Aspectos Epidemiológicos das Doenças Transmissíveis Ana Brito NESC/CPqAM - FIOCRUZ MD MsC PhD [email protected] 1 A doença como estrutura Sistemas epidemiológicos • “A maioria das coisas não existe isoladamente, mas como partes integrantes de complexos ou sistemas organizados, e que os elementos componentes desses sistemas, de tal modo interagem uns com os outros, que o todo adquire características que não estão presentes em suas partes constituintes separadamente; a unidade passa a ser mais do que uma simples acumulação das partes” (Beveridge, 1981) • “Um conjunto de elementos, de tal forma relacionados, que uma mudança no estado de qualquer elemento provoca mudança nos estado dos demais elementos” (Roberts, 1978) 2 A doença como estrutura Doença • “Desajustamento ou uma falha nos mecanismo de adaptação do organismo ou uma ausência de reação aos estímulos a cuja ação está exposto. O processo conduz a uma perturbação da estrutura ou da função de um órgão, ou de um sistema ou de todo o organismo ou de suas funções vitais” (Jenicek & Cléroux, 1982) 3 A doença como estrutura Doença • “Desajustamento ou uma falha nos mecanismo de adaptação do organismo ou uma ausência de reação aos estímulos a cuja ação está exposto. O processo conduz a uma perturbação da estrutura ou da função de um órgão, ou de um sistema ou de todo o organismo ou de suas funções vitais” (Jenicek & Cléroux, 1982) • As doenças, do ponto de vista do mecanismo etiológico subjacente, pertencem a duas categorias, doenças infecciosas e não-infecciosas. Doença Infecciosa, segundo a OPAS (1983), é a “doença, clinicamente manifesta, do homem ou dos animais, resultante de uma infecção”. Assim, doenças não-infecciosas serão todas aquelas que não resultarem de infecção (doença coronariana, diabetes e outras). • Sob o aspecto de duração, as doenças são crônicas e agudas. Crônicas são as doenças que se desenvolvem a longo prazo, agudas são as de curta duração. 4 A doença como estrutura Doença infecciosa • • • • De acordo com OPAS (1983), à penetração e desenvolvimento ou multiplicação de um agente infeccioso no organismo de uma pessoa ou animal, dá-se o nome de infecção. A designação doença contagiosa é reservada para doenças infecciosas cujos agentes etiológicos atingem os sadios pelo contato direto desses com os indivíduos infectados (ex.: sarampo, DST). Toda doença contagiosa é infecciosa. O inverso não é verdadeiro (ex.: tétano - doença infecciosa transmissível não contagiosa) A expressão doença transmissível pode ser sintetizada como doença cujo agente etiológico é vivo e é transmissível. São doenças transmissíveis aquelas em que o organismo parasitante pode migrar do parasitado para o sadio, havendo ou não uma fase intermediária de desenvolvimento no ambiente. 5 A doença como estrutura Doença infecciosa • As doenças infecciosas podem assumir várias formas: Doença manifesta: apresenta todas as características clínicas que lhe são típicas Infecção inaparente (Forma subclínica ou assintomática): não apresenta sinais ou sintomas clínicos manifestos; grande importância para a epidemiologia • Forma latente: representa um período de equilíbrio durante o qual não existem sinais clínicos manifestos e o doente não constitui fonte de contágio (ex.: Tb, sífilis) • Forma abortiva ou frustra: nem todos os sinais clínicos da doença emergirão acima do horizonte clínico • Modo fulminante: ocorre de forma excepcionalmente grave com um coeficiente de letalidade elevado (ex.: septicemias) 6 A doença como estrutura Doença infecciosa • Doenças Quarentenáveis São aquelas que podem levar à restrição de atividades aos comunicantes, durante o período máximo de incubação, a fim de evitar a propagação da doença (ex.: peste pneumônica, cólera e febre amarela). • Doenças de Isolamento São as doenças que exigem a segregação dos indivíduos doentes durante o período de transmissibilidade da doença, em lugar e condições que evitem a transmissão direta ou indireta de agente infeccioso a pessoas ou animais suscetíveis (febre tifóide, difteria, raiva). Dependendo da forma de transmissão, as doenças requerem diferentes tipos de isolamentos, ex.: tuberculose – isolamento, respiratório (uso de máscara adequada); cólera – isolamento entérico (uso de luvas para lidar com as fezes); infecção estafilocóccica cutânea – contato (uso de luvas e capote nãoestéril); difteria – total (uso de luvas, máscara, gorro, capote). 7 A doença como estrutura Doença infecciosa • Período de Incubação É o intervalo de tempo que decorre entre a exposição a um agente infeccioso e o aparecimento de sinais ou sintomas de doença.É extremamente variável, desde algumas horas (cólera) até meses ou anos (hanseníase, AIDS). • Período de transmissibilidade Período durante o qual o agente infeccioso pode ser transferido, direto ou indiretamente, de uma pessoa infectada a outra, ou de um animal infectado ao homem,ou de um homem infectado a um animal, inclusive artrópodes. 8 A doença como estrutura Os bioagentes patógenos • Agente infeccioso é um ser vivo (vírus, ricketsia, bactéria, fungo, protozoário ou helminto), que por uma das formas que assume no seu ciclo reprodutivo (adulto, larva, cisto, ovo, esporo, etc.), pode ser introduzido em outro ser vivo, onde é capaz de se desenvolver ou de se multiplicar; e, dependendo das predisposições intrínsecas do novo hospedeiro, pode gerar ou não um estado patológico manifesto denominado doença infecciosa (ou doença transmissível). • O agente infeccioso é vivo (bio) e sua importância é a de ser capaz de gerar (geneo) doenças (patos) quando associado a outros fatores do hospedeiro suscetível e do ambiente. • Sob o ponto de vista estrutural epidemiológico, as propriedades dos bioagentes que mais importam são as que regem sua relação com o hospedeiro e as que contribuem para o aparecimento de doença como produto dessa relação. 9 A doença como estrutura Os bioagentes patógenos - propriedades • Infectividade: capacidade que têm certos organismos de penetrar e de se desenvolver ou de se multiplicar no novo hospedeiro, ocasionando infecção. Nesse caso, o agente etiológico é também chamado de agente infeccioso. Ex.: vírus da gripe (alta) X fungos (baixa) A doença infecciosa é um acidente na competição entre duas espécies (ao longo do tempo ocorrem modificações quantitativas e qualitativas) • Patogenicidade: qualidade que tem o agente infeccioso de, uma vez instalado no organismo do homem e de outros animas, produzir sintomas em maior ou menor proporção dentre os hospedeiros infectados. Ex.: vírus do sarampo (alta) X vírus da poliomielite (baixa; 1% paralisia) patogenicidade casos de doenças N total de in fectados • Virulência: capacidade de um bioagente produzir casos graves ou fatais. Ex.: raiva humana X sarampo 10 A doença como estrutura Os bioagentes patógenos - propriedades • Dose infectante: é a quantidade do agente etiológico necessário para iniciar uma infecção. Varia com a virulência do bioagente e com a resistência do acometido. Quanto maior o nº de parasitas inoculados no suscetível, tanto maior a probabilidade de infectálo Malária: a picada de um único mosquito pode introduzir cota suficiente de parasitas para desencadear doença Filariose: necessário picada de mil mosquitos para produzir um caso clínico • Poder invasivo: é a capacidade que tem o parasita de se difundir, através de tecidos, órgãos e sistemas anatomofisiológicos do hospedeiro Tecidos superficiais (Microsporum canis – tinea corporis) Vasos linfáticos e tecidos adjacentes (Yersinia pestis – peste bubônica) Órgãos (Mycobacterium tuberculosis – tuberculose) • Imunogenicidade (poder imunogênico): capacidade que tem o bioagente de induzir imunidade no hospedeiro. 11 A doença como estrutura O hospedeiro suscetível • Hospedeiro: o homem ou outro animal vivo, inclusive aves e artrópodes, que ofereça, em condições naturais, subsistência ou alojamento a um agente infeccioso. Alguns protozoários e helmintos passam fases sucessivas em hospedeiros alternados, de diferentes espécies. Hospedeiro primário ou definitivo: aquele em que o parasita atinge a maturidade ou passa sua fase sexuada Hospedeiro secundário ou intermediário: aquele em que o parasita se encontra em forma larvária ou assexuada. • Sob o ponto de vista da estrutura epidemiológica, o homem poderá funcionar tanto como hospedeiro intermediário como definitivo. Infecção pela forma adulta da tênia – hospedeiro definitivo da teníase Hospedeiro intermediário da forma larvária da tênia – a infecção produzida chama-se cisticercose 12 A doença como estrutura O hospedeiro suscetível • A um dado momento, o conjunto de todos os indivíduos de uma espécie hospedeira suscetível à infecção (o hospedeiro suscetível, tomado como espécie) estará formado por: - indivíduos não-infectados • não-expostos • suscetíveis-expostos, ainda não infectados • expostos, porém resistentes - indivíduos infectados • doentes • portadores (constitui fonte potencial de infecção) 13 A doença como estrutura O hospedeiro suscetível • As relações do hospedeiro com o bioagente patogênico podem ser descritas pelas categorias: • Resistência É o sistema de defesa com o qual o organismo impede a difusão ou a multiplicação de agentes infecciosos que o invadiram, ou os efeitos nocivos dos seus produtos tóxicos. Está associada ao estado de nutrição, integridade de pele e mucosas, capacidade de reação e adaptação aos estímulos do meio, fatores genéticos, estado atual de saúde, estresse e imunidade especifica. • Suscetibilidade Indivíduo suscetível é aquele que não possui resistência a determinado agente patogênico e que, por esta razão, pode contrair a doença, se posto em contato com ele. • Imunidade É o estado de resistência, geralmente associado à presença de anticorpos que possuem ação especifica sobre o microorganismo responsável por determinada doença infecciosa ou sobre suas toxinas. A imunidade pode ser ativa (celular) e passiva (humoral) 14 A doença como estrutura O ambiente nas doenças infecciosas • O ambiente inclui todos os fatores que sejam específicos do agente infeccioso ou do hospedeiro. Os fatores específicos do ambiente interagem com os fatores do agente e do hospedeiro na promoção ou na manutenção das doenças. • De forma geral, o ambiente pode ser visto como o reservatório de bioagentes. • Reservatório de agentes infecciosos é o ser humano ou animal, artrópode, planta, solo ou matéria inanimada (ou uma combinação desses), em que um agente infeccioso normalmente vive e se multiplica em condições de dependência primordial para a sobrevivência e no qual se reproduz de modo a poder ser transmitido a um hospedeiro suscetível (OPAS, 1983). • Entre o reservatório e o hospedeiro, coloca-se o conceito de fonte de infecção. 15 A doença como estrutura O ambiente nas doenças infecciosas • Fonte de infecção: pessoa, animal, objeto ou substância da qual um agente infeccioso passa diretamente para o hospedeiro. • A função do reservatório é central no ciclo biológico de manutenção das doenças infecciosas. É por meio do reservatório que o agente mantém sua vitalidade e se perpetua. • O homem como reservatório – são reservatórios humanos os casos clínicos (atípicos, abortivos, benignos, moderados, graves, fatais) e os portadores (incubados, convalescentes, sãos ou assintomáticos, intermitentes, contínuo). • A infecção inaparente: fenômeno de iceberg. O termo refere-se à pequena porção de casos clínicos em relação à elevada proporção de infecções inaparentes de determinadas doenças distribuídas ao nível de coletividade. É o que ocorre, por exemplo, nas epidemias de meningite, difteria, febre tifóide e dengue (Braga et al., 2008); apenas em inquéritos sorológicos poder-seão detectar os portadores. 16 A doença como estrutura O ambiente nas doenças infecciosas • São chamadas de antroponoses as doenças nas quais o homem é o único reservatório, único hospedeiro e único suscetível (coqueluche, gripe e febre tifóide). • Os animais e os vegetais também atuam como reservatórios. • Zoonoses são infecções comuns ao homem e a outros animais. Nas antropozoonoses, o reservatório são populações animais. Estão ai classificadas, entre outras, as arboviroses silvestres, a leishmaniose tegumentar, a brucelose. São denominadas zooantroponoses as zoonoses nas quais as populações humanas constituem o reservatórios. Ex.: porcos alimentados com fezes humanas contendo ovos de Taenia adquirem a cisticercose Nas anfixenoses, tanto o homem como os animais podem funcionar como reservatórios, dependendo de fatores circunstanciais (Doença de Chagas e leishmaniose visceral) 17 A doença como estrutura O ambiente nas doenças infecciosas • Vetores: são seres vivos que veiculam o agente desde o reservatório até o hospedeiro potencial. Vetores mecânicos: agem apenas como transportadores de agentes infecciosos (insetos), neles os parasitas não se multiplicam nem sofrem quaisquer modificações; Vetores biológicos: aqueles nos quais os microorganismos desenvolvem obrigatoriamente uma fase do seu ciclo vital antes de serem disseminados no ambiente ou inoculados em novo hospedeiro (ex.: insetos anofelinos -> malária) • Veículos: são objetos ou materiais contaminados que sirvam de meio mecânico, auxiliando um agente infeccioso a ser transportado e introduzido em um hospedeiro; são fontes secundárias de infecção (ex.: solo, água, leite, outros alimentos e objetos contaminados) • Fômites: são objetos de uso do doente (ou portador) os quais podem estar contaminados (peças de vestuário, roupas de cama, utensílios de copa e cozinha, instrumentos cirúrgicos e pensos, objetos de uso pessoal usados interpessoalmente e outros. 18 A doença como estrutura Transmissão • Para se entender os mecanismos de transmissão de agentes infecciosos é necessário o conhecimento da cadeia epidemiológica envolvendo os suscetíveis, os bioagentes patogênicos e os reservatórios; bem como os veículos, as vias de entrada e de eliminação dos agentes infecciosos. • (Leitura obrigatória: Parte B – Modos de transmissão, pag 257-273, Zelia Rouquayrol e Naomar Almeida Fº, 6ª Ed, 2003) 19 A doença como estrutura Esquema geral na transmissão de bioagentes patogênicos 20 A doença como estrutura Obrigada! 21