1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO OESTE/SC. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por seu Promotor de Justiça signatário, com fulcro nos artigos 127, “caput” e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigo 5º, “caput”, da Lei n º 7.347/1985 e artigo 25, IV, "a", da Lei n.º 8.625/1993, vem, perante Vossa Excelência, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público, representado por seu Procurador Geral do Estado, com endereço na Avenida Prefeito Osmar Cunha nº220, Centro, município de Florianópolis, pelos seguintes fatos e fundamentos: DA COMPETÊNCIA A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) estabeleceu como critério para fixação da competência, em sede de ação civil pública, o foro do local onde ocorrer o dano (artigo 2º). O artigo 21 do mencionado diploma legal, por sua vez, determina que se aplicam na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE e individuais, os dispositivos do Título III da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, que trata da defesa dos consumidores em juízo e estabelece, dentre outras diretrizes processuais, regras de definição da competência. Assim, da conjugação do artigo 2º da Lei de Ação Civil Pública com o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que a competência para a propositura da presente ação se define, nos termos da legislação invocada, pelo local do dano ou possível evento lesivo. Destarte, cuidando-se no presente caso de dano à direito individual indisponível consistente na saúde e na própria vida do paciente ROBERTO KLAGENBERG, residente neste município, a competência para o processo e julgamento da presente ação civil pública é mesmo desta comarca, onde o tratamento deverá ser prestado. DA LEGITIMIDADE ATIVA Conforme preceito constitucional inscrito no artigo 127 da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público, enquanto Instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis [sem grifo no original]. Dentre suas funções institucionais, contempla-se a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, ex vi do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE Como direitos indisponíveis por excelência que são, a saúde, a vida e a dignidade, objetos da presente provocação, não poderiam escapar o raio de abrangência da ação ministerial, ainda mais quando inerente à pessoa econômica e tecnicamente hipossuficiente como no presente caso, no qual é admitida a provocação jurisdicional deste órgão de execução na qualidade de substituto processual. Por abordar com precisão e coerência, de bom alvitre trazerse à colação recente julgado do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que ao tratar da legitimidade ministerial para a defesa direito individual indisponível, assim assentou: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL – VIDA E SAÚDE – CF, ART. 127 – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO – FORNECIMENTO – OBRIGAÇÃO DO ESTADO 1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para desencadear ação civil pública com a finalidade de resguardar direito à vida e à saúde, mesmo que afeto a uma ou mais pessoas identificadas. Pleito dessa magnitude tem inegável reflexo social e deve se sobrepor às questões meramente processuais. 2. O Sistema Único de Saúde, por imperativo legal, deve incluir no seu campo de atuação a execução de ações direcionadas à assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (Lei n. 8.080/90, art. 6º, inc. I, alínea “d”) (TJSC. Apelação Cível nº 2003.018892-4, de Balneário Camboriú. Rel. Desembargador Luiz Cézar Medeiros. Julgado em 10.11.2003). Irrefragável, destarte, a legitimação do Ministério Público, através de seu órgão de execução, para figurar no pólo ativo desta presente ação. DOS FATOS Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE No final do mês de abril do corrente ano, a Sra. Elisabete Maria Dal Magro Klagnberg esteve no gabinete desta 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Miguel do Oeste, onde declarou que seu marido Roberto Klagenberg, conforme comprovam exames preliminares, é portador de hepatite crônica tipo C, com risco de evolução em cirrose e/ou carcinoma hepático e em razão disso necessita ser submetido imediatamente aos exames de biópsia hepática e PCR – RNA/HCV, a fim de que, diagnosticada em definitivo a doença, seja rapidamente iniciado o tratamento, possivelmente com a dispensa do medicamento conhecido por “Interferon pegilado” (conforme documentos anexos). Segundo prescrições médicas, a hepatite crônica do tipo "C", se não combatida com eficácia, pode provocar cirrose e até mesmo risco de carcinoma hepatocelular (câncer de fígado): "Um longo período de hepatite crônica, com graus variáveis de fibrose observados na biopsia hepática que antecede a evolução para a cirrose, permite nestes casos una intervenção terapêutica. Mesmo naqueles com cirroses constituída, clinicamente compensada, o tratamento esta indicado, pois, quando há sucesso, previne-se a descompensação e a evolução para o câncer no fígado" ("Gastroenterologia - Hepatites", de autoria Dr. Henrique Sergio Moraes Coelho, Edição da Sociedade de Gastroenterologia do Rio de Janeiro:2001, p. 195). Ocorre que antes mesmo do início do tratamento, de acordo com o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral crônica estabelecido através da Portaria Ministerial nº 639/GM, do Ministério da Saúde, o paciente Roberto deverá se submeter a alguns exames preliminares de acordo com critérios diagnósticos lá previstos, a fim de que, constatada pericialmente a patologia, seja monitorado e acompanhado seu tratamento. Segundo o anexo I da referida Portaria do Ministério da Saúde nº 639/GB, de 21 de junho de 2000: Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE 1. Critérios Diagnósticos ou de Inclusão Os pacientes para os quais o tratamento preconizado tem eficácia demonstrada são aqueles que apresentam as seguintes situações clínicas que são, por isso, requeridas cumulativamente, como critérios de entrada neste protocolo: 1.1–- Idade - entre 12 e 65anos 1.2- Ser portador - Anti-VHC positivo (Elisa 2 ou 3) 1.3- Apresentar ALT >1,5 x o limite normal por pelo menos 6 meses. 1.4- Apresentar HCV – detecção por tecnologia de RNA (+) e genotipagem. 1.5- Ter realizado, nos últimos 12 meses, biópsia hepática onde tenha sido evidenciada atividade necro-inflamatória de moderada a intensa e/ou fibrose. 1.6- Contagem de plaquetas> 50.000/mm3; de leucócitos > 2000/mm3 1.7- Pode apresentar cirrose hepática desde que compensada 1.8 Recorrência da hepatite C em receptores de transplante hepático é um critério isolado de indicação. 2. Casos Especiais Os pacientes que apresentarem uma das seguintes situações têm o tratamento com eficácia discutível. Isto ocorre, freqüentemente, em função dos riscos potenciais de uso de cada um dos fármacos ou pela falta de ensaios clínicos controlados. Exige-se, neste caso, uma cuidadosa avaliação do custo-benefício do tratamento, a ser realizado por pelo menos dois especialistas da área. 2.1 - Insuficiência renal crônica em hemodiálise 2.2 - Portadores de HIV ou HBV 2.3 - Idade <12 e >65 anos 2.4 - Pacientes que tenha contra-indicações para a realização de biópsia hepática (ex. hemofílicos) podem ser incluídos no protocolo sem a evidência histológica da lesão hepática 2.5 - Portadores hepatite C aguda. 3. Critérios de Exclusão Pacientes portadores de doenças sistêmicas graves especialmente se associadas à auto-imunidade devem ser excluídos, para sua própria segurança. As doenças são: 3.1 - tireiodite 3.2 - insuficiência renal ou cardíaca 3.3 - neoplasias 3.4 - doença cerebrovascular ou coronária 3.5 - diabetes mellitus tipo I de difícil controle 3.6 - cirrose hepática descompensada (com hipertensão porta) 3.7 - psicose 3.8 -depressão grave Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE 3.9 - convulsões não controladas 3.10 -transplantados (exceto fígado) 3.11 - alcoolistas ativos e usuários de drogas injetáveis ativos 3.12 - homens e mulheres sem adequado controle de natalidade 3.13 - gravidez (beta-HCG) 3.14 - anemia, hemólise ou hemoglobinopatias, supresão de medula óssea são situações onde pode ser considerada a possibilidade de monoterapia com Interferon. 4. Primeiro Tratamento Tratamento com a associação de Ribavirina e Interferon, na seguinte posologia: Interferon-alfa na dose de 3 milhões de unidades (UM) ou 5 milhões de unidades por metro quadrado de superfície corporal (MU/m2), administrado subcutaneamente (SC), 3 vezes por semana (3x/sem). Ribavirina na dose de 1000 mg por dia (mg/d) se peso<75kg e na dose de 1200 mg/d se peso >75 kg. Pacientes menores utilizar 15 mg/kg/dia, em dose única. 5. Duração do Tratamento: genotipos 1, 4, 5 ou 6 (determinados por genotipagem) – 12 meses de tratamento genotipos 2 ou 3 (determinados por genotipagem) – 6 meses de tratamento No final do 6o mês todos deverão realizar a detecção por tecnologia de RNA-HCV. Se positivo caracteriza ausência de resposta ao tratamento e indica-se a interrupção deste para todos os pacientes. Se negativo indica boa resposta independente do genotipo. Biópsia (fibrose) Idade Sexo No final do 6o mês, nos casos de genotipo 2 ou 3 a decisão de + 6 meses de tratamento será baseada no algoritmo de gravidade que envolve 3 itens. Atribui-se 1 ponto para cada um dos itens de bom prognóstico a seguir (coluna da direita): Mau sinal bom sinal = 1 ponto Grau 2, 3 ou 4 Grau 0 ou 1 > 40 anos Masculino < 40 anos Feminino O paciente que somar 2 ou 3 bons sinais deve parar o tratamento. Aquele em que a soma de bons sinais for menor que 2 deve manter o tratamento por mais 6 meses. Este algoritmo foi modificado em função de não estarem disponíveis no país testes padronizados de carga viral (referência 4). 5. Segundo Tratamento Indicado exclusivamente para pacientes que recidivam após o uso de monoterapia com IFN-alfa por 6 a 12 meses. Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE Neste caso, usar IFN-alfa + Ribavirina por 6 meses independente do genotipo. Não está indicado o tratamento para: pacientes que já usaram a combinação IFN-alfa+ribavirina por 6 a12 meses e recidivaram ou foram não respondedores. 6. Desfechos Esperados com o Tratamento Melhora da função hepática; Redução da evolução para doença hepática terminal; Redução da probabilidade de evolução para transplante hepático. 7. Monitorização e Acompanhamento A monitorização e acompanhamento do tratamento deverá ser realizada por meio de exames periódicos, de acordo com a planilha a seguir: Exame ALT AST HCV- por detecção de RNA GENOTIPO HEMOGRAMA PLAQUETAS PROTROMBINA CREATININA TSH Antes do início do tratamento SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM Cada 7 dias, no 1º mês de tratamento No 30º dia SIM SIM SIM SIM SIM SIM No final No final do 6º do 12º mês mes SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM Iniciando o procedimento administrativo de praxe, o atendido Roberto protocolou pedido de tratamento fora do domicílio no dia 9 de janeiro de 2004, conforme documento anexo, o qual até a presente data sequer foi analisado pela comissão médica responsável, não obstante a urgência do caso em decorrência do risco de agravamento de saúde do paciente. Em razão disso, não há até o presente momento data aprazada para a realização dos exames preliminares exigidos, o que impede, por sua vez, o início do próprio tratamento médico. Eis, pois, o fundamento de fato de uma das causas de pedir da presente ação: a inércia do requerido em providenciar imediatamente o Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE diagnóstico final do paciente ante o perigo de agravamento de seu estado de saúde. Além disso, após finalizado o diagnóstico, incumbe também ao requerido a garantia de dispensa do tratamento médico a ser recomendado, sob pena de se ter como inócua a medida adotada, especialmente levando-se em consideração o estado financeiro do paciente, pessoa de parcos recursos e que não possui condições para o pagamento do seu tratamento, seja lá qual for, e nisso reside a segunda causa de pedir da presente ação, a impossibilidade de promoção do próprio tratamento pelo paciente. Diante de tal contexto, não resta outra alternativa senão a de buscar a tutela jurisdicional pretendida, com escopo de fazer valer os preceitos constitucionais e infraconstitucionais que amparam o cidadão no que concerne ao seu indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade. DO DIREITO De acordo com a Constituição Federal: Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (...) Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações o serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao regulamentar as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde através do Sistema Único de Saúde – SUS, a Lei nº 8.080/90 dispõe: Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. De outro lado, segundo o parágrafo único do artigo 3º do mencionado diploma legal, diz “respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”. Tal bem-estar, contudo, não vem sendo garantido pelo Estado ao paciente Roberto, pois a indefinição quanto ao início de seu tratamento aliada à possibilidade de evolução de seu quadro patológico certamente não condizem com a segurança jurídica e social a que se dispôs o sistema único de saúde lhe garantir. Referida omissão infringe claramente um dos objetivos do Sistema Único de Saúde, consistente na “assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas” (art. 5º, inciso III). Outrossim, princípios básicos do Sistema Único de Saúde, tais como “a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência”, e “a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”, não estão sendo respeitados (art. 7º, incisos I e II). Assim, o fundamento jurídico da presente ação não só reside nos mais elementares direitos naturais do homem, como a vida, a saúde e a dignidade, como da própria legislação que, como não poderia ser diferente, expressamente protege a saúde pública, integralmente e em todos os sentidos. Em situação próxima à presente, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se posicionou: MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDICAÇÃO ESPECIAL FACE PROBLEMAS DE COLUNA DECORRENTE DE CIRURGIA. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. DIREITO À SAÚDE CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM ASSEGURAR O TRATAMENTO. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança n. 2003.015840-5, da Capital. Rel. Desembargador Vanderlei Romer. J. em 10.03.2004). De acordo com o que já decidiu o conspícuo Supremo Tribunal Federal, o “direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida”, pois o “Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional” (STF. RE nº 271286 AgR/RS. Segunda Turma. Rel. Ministro Celso de Mello. DJU 24.11.2000, pág. 101). Razão por que, ainda de acordo com a mesma decisão, “a essencialidade do direito à saúde fez que o legislador qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante”. Além disso, ao Estado é declinada a obrigação de assegurar de forma efetiva e concreta a obrigação de manter a saúde de seus cidadãos, pois, se nem mesmo isso for possível ou prioridade para qualquer governante, estar-se-ia regressando, em última análise, aquém dos valores das sociedades primitivas decorrentes dos primeiros agrupamentos sociais, até mesmo para os quais a saúde coletivamente considerada já despertava lugar de destaque na experiência acumulada através de gerações (Oreste Ranelletti, in “Instituzioni di Diritto Pubblico” apud “Curso de Teoria Geral do Estado”, Reis Friede). Isso porque o direito à vida, à saúde e à dignidade, discutidos de forma concreta e concentrada na presente relação jurídicoprocessual, sobrepõem-se a qualquer discussão de natureza filosófico-jurídica inerente à aplicabilidade das normas constitucionais pertinentes, pois a ratio essendi do Estado, a dignidade da pessoa humana, o fundamento que dá sustentação, o princípio, o fim, deve sempre sobrepujar os contornos de forma que envolvem a efetiva declaração dessa razão, desse direito. Reiterados pronunciamentos do conspícuo Supremo Tribunal Federal têm reconhecido essa interpretação em casos como o presente (RTJ 105/704, RTJ 132/455, RTJ 165/812 e outras). Por essa razão, é possível sim ao Poder Judiciário ditar aos dirigentes executivos prioridades em termos de saúde pública, seja porque está em condições de aquilatar e identificar situações peculiares e emergenciais não compreendidas na generalidade dos planos e políticas de atendimento, seja, precipuamente, porque a relevância pública das ações e serviços de saúde Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE legitimam constitucionalmente a tutela jurisdicional de garantia de tal prerrogativa jurídica em favor do cidadão. O conspícuo Supremo Tribunal Federal, em situação de fato correspondente já teve a oportunidade de se pronunciar acerca da quaestio, em acordão ementado nos seguintes termos: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (STF. RE nº 271286 AgR/RS. Segunda Turma. Rel. Ministro Celso de Mello. DJU 24.11.2000, pág. 101). De cujo teor extrai-se a seguinte fundamentação quanto ao reconhecimento do direito e a legitimidade jurisdicional para tanto: Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez que o legislador qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Sob outro aspecto, eventual limitação orçamentária não pode ser óbice à efetiva prestação do direito do paciente em se submeter aos exames e tratamento necessários à recuperação da sua saúde, uma vez que Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida” (STF. Petição n.º 1.246-1/SC. DJU de 13.2.97). Em razão disso, não pode a eventual limitação orçamentária, constituir-se em óbice à defesa e regular exercício do direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana. DA CONDENAÇÃO DO REQUERIDO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER Havendo lei que assegure com absoluta prioridade a efetiva garantia da saúde do paciente, deve o Estado “prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (artigo 2º da Lei nº 8.080/90). Assim sendo, e para que se concretize a eficácia do resultado final pretendido, que é justamente o de providenciar a monitoração e o acompanhamento do tratamento com realização de exames periódicos e dispensa da medicação adequada de acordo com o diagnóstico, perfaz-se imprescindível a condenação do ESTADO DE SANTA CATARINA em obrigação de fazer. De acordo com o artigo 3º da Lei nº 7.347/85: Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE Logo, estando devidamente evidenciado que o Estado de Santa Catarina não vem cumprindo satisfatoriamente com sua inescusável obrigação de assistência prioritária à saúde do paciente Roberto Klagemberg, cabe ao Poder Judiciário determinar o restabelecimento imediato de seu lídimo direito à manutenção da sua qualidade de vida, hoje em risco por omissão intolerável do requerido. De outro lado, uma vez admitida a condenação do Poder Público em obrigação de fazer, cumpre a essa autoridade a cominação de multa diária, nos termos do que dispõe o artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e o artigo 84, §4º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), pois de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a “determinação legal contida no artigo 11, da Lei 7.347/85, tem o objetivo imanente de fazer valer a obrigação, uma vez que retirada da mensagem legal a imposição de pena, é consectário lógico a mitigação da ordem, à míngua de punição ante seu descumprimento” (RESP nº 205153/GO. DJU 21.08.2000, p. 98. RSTJ 139/55) DO DIAGNÓSTICO E INCLUSÃO NO TRATAMENTO DO PACIENTE INAUDITA ALTERA PARTE Verificada a plausibilidade do direito material invocado na forma acima mencionada (direito do substituído processual submeter-se urgentemente aos exames de diagnóstico e inclusão - Biópsia Hepática e PCR-RNA/HCV – para que possa ver assegurado seu tratamento e acompanhamento médicos na forma do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas estabelecido na Portaria Ministerial nº 639/GM) assim como o perigo de dano decorrente da situação de risco decorrente da possibilidade de evolução negativa da patologia para cirrose ou carcinoma hepático (câncer de fígado), conforme atestado médico anexo, acaso não inicie rapidamente seu tratamento, da mesma forma se mostra necessário o deferimento, liminarmente e inaudita altera pars, da medida acauteladora consistente na imediata Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE realização no paciente dos exames de “biópsia hepática” e “PCR-RNA/HCV”, na forma do artigo 12, “caput”, da Lei nº 7.347/85 c/c artigo 798 do Código de Processo Civil, de modo a possibilitar sua inclusão no sistema único de saúde para imediato início de tratamento e acompanhamento. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, ao comentar o dispositivo da Lei da Ação Civil Pública: O art. 12 da lei faculta ao juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. É imprópria a expressão mandado liminar. O que o juiz concede, na verdade, é a medida liminar, vale dizer, a providência in limine litis que objetiva impedir ou paralisar a conduta ofensiva aos interesses tutelados. Mandado é mero instrumento de documentação processual, já que comprova a existência de ato judicial, no caso o que concedeu a medida liminar... A liminar é medida de natureza acautelatória e consubstancia a função preventiva do processo, como bem define Alfredo Buzaid. Se bem analisarmos a expressão, não será difícil perceber que a medida liminar só indica que a providência judicial está sendo concedida de plano, normalmente sem audiência da outra parte. Não explica, contudo, seu conteúdo ou seu objetivo. É este, no entanto, que vai caracterizar sua natureza jurídica como sendo medida cautelar, exatamente porque visa acautelar direitos e resguardá-los contra eventual demora na solução do processo. (...) Na ação civil pública também pode ser concedido mandado liminar. Embora as medidas cautelares guardem mais adequação com a ação cautelar, a doutrina tem entendido que normas processuais prevêem, algumas vezes, esse tipo de providência em diversas ações. É o chamado poder geral de cautela conferido ao juiz pelo artigo 798 do Código de Processo Civil, que autoriza a expedição de medidas provisórias quando julgadas necessárias em determinadas situações fáticas. Como bem anota Humberto Theodoro Júnior, “tais providências que carecem da qualidade de processo e ação, apresentam-se essencialmente como acessórias do processo principal”, motivo por que “não devem sequer ensejar autuação apartada ou em apenso”... O que é importante, é que se façam presentes os pressupostos da medida – o risco de lesão irreparável em vista da eventual Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE demora e a plausibilidade do direito. Desse modo, o autor da ação civil pública, vislumbrando situação de risco aos interesses difusos ou coletivos a serem protegidos, pode requer ao juiz, antes mesmo de formular o pedido na ação, a concessão de medida liminar, a exemplo, aliás, do que ocorre naturalmente em outros procedimentos especiais, como o mandado de segurança e a ação popular (“Ação Civil Pública – Comentários por Artigo”. Editora Lumen Juris. 3ª edição. p. 334/335). De mais a mais, a acessoriedade que qualifica a medida liminar em comento encontra fundamento na jurisprudência, segundo a qual não “há necessidade de ajuizar-se ação cautelar, antecedente de ação principal, para pleitear a liminar, como evidente desperdício de tempo e atividade jurisdicional”, pois o “pedido de concessão de liminar pode ser cumulado na petição inicial de ACP de conhecimento, cautelar ou de execução” (RJTJSP 113/312). Acerca da impossibilidade de liminar contra a Fazenda Pública (e também liminar satisfativa), mister uma primeira consideração de que não se pretende com a presente providência acauteladora o exaurimento do objeto desta ação, que é caracterizado por uma prestação de trato sucessivo (obrigação do requerido promover, de forma gratuita, contínua e ininterrupta, o tratamento do paciente e sua monitoração e acompanhamento), que não se confunde com a tutela liminar que virá a resguardar eventual situação de risco (o agravamento da condição de saúde o paciente) até final julgamento da lide. Além disso, cumpre asseverar que é consabido que o poder geral de cautela do magistrado deve sempre ser compreendido com amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a correspondente eficácia da função jurisdicional; por tal razão, no enfrentamento do conflito entre a eficácia da tutela jurisdicional da vida e as limitações legais desse poder inerente à atividade judicante, há de prevalecer sempre aquela, sem a qual despicienda se tornaria o sistema de garantias constitucionais, Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE frente ao espezinhamento jurisdicional do sagrado direito à vida, maior legado de um Estado Democrático de Direito. CARLOS VARALDO explica que a hepatite c " é uma doença do fígado adquirida pelo contato com sangue contaminado ou outros fluidos corporais infetados. É causada pelo vírus HCV, conhecido anteriormente como vírus não A/não B. Foi descoberta recentemente (1989) e sua forma de atuar ainda é conhecida por um reduzido número de médicos" ("Convivendo com a hepatite C", RJ, 2000, edição do autor, p.11). Conforme a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS, a prevalência da hepatite C no mundo é de aproximadamente 200 milhões de pessoas contaminadas, o que torna a hepatite C a maior epidemia da historia da humanidade. A prevalência no Brasil, conforme a OMS, situa-se entre 2,5 e 4,9% da população. (“Weekly Epidemiological Record”, número 3: 2000, 75, 1728, página 3), sendo que de acordo com o Dr. Adávio de Oliveira Silva, " cerca de 33% dos portadores crônicos do vírus da hepatite C progridem rapidamente para cirrose, em menos de 20 anos de infecção" ("Hepatite Viral C". São Paulo: 2000, Pizarro Farmacêutica Ltda.). A evolução da doença leva a perda das funções hepáticas, quando somente um transplante possibilita a sobrevida do paciente, não significando a cura da doença ("Emergências em Gastroenterologia", Rio de Janeiro:2001. Editora Livraria Rubio. Pág. 331/332). Por essa razão lógica e humanitária, especialmente em casos graves como o presente, tem a jurisprudência relativizado a vedação de concessão de medidas liminares contra atos do poder público sem a prévia ouvida do representante jurídico da pessoa interessada, a exemplo do que transcreve-se algumas decisões: Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR – CARÁTER SATISFATIVO – EXCEPCIONALIDADE – VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA – FORNECIMENTO PERIÓDICO E CONTINUADO DE MEDICAMENTO (ACETATO DE DESMOPRESSINA) – DIABETE INSÍPIDA – SITUAÇÃO EMERGENCIAL – DIREITO À VIDA – DIVERVÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – LEI Nº 8.038/90 E RISTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS – PRECEDENTES. É vedada a concessão de liminar contra atos do poder público, em ação cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Na hipótese, a prestação cautelar liminar não tem o caráter satisfativo, por isso que o fornecimento do medicamento é periódico e continuado; caso em que estaria sendo negado direito indisponível e absoluto à vida, já que sem o medicamento a recorrida não sobreviveria. Interpretação restrita do art. 1º, §§ 1º e 3º da Lei nº 8.437/92. Divergência jurisprudencial que desatende às determinações legais e regimentais para demonstração do dissídio pretoriano. Recurso não conhecido (STJ. REsp. nº 93658/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. DJU 23.08.1999, pág. 91). Ou então: MEDICAMENTO - CERIDASE - FORNECIMENTO - LIMINAR SATISFATIVA - DIREITO A VIDA. E VEDADA A CONCESSÃO DE LIMINAR CONTRA ATOS DO PODER PUBLICO, NO PROCEDIMENTO CAUTELAR, QUE ESGOTE, NO TODO OU EM PARTE, O OBJETO DA AÇÃO. NESTE CASO, ENTRETANTO, O QUE ESTARIA SENDO NEGADO SERIA O DIREITO A VIDA, POIS SEM O MEDICAMENTO O RECORRIDO NÃO SOBREVIVERIA. RECURSO IMPROVIDO (STJ. RSTJ 106/109). E ainda: A PROIBIÇÃO DO DEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR QUE ESGOTE O OBJETO DO PROCESSO SÓ SUBSISTE ENQUANTO O RETARDAMENTO NÃO FRUSTRAR A TUTELA JUDICIAL, QUE É GARANTIA CONSTITUCIONAL (STJ. ROMS nº 6063/RS. 2ª Turma. Rel. Ministro Ari Pargendler. LEXSTJ 105/86). Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE Considere-se, ainda, que em reiteradas manifestações decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que as “restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação de liminares contra atos do Poder Público (art. 1o da Lei n. 8.437/92), consoante orientação do STF (RTJ – 132/571), devem ser interpretadas mediante um controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado em cada caso concreto” evitando-se assim um “abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição do Poder Judiciário” (Agravo de Instrumento nº 97.001945-9, da Capital. Rel. Desembargador Eder Graf). Frente a essas considerações, afigura-se perfeitamente admissível a concessão da medida liminar pretendida, initio litis e inaudita altera pars, assegurando-se, destarte, a eficácia do provimento final pretendido. Uma vez deferida a medida liminar de imediata realização no paciente dos exames de “biópsia hepática” e “PCR-RNA/HCV” na forma aludida, a fim de garantir sua regular eficácia, impõe-se a fixação de multa diária em caso de descumprimento, nos termos do artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85. DOS REQUERIMENTOS Em face do exposto, REQUER-SE: 1. que seja concedida, initio litis e inaudita altera pars, sem justificação prévia, a medida liminar de realização no paciente Roberto Klagenberg, no prazo de 15 dias, dos exames de “biópsia hepática” e “PCR-RNA/HCV”, possibilitando-lhe o imediato ingresso no sistema, para tratamento e acompanhamento da patologia; 1.1 – A fim de garantir o cumprimento da medida liminar, com fundamento no artigo 12, §2º da Lei nº 7.347/85, requer Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE seja fixada multa diária equivalente a 1000 (mil) UFIR’s, em caso de descumprimento. Cumprida a medida liminar, REQUER-SE: 1. a citação do ESTADO DE SANTA CATARINA, na pessoa de seu Procurador-Geral (artigo 12, inciso I, do CPC), no endereço preambularmente declinado, para que, querendo, conteste a presente ação, sendo alertado desde já sobre os efeitos da revelia (artigo 215 e 319 do CPC); 2. intimação pessoal deste órgão do Ministério Público de todos os atos processuais, na forma que dispõe o artigo 236, § 2º, do CPC e artigo 41, inciso IV, da Lei 8625/93; 3. a produção, se necessária, de todas as espécies de provas admitidas documentais, em periciais direito, e em testemunhais especial as (testemunha adiante arrolada), além de outras por ventura necessárias (artigo 332 e 407 do CPC); A procedência do pedido, com a confirmação da medida liminar deferida, para o fim de: 1. condenar-se o ESTADO DE SANTA CATARINA em obrigação de fazer, acompanhamento consistente médicos do no tratamento paciente e Roberto Klagenberg, no prazo e na forma previstos no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas estabelecido na Portaria Ministerial nº 639/GM, de 20 de junho de 2000, do Ministério da Saúde. Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE E ainda: a) nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85, a cominação de multa diária consistente em 1000 (mil) UFIR’s, para pagamento em caso de descumprimento da sentença final, além das perdas e danos eventualmente verificados (artigo 1056 do CC). Requer-se, por fim, a isenção de custas, emolumentos e outros encargos, conforme artigo 18 da Lei nº 7.347/85, atribuindo à causa, para todos os efeitos, o valor de R$100,00 (cem reais). Nestes termos, pede deferimento. São Miguel do Oeste, 12 de maio de 2004. Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA Fernando da Silva Comin PROMOTOR DE JUSTIÇA