemonia, objetando que nenhum país sobreviveria submetido a uma crise dessa natureza, por tão longo tempo, como querem os autores. Outras abordagens: Munakata • Por sua vez, Munakata (1981) questiona o chamado pacto “estado de compromisso”, invertendo os termos para desmontar um dos pilares dessa tese que é a excessiva autonomia atribuída ao estado por essas análises. O autor, endossando as interpretações de Edgar de Decca, qualifica o golpe de 1930 como a culminância de um processo contra-revolucionário que teve início entre 1927/1928 envolvendo a burguesia industrial e seus aliados e os trabalhadores representados pelo Partido Comunista do Brasil, os quais saem derrotados. A derrocada de W. Luiz em 1930, seria a consagração dessa vitória. Outras abordagens • O que fica evidente nas várias análises que abordam esse período e que discordam das interpretações que minimizam o papel da burguesia industrial e dos trabalhadores nessa conjuntura — de passagem dos anos 20 para os 30 — é o deslocamento do enfoque privilegiando a prática política desses sujeitos em suas entidades de classe e não nos partidos políticos, como fizeram aqueles que as caracterizam ausentes da chamada “grande política”. Outras abordagens: Angela Castro Gomes • Ângela Castro Gomes no livro Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil (1979) critica o tipo de enfoque que reduz o político à prática partidária. Em sua abordagem o processo histórico de formulação e implementação da legislação trabalhista e previdenciária de um país, por definição, constitui uma das dimensões do processo maior de transformação da ordem burguesa. No caso brasileiro, observa a autora, que há que se considerar a posição não hegemônica da burguesia urbana e do papel ativo do Estado no processo de modernização. - GOMES, Ângela Castro. Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil. 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979. Outras abordagens Questões para debate • Caberia indagar sobre o alcance das reformulações colocadas em prática logo imediatamente após 1930, considerando-se que a justificativa para a destituição de W. Luiz das funções de governo foi regenerar a república dos seus vícios autoritários e excludentes. É possível aferir qual o alcance das medidas legais aprovadas pelo governo normatizando as relações no mercado de trabalho e estabelecendo a obrigatoriedade escolar no que respeita ao espectro da cidadania? Bibliografia consultada • DE DECCA, Edgar S. de. A Revolução Acabou. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH/ Marco Zero, v. 10, nº 20, p. 63-74, 1991. • DE DECCA, Edgar S. – O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1987. • DE DECCA, Edgar S; VECENTINI, Carlos Alberto. A revolução do vencedor. Contraponto. São Paulo: Centro de Estudos Noel Nutels, Ano I, nº 1, p. 60-71, 1976. • FAUSTO, Boris – A revolução de 1930. Historiografia e História. 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1975. • GOMES, Ângela Castro. Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil. 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979. • GOMES, Ângela Castro. O regionalismo e centralização política: Partido e Constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. • MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981. • SILVA, Zélia Lopes da. A domesticação dos trabalhadores nos anos 30. São Paulo: Marco Zero/CNPq, 1990.