Exame - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO OESTE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA DA
COMARCA DE SÃO MIGUEL DO OESTE/SC.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA,
por seu Promotor de Justiça signatário, com fulcro nos
artigos 127, “caput” e 129, inciso III, da Constituição Federal;
artigo 5º, “caput”, da Lei n º 7.347/1985 e artigo 25, IV, "a",
da Lei n.º 8.625/1993, vem, perante Vossa Excelência,
propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR
em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica
de direito público, representado por seu Procurador Geral do
Estado, com endereço na Avenida Prefeito Osmar Cunha
nº220, Centro, município de Florianópolis, pelos seguintes
fatos e fundamentos:
DA COMPETÊNCIA
A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) estabeleceu
como critério para fixação da competência, em sede de ação civil pública, o
foro do local onde ocorrer o dano (artigo 2º).
O artigo 21 do mencionado diploma legal, por sua vez,
determina que se aplicam na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos
Fernando da Silva Comin
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e individuais, os dispositivos do Título III da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa
do Consumidor, que trata da defesa dos consumidores em juízo e estabelece,
dentre outras diretrizes processuais, regras de definição da competência.
Assim, da conjugação do artigo 2º da Lei de Ação Civil
Pública com o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que a
competência para a propositura da presente ação se define, nos termos da
legislação invocada, pelo local do dano ou possível evento lesivo.
Destarte, cuidando-se no presente caso de dano à direito
individual indisponível consistente na saúde e na própria vida do paciente
ROBERTO KLAGENBERG, residente neste município, a competência para o
processo e julgamento da presente ação civil pública é mesmo desta comarca,
onde o tratamento deverá ser prestado.
DA LEGITIMIDADE ATIVA
Conforme preceito constitucional inscrito no artigo 127 da
Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público, enquanto Instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis [sem grifo no
original].
Dentre suas funções institucionais, contempla-se a de
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos,
ex vi do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
Fernando da Silva Comin
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Como direitos indisponíveis por excelência que são, a
saúde, a vida e a dignidade, objetos da presente provocação, não poderiam
escapar o raio de abrangência da ação ministerial, ainda mais quando inerente
à pessoa econômica e tecnicamente hipossuficiente como no presente caso,
no qual é admitida a provocação jurisdicional deste órgão de execução na
qualidade de substituto processual.
Por abordar com precisão e coerência, de bom alvitre trazerse à colação recente julgado do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
que ao tratar da legitimidade ministerial para a defesa direito individual
indisponível, assim assentou:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL
– VIDA E SAÚDE – CF, ART. 127 – LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO – MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO –
FORNECIMENTO – OBRIGAÇÃO DO ESTADO
1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para
desencadear ação civil pública com a finalidade de
resguardar direito à vida e à saúde, mesmo que afeto a uma
ou mais pessoas identificadas. Pleito dessa magnitude tem
inegável reflexo social e deve se sobrepor às questões
meramente processuais.
2. O Sistema Único de Saúde, por imperativo legal, deve
incluir no seu campo de atuação a execução de ações
direcionadas à assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica (Lei n. 8.080/90, art. 6º, inc. I, alínea “d”) (TJSC.
Apelação Cível nº 2003.018892-4, de Balneário Camboriú.
Rel. Desembargador Luiz Cézar Medeiros. Julgado em
10.11.2003).
Irrefragável, destarte, a legitimação do Ministério Público,
através de seu órgão de execução, para figurar no pólo ativo desta presente
ação.
DOS FATOS
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No final do mês de abril do corrente ano, a Sra. Elisabete
Maria Dal Magro Klagnberg esteve no gabinete desta 2ª Promotoria de Justiça
da Comarca de São Miguel do Oeste, onde declarou que seu marido Roberto
Klagenberg, conforme comprovam exames preliminares, é portador de hepatite
crônica tipo C, com risco de evolução em cirrose e/ou carcinoma hepático e em
razão disso necessita ser submetido imediatamente aos exames de biópsia
hepática e PCR – RNA/HCV, a fim de que, diagnosticada em definitivo a
doença, seja rapidamente iniciado o tratamento, possivelmente com a dispensa
do medicamento conhecido por “Interferon pegilado” (conforme documentos
anexos).
Segundo prescrições médicas, a hepatite crônica do tipo "C",
se não combatida com eficácia, pode provocar cirrose e até mesmo risco de
carcinoma hepatocelular (câncer de fígado):
"Um longo período de hepatite crônica, com graus variáveis
de fibrose observados na biopsia hepática que antecede a
evolução para a cirrose, permite nestes casos una
intervenção terapêutica. Mesmo naqueles com cirroses
constituída, clinicamente compensada, o tratamento esta
indicado, pois, quando há sucesso, previne-se a
descompensação e a evolução para o câncer no fígado"
("Gastroenterologia - Hepatites", de autoria Dr. Henrique
Sergio Moraes Coelho, Edição da Sociedade de
Gastroenterologia do Rio de Janeiro:2001, p. 195).
Ocorre que antes mesmo do início do tratamento, de acordo
com o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral crônica
estabelecido através da Portaria Ministerial nº 639/GM, do Ministério da Saúde,
o paciente Roberto deverá se submeter a alguns exames preliminares de
acordo com critérios diagnósticos lá previstos, a fim de que, constatada
pericialmente a patologia, seja monitorado e acompanhado seu tratamento.
Segundo o anexo I da referida Portaria do Ministério da
Saúde nº 639/GB, de 21 de junho de 2000:
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1. Critérios Diagnósticos ou de Inclusão
Os pacientes para os quais o tratamento preconizado tem eficácia
demonstrada são aqueles que apresentam as seguintes situações
clínicas que são, por isso, requeridas cumulativamente, como
critérios de entrada neste protocolo:
1.1–- Idade - entre 12 e 65anos
1.2- Ser portador - Anti-VHC positivo (Elisa 2 ou 3)
1.3- Apresentar ALT >1,5 x o limite normal por pelo menos 6 meses.
1.4- Apresentar HCV – detecção por tecnologia de RNA (+) e
genotipagem.
1.5- Ter realizado, nos últimos 12 meses, biópsia hepática onde tenha
sido evidenciada atividade necro-inflamatória de moderada a intensa
e/ou fibrose.
1.6- Contagem de plaquetas> 50.000/mm3; de leucócitos > 2000/mm3
1.7- Pode apresentar cirrose hepática desde que compensada
1.8 Recorrência da hepatite C em receptores de transplante hepático é
um critério isolado de indicação.
2. Casos Especiais
Os pacientes que apresentarem uma das seguintes situações têm o
tratamento com eficácia discutível. Isto ocorre, freqüentemente, em
função dos riscos potenciais de uso de cada um dos fármacos ou
pela falta de ensaios clínicos controlados. Exige-se, neste caso, uma
cuidadosa avaliação do custo-benefício do tratamento, a ser realizado
por pelo menos dois especialistas da área.
2.1 - Insuficiência renal crônica em hemodiálise
2.2 - Portadores de HIV ou HBV
2.3 - Idade <12 e >65 anos
2.4 - Pacientes que tenha contra-indicações para a realização de
biópsia hepática (ex. hemofílicos) podem ser incluídos no protocolo
sem a evidência histológica da lesão hepática
2.5 - Portadores hepatite C aguda.
3. Critérios de Exclusão
Pacientes portadores de doenças sistêmicas graves especialmente se
associadas à auto-imunidade devem ser excluídos, para sua própria
segurança. As doenças são:
3.1 - tireiodite
3.2 - insuficiência renal ou cardíaca
3.3 - neoplasias
3.4 - doença cerebrovascular ou coronária
3.5 - diabetes mellitus tipo I de difícil controle
3.6 - cirrose hepática descompensada (com hipertensão porta)
3.7 - psicose
3.8 -depressão grave
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3.9 - convulsões não controladas
3.10 -transplantados (exceto fígado)
3.11 - alcoolistas ativos e usuários de drogas injetáveis ativos
3.12 - homens e mulheres sem adequado controle de natalidade
3.13 - gravidez (beta-HCG)
3.14 - anemia, hemólise ou hemoglobinopatias, supresão de medula
óssea são situações onde pode ser considerada a possibilidade de
monoterapia com Interferon.
4. Primeiro Tratamento
Tratamento com a associação de Ribavirina e Interferon, na seguinte
posologia:
Interferon-alfa na dose de 3 milhões de unidades (UM) ou 5 milhões
de unidades por metro quadrado de superfície corporal (MU/m2),
administrado subcutaneamente (SC), 3 vezes por semana (3x/sem).
Ribavirina na dose de 1000 mg por dia (mg/d) se peso<75kg e na
dose de 1200 mg/d se peso >75 kg. Pacientes menores utilizar 15
mg/kg/dia, em dose única.
5. Duração do Tratamento:
genotipos 1, 4, 5 ou 6 (determinados por genotipagem) – 12 meses de
tratamento
genotipos 2 ou 3 (determinados por genotipagem) – 6 meses de
tratamento
No final do 6o mês todos deverão realizar a detecção por tecnologia
de RNA-HCV. Se positivo caracteriza ausência de resposta ao
tratamento e indica-se a interrupção deste para todos os pacientes.
Se negativo indica boa resposta independente do genotipo.
Biópsia
(fibrose)
Idade
Sexo
No final do 6o mês, nos casos de genotipo 2 ou 3 a decisão de + 6
meses de tratamento será baseada no algoritmo de gravidade que
envolve 3 itens. Atribui-se 1 ponto para cada um dos itens de bom
prognóstico a seguir (coluna da direita):
Mau sinal
bom sinal = 1 ponto
Grau 2, 3 ou 4
Grau 0 ou 1
> 40 anos
Masculino
< 40 anos
Feminino
O paciente que somar 2 ou 3 bons sinais deve parar o tratamento.
Aquele em que a soma de bons sinais for menor que 2 deve manter o
tratamento por mais 6 meses. Este algoritmo foi modificado em
função de não estarem disponíveis no país testes padronizados de
carga viral (referência 4).
5. Segundo Tratamento
Indicado exclusivamente para pacientes que recidivam após o uso de
monoterapia com IFN-alfa por 6 a 12 meses.
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Neste caso, usar IFN-alfa + Ribavirina por 6 meses independente do
genotipo.
Não está indicado o tratamento para: pacientes que já usaram a
combinação IFN-alfa+ribavirina por 6 a12 meses e recidivaram ou
foram não respondedores.
6. Desfechos Esperados com o Tratamento
Melhora da função hepática;
Redução da evolução para doença hepática terminal;
Redução da probabilidade de evolução para transplante hepático.
7. Monitorização e Acompanhamento
A monitorização e acompanhamento do tratamento deverá ser
realizada por meio de exames periódicos, de acordo com a planilha a
seguir:
Exame
ALT
AST
HCV- por detecção
de RNA
GENOTIPO
HEMOGRAMA
PLAQUETAS
PROTROMBINA
CREATININA
TSH
Antes do
início do
tratamento
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Cada 7 dias,
no 1º mês de
tratamento
No 30º
dia
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
No final No final
do 6º
do 12º
mês
mes
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Iniciando o procedimento administrativo de praxe, o atendido
Roberto protocolou pedido de tratamento fora do domicílio no dia 9 de janeiro
de 2004, conforme documento anexo, o qual até a presente data sequer foi
analisado pela comissão médica responsável, não obstante a urgência do caso
em decorrência do risco de agravamento de saúde do paciente.
Em razão disso, não há até o presente momento data
aprazada para a realização dos exames preliminares exigidos, o que impede,
por sua vez, o início do próprio tratamento médico.
Eis, pois, o fundamento de fato de uma das causas de pedir
da presente ação: a inércia do requerido em providenciar imediatamente o
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diagnóstico final do paciente ante o perigo de agravamento de seu estado de
saúde.
Além disso, após finalizado o diagnóstico, incumbe também
ao requerido a garantia de dispensa do tratamento médico a ser recomendado,
sob pena de se ter como inócua a medida adotada, especialmente levando-se
em consideração o estado financeiro do paciente, pessoa de parcos recursos e
que não possui condições para o pagamento do seu tratamento, seja lá qual
for, e nisso reside a segunda causa de pedir da presente ação, a
impossibilidade de promoção do próprio tratamento pelo paciente.
Diante de tal contexto, não resta outra alternativa senão a de
buscar a tutela jurisdicional pretendida, com escopo de fazer valer os preceitos
constitucionais e infraconstitucionais que amparam o cidadão no que concerne
ao seu indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade.
DO DIREITO
De acordo com a Constituição Federal:
Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
(...)
Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações o serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Ao regulamentar as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde através do Sistema Único de Saúde – SUS, a Lei nº
8.080/90 dispõe:
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Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais que
visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e
no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família,
das empresas e da sociedade.
De outro lado, segundo o parágrafo único do artigo 3º do
mencionado diploma legal, diz “respeito também à saúde as ações que, por
força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à
coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.
Tal bem-estar, contudo, não vem sendo garantido pelo
Estado ao paciente Roberto, pois a indefinição quanto ao início de seu
tratamento aliada à possibilidade de evolução de seu quadro patológico
certamente não condizem com a segurança jurídica e social a que se dispôs o
sistema único de saúde lhe garantir.
Referida omissão infringe claramente um dos objetivos do
Sistema Único de Saúde, consistente na “assistência às pessoas por intermédio
de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização
integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas” (art. 5º, inciso
III).
Outrossim, princípios básicos do Sistema Único de Saúde,
tais como “a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis
de assistência”, e “a integralidade de assistência, entendida como conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
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coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema”, não estão sendo respeitados (art. 7º, incisos I e II).
Assim, o fundamento jurídico da presente ação não só
reside nos mais elementares direitos naturais do homem, como a vida, a saúde
e a dignidade, como da própria legislação que, como não poderia ser diferente,
expressamente protege a saúde pública, integralmente e em todos os sentidos.
Em situação próxima à presente, o Tribunal de Justiça de
Santa Catarina já se posicionou:
MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE CONCESSÃO DE
MEDICAÇÃO ESPECIAL FACE PROBLEMAS DE COLUNA
DECORRENTE DE CIRURGIA. PRECEDENTES DESTA CORTE
DE JUSTIÇA. DIREITO À SAÚDE CONSAGRADO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM
ASSEGURAR O TRATAMENTO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
(Mandado de Segurança n. 2003.015840-5, da Capital. Rel.
Desembargador Vanderlei Romer. J. em 10.03.2004).
De acordo com o que já decidiu o conspícuo Supremo
Tribunal Federal, o “direito à saúde - além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida”, pois o “Poder Público, qualquer
que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional” (STF. RE nº 271286 AgR/RS. Segunda
Turma. Rel. Ministro Celso de Mello. DJU 24.11.2000, pág. 101).
Razão por que, ainda de acordo com a mesma decisão, “a
essencialidade do direito à saúde fez que o legislador qualificasse, como
prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em
ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário
naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de
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respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a
eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra
inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante”.
Além disso, ao Estado é declinada a obrigação de assegurar
de forma efetiva e concreta a obrigação de manter a saúde de seus cidadãos,
pois, se nem mesmo isso for possível ou prioridade para qualquer governante,
estar-se-ia regressando, em última análise, aquém dos valores das sociedades
primitivas decorrentes dos primeiros agrupamentos sociais, até mesmo para os
quais a saúde coletivamente considerada já despertava lugar de destaque na
experiência acumulada através de gerações (Oreste Ranelletti, in “Instituzioni di
Diritto Pubblico” apud “Curso de Teoria Geral do Estado”, Reis Friede).
Isso porque o direito à vida, à saúde e à dignidade,
discutidos de forma concreta e concentrada na presente relação jurídicoprocessual, sobrepõem-se a qualquer discussão de natureza filosófico-jurídica
inerente à aplicabilidade das normas constitucionais pertinentes, pois a ratio
essendi do Estado, a dignidade da pessoa humana, o fundamento que dá
sustentação, o princípio, o fim, deve sempre sobrepujar os contornos de forma
que envolvem a efetiva declaração dessa razão, desse direito.
Reiterados
pronunciamentos
do
conspícuo
Supremo
Tribunal Federal têm reconhecido essa interpretação em casos como o
presente (RTJ 105/704, RTJ 132/455, RTJ 165/812 e outras).
Por essa razão, é possível sim ao Poder Judiciário ditar aos
dirigentes executivos prioridades em termos de saúde pública, seja porque está
em condições de aquilatar e identificar situações peculiares e emergenciais não
compreendidas na generalidade dos planos e políticas de atendimento, seja,
precipuamente, porque a relevância pública das ações e serviços de saúde
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legitimam constitucionalmente a tutela jurisdicional de garantia de tal
prerrogativa jurídica em favor do cidadão.
O conspícuo Supremo Tribunal Federal, em situação de fato
correspondente já teve a oportunidade de se pronunciar acerca da quaestio,
em acordão ementado nos seguintes termos:
PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE
RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER
CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º,
CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA
CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO
DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas
pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem
jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade
deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem
incumbe formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal
e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas - representa
conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O
Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua
atuação no plano da organização federativa brasileira, não
pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável
omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL
INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos
que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em
promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento
de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
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infidelidade governamental ao que determina a própria Lei
Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS
CARENTES.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas
de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes,
inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da
República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção
do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à
vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que
nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua
própria humanidade e de sua essencial dignidade.
Precedentes do STF (STF. RE nº 271286 AgR/RS. Segunda
Turma. Rel. Ministro Celso de Mello. DJU 24.11.2000, pág.
101).
De cujo teor extrai-se a seguinte fundamentação quanto ao
reconhecimento do direito e a legitimidade jurisdicional para tanto:
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que,
para além da simples declaração constitucional desse direito,
seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido,
especialmente naqueles casos em que o direito – como o
direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de
que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a
implementação de prestações positivas impostas pelo
próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito
à saúde fez que o legislador qualificasse, como prestações de
relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art.
197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e
do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos
estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o
mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a
eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por
qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento
governamental desviante.
Sob outro aspecto, eventual limitação orçamentária não
pode ser óbice à efetiva prestação do direito do paciente em se submeter aos
exames e tratamento necessários à recuperação da sua saúde, uma vez que
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“entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito
subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º,
caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema
– que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível
opção: o respeito indeclinável à vida” (STF. Petição n.º 1.246-1/SC. DJU de
13.2.97).
Em razão disso, não pode a eventual limitação orçamentária,
constituir-se em óbice à defesa e regular exercício do direito à vida, à saúde e
à dignidade da pessoa humana.
DA CONDENAÇÃO DO REQUERIDO EM
OBRIGAÇÃO DE FAZER
Havendo lei que assegure com absoluta prioridade a efetiva
garantia da saúde do paciente, deve o Estado “prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício” (artigo 2º da Lei nº 8.080/90).
Assim sendo, e para que se concretize a eficácia do
resultado final pretendido, que é justamente o de providenciar a monitoração e
o acompanhamento do tratamento com realização de exames periódicos e
dispensa da medicação adequada de acordo com o diagnóstico, perfaz-se
imprescindível a condenação do ESTADO DE SANTA CATARINA em
obrigação de fazer.
De acordo com o artigo 3º da Lei nº 7.347/85:
Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer.
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Logo, estando devidamente evidenciado que o Estado de
Santa Catarina não vem cumprindo satisfatoriamente com sua inescusável
obrigação de assistência prioritária à saúde do paciente Roberto Klagemberg,
cabe ao Poder Judiciário determinar o restabelecimento imediato de seu lídimo
direito à manutenção da sua qualidade de vida, hoje em risco por omissão
intolerável do requerido.
De outro lado, uma vez admitida a condenação do Poder
Público em obrigação de fazer, cumpre a essa autoridade a cominação de
multa diária, nos termos do que dispõe o artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública
(Lei nº 7.347/85) e o artigo 84, §4º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/90), pois de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a “determinação
legal contida no artigo 11, da Lei 7.347/85, tem o objetivo imanente de fazer valer
a obrigação, uma vez que retirada da mensagem legal a imposição de pena, é
consectário lógico a mitigação da ordem, à míngua de punição ante seu
descumprimento” (RESP nº 205153/GO. DJU 21.08.2000, p. 98. RSTJ 139/55)
DO DIAGNÓSTICO E INCLUSÃO NO TRATAMENTO DO PACIENTE
INAUDITA ALTERA PARTE
Verificada a plausibilidade do direito material invocado na
forma acima mencionada (direito do substituído processual submeter-se
urgentemente
aos exames de diagnóstico e inclusão - Biópsia Hepática e
PCR-RNA/HCV – para que possa ver assegurado seu tratamento e
acompanhamento médicos na forma do protocolo clínico e diretrizes
terapêuticas estabelecido na Portaria Ministerial nº 639/GM) assim como o
perigo de dano decorrente da situação de risco decorrente da possibilidade de
evolução negativa da patologia para cirrose ou carcinoma hepático (câncer de
fígado), conforme atestado médico anexo, acaso não inicie rapidamente seu
tratamento, da mesma forma se mostra necessário o deferimento, liminarmente
e inaudita altera pars, da medida acauteladora consistente na imediata
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realização no paciente dos exames de “biópsia hepática” e “PCR-RNA/HCV”, na
forma do artigo 12, “caput”, da Lei nº 7.347/85 c/c artigo 798 do Código de
Processo Civil, de modo a possibilitar sua inclusão no sistema único de saúde
para imediato início de tratamento e acompanhamento.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, ao
comentar o dispositivo da Lei da Ação Civil Pública:
O art. 12 da lei faculta ao juiz conceder mandado liminar, com
ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
É imprópria a expressão mandado liminar. O que o juiz
concede, na verdade, é a medida liminar, vale dizer, a
providência in limine litis que objetiva impedir ou paralisar a
conduta ofensiva aos interesses tutelados. Mandado é mero
instrumento de documentação processual, já que comprova a
existência de ato judicial, no caso o que concedeu a medida
liminar...
A liminar é medida de natureza acautelatória e consubstancia
a função preventiva do processo, como bem define Alfredo
Buzaid. Se bem analisarmos a expressão, não será difícil
perceber que a medida liminar só indica que a providência
judicial está sendo concedida de plano, normalmente sem
audiência da outra parte. Não explica, contudo, seu conteúdo
ou seu objetivo. É este, no entanto, que vai caracterizar sua
natureza jurídica como sendo medida cautelar, exatamente
porque visa acautelar direitos e resguardá-los contra eventual
demora na solução do processo.
(...)
Na ação civil pública também pode ser concedido mandado
liminar. Embora as medidas cautelares guardem mais
adequação com a ação cautelar, a doutrina tem entendido que
normas processuais prevêem, algumas vezes, esse tipo de
providência em diversas ações. É o chamado poder geral de
cautela conferido ao juiz pelo artigo 798 do Código de
Processo Civil, que autoriza a expedição de medidas
provisórias quando julgadas necessárias em determinadas
situações fáticas. Como bem anota Humberto Theodoro
Júnior, “tais providências que carecem da qualidade de
processo e ação, apresentam-se essencialmente como
acessórias do processo principal”, motivo por que “não
devem sequer ensejar autuação apartada ou em apenso”... O
que é importante, é que se façam presentes os pressupostos
da medida – o risco de lesão irreparável em vista da eventual
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demora e a plausibilidade do direito. Desse modo, o autor da
ação civil pública, vislumbrando situação de risco aos
interesses difusos ou coletivos a serem protegidos, pode
requer ao juiz, antes mesmo de formular o pedido na ação, a
concessão de medida liminar, a exemplo, aliás, do que ocorre
naturalmente em outros procedimentos especiais, como o
mandado de segurança e a ação popular (“Ação Civil Pública
– Comentários por Artigo”. Editora Lumen Juris. 3ª edição. p.
334/335).
De mais a mais, a acessoriedade que qualifica a medida
liminar em comento encontra fundamento na jurisprudência, segundo a qual
não “há necessidade de ajuizar-se ação cautelar, antecedente de ação principal,
para pleitear a liminar, como evidente desperdício de tempo e atividade
jurisdicional”, pois o “pedido de concessão de liminar pode ser cumulado na
petição inicial de ACP de conhecimento, cautelar ou de execução” (RJTJSP
113/312).
Acerca da impossibilidade de liminar contra a Fazenda
Pública (e também liminar satisfativa), mister uma primeira consideração de
que não se pretende com a presente providência acauteladora o exaurimento
do objeto desta ação, que é caracterizado por uma prestação de trato
sucessivo (obrigação do requerido promover, de forma gratuita, contínua e
ininterrupta, o tratamento do paciente e sua monitoração e acompanhamento),
que não se confunde com a tutela liminar que virá a resguardar eventual
situação de risco (o agravamento da condição de saúde o paciente) até final
julgamento da lide.
Além disso, cumpre asseverar que é consabido que o poder
geral de cautela do magistrado deve sempre ser compreendido com amplitude
compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a
correspondente eficácia da função jurisdicional; por tal razão, no enfrentamento
do conflito entre a eficácia da tutela jurisdicional da vida e as limitações legais
desse poder inerente à atividade judicante, há de prevalecer sempre aquela,
sem a qual despicienda se tornaria o sistema de garantias constitucionais,
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frente ao espezinhamento jurisdicional do sagrado direito à vida, maior legado
de um Estado Democrático de Direito.
CARLOS VARALDO explica que a hepatite c " é uma doença
do fígado adquirida pelo contato com sangue contaminado ou outros fluidos
corporais infetados. É causada pelo vírus HCV, conhecido anteriormente como
vírus não A/não B. Foi descoberta recentemente (1989) e sua forma de atuar
ainda é conhecida por um reduzido número de médicos" ("Convivendo com a
hepatite C", RJ, 2000, edição do autor, p.11).
Conforme a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS,
a prevalência da hepatite C no mundo é de aproximadamente 200 milhões de
pessoas contaminadas, o que torna a hepatite C a maior epidemia da historia
da humanidade. A prevalência no Brasil, conforme a OMS, situa-se entre 2,5 e
4,9% da população. (“Weekly Epidemiological Record”, número 3: 2000, 75, 1728, página 3), sendo que de acordo com o Dr. Adávio de Oliveira Silva, " cerca
de 33% dos portadores crônicos do vírus da hepatite C progridem rapidamente
para cirrose, em menos de 20 anos de infecção" ("Hepatite Viral C". São Paulo:
2000, Pizarro Farmacêutica Ltda.).
A evolução da doença leva a perda das funções hepáticas,
quando somente um transplante possibilita a sobrevida do paciente, não
significando a cura da doença ("Emergências em Gastroenterologia", Rio de
Janeiro:2001. Editora Livraria Rubio. Pág. 331/332).
Por essa razão lógica e humanitária, especialmente em
casos graves como o presente, tem a jurisprudência relativizado a vedação de
concessão de medidas liminares contra atos do poder público sem a prévia
ouvida do representante jurídico da pessoa interessada, a exemplo do que
transcreve-se algumas decisões:
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PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE
INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU LIMINAR
EM AÇÃO CAUTELAR – CARÁTER SATISFATIVO –
EXCEPCIONALIDADE – VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO
CONFIGURADA
–
FORNECIMENTO
PERIÓDICO
E
CONTINUADO
DE
MEDICAMENTO
(ACETATO
DE
DESMOPRESSINA) – DIABETE INSÍPIDA – SITUAÇÃO
EMERGENCIAL – DIREITO À VIDA – DIVERVÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – LEI Nº 8.038/90 E
RISTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS – PRECEDENTES.
É vedada a concessão de liminar contra atos do poder
público, em ação cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o
objeto da ação. Na hipótese, a prestação cautelar liminar não
tem o caráter satisfativo, por isso que o fornecimento do
medicamento é periódico e continuado; caso em que estaria
sendo negado direito indisponível e absoluto à vida, já que
sem o medicamento a recorrida não sobreviveria.
Interpretação restrita do art. 1º, §§ 1º e 3º da Lei nº 8.437/92.
Divergência jurisprudencial que desatende às determinações
legais e regimentais para demonstração do dissídio
pretoriano. Recurso não conhecido (STJ. REsp. nº
93658/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins.
DJU 23.08.1999, pág. 91).
Ou então:
MEDICAMENTO - CERIDASE - FORNECIMENTO - LIMINAR
SATISFATIVA - DIREITO A VIDA.
E VEDADA A CONCESSÃO DE LIMINAR CONTRA ATOS DO
PODER PUBLICO, NO PROCEDIMENTO CAUTELAR, QUE
ESGOTE, NO TODO OU EM PARTE, O OBJETO DA AÇÃO.
NESTE CASO, ENTRETANTO, O QUE ESTARIA SENDO
NEGADO SERIA O DIREITO A VIDA, POIS SEM O
MEDICAMENTO O RECORRIDO NÃO SOBREVIVERIA.
RECURSO IMPROVIDO (STJ. RSTJ 106/109).
E ainda:
A PROIBIÇÃO DO DEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR QUE
ESGOTE O OBJETO DO PROCESSO SÓ SUBSISTE
ENQUANTO O RETARDAMENTO NÃO FRUSTRAR A TUTELA
JUDICIAL, QUE É GARANTIA CONSTITUCIONAL (STJ. ROMS
nº 6063/RS. 2ª Turma. Rel. Ministro Ari Pargendler. LEXSTJ
105/86).
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Considere-se, ainda, que em reiteradas manifestações
decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que as
“restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação
de liminares contra atos do Poder Público (art. 1o da Lei n. 8.437/92), consoante
orientação do STF (RTJ – 132/571), devem ser interpretadas mediante um
controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado em cada caso
concreto” evitando-se assim um “abuso das limitações e a conseqüente afronta
à plenitude da jurisdição do Poder Judiciário” (Agravo de Instrumento nº
97.001945-9, da Capital. Rel. Desembargador Eder Graf).
Frente a essas considerações, afigura-se perfeitamente
admissível a concessão da medida liminar pretendida, initio litis e inaudita
altera pars, assegurando-se, destarte, a eficácia do provimento final pretendido.
Uma vez deferida a medida liminar de imediata realização no
paciente dos exames de “biópsia hepática” e “PCR-RNA/HCV” na forma aludida,
a fim de garantir sua regular eficácia, impõe-se a fixação de multa diária em
caso de descumprimento, nos termos do artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85.
DOS REQUERIMENTOS
Em face do exposto, REQUER-SE:
1. que seja concedida, initio litis e inaudita altera pars, sem
justificação prévia, a medida liminar de realização no
paciente Roberto Klagenberg, no prazo de 15 dias, dos
exames
de
“biópsia
hepática”
e
“PCR-RNA/HCV”,
possibilitando-lhe o imediato ingresso no sistema, para
tratamento e acompanhamento da patologia;
1.1 – A fim de garantir o cumprimento da medida liminar,
com fundamento no artigo 12, §2º da Lei nº 7.347/85, requer
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seja fixada multa diária equivalente a 1000 (mil) UFIR’s, em
caso de descumprimento.
Cumprida a medida liminar, REQUER-SE:
1. a citação do ESTADO DE SANTA CATARINA, na pessoa
de seu Procurador-Geral (artigo 12, inciso I, do CPC), no
endereço
preambularmente
declinado,
para
que,
querendo, conteste a presente ação, sendo alertado
desde já sobre os efeitos da revelia (artigo 215 e 319 do
CPC);
2. intimação pessoal deste órgão do Ministério Público de
todos os atos processuais, na forma que dispõe o artigo
236, § 2º, do CPC e artigo 41, inciso IV, da Lei 8625/93;
3. a produção, se necessária, de todas as espécies de
provas
admitidas
documentais,
em
periciais
direito,
e
em
testemunhais
especial
as
(testemunha
adiante arrolada), além de outras por ventura necessárias
(artigo 332 e 407 do CPC);
A procedência do pedido, com a confirmação da medida
liminar deferida, para o fim de:
1. condenar-se o ESTADO DE SANTA CATARINA em
obrigação
de
fazer,
acompanhamento
consistente
médicos
do
no
tratamento
paciente
e
Roberto
Klagenberg, no prazo e na forma previstos no protocolo
clínico e diretrizes terapêuticas estabelecido na Portaria
Ministerial nº 639/GM, de 20 de junho de 2000, do
Ministério da Saúde.
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E ainda:
a) nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85, a cominação
de multa diária consistente em 1000 (mil) UFIR’s, para
pagamento em caso de descumprimento da sentença
final,
além
das
perdas
e
danos
eventualmente
verificados (artigo 1056 do CC).
Requer-se, por fim, a isenção de custas, emolumentos e
outros encargos, conforme artigo 18 da Lei nº 7.347/85, atribuindo à causa,
para todos os efeitos, o valor de R$100,00 (cem reais).
Nestes termos, pede deferimento.
São Miguel do Oeste, 12 de maio de 2004.
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