Prevenção e diagnóstico precoce são as melhores armas contra câncer bucal Todas as Equipes de Saúde Bucal do SUS estão sendo treinadas para detectar a doença. Fumo e bebida alcoólica são fatores de risco Em 2002, o câncer de boca matou mais de 3.500 pessoas no País. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), são mais de dez mil novos casos por ano, o que o torna o oitavo câncer de maior incidência no Brasil. Quase 40% dos casos da doença acabam em morte. Isso acontece porque 70% dos diagnósticos são feitos quando a lesão atingiu um estágio avançado. A prevenção e o diagnóstico precoce são as melhores armas para evitar tantas vítimas. O Ministério da Saúde, por meio do programa Brasil Sorridente, tem investido nessas ações e em um conjunto de medidas para garantir a saúde bucal do brasileiro como um todo. Este mês, o ministério vai habilitar mais de 50 Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) no país inteiro. Esses centros são um dos pilares do Brasil Sorridente. Na opinião do coordenador nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, Gilberto Pucca, um dos fatores que dificultam a detecção do câncer bucal é o acesso aos serviços odontológicos. Um passo para aumentar esse acesso foi a inclusão do diagnóstico nas atividades de todas as Equipes de Saúde Bucal (ESB). “As cerca de 48 milhões de pessoas que são atendidas pelas equipes já podem contar com esse exame, que virou rotina dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma Pucca. O Ministério da Saúde também incluiu na atuação de todas as Equipes de Saúde Bucal a estomatologia, área da Medicina que estuda as doenças da boca e dos dentes. As ações do ministério para prevenção do câncer bucal são realizadas em parcerias com entidades como a Associação Brasileira de Odontologia (ABO) e o Conselho Federal de Odontologia (CFO), com universidades e com as secretarias municipais e estaduais de Saúde. A partir do momento em que a pessoa é diagnosticada com a doença, ela é encaminhada para tratamento. A idéia é que os CEOs possam cuidar dos casos em estágio inicial. Pacientes com a doença em nível mais avançado serão encaminhados para as unidades de alta complexidade do SUS. Junto com as ações de diagnóstico e tratamento, o Ministério da Saúde realiza campanhas de informação de caráter permanente. “A criação de uma rede de assistência bucal – o que não existia antes – pode potencializar as campanhas de prevenção”, diz Gilberto Pucca. “Não adianta só promover uma campanha se não há diagnóstico associado”, conclui o coordenador. No Brasil, geralmente desenvolve câncer bucal o indivíduo do sexo masculino, trabalhador, acima dos 30 anos, fumante, consumidor de bebidas alcoólicas e de classe social menos favorecida. A partir desses dados, é possível estruturar campanhas mais adequadas. Essas ações são feitas principalmente com folders e cartazes, e em parceria com a ABO, CFO, universidades e secretarias de Saúde de estados e municípios. Gilberto Pucca lembra também as fotos e mensagens de advertência sobre o câncer bucal estampadas nos maços de cigarro. Fatores de risco – Fumo, álcool, má higiene e uso de próteses dentárias malajustadas são as maiores causas do câncer de boca. O principal sintoma da doença é o aparecimento de feridas na boca que não cicatrizam em até uma semana. O câncer bucal pode ter outros sintomas, como ulcerações superficiais e indolores com menos de dois centímetros de diâmetro – que podem sangrar ou não – e manchas esbranquiçadas ou avermelhadas nos lábios ou na mucosa bucal. Em nível avançado, o câncer de boca tem como sintomas dificuldade da fala, do ato de mastigar e da deglutição, emagrecimento acentuado, dor e a presença de linfadenomegalia cervical (íngua no pescoço). Médicos recomendam como forma de prevenção que as pessoas façam o auto-exame da boca uma vez a cada seis meses. O auto-exame deve ser feito em um local bem iluminado, diante do espelho. O objetivo é identificar lesões precursoras do câncer de boca. Devem ser observados sinais como mudança na cor da pele e mucosas, endurecimentos, caroços, feridas, inchações, áreas dormentes, dentes quebrados ou amolecidos e úlcera rasa, indolor e avermelhada. Evitar o fumo e o álcool, manter a higiene bucal, fazer uma consulta odontológica pelo menos uma vez por ano e ter uma dieta saudável, rica em frutas e vegetais em geral, são boas dicas para prevenir o câncer bucal. Outra recomendação importante é evitar a exposição ao sol sem proteção (filtro solar ou chapéu de aba longa). Quando o câncer bucal é diagnosticado, a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia – isolada ou associada aos outros tratamentos – são os métodos terapêuticos usados. A cirurgia e a radioterapia são mais indicadas quando as lesões estão na fase inicial. Se o câncer bucal é descoberto nesse período, as chances de cura são de 80%. A quimioterapia é empregada nos casos avançados. O objetivo é reduzir o tumor para permitir o tratamento posterior pela radioterapia ou cirurgia. O prognóstico nesses casos é extremamente grave, pela impossibilidade de controle total das lesões maiores. Estudo faz diagnóstico da saúde bucal do brasileiro O câncer de boca não é o único motivo de preocupação para as autoridades de saúde bucal no Brasil. O Ministério da Saúde realizou entre 2000 e fevereiro de 2004 – com a participação das secretarias estaduais e municipais de Saúde, de universidades, da ABO e do CFO – o Projeto SB Brasil – Levantamento das Condições de Saúde Bucal da População Brasileira. “Essa é a pesquisa mais ampla e completa realizada no País para avaliar a saúde bucal da população. Os exames foram realizados em populações urbanas e rurais de 250 municípios brasileiros”, informa Gilberto Pucca. O levantamento constatou que 27% das crianças de 18 a 36 meses possuem pelo menos um dente cariado. Quase 60% das crianças menores de 5 anos têm cárie. Em quem já tem dente permanente, a incidência de cárie é medida pelo índice de dentes Cariados, Perdidos ou Obturados (CPO). À medida que as pessoas envelhecem, o índice de CPO aumenta. Nas crianças de até 12 anos, o CPO é de 2,8. Nos adolescentes, o número sobe para 6,2; nos adultos, chega a 20,1 e nos idosos, a 27,8. A perda dentária precoce é outro problema considerável. Cerca de 45% dos adolescentes na faixa etária dos 18 anos já não possuem todos os dentes na boca. As estatísticas são mais alarmantes quando chegam aos adultos. Mais de 28% deles não possuem nenhum dente com função. Tiveram todos os dentes extraídos ou os que restam estão comprometidos. Quinze por cento dessas pessoas não têm condições de comprar pelo menos uma dentadura. Entre os idosos, três a cada quatro não possuem nenhum dente funcional na boca. Desses, mais de 36% não têm dinheiro para comprar uma dentadura. Dentes ruins, gengivas nada saudáveis. Cerca de 78% da população adulta e 90% dos idosos brasileiros têm problemas na gengiva. Brasil Sorridente amplia acesso a tratamento odontológico Os resultados do SB Brasil serviram de base para o Ministério da Saúde lançar o programa Brasil Sorridente, em março deste ano. “O Brasil Sorridente é a primeira política nacional de saúde bucal”, destaca o coordenador nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, Gilberto Pucca. “A boca é uma parte tão importante para a saúde do corpo quanto qualquer outra e precisa receber os devidos cuidados”, explica o coordenador. Até 2006, o Governo Federal investirá R$ 1,3 bilhão em ações de saúde bucal. Em 2002, o orçamento para essa finalidade foi de R$ 54 milhões e em 2003, de R$ 84 milhões. Em 2004, foram gastos até julho R$ 87 milhões e o governo pretende ter investido R$ 200 milhões em saúde bucal até o fim do ano. O programa Brasil Sorridente tem como objetivo ampliar o acesso ao tratamento odontológico, disseminar os princípios básicos de higiene e cuidados com a boca e promover ações educativas e preventivas em saúde bucal. Grande parte dos brasileiros sequer sabe que pode receber tratamento odontológico gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O programa é direcionado principalmente a quem depende da rede pública de saúde. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1998 revelaram que 30 milhões de brasileiros nunca tinham entrado em um consultório dentário. O Brasil Sorridente se propõe a trocar esse quadro por uma imagem mais saudável. Entre as metas do programa, estão a ampliação do número das Equipes de Saúde Bucal (ESB) no Programa Saúde da Família (PSF), a distribuição de 500 mil kits de higiene (escova e pasta de dente) por ano, a adição de flúor à rede de abastecimento de água de dois mil municípios e a construção de 354 Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e laboratórios de prótese dentária. Desde dezembro de 2002, houve um aumento de 91,3% no número de Equipes de Saúde Bucal. Hoje existem 8.150 equipes em 3.123 municípios. Os incentivos para as ESB foram reajustados em 65%. O número de equipes chegará a nove mil até o fim de 2004 e a 12 mil até o fim de 2005. Essas equipes são formadas por um dentista, um técnico de higiene dental e um auxiliar de consultório. As Equipes de Saúde Bucal estão recebendo insumos para as suas atividades. Pasta e escova de dente estão na lista desses insumos e serão distribuídas a 30% dos usuários das equipes. Uma parceria entre os ministérios da Saúde e da Educação também levará kits de saúde bucal (escovas e pastas) a 500 mil pessoas. A distribuição vai acontecer todos os anos. “Proporcionar os insumos é uma ação essencial. Quarenta por cento da nossa população não têm acesso regular a escova e pasta de dente”, fala Gilberto Pucca. “Não adianta promovermos campanhas incentivando os hábitos de higiene bucal se as pessoas não dispõem sequer de pasta e escova de dente”, assinala. Um instrumento importante do programa Brasil Sorridente são os CEOs. Existem duas unidades inauguradas: uma em Sobral (CE) e outra em Caruaru (PE). O governo vai habilitar mais de 50 CEOs este mês; pelo menos 100 até o fim de 2004; e 354 até 2006. Com os CEOs, a população passará a contar com tratamentos especializados como o de canal, gengiva, ortodontia e cirurgias bucais odontológicas e de câncer bucal em estágio menos avançado. Antes da implantação do Brasil Sorridente, apenas 3,3% dos tratamentos especializados eram feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Todos os CEOs terão laboratórios de próteses. A meta do Ministério da Saúde é atender, até 2006, 100% dos adolescentes, 50% dos idosos e 50% dos adultos que precisam de prótese. Nove milhões de pessoas no País precisam de uma prótese e não têm dinheiro para comprá-la. “Elas não tinham acesso a uma prótese pelo SUS. Quando conseguem uma, é de má qualidade, o que acaba provocando lesões, um fator de risco para o câncer bucal”, diz Gilberto Pucca. O ministério pretende ainda, até 2006, levar o flúor a todos os municípios brasileiros que contam com água tratada. O flúor é uma importante arma no combate à cárie. O SB Brasil constatou que o ataque da cárie é quase 50% maior em municípios sem água fluoretada. Gilberto Pucca afirma que, dentro do Brasil Sorridente, uma estratégia fundamental é a educação. Nesse cenário, as Equipes de Saúde Bucal exercem um papel muito importante. “Cada equipe trabalha com 3.500 pessoas. Além do atendimento, quem atua nas ESB difunde a importância da higiene bucal. Por conhecer os hábitos das famílias, eles também podem realizar uma prevenção individualizada”, ressalta.